Fatores sociodemográficos e de saúde associados à fragilidade em idosos: uma revisão sistemática de literatura

Amanda de Carvalho Mello Elyne Montenegro Engstrom Luciana Correia Alves Sobre os autores

Resumo

A fragilidade é uma síndrome que gera prejuízos práticos à vida do idoso, pois está relacionada à maior risco de dependência, quedas, hospitalização, institucionalização e morte. O objetivo desta revisão sistemática foi identificar os fatores sociodemográficos, psicocomportamentais, de condições de saúde, estado nutricional e estilo de vida associados à fragilidade em idosos. Quatro mil cento e oitenta e três trabalhos publicados entre 2001 e 2013 foram detectados nas bases bibliográficas e selecionados 182 artigos completos. Após a leitura integral e aplicação dos critérios de seleção, restaram 35 artigos elegíveis para análise. Os principais fatores associados foram: idade, sexo feminino, raça/cor da pele preta, escolaridade, renda, doenças cardiovasculares, número de comorbidades/doenças, incapacidade funcional, autoavaliação de saúde ruim, sintomas depressivos, função cognitiva, índice de massa corporal, tabagismo e uso de álcool. O conhecimento da complexidade dos determinantes da fragilidade auxilia na formulação de ações de prevenção e intervenção precoce, garantindo maior qualidade de vida.

Idoso Fragilizado; Qualidade de Vida; Fatores de Risco


Introdução

A fragilidade em idosos é definida como uma síndrome clínica caracterizada pela diminuição da reserva energética, força e performance, que resulta em um declínio cumulativo de múltiplos sistemas fisiológicos, levando a um estado de maior vulnerabilidade 1. Morley JE, Vellas B, van Kan GA, Anker SD, Bauer JM, Bernabei R, et al. Frailty consensus: a call to action. J Am Med Dir Assoc 2013; 14:392-7.,2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56.. Essa condição gera prejuízos práticos à vida do idoso e de sua família, tanto clínica como psicossocialmente, pois é associada a um maior risco de consequências adversas, como dependência, quedas, hospitalização, institucionalização e morte 1. Morley JE, Vellas B, van Kan GA, Anker SD, Bauer JM, Bernabei R, et al. Frailty consensus: a call to action. J Am Med Dir Assoc 2013; 14:392-7.,2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56.,3. Fried LP, Ferrucci L, Darer J, Williamson JD, Anderson G. Untangling the concepts of disability, frailty, and comorbidity: implications for improved targeting and care. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2004; 59:M255-63.,4. Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. (Cadernos de Atenção Básica, Normas e Manuais Técnicos, 19).,5. Espinoza SE, Fried LP. Risk factors for frailty in the older adult. Clin Geriatr 2007; 15:37.. Sua prevalência em americanos é de 6,3% 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56., e em brasileiros varia entre 10 e 25% nas pessoas acima de 65 anos e 46% acima dos 85 anos 4. Ministério da Saúde. Envelhecimento e saúde da pessoa idosa. Brasília: Ministério da Saúde; 2006. (Cadernos de Atenção Básica, Normas e Manuais Técnicos, 19)..

Essa síndrome não deve ser confundida com a dependência funcional e multimorbidade, em que a primeira se refere ao fato de uma pessoa necessitar de ajuda ou precisar de assistência para realizar uma atividade, ou se a mesma não é realizada. Assim, um indivíduo é classificado como dependente quando necessita de auxílio de outra pessoa ou não consegue realizar uma tarefa 3. Fried LP, Ferrucci L, Darer J, Williamson JD, Anderson G. Untangling the concepts of disability, frailty, and comorbidity: implications for improved targeting and care. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2004; 59:M255-63.,6. Alves LC, Leimann BCQ, Vasconcelos MEL, Carvalho MS, Vasconcelos AGG, Fonseca TCO, et al. A influência das doenças crônicas na capacidade funcional dos idosos do Município de São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2007; 23:1924-30.. Já a multimorbidade é um conceito geral que engloba a presença de várias enfermidades diagnosticadas 3. Fried LP, Ferrucci L, Darer J, Williamson JD, Anderson G. Untangling the concepts of disability, frailty, and comorbidity: implications for improved targeting and care. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2004; 59:M255-63..

Estudos vêm sendo realizados no sentido de compreender as causas e fisiopatologia da fragilidade, definir e aprimorar critérios de identificação de idosos em risco e analisar os fatores que influenciam no desenvolvimento da síndrome. Há diferentes concepções sobre a identificação da fragilidade, em que o critério mais utilizado é o de Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56., que consideram frágil o idoso que apresenta três ou mais indicadores: perda de peso não intencional, baixo nível de atividade física, força de preensão palmar reduzida, velocidade da marcha reduzida e fadiga autorreferida. Outro critério que vem sendo discutido na literatura científica é o de Rockwood et al. 7. Rockwood K. Mitnitski A. Frailty in relation to the accumulationof deficits. J Gerontol Med Sci 2007 62:722-7., que agrega aspectos cognitivos e emocionais nos indicadores diagnósticos. Há ainda outros critérios, sem consenso absoluto no meio acadêmico sobre a melhor forma de diagnosticar; porém, em documento recentemente publicado 1. Morley JE, Vellas B, van Kan GA, Anker SD, Bauer JM, Bernabei R, et al. Frailty consensus: a call to action. J Am Med Dir Assoc 2013; 14:392-7., autores renomados concordam que o profissional de saúde deve escolher um modelo bem validado dentre os existentes.

Uma vez que os fatores relacionados à síndrome não são plenamente conhecidos, seu entendimento é de suma importância para que medidas de ação direcionadas possam ser planejadas e executadas. Muitos desses agravos podem ser prevenidos no nível da atenção primária em saúde, desde que os profissionais estejam atentos aos fatores que determinam a gênese da síndrome e sensibilizados para a importância da detecção precoce. Pesquisas analisaram que há diversos fatores que podem estar envolvidos na origem da fragilidade, de nível fisiológico, sociodemográfico, psicológico e nutricionais, além de comorbidades relacionadas 5. Espinoza SE, Fried LP. Risk factors for frailty in the older adult. Clin Geriatr 2007; 15:37.,8. Levers MJ, Estabrooks CA, Kerr JCR. Factors contributing to frailty: literature review. J Adv Nurs 2006; 56:282-91.,9. Kaiser MJ, Bandinelli S, Lunenfeld B. Frailty and the role of nutrition in older people: a review of the current literature. Acta Biomed 2010; 81 Suppl 1:37-45..

A presente revisão sistemática tem como objetivo identificar os fatores sociodemográficos, psicocomportamentais, de condições de saúde, estado nutricional e estilo de vida associados à fragilidade em idosos.

Métodos

Bases e estratégia de busca

Foram selecionados artigos das seguintes bases de dados: MEDLINE via PubMed, Scopus, LILACS e ISI Web of Knowledge, publicados entre os anos de 2001 e 2013. Os descritores e termos MesH consultados nas buscas foram: “age factors” OR “risk factors” OR “socioeconomic factors” OR “demographic factors” OR “clinical factors”, “biological factors” OR “behavior factors” OR “elderly nutrition” OR “nutrition”, “health status” OR “epidemiologic factors” OR “elder nutritional physiological phenomena” no campo todas as palavras das bases bibliográficas, em combinação por meio do conector boleano AND com “aging” OR “aged” OR “elderly” OR “senescence”, no campo todas as palavras e associados por intermédio do conector boleano AND com frail elderly” OR “frailty” OR “fragility” OR “elderly frail” OR “frail older adults” no campo Título e/ou abstract + key words. Foram eleitos artigos nos idiomas inglês, espanhol e português.

Critérios de seleção

Foram adotados os seguintes critérios de seleção: artigo científico original publicado em periódicos nacionais e internacionais; período de publicação entre 2001 e março de 2013; a população do estudo estar na faixa etária igual ou acima de 60 anos; desenho do estudo ser observacional (seccional, coorte ou caso-controle); a seleção de indivíduos estudados ter sido feita por amostra probabilística ou o artigo mostrar o desenho amostral; e o objetivo principal ou secundário ser a identificação de fatores associados à fragilidade em idosos.

É importante ressaltar que há diferentes critérios diagnósticos para fragilidade, sem consenso na literatura de quais seriam os marcadores mais adequados para a sua identificação. No entanto, um critério bastante utilizado e bem aceito na comunidade científica é o de Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56., publicado em 2001. Esse grupo, com base em uma pesquisa com americanos participantes do Cardiovascular Health Study, propôs que a fisiopatologia da síndrome pode ser identificada por um fenótipo, por meio de cinco componentes mensuráveis:

  • Perda de peso não intencional autorreferida de 4,5kg ou 5% do peso corporal no último ano;

  • Fadiga autorreferida avaliada por meio de questões “Senti que tive que fazer esforço para fazer tarefas habituais” e “Não consegui levar adiante minhas coisas”, da escala de depressão do Center for Epidemiological Studies (CES-D) 1010 . Orme J, Reis J, Herz E. Factorial and discriminate validity of the Center for Epidemiological Studies depression (CES-D) scale. J Clin Psychol 1986; 42:28-33.;

  • Diminuição da força de preensão palmar medida com um dinamômetro na mão dominante, estratificada pelo sexo e quartis de índice de massa corporal (IMC);

  • Baixo nível de atividade física medido pelo dispêndio semanal de energia em kcal, com informações obtidas por meio da versão reduzida do Questionário de Atividades de Lazer de Minnesota (Minnesota Leisure Time Activity Questionnaire) 1111 . Taylor HL, Jacobs Jr. DR, Schucker B, Knudsen J, Leon AS, Debacker G. A questionnaire for the assessment of leisure-time physical activities. J Chronic Dis 1978; 31:745-55., estratificado pelo sexo;

  • Diminuição da velocidade da marcha em segundos, calculada por meio da cronometragem do tempo de marcha gasto para percorrer uma distância de 4,6m em velocidade confortável, estratificado pelo sexo e média de estatura.

A presença de três ou mais componentes caracteriza o idoso frágil. A presença de um a dois identifica aqueles com alto risco de desenvolverem a síndrome (pré-frágil). Foram selecionados somente artigos que relataram utilizar este critério para a identificação de fragilidade, e por este motivo o período de busca de artigos começou a partir de 2001, ano de sua publicação.

Extração dos dados

A seleção dos artigos e a extração dos dados foram feitas por três revisores, de forma independente, mediante instrumento padronizado que continha as informações a seguir: país e local de realização do estudo; número amostral; tipo de amostra; desenho do estudo; características dos indivíduos estudados; variáveis estudadas; critério utilizado para a identificação de fragilidade; análise estatística empregada; principais resultados e limitações identificadas.

Avaliação do risco de viés

A avaliação dos artigos incluídos na análise foi feita por meio da verificação do risco de viés, conforme sugerido pela Colaboração Cochra- ne 1212 . Higgins JPT, Altman DG. Chapter 8: assessing risk of bias in included studies. In: Higgins JPT, Green S, editors. Cochrane Handbook for Systematic Reviews of Interventions, Version 5.0.1. The Cochrane Collaboration; 2008. http://www.cochrane-handbook.org (accessed on 20/May/2013).
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, e para nortear a avaliação deste risco foi utilizada uma versão adaptada da Escala de Newcastle-Ottawa 1313 . Wells GA, Shea B, O’Connell D, Peterson J, Welch V, Losos M, Tugwell P. The Newcastle-Ottawa Scale (NOS) for assessing the quality of nonrandomised studies in meta-analyses. http://www.ohri.ca/pro grams/clinical_epidemiology/oxford.asp (accesssed on 20/May/2013).
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(Tabela 1). A Escala de Newcastle-Ottawa original foi desenvolvida para avaliar a qualidade de estudos observacionais e contém oito itens que analisam três dimensões: seleção, comparabilidade e resultado (em caso de estudo de coorte) ou exposição (caso-controle). Para cada item há uma série de opções em que aquela que reflete melhor a qualidade é pontuada por uma estrela, e quanto maior a quantidade de estrelas mais elevada é a qualidade do estudo 1414 . Stang A. Critical evaluation of the Newcastle-Ottawa scale for the assessment of the quality of nonrandomized studies in meta-analyses. Eur J Epidemiol 2010; 25:603-5.. No presente trabalho, as questões foram ajustadas para investigar exposição e desfecho (fragilidade segundo definição de Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56.), e o risco de viés foi dividido em baixo risco de viés, risco incerto de viés e alto risco de viés, de acordo com o item avaliado. Cada estrela representa um item para classificação de baixo risco de viés.

Tabela 1
Adaptação da Escala de Newcasttle-Ottawa 13 para avaliação da qualidade dos estudos, utilizando a definição de fragilidade segundo Fried et al. 2 como variável desfecho.

Resultados

Após a busca bibliográfica, foram identificadas 4.183 publicações. Dessas, descartamos 629 duplicadas por serem oriundas de duas ou mais bases de dados e, após a leitura dos títulos e resumos, 3.372 foram dispensadas devido a fragilidade ser a variável independente, o desenho do estudo ser de intervenção, revisão ou validação de um critério diagnóstico, ou ainda, a publicação ser do tipo livro, comentários ou editoriais de revistas. Foram selecionados para análise 182 artigos completos, e após a leitura destes e aplicação dos critérios de seleção restaram 35 artigos elegíveis. A Figura 1 apresenta o fluxo de seleção dos estudos.

Figura 1
Fluxograma de seleção dos artigos incluídos na análise.

Características gerais dos estudos

Nos estudos analisados, o período de coleta de dados variou de 1989 a 2011. O ano com o maior número de publicações foi o de 2012 (n = 10). A maioria dos estudos foi com participantes norte-americanos (n = 12), seguidos de europeus (n = 11), latino-americanos (n = 9) e asiáticos (n = 3). O número de sujeitos variou de 77 a 40.657, e a maior parte dos estudos foi com amostra acima de 600 indivíduos. A idade dos idosos foi acima de 65 anos, exceto em três estudos, que foram acima de 60 anos. Os resultados analisados neste artigo advêm principalmente de estudos seccionais (n = 27).

Na Tabela 2 estão apresentadas detalhadamente as principais características dos 35 estudos, com o desenho utilizado, as variáveis independentes estudadas, a técnica de análise estatística adotada, os principais resultados e as limitações enumeradas por seus autores.

Tabela 2
Fatores associados à fragilidade em idosos segundo estudos observacionais.

As variáveis independentes mais estudadas foram as demográficas (n = 33), doenças e condições de saúde (n = 30), socioeconômicas (n = 30), psicocomportamentais (n = 23) e relacionadas ao estado nutricional (n = 17), e as menos estudadas foram as relacionadas ao estilo de vida (n = 11). A maioria dos estudos empregou modelos de análise de regressão (n = 24). Todos os resultados apresentados foram os considerados estatisticamente significativos.

Fatores demográficos, socioeconômicos e fragilidade

Dentre os 35 estudos, 33 avaliaram fatores demográficos e 30 socioeconômicos. A variável demográfica mais avaliada foi idade (n = 31) e a socioeconômica, escolaridade/nível educacional (n = 27). De maneira geral, idade, raça/cor da pele preta e sexo feminino foram associados positivamente com fragilidade, e a associação entre fragilidade, escolaridade e renda foi inversa.

Doenças, condições de saúde e fragilidade

As principais doenças avaliadas nos estudos foram doenças cardiovasculares (DCV) (n = 17), diabetes mellitus (n = 17), hipertensão arterial sistêmica (HAS) (n = 14), doenças pulmonares (n = 10), artrite (n = 11), câncer (n = 8) e derrame cerebral (n = 7). O número de comorbidades/doenças também foi considerado variável independente em 14 estudos. Fragilidade teve associação positiva principalmente com DCV e número de comorbidades/doenças. Como era previsto, nenhuma doença teve associação inversa com fragilidade ou foi considerada como efeito protetor.

O estado funcional, mensurado principalmente pelas atividades da vida diária (AVD) e atividades instrumentais da vida diária (AIVD), foi investigado em 16 estudos e o diagnóstico de incapacidade funcional associou-se positivamente com fragilidade em nove deles.

Quanto à autoavaliação de saúde, analisada em oito estudos, foi encontrada associação positiva entre autoavaliação de saúde ruim e fragilidade.

Fatores psicocomportamentais e fragilidade

Os sintomas depressivos foram avaliados em 17 estudos, e a função cognitiva foi testada em 15 trabalhos. O instrumento mais utilizado para avaliar a função cognitiva foi o Mini Exame do Estado Mental (Mini Mental State Examination; MMSE) 1515 . Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR. Mini-Mental State: a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res 1975; 12:189-98., e os idosos que obtinham os maiores escores eram considerados como tendo melhor função cognitiva. Foi encontrada associação inversa entre função cognitiva e fragilidade, já os sintomas depressivos apresentaram associação positiva com a síndrome em questão.

Estado nutricional, estilo de vida e fragilidade

A variável de estado nutricional mais avaliada foi o IMC (n = 13). Os fatores relacionados ao estilo de vida foram os menos analisados nos artigos selecionados e corresponderam ao tabagismo (n = 10), uso de álcool (n = 6) e atividade física (n = 2). Associação positiva foi encontrada entre tabagismo e fragilidade em dois estudos, e foi observada associação inversa entre uso de álcool e fragilidade em três trabalhos. A maioria dos estudos encontrou associação positiva entre fragilidade e IMC, e dois trabalhos observaram que idosos considerados abaixo do peso segundo o IMC tinham associação positiva com fragilidade.

Limitações enumeradas pelos autores dos artigos analisados

As limitações mais observadas pelos autores dos artigos selecionados foram: o estudo ser seccional, não permitindo inferências causais; adaptações das escalas sugeridas no critério de Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56.; e parte dos dados serem de autorrelato.

Avaliação do risco de viés

A Tabela 3 sumariza a avaliação do risco de viés por estudo, e a Figura 2 apresenta o gráfico relacionado a cada questão da Escala de Newcastle- Ottawa 1313 . Wells GA, Shea B, O’Connell D, Peterson J, Welch V, Losos M, Tugwell P. The Newcastle-Ottawa Scale (NOS) for assessing the quality of nonrandomised studies in meta-analyses. http://www.ohri.ca/pro grams/clinical_epidemiology/oxford.asp (accesssed on 20/May/2013).
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adaptada.

Tabela 3
Avaliação do risco de viés de acordo com a adaptação da Escala de Newcasttle-Ottawa 13.

Figura 2
Gráfico do risco de viés dos estudos analisados.

Em relação à análise do risco de viés, observou-se que 34 estudos coletaram informações sobre as variáveis independentes por meio de entrevista estruturada, aferição de medidas corporais e testes clínicos (baixo risco de viés), e somente um não descreveu o método de forma clara (risco incerto de viés).

Quanto à seleção dos participantes, todos eram idosos residentes na comunidade local e não institucionalizados (baixo risco de viés).

Mais da metade dos trabalhos (n = 19) apresentaram modificação em três ou mais componentes do critério de Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56. (alto risco de viés).

Apenas um artigo mencionou que a amostra era representativa da população local (baixo risco de viés).

Nos estudos longitudinais (n = 7), somente um trabalho explicitou que a amostra não apresentava a síndrome no início da coorte (baixo risco de viés).

Discussão

Os principais fatores sociodemográficos, psicocomportamentais, de condições de saúde, estado nutricional e estilo de vida associados positivamente à fragilidade foram: idade, sexo feminino, raça/cor da pele preta, DCV, número de comorbidades/doenças, incapacidade funcional, autoavaliação de saúde ruim, sintomas depressivos, IMC e tabagismo. Os de associação inversa foram: escolaridade, renda, função cognitiva e uso de álcool.

Embora os estudos selecionados apresentassem diferentes delineamentos, tamanho de amostra e localidade, observou-se homogeneidade nas relações entre as variáveis demográficas e socioeconômicas e fragilidade. Em um estudo longitudinal com 5.317 norte-americanos maiores que 65 anos, foi observado que a prevalência de fragilidade foi mais elevada em idosos mais velhos, em mulheres, negros e em sujeitos de baixa renda 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56.. Essa associação também foi encontrada em estudo longitudinal com idosos franceses 1616 . Ávila-Funes JA, Helmer C, Amieva H, Barberger-Gateau P, Le Goff M, Ritchie K, et al. Frailty among community-dwelling elderly people in France: the three-city study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2008; 63:1089-96. e em estudos seccionais tanto com idosos americanos quanto com espanhóis 1717 . Michelon E, Blaum C, Semba RD, Xue QL, Ricks MO, Fried LP. Vitamin and carotenoid status in older women: associations with the frailty syndrome. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2006; 61:600-7.,1818 . Alcalá MVC, Puime ÁO, Santos MTS, Barral AG, Montalvo JIG, Zunzunegui MV. Prevalencia de fragilidad en una población urbana de mayores de 65 años y su relación con comorbilidad y discapacidad. Aten Primaria 2010; 42:520-7.. Nas idades mais avançadas ocorre um aumento dos idosos pré-frágeis e frágeis, sugerindo que a fragilidade é uma condição progressiva, e este fenômeno acontece de forma mais significativa a partir dos 80 anos. Uma das hipóteses para essa relação entre aumento da idade e fragilidade está no estresse oxidativo celular acumulado ao longo dos anos, que é modulado por agentes exógenos e endógenos que influenciam na produção de espécies reativas de oxigênio, as quais levam a danos no DNA. Tais danos induzem alterações em nível celular e sistêmico, com desregulações nos processos de inflamação, apoptose, necrose e proliferação, que resultam em várias condições adversas que aumentam com o avançar dos anos, como sarcopenia, diabetes, câncer e a fragilidade 1919 . Mulero J, Zafrilla P, Martinez-Cacha A. Oxidative stress, frailty and cognitive decline. J Nutr Health Aging 2011; 15:756-60.,2020 . Karahalil B, Bohr VA, Wilson DM 3rd. Impact of DNA polymorphisms in key DNA base excision repair proteins on cancer risk. Hum Exp Toxicol 2012; 31:981-1005.,2121 . Cutler RG. Human longevity and aging: possible role of reactive oxygen species. Ann N Y Acad Sci 1991; 621:1-28..

A maior prevalência de fragilidade em mulheres pode ser explicada pela maior perda fisiológica de massa muscular no sexo feminino com o envelhecimento, além de serem mais propensas ao desenvolvimento de sarcopenia, que é um risco intrínseco para o desenvolvimento da síndrome 5. Espinoza SE, Fried LP. Risk factors for frailty in the older adult. Clin Geriatr 2007; 15:37.. Outras hipóteses estão no fato da maior sobrevivência observada em mulheres e de estas apresentarem maior prevalência de morbidades quando comparadas aos homens 2222 . Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2002; 7:687-707..

A questão racial é um fator altamente condicionante para os estados de saúde, sendo que os negros sistematicamente estão em posição muito desvantajosa comparativamente aos brancos. Estudos têm mostrado que a raça/cor da pele preta é um indicador importante de baixo nível socioeconômico e está associada a uma saúde deficiente e elevados riscos de mortalidade 2323 . Fiorio NM, Flor LS, Padilha M, Castro DS, Molina MCB. Mortalidade por raça/cor: evidências de desigualdades sociais em Vitória (ES), Brasil. Rev Bras Epidemiol 2011; 14:522-30.,2424 . Batista LE. Masculinidade, raça/cor e saúde. Ciênc Saúde Coletiva 2005; 10:71-80., o que contribui indireta e diretamente na instalação da síndrome, e há autores que acreditam que a raça seja um marcador de polimorfismos genéticos que tenham influência sobre o surgimento da fragilidade 2525 . Hirsch C, Anderson ML, Newman A, Kop W, Jackson S, Gottdiener J, et al. The association of race with frailty: The Cardiovascular Health Study. Ann Epidemiol 2006; 16:545-53..

A renda e a escolaridade não atuam diretamente na fisiopatologia da fragilidade, mas interferem fortemente no estilo e na qualidade de vida do indivíduo e, consequentemente, nos fatores que covariam com a condição socioeconômica, inclusive sexo e idade, os quais podem ter influência sobre o processo de fragilização 2525 . Hirsch C, Anderson ML, Newman A, Kop W, Jackson S, Gottdiener J, et al. The association of race with frailty: The Cardiovascular Health Study. Ann Epidemiol 2006; 16:545-53..

Em relação às doenças associadas à fragilidade, DCV e a presença de duas ou mais comorbidades são condições relevantes para a ocorrência desta síndrome em idosos. Em pesquisa seccional com 1.008 idosos mexicanos, foi observado que doenças crônicas autorreferidas como DCV, HAS, diabetes mellitus e artrite estavam associadas à fragilidade 2626 . Masel MC, Graham JE, Reistetter TA, Markides KS, Ottenbacher KJ. Frailty and health related quality of life in older Mexican Americans. Health Qual Life Outcomes 2009; 7:70.. Em um estudo seccional e longitudinal com norte-americanos, porém com diagnóstico feito por meio de exames clínicos, associação equivalente foi evidenciada 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56.,2727 . Newman AB, Gottdiener JS, McBurnie MA, Hirsch CH, Willem JK, Tracy R, et al. Associations of subclinical cardiovascular disease with frailty. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M158-66.. Alguns pesquisadores sustentam a hipótese de que DCV e algumas comorbidades estão relacionadas à aterosclerose, um estado de inflamação crônica que pode resultar em catabolismo sistêmico, além de outras mudanças fisiopatológicas, o que pode contribuir para as manifestações clínicas da fragilidade 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56.,2727 . Newman AB, Gottdiener JS, McBurnie MA, Hirsch CH, Willem JK, Tracy R, et al. Associations of subclinical cardiovascular disease with frailty. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M158-66..

Foi observada também associação direta entre incapacidade funcional e fragilidade. Em estudos seccionais recentes, tanto com chineses quanto com espanhóis, demonstrou-se que grande parte dos idosos frágeis apresentava incapacidade funcional 1818 . Alcalá MVC, Puime ÁO, Santos MTS, Barral AG, Montalvo JIG, Zunzunegui MV. Prevalencia de fragilidad en una población urbana de mayores de 65 años y su relación con comorbilidad y discapacidad. Aten Primaria 2010; 42:520-7.,2828 . Chen CY, Wu SC, Chen LJ, Lue BH. The prevalence of subjective frailty and factors associated with frailty in Taiwan. Arch Gerontol Geriatr 2010; 50:S43-7.. Em um estudo longitudinal em amostra robusta de 5.317 idosos, essa relação foi igualmente percebida 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56.. Uma hipótese que os autores desse último estudo sustentam é a de que a fragilidade pode ser um precursor de incapacidade funcional. No entanto, não se pode deixar de ressaltar um possível efeito de causalidade reversa nas relações entre capacidade funcional e fragilidade.

No âmbito das variáveis psicocomportamentais, identificou-se que a diminuição da função cognitiva e a presença de sintomas depressivos estão relacionadas com fragilidade. Em diferentes trabalhos com amostra de populações americana, mexicana e francesa, foi encontrada maior prevalência de fragilidade em idosos submetidos a diferentes questionários com escalas para depressão ou função cognitiva, e que apresentavam sintomas depressivos ou déficit de função cognitiva segundo os testes 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56.,1616 . Ávila-Funes JA, Helmer C, Amieva H, Barberger-Gateau P, Le Goff M, Ritchie K, et al. Frailty among community-dwelling elderly people in France: the three-city study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2008; 63:1089-96.,1818 . Alcalá MVC, Puime ÁO, Santos MTS, Barral AG, Montalvo JIG, Zunzunegui MV. Prevalencia de fragilidad en una población urbana de mayores de 65 años y su relación con comorbilidad y discapacidad. Aten Primaria 2010; 42:520-7.. Idosos com função cognitiva deficiente provavelmente têm mais dificuldades em se alimentar, exercitar, caminhar, o que pode levar à perda de peso e prejuízo das funções motoras e favorecer o início e progressão da síndrome. Quanto aos sintomas depressivos, a literatura mostra que a relação com fragilidade é biologicamente plausível, uma vez que indivíduos deprimidos normalmente apresentam perda de peso, pouca atividade e isolamento, o que predispõe à perda progressiva de massa muscular e força, condições estas que aceleram a instalação da síndrome 5. Espinoza SE, Fried LP. Risk factors for frailty in the older adult. Clin Geriatr 2007; 15:37..

Quanto às variáveis de ordem nutricional e estilo de vida, foi identificado principalmente que idosos abaixo do peso segundo o IMC e com maior de proporção de peso segundo o IMC apresentavam maior prevalência de fragilidade. Masel et al. 2626 . Masel MC, Graham JE, Reistetter TA, Markides KS, Ottenbacher KJ. Frailty and health related quality of life in older Mexican Americans. Health Qual Life Outcomes 2009; 7:70., em estudo com idosos mexicanos, verificaram que o fato destes estarem abaixo do peso estava relacionado à ocorrência de fragilidade. No entanto, Woods et al. 2929 . Woods NF, LaCroix AZ, Gray SL, Aragaki A, Cochrane BB, Brunner RL, et al. Frailty: emergence and consequences in women aged 65 and older in the Women's Health Initiative Observational Study. J Am Geriatr Soc 2005; 53:1321-30., além de observarem a mesma relação, também verificaram que esta ocorria em idosos com sobrepeso e obesidade. A associação de fragilidade com baixo peso pode ter relação com a perda de massa muscular comum em indivíduos em processo de emagrecimento não intencional 3030 . Chemin SS, Mura JDP. Tratado de alimentação, nutrição e dietoterapia. São Paulo: Roca; 2007.. Já a relação com sobrepeso e obesidade pode ser devido ao fato de o excesso de peso estar relacionado à ativação de processos inflamatórios, que desencadeiam alterações sistêmicas, as quais podem influenciar no início do processo de fragilização 5. Espinoza SE, Fried LP. Risk factors for frailty in the older adult. Clin Geriatr 2007; 15:37.. Há ainda autores que especulam que os extremos de peso em idosos estejam relacionados à perda de massa muscular em braços e pernas, e que o fenômeno de “obesidade sarcopênica”, referente ao aumento de peso com perda concomitante de massa muscular, gera dificuldade de mobilidade, redução da força e consequentemente inatividade física, um dos elementos do ciclo de fragilidade 3131 . Roubenoff R. Sarcopenic obesity. Does muscle loss cause fat gain? Lessons from rheumatoid arthritis and osteoarthritis. Ann N Y Acad Sci 2000; 904:553-7.,3232 . Jenkins KR. Obesity’s effects on the onset of functional impairment among older adults. Gerontologist 2004; 44:206-16..

Em relação aos trabalhos que verificaram associação inversa entre o consumo de bebida alcoólica e fragilidade 1616 . Ávila-Funes JA, Helmer C, Amieva H, Barberger-Gateau P, Le Goff M, Ritchie K, et al. Frailty among community-dwelling elderly people in France: the three-city study. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2008; 63:1089-96.,1717 . Michelon E, Blaum C, Semba RD, Xue QL, Ricks MO, Fried LP. Vitamin and carotenoid status in older women: associations with the frailty syndrome. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2006; 61:600-7.,2929 . Woods NF, LaCroix AZ, Gray SL, Aragaki A, Cochrane BB, Brunner RL, et al. Frailty: emergence and consequences in women aged 65 and older in the Women's Health Initiative Observational Study. J Am Geriatr Soc 2005; 53:1321-30. e associação positiva entre tabagismo e a síndrome 1717 . Michelon E, Blaum C, Semba RD, Xue QL, Ricks MO, Fried LP. Vitamin and carotenoid status in older women: associations with the frailty syndrome. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2006; 61:600-7.,2929 . Woods NF, LaCroix AZ, Gray SL, Aragaki A, Cochrane BB, Brunner RL, et al. Frailty: emergence and consequences in women aged 65 and older in the Women's Health Initiative Observational Study. J Am Geriatr Soc 2005; 53:1321-30., os autores não discorreram sobre possíveis explicações para tais achados. Woods et al. 2929 . Woods NF, LaCroix AZ, Gray SL, Aragaki A, Cochrane BB, Brunner RL, et al. Frailty: emergence and consequences in women aged 65 and older in the Women's Health Initiative Observational Study. J Am Geriatr Soc 2005; 53:1321-30. apenas mencionaram que ao estratificar a variável em doses por semana, verificaram que aqueles que consumiam álcool moderadamente tinham de 13 a 31% menos chances de apresentar a síndrome, mesmo após ajuste com doenças crônicas que têm sido relacionadas ao uso moderado de álcool. Sugere-se que essas associações, especialmente as relacionadas ao consumo de álcool, sejam analisadas com cautela, uma vez que nem todos os estudos fizeram análises de regressão ou ajustes com potenciais confundidores ao cruzar tais variáveis.

Uma vez que 9 dos 35 estudos analisados (26%) incluíram somente mulheres, realizou-se uma comparação entre os fatores associados à fragilidade em ambos os sexos e nos estudos só com o sexo feminino. Percebeu-se que não houve diferença entre os fatores associados, o que sugere que o sexo do idoso não tem um peso tão incisivo no estabelecimento da síndrome.

Cabe ressaltar que os estudos apresentaram variabilidade tanto no desenho quanto nos métodos utilizados para aferir as variáveis independentes. A maioria foi de delineamento seccional, o que não permite estabelecer uma relação de causa e efeito entre as variáveis independentes e o desfecho. Além disso, 18 trabalhos realizaram análises bivariadas e um total de 16 não realizaram ajustes para potenciais variáveis de confusão. No entanto, tais limitações parecem não ter influenciado de maneira geral nas associações encontradas, considerando que houve uma conformidade de resultados.

Quanto à avaliação do risco de viés, uma questão que chamou bastante atenção foi a adequação da avaliação diagnóstica de fragilidade. Conforme mencionado, a escolha do critério de Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56. para avaliação da síndrome nesta revisão, dentre os diversos existentes, foi feita por não haver consenso ou padrão-ouro para a identificação desta e pelo fato de ser amplamente utilizado em outros estudos científicos nacionais e internacionais. Esta revisão não teve como objetivo discutir criticamente os instrumentos de avaliação de fragilidade propostos pela literatura, assim, a análise de viés quanto à adequação da avaliação de fragilidade objetivou verificar somente o quanto os estudos analisados se afastaram da proposta original de Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56..

Focando-se nesse ponto, verificou-se que somente 36% dos trabalhos avaliaram fragilidade integralmente como Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56. propõem, e que 74% realizaram alguma modificação dos cinco componentes. Modificações em critérios propostos podem levar a conclusões equivocadas na comparação dos resultados dessas pesquisas com outros estudos. Por outro lado, deve-se considerar que os instrumentos propostos para avaliar algum componente, como por exemplo, o questionário proposto por Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56. para estimar baixo nível de atividade física, podem conter itens que não estejam de acordo com a realidade local da pesquisa, o que provavelmente motivaria os autores a adaptarem o questionário para ter uma resposta mais adequada e verdadeira. Cabe ressaltar ainda que há autores que operacionalizaram outros critérios e validaram tais mudanças em relação à proposta de Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56., e outros não realizaram ou mencionaram processo de validação. Assim, deve-se ter bom-senso tanto na análise dos artigos quanto na comparação com dados de outros autores.

Notou-se também que alguns estudos derivados de uma mesma coorte 1717 . Michelon E, Blaum C, Semba RD, Xue QL, Ricks MO, Fried LP. Vitamin and carotenoid status in older women: associations with the frailty syndrome. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2006; 61:600-7.,3333 . Blaum CS, Xue QL, Michelon E, Semba RD, Fried LP. The association between obesity and the frailty syndrome in older women: The Women's Health and Aging Studies. J Am Geriatr Soc 2005; 53:927-34.,3434 . Semba RD, Bartali B, Zhou J, Blaum C, Ko CW, Fried LP. Low serum micronutrient concentrations predict frailty among older women living in the community. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2006; 61:594-9.,3535 . Chaves PH, Varadhan R, Lipsitz LA, Stein PK, Windham BG, Tian J, et al. Physiological complexity underlying heart rate dynamics and frailty status in community-dwelling older women. J Am Geriatr Soc 2008; 56:1698-703.,3636 . Szanton SL, Allen JK, Seplaki CL, Bandeen-Roche K, Fried LP. Allostatic load and frailty in the women's health and aging studies. Biol Res Nurs 2009; 10:248-56.,3737 . Chang SS, Weiss CO, Xue QL, Fried LP. Patterns of comorbid inflammatory diseases in frail older women: the Women’s Health and Aging Studies I and II. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2010; 65: 407-13.,3838 . Szanton SL, Seplaki CL, Thorpe RJ, Allen JK, Fried LP. Socioeconomic status is associated with frailty: the Women’s Health and Aging Studies. J Epidemiol Community Health 2010; 64:63-7. descreviam de maneira diferente os instrumentos utilizados para mensurar os componentes do critério de Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56., o que gera dúvidas em sua análise.

Esta revisão apresenta algumas limitações. Em primeiro lugar, mediante a restrição de idiomas das publicações para português, inglês ou espanhol, e das bases de dados escolhidas para a busca de artigos; há a possibilidade de algum estudo relevante ter sido ignorado. A segunda diz respeito a limitar o critério diagnóstico de fragilidade segundo Fried et al. 2. Fried LP, Tangen CM, Walston J, Newman AB, Hirsch C, Gottdiener J, et al. Frailty in older adults: evidence for a phenotype. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2001; 56:M146-56.. A literatura científica disponibiliza diferentes instrumentos com diversos marcadores, que estão sendo testados em trabalhos internacionais. Como consequência dessa condição assumida, alguns estudos de destaque podem ter sido perdidos. Outra limitação diz respeito a restringir a apresentação de resultados somente com significância estatística. Essa decisão foi motivada pelo fato de não se poder tirar conclusões acerca de associações que não são estatisticamente significativas, e em virtude da quantidade e abrangência das variáveis analisadas.

Considerações finais

O aumento da prevalência de fragilidade entre idosos no mundo traz desafios para todos os países. O conhecimento dos fatores associados à síndrome e da complexidade de seus determinantes auxilia na formulação de ações de prevenção e intervenção precoce, o que permite um envelhecer com maior qualidade de vida e mais dignidade. Embora os estudos e a comparação entre estes apresentem limitações, esta revisão pontua uma série de fatores sociodemográficos, psicocomportamentais, de condições de saúde e estado nutricional que auxiliam na identificação de grupos mais vulneráveis e que são suscetíveis à intervenção.

Cabe atentar que embora determinantes demográficos tenham apresentado uma relação com a condição de fragilidade dos idosos, alguns são pouco passíveis de mudanças e intervenções. Por exemplo, é impossível modificar a idade e o sexo, mas devem ser considerados uma vez que diversas condições de saúde aumentam com o avançar da idade e acontecem de forma diferente entre homens e mulheres.

Assim, sugere-se que no planejamento de ações em saúde para idosos, tanto em nível individual como coletivo, leve-se em consideração os fatores aqui identificados relacionados à síndrome da fragilidade, tais como: idade, raça/cor da pele preta, sexo feminino, DCV, número de comorbidades/doenças, incapacidade funcional, autoavaliação de saúde ruim, sintomas depressivos, IMC, tabagismo, escolaridade, renda, função cognitiva, e com cautela o uso de álcool. É importante também a investigação de outros fatores não explorados nesta revisão, somados à realização de metanálises visando a uma avaliação crítica das evidências e discussão sobre a heterogeneidade que pode existir entre os resultados, além da análise de força da evidência disponível para a associação encontrada de determinada variável, para entender melhor como a forma de viver pode interferir na maneira de envelhecer e favorecer a instalação dessa síndrome.

Agradecimentos

Agradecemos à bibliotecária Gizele da Rocha Ribeiro pela grande contribuição na definição das estratégias de busca e à Capes pela concessão da bolsa de doutorado à A. C. Mello.

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Correspondência A. C. Mello Departamento de Ciências Sociais, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz. Rua Leopoldo Bulhões 1480, Rio de Janeiro, RJ 21041-210, Brasil. amandita.nut@gmail.com
Colaboradores
A. C. Mello participou de todas as etapas de elaboração do artigo. E. M. Engstrom e L. C. Alves contribuíram na revisão da literatura, seleção dos artigos e extração de dados, além de participarem da redação e revisão crítica do artigo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    14 Ago 2013
  • Revisado
    24 Fev 2014
  • Aceito
    12 Mar 2014
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br