EDITORIAL
Tratamento farmacológico da obesidade: a perspectiva da saúde pública
Francisco J. R. Paumgartten
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. paum@ensp.fiocruz.br
Durante os últimos 30 anos, a prevalência de sobrepeso (índice de massa corporal - IMC > 25kg/m2) e obesidade (IMC > 30kg/m2) aumentou dramaticamente em todo o mundo. Como o excesso de peso contribui para o aparecimento e agravamento de doenças crônicas como diabetes tipo-2, hipertensão, doença cardiovascular, derrame, depressão, vários tipos de câncer, e outras condições, a prevenção e o tratamento eficaz da obesidade devem reduzir a morbidade, mortalidade e custo da atenção à saúde. O objetivo do tratamento da obesidade é prevenir ou atenuar a morbidade associada ao excesso de peso, e não apenas reduzir o peso ou alcançar o peso "ideal" do paciente. A dieta e o exercício físico são as opções terapêuticas de primeira escolha para a obesidade. Os tratamentos farmacológicos, sempre aliados à dieta e exercícios, devem ser reservados para os pacientes obesos que não responderam às abordagens comportamentais apenas. Entretanto, até agora o tratamento farmacológico da obesidade tem produzido resultados decepcionantes. Muitos medicamentos para obesidade (tipo anfetamina, derivados da fenfluramina, rimonabanto e outros) foram retirados do mercado por exibirem relações risco-benefício claramente desfavoráveis. Além disso, a efetividade a longo prazo dos inibidores de apetite é na melhor das hipóteses questionável. Embora causem perda de peso nas primeiras semanas de tratamento, a redução de peso atribuível aos anorexígenos (isto é, a perda de peso que excede aquela alcançada apenas com dieta e exercício) é em geral modesta, e uma recuperação parcial de peso ocorre quando eles são usados por período superior a um ano. Em quase todos os casos, a perda de peso alcançada com inibidores de apetite é revertida quando o medicamento é interrompido. Como a obesidade é uma condição crônica, e o peso é recuperado com a interrupção do fármaco, é provável que os pacientes tomem esses medicamentos por anos, ou mesmo ao longo de suas vidas. Acredita-se que reduções modestas de peso (5-10%) alcançadas com dieta e exercícios melhorem as comorbidades da obesidade. Reduções modestas de peso obtidas com inibidores de apetite, entretanto, não são necessariamente traduzidas em benefícios à saúde no longo prazo, isto é, redução da morbidade e mortalidade associada ao excesso de peso. A ausência de efeitos benéficos de um anorexígeno foi recentemente revelada por um estudo clínico pós-registro de longa duração (5 anos) (SCOUT - Sibutramine Cardiovascular Outcomes Trial) envolvendo 10.744 pacientes obesos com doença cardiovascular pré-existente, diabetes tipo-2, ou ambas. O SCOUT mostrou que a sibutramina aumentou os riscos de doença cardiovascular (infarto do miocárdio e derrames), em vez de reduzir os riscos como esperado. Até hoje, nenhum estudo clínico controlado e aleatorizado, envolvendo um número grande de pacientes, demonstrou que anorexígenos produzem benefícios à saúde no longo prazo. Após 13 anos no mercado, a sibutramina foi banida nos Estados Unidos, Europa e na maioria dos países, onde o Orlistat, um inibidor da absorção de gordura nos intestinos, permanece como o único medicamento aprovado para tratamento de longa duração da obesidade. Se ensaios clínicos de longa duração de segurança e eficácia (isto é, prevenção e redução das comorbidades do excesso de peso) não forem realizados antes da comercialização, novos medicamentos para obesidade ineficazes provavelmente entrarão e permanecerão no mercado por muito tempo.