Cuidado (in)seguro: experiências e resultados na atenção primária

Ao redor do mundo, milhares de pacientes sofrem danos que decorrem da assistência insegura à saúde. O papel da assistência hospitalar nesse contexto tem sido amplamente discutido. Da mesma forma, a contribuição de fatores que interferem na distribuição do risco de ocorrência de incidentes em hospitais. O mesmo não pode ser dito sobre a (in)segurança do paciente na atenção primária. A despeito do grande potencial de ocorrência de incidentes nesse nível de atenção, que envolve a maioria dos cuidados prestados, persistem diversas lacunas que tornam escassa a base de conhecimento sobre o tema nesse cenário.

Neste fascículo, o artigo de Marchon & Mendes Junior (p. 1815-35) traz revisão crítica instigante que amplia o debate sobre os avanços e impasses que acompanham a avaliação da segurança do paciente na atenção primária à saúde. No contraste da produção acadêmica sobre o tema, são examinados fatores que interferem na comparabilidade entre os resultados oriundos de diferentes abordagens, dos quais, destacam-se: diferenças na operacionalização de conceitos, particularmente na definição de eventos (o que se quer medir?); a disponibilidade de instrumentos válidos e acurados (como medir?) e o processo de classificação de incidentes em um grupo extremamente heterogêneo. É possível pensar, a partir dessa síntese, nas implicações do tema sobre a qualidade da assistência e necessidade de métodos de investigação mais robustos. Acrescente-se a isso o fato que a identificação e compreensão de padrões de incidentes e de fatores contribuintes têm contribuição relevante sobre a efetividade de métodos de prevenção. Identificar os processos que geram erros é necessário e útil.

A relevância do tema tratado nos impele a enfrentar desafios metodológicos nem sempre triviais que envolvem a complexidade do cuidado tanto em relação à composição do grupo quanto ao contexto em questão. Que incidentes são mais comuns? Que parcela dos incidentes com dano pode ser explicada pelas diferenças na distribuição de risco e gravidade dos pacientes (composição)? Qual a contribuição do contexto institucional (disponibilidade de insumos, carga de trabalho, déficit de pessoal, planta física, protocolos assistenciais)? Adicionalmente, é necessário avançar na compreensão do evento a partir de sua frequência no tempo e abrangência do ponto de vista geográfico. Trata-se de eventos que podem acontecer mais de uma vez para um mesmo indivíduo? Um mesmo fator de risco pode produzir diferentes eventos? Como analisar diferentes eventos oriundos de uma mesma situação de risco? Respostas/resultados divergentes podem ser obtidos para cada questão a partir das mesmas variáveis, a depender dos métodos de investigação empregados. Do mesmo modo, a escala de atuação dos determinantes para ocorrência de eventos nem sempre coincide com aquela em que os dados foram capturados (pacientes, profissionais de saúde, familiares, instituições). Encontrar o melhor ajuste entre as escalas é um objetivo comum. Nesse sentido, análises que se restringem a sistemas de notificação voluntária podem apresentar maiores limitações.

Certamente há muito a aprender com diferentes abordagens aplicadas em diferentes cenários de atenção primária. As primeiras perguntas e caminhos foram apontados por Marchon & Mendes Junior.

Enirtes Caetano Prates Melo

Editora Associada

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2014
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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