RESENHAS BOOK REVIEWS
Cristiano Guedes
Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. c.guedes@anis.org.br
GENETIC DISCRIMINATION. Albertson LJ, editor. New York: Nova Science Publishers Inc; 2008. 113 p.
ISBN: 978-1-60456-357-3
Restringir o direito de pessoas a planos de saúde ou oportunidades de trabalho é apontado como a principal conseqüência do fenômeno conhecido como "discriminação genética". Os avanços da ciência no campo da genética e as descobertas obtidas com o Projeto Genoma Humano favorecem cada vez mais a identificação precoce de doenças mediante a utilização de testes preditivos. Para uma parcela significativa das doenças precocemente identificadas ainda não há cura e o tratamento disponível é considerado bastante oneroso pelas empresas de planos de saúde e pelos empregadores. Nesse sentido, a informação genética obtida pode levar à discriminação de pessoas, sendo necessárias medidas voltadas à proteção de quem tem os direitos ameaçados em virtude de diagnósticos genéticos. A criação de uma lei federal foi um dos caminhos escolhidos pelos Estados Unidos para lidar com o fenômeno da discriminação genética, como discute o livro Genetic Discrimination, organizado por Leana Albertson.
O objetivo principal do livro foi o de descrever como o debate sobre discriminação genética ocorreu no congresso estadunidense até se chegar, em 2008, à aprovação de um projeto de lei federal remetido para sanção presidencial. Como estratégia metodológica do livro, foram reunidos cinco especialistas no tema da discriminação genética. No decorrer dos capítulos eles apresentaram, baseados na técnica de análise documental e em revisão da literatura, o significado de discriminação genética construído pelo parlamento estadunidense e o modo como se delineou o debate responsável por subsidiar a redação do projeto de lei aprovado. O debate presente no livro é uma importante peça para o avanço de pesquisas ou mesmo para a criação de meios destinados à proteção de pessoas submetidas a testes genéticos no Brasil, onde já existem casos relatados de discriminação genética e um projeto de lei que se arrasta há uma década no Congresso Nacional sobre o tema. As principais questões discutidas no livro são: (i) a especificidade da informação genética em detrimento de outras informações no campo da saúde; (ii) os argumentos contrários e os argumentos favoráveis à criação de uma lei de combate à discriminação genética.
Antes da elaboração da lei para o combate à discriminação genética, os parlamentares estadunidenses discutiram em que medida uma lei com tal especificidade se justificaria. Nos Estados Unidos, desde a década de 1960 já existia legislação protegendo direitos civis das pessoas e, nas décadas seguintes, foram criadas leis para assegurar os direitos de pessoas com deficiências. O livro sugere, entretanto, que as leis existentes não eram suficientes para a proteção de pessoas vítimas de discriminação devido a doenças e outros tipos de características genéticas. Mesmo a lei federal conhecida como Americans with Disabilities Act (ADA) foi considerada frágil para a resolução de conflitos na esfera judicial, pois não era explicitamente voltada à informação genética. No Brasil a controvérsia sobre a real necessidade desse tipo de lei também é observada. Para alguns pesquisadores, o art. 5º da Constituição Federal seria suficiente para coibir práticas de discriminação genética.
Entre os argumentos apresentados pelos opositores à criação de uma lei de combate à discriminação genética, o livro apresenta os seguintes: a legislação já existente seria suficiente para a proteção dos direitos de pessoas submetidas a testes genéticos; a lei a ser criada poderia promover litígios contra empregadores; e o fenômeno da discriminação genética era bastante reduzido ou mesmo não estava ocorrendo, tendo em vista a falta de evidências (casos documentados). Em geral, os porta-vozes de tais argumentos eram membros de empresas fornecedoras de seguros, cujos interesses econômicos se chocariam com os limites impostos pela lei a ser criada. Apesar de frágeis, os argumentos dos opositores sempre mereceram cuidadosas respostas dos defensores da lei, os quais se baseavam em evidências históricas e dados de pesquisas para contra-argumentar.
No livro são citados diferentes casos de discriminação genética ocorridos no território estadunidense, tais como: restrições de direitos trabalhistas e acesso a seguros no caso de pessoas com doença de Huntington; elevadas quantias exigidas pelos planos de saúde às famílias com histórico de câncer de mama; e dificuldades ou mesmo proibição impostas pelos planos de saúde em aceitar o ingresso de indivíduos cujo histórico familiar marcado por doenças genéticas era conhecido. As pessoas que se dispuseram a revelar suas experiências contribuíram com evidências necessárias à criação da lei federal. É mencionado o reduzido número de casos documentados de discriminação genética no decorrer dos debates ou mesmo na literatura. Uma das hipóteses consideradas para explicar a escassez de casos conhecidos seria a de que as vítimas de discriminação genética relutariam em compartilhar suas histórias devido ao receio de sofrerem ainda mais opressão.
Assim como nos Estados Unidos, o fenômeno da discriminação genética está presente no Brasil. Em 2007, por exemplo, foi realizada uma reunião interministerial com a presença de profissionais de saúde, pesquisadores e representantes do governo e de movimentos sociais para discutir a discriminação sofrida por brasileiros que possuem uma característica genética conhecida como traço falciforme. A reunião tinha o objetivo de discutir diretrizes destinadas à proteção das pessoas com o traço falciforme que vinham sendo impedidas de trabalhar nas forças armadas ou mesmo atuar como esportistas profissionais. Como resultado da reunião, foi publicado em 2009 o primeiro documento oficial brasileiro onde o tema da discriminação genética é indiretamente discutido, ao se traçar diretrizes voltadas a não discriminação de pessoas com traço falciforme no trabalho e nos esportes.
Muito embora o livro represente uma importante ferramenta para se pensar o fenômeno da discriminação genética, faz-se necessário reconhecer as diferenças entre Brasil e Estados Unidos, sobretudo, em relação aos sistemas de saúde disponíveis nos dois países. Um dos elementos que contribuíram para o formato da lei estadunidense de combate à discriminação genética foi o sistema de saúde privado e mercantilizado existente naquele país. A lei criada buscou assegurar o acesso de pessoas aos serviços de saúde desde que capazes de pagar pelos serviços privados disponíveis. No Brasil, porém, a saúde é um direito assegurado na Constituição, e existe um sistema de saúde público com acesso universal, apesar de uma parcela da população possuir planos de saúde privados. Nesse sentido, o fenômeno da discriminação genética no contexto brasileiro tenderia a se manifestar mais intensamente no mundo do trabalho e uma futura lei deveria estar atenta a tal especificidade. Entretanto, no futuro, a discriminação genética pode também ser uma pauta envolvendo as empresas brasileiras de seguros privados, entre as quais já se discute a possibilidade de utilizar informação genética para determinar condições de acesso a seguros de vida.
Considerando-se a presença da discriminação genética no Brasil e a ausência de meios eficazes de proteção de pessoas com esse tipo de vulnerabilidade, o governo e a sociedade têm como desafio criar condições favoráveis ao avanço da ciência combinado à preservação de direitos das pessoas submetidas a testes genéticos. O livro Genetic Discrimination pode ser considerado uma provocação para que se criem diretrizes voltadas ao uso da informação genética em benefício da promoção da saúde. A preservação dessa meta depende, contudo, de como os países conseguirão mediar interesses econômicos diversos cada vez mais presentes e determinantes no campo da genética.