Resumos
O objetivo foi identificar o perfil dos usuários do programa Restaurantes Populares e suas associações com a situação de insegurança alimentar domiciliar. Trata-se de estudo transversal com amostra aleatória de 1.637 usuários. Foi utilizado um questionário com variáveis socioeconômicas, a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar e aferidos peso e altura. Foram aplicados o teste de qui- quadrado, cálculo das razões de prevalência (RP) bruta e ajustada, utilizando-se o modelo de regressão de Poisson. Foram prevalentes a faixa de renda per capita entre ½ e 1 salário mínimo (35,1%), o Ensino Médio completo (39,8%) e a segurança alimentar (59,4%). Os usuários da Região Norte apresentaram os piores dados: Ensino Fundamental incompleto (39,8%), faixa de renda per capita de até ½ salário mínimo (50,8%) e insegurança alimentar (55,5%). Houve maior RP de insegurança alimentar entre os usuários que apresentaram renda per capita de até ¼ do salário mínimo (p < 0,05). Apenas renda manteve-se associada à maior prevalência de insegurança alimentar na RP ajustada. As características dos usuários em insegurança alimentar podem orientar a melhoria desta ação, os critérios de localização e funcionamento do Programa Restaurantes Populares.
Segurança Alimentar e Nutricional; Restaurantes; Iniquidade Social
This study aimed to characterize users of a government soup-kitchen program and the association with family food insecurity, using a cross-sectional design and random sample of 1,637 soup-kitchen users. The study used a questionnaire with socioeconomic variables and the Brazilian Food Insecurity Scale, and measured weight and height. The chi-square test was applied, and the crude and adjusted prevalence ratios (PR) were calculated using Poisson regression. Prevalent characteristics included per capita income ranging from one-half to one minimum wage (35.1%), complete middle school (39.8%), and food security (59.4%). Users in the North of Brazil showed the worst data: incomplete primary school (39.8%), per capita income up to one-half the minimum wage (50.8%), and food insecurity (55.5%). Prevalence ratios for food insecurity were higher among users with per capita income up to one-fourth the minimum wage (p < 0.05). Income was the only variable that remained associated with higher prevalence of food insecurity in the adjusted PR. Knowing the characteristics of soup-kitchen users with food insecurity can help orient the program’s work, location, and operations.
Food Security; Restaurants; Social Inequity
El objetivo fue identificar el perfil de los usuarios del programa Restaurantes Populares y su vinculación con la situación de inseguridad alimentaria en el hogar. Se trata de un estudio transversal con un muestreo aleatorio de 1.637 usuarios. Se utilizó un cuestionario con variables socioeconómicas, la Escala Brasileña de Inseguridad Alimentaria y se midieron peso y altura. Se aplicó el chi-cuadrado, la razón de prevalencia (RP) bruta y ajustada, con el modelo de regresión de Poisson. Fueron prevalentes la banda de ingresos per cápita entre ½ y 1 salario mínimo (35,1%), educación secundaria completada (39,8%) y seguridad alimentaria (59,4%). Los usuarios de la Región Norte presentaron los peores datos: educación primaria incompleta (39,8%), banda de ingresos per cápita de hasta ½ salario mínimo (50,8%) e inseguridad alimentaria (55,5%). Hubo una mayor RP de inseguridad alimentaria entre los usuarios que presentaron ingresos per cápita de hasta ¼ del salario mínimo (p < 0,05). Sólo el ingreso se mantuvo vinculado a la mayor prevalencia de inseguridad alimentaria en la RP ajustada. Las características de los usuarios con inseguridad alimentaria pueden orientar en la mejoría acciones, respecto a los criterios de ubicación y funcionamiento del programa restaurantes populares.
Seguridad Alimentaria; Restaurantes; Inequidad Social
Introdução
A insegurança alimentar ocorre quando as necessidades nutricionais sob o aspecto qualitativo e/ou quantitativo não são atendidas, e incorpora mecanismos de enfrentamento psicológicos e fisiológicos. Seu nível vai desde uma preocupação básica em se obter alimento em um futuro próximo até o nível mais grave, que é a fome 11 . Hackett M, Melgar-Quiñonez H, Pérez-Escamilla R, Segall-Corrêa AM. Gender of respondent does not affect the psychometric properties of the Brazilian Household Food Security Scale. Int J Epidemiol 2008; 37:766-74.. Constitui-se em um conceito bastante abrangente e de natureza interdisciplinar 22 . Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Conceituando e medindo segurança alimentar e nutricional. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:187-99. como pode ser observado no texto da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN): “A Segurança Alimentar e Nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis” 33 . Brasil. Lei no 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União 2006; 18 set..
No Brasil, ainda são elevadas as prevalências de insegurança alimentar e evidentes as diferenças entre as regiões geográficas para este indicador, assim como de outros indicadores socioeconômicos, como renda per capita e escolaridade, reflexo da desigualdade social no país 44 . Lavinas L, Garcia EH, Amaral MR. Desigualdades regionais: indicadores socioeconômicos nos anos 90. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 1997. (Texto para Discussão, 460).,55 . Batista Filho M, Rissin A. A transição nutricional no Brasil: tendências regionais e temporais. Cad Saúde Pública 2003; 19 Suppl:S181-91.,66 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores 2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.. Tal condição tem explicação na geografia econômica do país, na qual a produção, atividade econômica e renda ainda estão muito mais concentradas nas regiões Sudeste, Centro-oeste e Sul do Brasil (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Tabelas de Ranking do IDH-M. http://www.pnud.org.br/atlas/tabelas/, acessado em 28/Fev/2013).
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2009 77 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: suplemento de segurança alimentar 2004/2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010. identificou que 30,2% dos domicílios investigados apresentaram algum nível de insegurança alimentar. A Região Sul apresentou a menor prevalência de domicílios com insegurança alimentar (18,7%), seguida das regiões Sudeste (23,3%), Centro-oeste (30,1%), Norte (40,3%) e Nordeste (46,1%).
A LOSAN instituiu a obrigação do Estado fornecer as condições necessárias à realização da segurança alimentar e nutricional. A fim de garantir que, de fato, a segurança alimentar e nutricional seja alcançada, a Lei no 11.346/2006 33 . Brasil. Lei no 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União 2006; 18 set. criou o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN), que consiste em uma rede de programas sociais, programas de alimentação e nutrição, ações estruturantes e equipamentos públicos.
O Programa de Restaurantes Populares faz parte dessa rede e tem como objetivo fornecer alimentação segura, em termos microbiológicos, e saudável, a preços acessíveis (geralmente R$ 1,00). O acesso aos Restaurantes Populares é universal, contudo, a prioridade são os grupos de pessoas em situação de insegurança alimentar. Em busca de atingir o público-alvo, essas Unidades de Alimentação e Nutrição (UAN) devem estar localizadas na periferia e em áreas de grande circulação de pessoas nos centros urbanos – mínimo de 100 mil habitantes 88 . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Fome Zero: uma história brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2010..
Alguns estudos avaliaram os usuários dos Restaurantes Populares 99 . Araújo FALV, Almeida MI, Bastos VC. Aspectos alimentares e nutricionais dos usuários do “Restaurante Popular Mesa do Povo”. Saúde Soc 2007; 16:117-33.,1010 . Gobato RC, Panigassi G, Villalba J. Identificação do perfil de usuários de um Restaurante Popular do Município de Campinas. Revista Segurança Alimentar e Nutricional 2010; 17:14-25.,1111 . Gonçalves MP, Campos ST, Sarti FM. Políticas públicas de segurança alimentar no Brasil: uma análise do programa de Restaurantes Populares. Revista Gestão & Políticas Públicas 2011; 1:92-111., entretanto, não foram identificadas pesquisas que contemplassem o conjunto de variáveis deste trabalho, o que reforça a necessidade de diagnósticos nutricionais da população, além de avaliação do próprio programa quanto aos usuários atendidos.
Avaliar se esse programa cumpre o seu papel de assistir prioritariamente aqueles em insegurança alimentar, considerando as diferenças regionais, pode contribuir no aprimoramento dessa política pública. Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi identificar o perfil dos usuários dos restaurantes populares e sua situação de insegurança alimentar segundo as regiões geográficas do Brasil.
Materiais e métodos
Foi realizado um estudo descritivo transversal, com coleta de dados entre maio de 2010 e junho de 2011. Esta pesquisa integrou um projeto de maior âmbito, denominado Avaliação do Serviço de Alimentação Coletiva Prestado pelos Restaurantes Populares: Diagnóstico da Qualidade e Atenção Dietética das Refeições Servidas, uma parceria entre a Universidade de Brasília (UnB) e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
O projeto de pesquisa pactuado com o MDS incluía diversas unidades de observação, sendo elas o indivíduo usuário, os Restaurantes Populares e as regiões geográficas brasileiras. Para o presente trabalho, foi considerado como unidade amostral da pesquisa o indivíduo frequentador durante o almoço, em um total de 65 restaurantes vinculados ao Programa Restaurantes Populares do MDS no ano de 2008, distribuídos nas cinco regiões geográficas do país.
Dessa forma, calculou-se uma amostra aleatória simples, com base no total de usuários do Programa Restaurantes Populares no país (55.350). A fim de se respeitar a proporcionalidade de frequentadores para cada região, o levantamento foi feito em pelo menos 20% dos Restaurantes Populares de cada região: Norte com quatro unidades, Nordeste com nove, Centro-oeste com uma, Sudeste com 12 e Sul com seis unidades. Como a pesquisa na Região Centro-oeste foi realizada em apenas um restaurante (25% da amostra regional), houve comprometimento do erro amostral (erro estimado em 15%) quando a unidade amostral foi o indivíduo. Portanto, os dados da Região Centro-oeste serão apresentados, porém não devem ser utilizados para fins de inferência. Ao final da coleta, foram pesquisadas 1.637 pessoas, representando um erro amostral inferior a 3% para a representatividade nacional.
Para fins de amostragem, os usuários foram abordados, de forma sistemática, um a cada 15 que entraram no restaurante no dia da coleta de dados, e substituídos pelos subsequentes sempre que se recusassem em participar ou não cumprissem o requisito de assiduidade, permanecendo o 30o, o 45o consecutivamente.
Quanto aos critérios de inclusão, todos os usuários que almoçavam com uma frequência mínima de três vezes por semana no estabelecimento foram considerados elegíveis por serem assíduos. Foram excluídos as gestantes, por exigir antropometria diferenciada, e os menores de 18 anos, por necessitarem de autorização do responsável.
Foram analisadas as variáveis socioeconômicas e demográficas, participação em programas sociais, estado de saúde e nutricional, e condição domiciliar de insegurança alimentar, mediante questionário. Em relação à faixa etária, os usuários foram classificados em adultos jovens (18-30 anos), adultos (31-59 anos) e idosos (≥ 60 anos) 1212 . Northcote J. Young adults’ decision making surrounding heavy drinking: a multi-staged model of planned behaviour. Soc Sci Med 2011; 72:2020-5.,1313 . Tonetti L, Sahu S, Natale V. Circadian preference in Italy and India: a comparative study in young adults. Pers Individ Dif 2012; 53:355-8.. Quanto ao estado civil, foram agrupados os usuários viúvos e separados por apresentarem composição familiar semelhante (um responsável pelo domicílio). O acometimento de agravo à saúde era referido pelo usuário que relatava o diagnóstico confirmado por um médico.
A antropometria foi realizada por profissionais nutricionistas em ambiente reservado e antes que o usuário almoçasse. O índice de massa corporal (IMC) foi classificado segundo os critérios adotados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) 1414 . World Health Organization. Nutrition: body mass index (BMI). http://www.euro.who.int/en/what-we-do/health-topics/disease-prevention/nutrition/a-healthy-lifestyle/body-mass-index-bmi (acessado em 21/Fev/2013).
http://www.euro.who.int/en/what-we-do/he... , sendo que, para os idosos, foram utilizados os parâmetros de Lipschitz 1515 . Lipschitz DA. Screening for nutritional status in the elderly. Prim Care 1994; 21:55-67..
Para mensurar a insegurança alimentar, foi aplicada a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA). O instrumento é constituído por uma escala psicométrica de 14 questões, que avalia diretamente a situação de insegurança alimentar vivenciada por um domicílio nos últimos três meses 1616 . Segall-Corrêa AM. Insegurança alimentar medida a partir da percepção das pessoas. Estud Av 2007; 21:143-54.. A EBIA permite a classificação domiciliar em: segurança alimentar, insegurança alimentar leve, insegurança alimentar moderada e insegurança alimentar grave 1717 . Segall-Corrêa AM, Marin-León L, Melgar-Quiñonez H, Perez-Escamilla R. Aprimoramento da Escala Brasileira de Medida Domiciliar da Insegurança Alimentar. Nota técnica. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2010..
Os programas utilizados para as análises de dados foram o SPSS versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos) e o Stata versão 10.0 (Stata Corp, College Station, Estados Unidos). Realizou-se análise descritiva dos dados para a caracterização da amostra e foram comparadas as variáveis categorizadas com a utilização do teste de qui-quadrado de Pearson e razão de verossimilhança (com nível de significância α ≤ 0,05). Foram calculadas as razões de prevalências (RP) bruta e ajustada e seus respectivos intervalos de confiança (IC), sendo a RP ajustada calculada utilizando-se a regressão de Poisson. A variável desfecho para ambas foi a insegurança alimentar, englobando as três categorias (insegurança alimentar leve, insegurança alimentar moderada e insegurança alimentar grave). As variáveis independentes incluídas na regressão foram: renda familiar per capita, escolaridade, região geográfica na qual o restaurante estava localizado, estar empregado e sexo – variáveis com resultados significativos (p < 0,05) na análise bivariada.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Saúde da UnB em maio de 2010.
Resultados
A amostra foi constituída de 1.637 usuários, sendo 191 de indivíduos da Região Norte, 503 da Região Nordeste, 44 da Região Centro-oeste, 595 da Região Sudeste e 304 da Região Sul.
Os usuários eram predominantemente do sexo masculino (59,1%), com idades entre 31 e 59 anos (50,3%) e casados/em união estável (42,4%). Em relação à escolaridade, a Tabela 1 mostra que cerca de 40% dos usuários cursaram o Ensino Médio ou curso técnico. Contudo, esses dados são heterogêneos entre as regiões (p = 0,001). Quanto à renda per capita, os frequentadores do Programa Restaurantes Populares da Região Norte apresentaram maior prevalência de baixa renda – até ¼ do salário mínimo e de ¼ a ½ salário mínimo (50,8%). A Região Norte foi a que apresentou o maior percentual de participantes do Programa Bolsa Família (17,3%,) e a Região Sul, a menor (2,3%) (p < 0,001) (Tabela 1).
Quanto à situação de saúde (Tabela 1), 36,5% da amostra afirmaram ter morbidades. A hipertensão arterial sistêmica foi a mais prevalente (17,5%). A maior parte dos usuários apresentou excesso de peso (49,8%) sem diferença significativa entre as regiões (p = 0,154). Em relação à segurança alimentar, 59,4% dos usuários encontravam-se seguros, apresentando a Região Sul os maiores percentuais (74%) (p < 0,001).
A chance de o usuário estar em insegurança alimentar aumenta de forma inversamente proporcional à renda. Usuários com renda inferior a ¼ do salário mínimo têm 3,67 vezes mais chances de estar em insegurança alimentar do que aqueles que recebem mais que dois salários mínimos (Tabela 2). O mesmo ocorre em relação à educação: os níveis de escolaridade mais baixos estão associados a maiores chances de insegurança alimentar (p < 0,001). Segundo a região, observa-se que os frequentadores da Região Norte são os que têm as maiores chances de insegurança alimentar (2,14), se comparados àqueles da Região Sul. Não houve associação significativa de insegurança alimentar com estar empregado e sexo.
Na análise ajustada, utilizando-se a regressão de Poisson, observa-se que apenas manteve-se associada à insegurança alimentar a renda menor ou igual a ½ salário mínimo.
Discussão
Em 2005, foi realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), sob encomenda do MDS, uma outra pesquisa para averiguar o perfil dos usuários do Programa Restaurantes Populares em 19 unidades de cinco capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Salvador e Belo Horizonte). À semelhança do presente estudo, em 2005, os usuários também eram predominantemente (70%) do sexo masculino 1818 . Paes-Souza R, Vaistman J, organizadores. Síntese das pesquisas de avaliação de programas sociais do MDS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2007. (Cadernos de Estudos: Desenvolvimento Social em Debate, 5).. Entretanto, quando os dados atuais, para gênero, são comparados com outros estudos entre frequentadores de Restaurantes Populares brasileiros mais antigos 1919 . Costa D. Experiência brasileira em Restaurantes Populares. Bol Oficina Sanit Panam 1947; 26: 415-21., observa-se que existe uma tendência de redução da participação masculina, possivelmente relacionada à maior inclusão da mulher no mercado de trabalho 44 . Lavinas L, Garcia EH, Amaral MR. Desigualdades regionais: indicadores socioeconômicos nos anos 90. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 1997. (Texto para Discussão, 460).,2020 . Hoffmann R, Leone ET. Participação da mulher no mercado de trabalho e desigualdade da renda domiciliar per capita no Brasil: 1981-2002. Nova Economia 2004; 14:35-58..
Os usuários dos Restaurantes Populares encontravam-se, em sua maioria, em união estável/casados (42,4%). Na perspectiva da qualidade da alimentação ofertada nos restaurantes participantes do Programa Restaurantes Populares, é válido considerar que pesquisas apontam maior probabilidade de indivíduos casados apresentarem excesso de peso em virtude de uma vida sedentária após o casamento 2121 . Sobal J, Rauschenbach BS, Frongillo EAJ. Marital status, fatness and obesity. Soc Sci Med 1992; 35:915-23.,2222 . Gigante DP, Moura EC, Sardinha LMV. Prevalência de excesso de peso e obesidade e fatores associados, Brasil, 2006. Rev Saúde Pública 2009; 43 Suppl 2:83-9.,2323 . Tzotas T, Vlahavas G, Papadopoulou SK, Kapantais E, Kaklamanou D, Hassapidou M. Marital status and educational level associated to obesity in Greek adults: data from the National Epidemiological Survey. BMC Public Health 2010; 10:732..
Quanto à faixa etária da amostra, Gonçalves et al. 1111 . Gonçalves MP, Campos ST, Sarti FM. Políticas públicas de segurança alimentar no Brasil: uma análise do programa de Restaurantes Populares. Revista Gestão & Políticas Públicas 2011; 1:92-111. encontraram um perfil semelhante ao do presente estudo, maior frequência de indivíduos acima de quarenta anos. Destaca-se que essa faixa é considerada economicamente ativa, o que condiz com o preconizado pelo Programa Restaurantes Populares na sua concepção de atenção a grupos vulneráveis, entre eles, trabalhadores que atuam em locais distantes de suas residências em grandes centros urbanos 88 . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Fome Zero: uma história brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2010..
Nessa mesma pesquisa de Gonçalves et al. 1111 . Gonçalves MP, Campos ST, Sarti FM. Políticas públicas de segurança alimentar no Brasil: uma análise do programa de Restaurantes Populares. Revista Gestão & Políticas Públicas 2011; 1:92-111., também realizada em Restaurantes Populares brasileiros, verificou-se que, em relação à escolaridade, houve uma maior prevalência da população com Ensino Médio completo (27%), sendo esta também a população mais prevalente aqui encontrada (39,8%). Contudo, destaca-se que, na Região Norte, a categoria analfabeto/Ensino Fundamental incompleto foi a mais prevalente (45%). Esse dado tem origem na desigualdade social existente no país 66 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores 2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.,2424 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: despesas, rendimentos e condições de vida. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.. Para equilibrar o desenvolvimento das regiões geográficas, é imprescindível maior investimento em educação à medida que um aumento da escolaridade reflete um incremento de renda e desenvolvimento 2525 . Monteiro CA. A dimensão da pobreza, da desnutrição e da fome no Brasil: implicações para políticas públicas. Estud Av 2003; 17:7-20..
O nível de escolaridade dos frequentadores do Programa Restaurantes Populares é mais elevado do que o da população brasileira com 25 anos de idade ou mais, se comparado aos dados da PNAD 2009 66 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores 2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010. que apontaram que 36,9% da população nesta faixa etária têm Ensino Fundamental incompleto. Apesar da escolaridade encontrada ser mais elevada do que a da população adulta brasileira, esta ainda é considerada insuficiente 44 . Lavinas L, Garcia EH, Amaral MR. Desigualdades regionais: indicadores socioeconômicos nos anos 90. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 1997. (Texto para Discussão, 460).,2525 . Monteiro CA. A dimensão da pobreza, da desnutrição e da fome no Brasil: implicações para políticas públicas. Estud Av 2003; 17:7-20.. Esse dado pode ser um indicador de vulnerabilidade social do público atendido, pois a escolaridade é proxy de renda 2626 . Langoni CG. Distribuição de renda e desenvolvimento econômico no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas; 2005.,2727 . Reis J, Barros R. Desigualdade salarial e distribuição de educação: a evolução das diferenças regionais no Brasil. Pesquisa e Planejamento Econômico 1990; 20:415-78.,2828 . Reis J, Barros R. Wage inequality and distribution of education. Journal of Development Economics 1991; 36:117-43.,2929 . Leal CIS, Werlang SRC. Retornos em educação no Brasil: 1976/89. Pesquisa e Planejamento Econômico 1991; 21:559-74.,3030 . Leal CIS, Werlang SRC. Educação e distribuição de renda. In: Camargo JM, Giambiagi F, organizadores. Distribuição de renda no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2000. p. 69-82.,3131 . Lam D, Levinson D. Declining inequality in schooling in Brazil and its effects on inequality in earnings. J Dev Econ 1992; 37:199-225.,3232 . Lam D, Shoeni R. Effects of family background on earnings and returns to schooling: evidence from Brazil. J Polit Econ 1993; 101:710-39.,3333 . Menezes Filho NA, Fernandes R, Picchetti PA. A evolução da distribuição de salários no Brasil: fatos estilizados para as décadas de 80 e 90. In: Henriques RM, organizador. Desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2000. p. 231-50.,3434 . Menezes Filho NA, Fernandes R, Picchetti P. Rising human capital but constant inequality: the education composition effect in Brazil. Revista Brasileira de Economia 2006; 60:407-24.,3535 . Sotomayor OJ. Education and changes in Brazilian wage inequality, 1976-2001. Ind Labor Relat Rev 2004; 58:94-111..
Cerca de 35% dos usuários dos Restaurantes Populares tinham renda domiciliar per capita entre ½ e 1 salário mínimo (R$ 255,00-R$ 510,00). Contudo, para as regiões Norte e Nordeste, a soma dos estratos de menor renda (até ¼ do salário mínimo e entre ¼ e ½ salário mínimo) esteve próxima dos 50% de prevalência. Esse achado evidenciou, novamente, as desigualdades regionais e, consequentemente, a vulnerabilidade da população já descrita por vários autores 44 . Lavinas L, Garcia EH, Amaral MR. Desigualdades regionais: indicadores socioeconômicos nos anos 90. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 1997. (Texto para Discussão, 460).,55 . Batista Filho M, Rissin A. A transição nutricional no Brasil: tendências regionais e temporais. Cad Saúde Pública 2003; 19 Suppl:S181-91.,66 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores 2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.,88 . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Fome Zero: uma história brasileira. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2010.,3636 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: resultados gerais da amostra. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2012.. Como fator positivo, destaca-se que essas regiões foram as que apresentaram maiores porcentagens de beneficiários do Programa Bolsa Família na pesquisa.
Ainda em relação à renda, o Censo de 2010 identificou a Região Sul como aquela com a maior porcentagem de domicílios nas faixas acima de um salário mínimo per capita (57,5%) 3636 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo demográfico 2010: resultados gerais da amostra. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2012., dado semelhante ao presente estudo (42,4%).
Apesar de a estratégia Programa Restaurantes Populares não estar associada necessariamente a outros programas sociais, nota-se a pouca participação dos usuários dos Restaurantes Populares nestes programas (8,5%). Ressalta-se que é importante a integração entre as diversas ações e políticas de segurança alimentar e nutricional a fim de alcançar, o mais próximo possível da totalidade, o público alvo delimitado pelo programa e, consequentemente o mais vulnerável, além do Programa Restaurantes Populares ser uma boa opção de gasto otimizado do recurso destes programas, como o Programa Bolsa Família.
Quanto à variável agravo à saúde, observou-se elevada prevalência de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), com destaque para a hipertensão arterial sistêmica (17,5%). O grupo “doenças infecciosas e parasitárias” foi incluído na categoria “outros” devido à sua pouca representatividade (1%). Esses achados são corroborados por Schimdt et al. 3737 . Schimdt MIN, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Chronic non-communicable diseases in Brazil: burden and current challenges. Lancet 2011; 11:1949-61., os quais destacam que, em 1930, as principais causas de morte no Brasil foram as doenças infecciosas e parasitárias (46%) e, em 2007, esta prevalência foi de 10%. Ao mesmo tempo, em 2007 as DCNT foram responsáveis por 72% das mortes ocorridas. Esse contexto deve ser levado em conta pelos gestores dos Restaurantes Populares no planejamento da alimentação oferecida por estes equipamentos públicos, para que esteja dentro dos parâmetros nutricionais recomendados e, deste modo, seja promotora de saúde.
Em relação ao estado nutricional, a maior prevalência foi de excesso de peso (49,8%) com 5,7% dos usuários apresentando baixo peso. Dados também encontrados em dois estudos populacionais atuais que indicaram prevalências de excesso de peso em, aproximadamente, 50% da população brasileira 3838 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: antropometria e estado nutricional de crianças, adultos e adolescentes. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.,3939 . Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. VIGITEL 2010. Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico. Brasília: Ministério da Saúde; 2011.. Destaca-se que a associação dos agravos à saúde mais prevalentes neste estudo, DCNT, com excesso de peso tem sido descrita na literatura como transição nutricional e epidemiológica 4040 . Popkins BM, Adair LS, Ng SW. Global nutrition transition and the pandemic of obesity in developing countries. Nutr Rev 2012; 70:3-21..
Neste trabalho, a prevalência de excesso de peso foi identificada em todas as regiões, sem diferenças significativas entre elas, apesar da Região Norte ter apresentado os porcentuais mais precários no tocante à escolaridade e à renda per capita, e a Região Sul ter registrado resultados opostos. Esse pode ser um indício da maior velocidade de aumento do excesso de peso nas classes socioeconômicas menos favorecidas, o que vem acarretando prevalências elevadas e cada dia mais próximas entre os diferentes estratos econômicos 55 . Batista Filho M, Rissin A. A transição nutricional no Brasil: tendências regionais e temporais. Cad Saúde Pública 2003; 19 Suppl:S181-91.,4141 . Pinheiro ARO, Freitas SFT, Corso ACT. Uma abordagem epidemiológica da obesidade. Rev Nutr 2004; 17:523-33.,4242 . Coutinho JG, Gentil PC, Toral N. A desnutrição e obesidade no Brasil: o enfrentamento com base na agenda única da nutrição. Cad Saúde Pública 2008; 24 Suppl 2:S332-40..
Outra variável que apresentou altos porcentuais foi a insegurança alimentar. Merece destaque o fato de a proporção de insegurança alimentar dos usuários dos Restaurantes Populares (40,6%) ter sido maior do que aquela apresentada pela PNAD 2009 (30,2%), em pesquisa representativa para os domicílios brasileiros 77 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: suplemento de segurança alimentar 2004/2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.. Isso pode indicar que, de fato, o público atendido pelos Restaurantes Populares representa uma parcela da população sujeita à maior vulnerabilidade social. Ao analisar os porcentuais de segurança alimentar, é importante ressaltar que a própria refeição oferecida pelos Restaurantes Populares pode influenciar os resultados encontrados, na medida em que no instrumento há questões acerca do acesso ao alimento em 24 horas.
Muitas pesquisas sobre insegurança alimentar no Brasil são representativas apenas para a cidade ou para o estado onde foi realizada, não relacionando aos programas de governo como no presente estudo. Cabe ressaltar que, apesar de não serem comparáveis, pois cada estudo é representativo para um público alvo diferente, foram identificadas pesquisas que revelaram maior nível de insegurança alimentar em suas amostras. Nesse rol, está um inquérito populacional feito em Campinas, São Paulo, com 456 famílias, no qual 61,5% da amostra encontravam-se em algum nível de insegurança alimentar 4343 . Panigassi G, Segall-Corrêa AM, Marín-León L, Pérez-Escamilla R, Maranha LK, Sampaio MFA. Insegurança alimentar intrafamiliar e perfil de consumo de alimentos. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:S135-44.. Em um estudo transversal de base populacional, em 2005, com 4.533 famílias dos 14 municípios considerados como os mais pobres do Estado da Paraíba em 2003, realizado pelo Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar, houve a ocorrência de 52,5% de insegurança alimentar 4444 . Vianna RPT, Segall-Corrêa AM. Insegurança alimentar das famílias residentes em municípios do interior do Estado da Paraíba, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:S111-22.. Outra pesquisa foi feita com 1.085 domicílios da cidade de Duque de Caxias, Rio de Janeiro, em 2005, na qual se observou 53,8% de insegurança alimentar 4545 . Salles-Costa R, Pereira RA, Vasconcellos MTL, Veiga GV, Marins VMR, Jardim BC, et al. Associação entre fatores socioeconômicos e insegurança alimentar: estudo de base populacional na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:S99-109..
Destacam-se os achados obtidos na base de dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS) de 2006, composta por uma amostra de mulheres adultas (18 a 49 anos), adolescentes do sexo feminino (15 a 19 anos) e crianças de ambos os sexos (0 a 60 meses) da população brasileira. Identificou-se que em 39,8% dos domicílios com mulheres, 41,3% dos domicílios com adolescentes e 48,6% dos domicílios com crianças identificou-se situação de insegurança alimentar 4646 . Schlüssel MM, Silva AAM, Pérez-Escamilla R, Kac G. Household food insecurity and excess weight/obesity among Brazilian women and children: a life-course approach. Cad Saúde Pública 2013; 29:219-26..
Há estudos em outros países que utilizaram a escala norte-americana ou adaptações desta escala que apresentam aspectos semelhantes à EBIA validada no Brasil. Entre os usuários dos Restaurantes Populares, 40,6% apresentaram algum nível de insegurança alimentar. Em comparação aos Estados Unidos e a Trinidad e Tobago, as proporções de insegurança alimentar nos estudos observados foram menores, 15,4% e 25%, respectivamente 4747 . Wilde PE, Peterman JN. Individual weight change is associated with household food security status. J Nutr 2006; 136:1395-400.,4848 . Gulliford MC, Mahabir D, Rocke B. Food insecurity, food choices, and body mass index in adults: nutrition transition in Trinidad and Tobago. Int J Epidemiol 2003; 32:508-16.. De forma oposta, Tanzânia e Colômbia apresentam maiores prevalências de insegurança alimentar, 91% e 86%, respectivamente 4949 . Leyna GH, Mmbaga EJ, Mnyka KS, Hussain A, Klepp K. Food insecurity is associated with food consumption patterns and anthropometric measures but not serum micronutrient levels in adults in rural Tanzania. Public Health Nutr 2010; 13:1438-44.,5050 . Isanaka S, Mora-Plazas M, Lopez-Arana S, Baylin A, Villamor E. Food insecurity is highly prevalent and predicts underweight but not overweight in adults and school children from Bogota, Colombia. J Nutr 2007; 137:2747-55..
Com base na análise bivariada para se traçar o perfil de usuários com insegurança alimentar, observou-se que, em comparação aos usuários com segurança alimentar, os primeiros apresentaram maior prevalência de renda per capita de até ¼ do salário mínimo, Ensino Fundamental completo, moradores da Região Norte, que não estão empregados e são do sexo feminino. Destaca-se que as RP significativas, observadas para escolaridade, região geográfica, desemprego e sexo na análise bivariada e não confirmadas na análise multivariada, indicam que a variável renda interferiu simultaneamente nas variáveis escolaridade, região geográfica, estar empregado e sexo.
Dados similares foram encontrados por Salles-Costa et al. 4545 . Salles-Costa R, Pereira RA, Vasconcellos MTL, Veiga GV, Marins VMR, Jardim BC, et al. Associação entre fatores socioeconômicos e insegurança alimentar: estudo de base populacional na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:S99-109. em estudo já citado anteriormente, em que os domicílios com insegurança alimentar grave apresentaram 21 vezes mais chances de possuírem renda per capita de até R$ 75,00. O estudo da Paraíba 4444 . Vianna RPT, Segall-Corrêa AM. Insegurança alimentar das famílias residentes em municípios do interior do Estado da Paraíba, Brasil. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:S111-22. também verificou 19 vezes mais chances de os indivíduos com insegurança alimentar receberem até R$ 25,00 de renda familiar per capita, e recomenda a inclusão de famílias de menores estratos de renda em programas sociais, pois quando isto ocorre, diminui a prevalência de insegurança alimentar grave deste grupo.
A escala de insegurança alimentar visa a identificar o nível de limitação no acesso aos alimentos associados à restrição financeira. Como a escolaridade é um indicador intensamente relacionado à renda, é esperado que nos estudos utilizando escalas de insegurança alimentar ocorra a associação entre estas variáveis 1616 . Segall-Corrêa AM. Insegurança alimentar medida a partir da percepção das pessoas. Estud Av 2007; 21:143-54.,5151 . Frongillo EA. Validation of measures of food insecurity and hunger. J Nutr 1999; 129(2S Suppl): 506S-9S.. Da mesma forma, é coerente a maior proporção de usuários da Região Norte no grupo de insegurança alimentar, uma vez que esta região geográfica apresentou os indicadores socioeconômicos mais desfavoráveis. Ser do sexo feminino e não estar empregado também são características muitas vezes verificadas em grupos populacionais mais vulneráveis 66 . Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: síntese de indicadores 2009. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.,1818 . Paes-Souza R, Vaistman J, organizadores. Síntese das pesquisas de avaliação de programas sociais do MDS. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2007. (Cadernos de Estudos: Desenvolvimento Social em Debate, 5).. Contudo, verificou-se que a variável que realmente está associada à insegurança alimentar, neste estudo, é a renda.
Cabe destaque o equipamento público denominado cozinhas comunitárias, cuja missão complementa a estratégia dos Restaurantes Populares. Esses equipamentos são menores e visam a atender pequenos grupos populacionais, comunidades situadas nas periferias das cidades compostas, principalmente, por donas de casa, desempregados, crianças e idosos 5252 . Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Manual de implantação de cozinhas comunitárias. http://www.mds.gov.br/programas/seguranca-alimentare-nutricional-san/cozinhascomunitarias/MANUAL-DE-IMPLANTACAO-DE- COZINHAS-COMUNTARIAS-VERSAO-MARCO% 20.doc/view (acessado em 18/Jul/2013).
http://www.mds.gov.br/programas/seguranc... . De acordo com o Caderno de Estudos Desenvolvimento Social em Debate de 2010 5353 . Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate, 14. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2010., a situação de implantação dos Restaurantes Populares apresentou um quadro bem desigual pelo país, com muito mais unidades nas regiões Sul e Sudeste. Já foi feito um edital focalizado em áreas mais vulneráveis 5353 . Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Cadernos de Estudos Desenvolvimento Social em Debate, 14. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 2010., e os resultados obtidos no presente estudo reforçam a necessidade de estratégias que contemplem os usuários mais vulneráveis identificados como moradores das regiões Norte e Nordeste. É importante que as políticas públicas não reproduzam a desigualdade do país, mas sim busquem minimizar tal situação com ações que tratem com equidade as diferenças de desenvolvimento regional.
Como limitação da pesquisa, está o fato de este ser um estudo transversal. Desse modo, conclusões acerca de causas e consequências não são possíveis de serem feitas. Pode ser citada como limitação da própria EBIA a dificuldade em se estabelecer comparações com outras escalas internacionais, em virtude desta estar baseada em aspectos característicos da população brasileira. Como se trata de uma escala de percepção, a situação de insegurança alimentar pode estar sendo sub ou superestimada 5454 . Pérez-Escamilla R, Segall-Corrêa AM. Food insecurity measurement and indicators. Rev Nutr 2008; 21 Suppl:S15-26.; inclui-se, neste aspecto, alguns questionamentos acerca da subjetividade subjacente a suas medidas 22 . Kepple AW, Segall-Corrêa AM. Conceituando e medindo segurança alimentar e nutricional. Ciênc Saúde Coletiva 2011; 16:187-99..
Além disso, a distribuição proporcional por região influenciou no erro amostral, o que compromete a inferência dos resultados por região geográfica. Como pontos fortes do estudo, tem-se o fato de esta ser a primeira pesquisa a traçar o perfil dos usuários dos Restaurantes Populares com a utilização de diversas variáveis, entre elas a insegurança alimentar e o estado nutricional, sendo a antropometria, usada para determinação do IMC, aferida pela própria equipe de coleta de dados, profissionais nutricionistas, e de forma representativa.
Conclusão
Dados como escolaridade, renda familiar per capita e insegurança alimentar parecem indicar que o público considerado prioritário pelos critérios do Programa Restaurantes Populares não foi o mais predominante no estudo. Contudo, o acesso a esse equipamento público é universal e isto é vantajoso por permitir um acesso maior da população a uma alimentação elaborada dentro dos preceitos da alimentação saudável. Por outro lado, são necessárias estratégias que busquem ativamente os grupos em situação de maior risco à vulnerabilidade social incluindo-os, sempre que possível, na rede de proteção social do Estado.
É primordial o debate sobre a localização desses equipamentos públicos, dentro das cidades e entre as regiões, e a integração com outras ações que possam proporcionar o acesso dos grupos com insegurança alimentar, como programas de capacitação e programas de geração de renda. As desigualdades regionais foram evidentes, com resultados mais precários no que concerne à escolaridade, renda e insegurança alimentar apresentados pela Região Norte, seguida da Região Nordeste, o que suscita a necessidade de ações que tratem com equidade as diferenças encontradas.
A grande prevalência de excesso de peso entre os usuários em todas as regiões, inclusive entre aquelas com os maiores níveis de insegurança alimentar, torna ainda mais necessária a avaliação permanente da qualidade nutricional das refeições servidas, a fim de que o programa contribua para uma alimentação saudável e não para a aceleração deste quadro. Além disso, as ações de educação nutricional e de atenção dietética individualizada, com foco na alimentação saudável, dentro do ambiente desses equipamentos públicos, podem exercer papel relevante frente a esse cenário complexo.
As características marcantes dos usuários com insegurança alimentar podem servir de subsídios para os gestores do Programa Restaurantes Populares na busca ativa do público-alvo, orientação de regiões prioritárias para ações de segurança alimentar e nutricional, priorização da educação nutricional, atenção dietética individualizada e extensão do funcionamento dos restaurantes nos finais de semana.
Agradecimentos
Ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) pelo financiamento da Pesquisa, à Universidade de Brasília (UnB) pela parceria com o MDS, e à Capes pela bolsa de mestrado.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jun 2014
Histórico
- Recebido
12 Abr 2013 - Revisado
07 Nov 2013 - Aceito
12 Dez 2013