Building a "Smiling Brazil"? Implementation of the Brazilian National Oral Health Policy in a health region in the State of São Paulo

Construindo um "Brasil Sorridente"? Olhares sobre a implementação da Política Nacional de Saúde Bucal numa região de saúde do interior paulista

¿Construyendo un "Brasil Sonriente"? Perspectivas acerca de la implementación de la Política Nacional de Salud Bucal en una unidad regional de salud de São Paulo

Aline Guerra Aquilante Geovani Gurgel Aciole About the authors

Abstracts

This paper is a case study on the implementation of the Brazilian National Oral Health Policy (PNSB), known as "Smiling Brazil", in the cities of the Regional Health Department of Araraquara (DRS III) in São Paulo State. A structured questionnaire was given to the municipal oral health coordinators, an interview with oral health care professionals and managers was conducted, and the official data provided by the Brazilian Ministry of Health were coded to assess the policy's scope: (i) expansion and qualification of actions; (ii) work conditions; (iii) care; (iv) access; and (v) planning and management. The quantitative and qualitative analyses were linked by methods triangulation. In terms of PNSB implementation, the majority of the cities (52.6%) were classified as "good", with 42.1% classified as "bad". Approximately 10 years after launching the PNSB, despite strides in oral health care and access to different levels of care, the cities still experience difficulties in implementing the policy's principles.

Oral Health; Health Policy; Program Evaluation


Este artigo é um estudo de caso do processo de implementação da Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) - "Brasil Sorridente" - nos municípios do Departamento Regional de Saúde de Araraquara (DRS III), São Paulo, Brasil. Foram realizadas aplicação de questionário estruturado aos coordenadores municipais de saúde bucal, entrevistas com gestores e profissionais de saúde bucal, observação dos serviços e sistematização de estatísticas oficiais do Ministério da Saúde, no sentido de avaliar as dimensões da PNSB: (i) Ampliação e qualificação das ações; (ii) Condições de trabalho; (iii) Cuidado; (iv) Acesso; (v) Planejamento e Gestão. A articulação das análises quantitiva e qualitativa foi realizada na perspectiva da triangulação de métodos. A maioria (52,6%) dos municípios obteve classificação "boa" e 42,1% estão em uma situação "ruim" de implementação da PNSB. Cerca de dez anos após o lançamento da PNSB, embora tenham sido identificados avanços no cuidado em saúde bucal e no acesso aos serviços dos diferentes níveis de atenção, os municípios ainda encontram dificuldades para implementar seus pressupostos.

Saúde Bucal; Política de Saúde; Avaliação de Programas e Projetos de Saúde


Este artículo es un estudio de caso acerca de la imple-mentación de la Política Nacional de Salud Bucal (PNSB) - "Brasil Sonriente" - en los municipios de la Dirección Regional de Salud de Araraquara (DRS III), São Paulo, Brasil. Se aplicó un cuestionario a los coordinadores municipales de salud bucal, una entrevista con directores y profesionales de salud bucal, y las estadísticas oficiales del Ministerio de Salud para evaluar las dimensiones de la PNSB: (i) Ampliación y calificación de las acciones; (ii) Condiciones de trabajo; (iii) Atención; (iv) Acceso; y (v) Planificación y Gestión. La articulación de las evaluaciones cuantitativa y cualitativa se llevó a cabo desde la perspectiva de triangulación de métodos. La mayoría (52,6%) de las ciudades se ubicó en la clasificación "buena" y un 42,1% obtuvo clasificación "mala" en la ejecución de la PNSB. Pasados 10 años del lanzamiento de la PNSB, a pesar de que se han observado avances en el cuidado de la salud bucal y en el acceso a los diferentes servicios de los niveles de atención, todavía se presentan dificultades para poner en práctica sus directrices

Salud Bucal; Política de Salud; Evaluación de Programas y Proyectos de Salud


Introdução

A atenção em saúde bucal nos serviços públicos segue centrada no atendimento curativo, embora o aspecto mutilador venha apresentando tendência de queda 11. Silva LS, Santana KR, Pinheiro HHC, Nascimento LS. Indicadores de atenção básica e especializada em saúde bucal nos municípios do Estado do Pará, Brasil: estudo ecológico, 2001-2010. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22:325-34.. Há evidências de que a prática odontológica calcada no modelo biomédico seja ineficaz - na medida em que não responde, significativamente, aos problemas de saúde bucal da população - e ineficiente, uma vez que é de alto custo e baixíssimo rendimento 22. Pereira DQ, Pereira JCM, Assis MMA. A prática odontológica em Unidades Básicas de Saúde em Feira de Santana (BA) no processo de municipalização da saúde: individual, curativa, autônoma e tecnicista. Ciênc Saúde Coletiva 2003; 8:599-609.,33. Pereira CRS, Roncalli AG, Cangussu MCT, Noro LRA, Patrício AAR, Lima KC. Impacto da Estratégia Saúde da Família sobre indicadores de saúde bucal: análise em municípios do Nordeste brasileiro com mais de 100 mil habitantes. Cad Saúde Pública 2012; 28:449-62..

Um dos desafios do SUS (Sistema Único de Saúde) no Brasil segue sendo operacionalizar e obter os recursos necessários para o seu pleno financiamento 44. Oliveira J-LC, Saliba NA. Atenção odontológica no Programa de Saúde da Família de Campos dos Goytacazes. Ciênc Saúde Coletiva 2005; 10 Suppl: 297-302.. Na história das políticas de saúde bucal no Brasil, podemos identificar propostas que buscaram, de alguma forma, romper com o modelo de programação proposto pela Fundação Serviços Especiais de Saúde Pública (SESP) em 1964. No entanto, apenas experiências pontuais foram capazes de ampliar o acesso, desenvolver ações de promoção e prevenção e ofertar atividades curativas mais complexas 22. Pereira DQ, Pereira JCM, Assis MMA. A prática odontológica em Unidades Básicas de Saúde em Feira de Santana (BA) no processo de municipalização da saúde: individual, curativa, autônoma e tecnicista. Ciênc Saúde Coletiva 2003; 8:599-609.,55. Costa JFR, Chagas LD, Silvestre RM, organizadores. A política nacional de saúde bucal do Brasil: registro de uma conquista histórica. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2006.,66. Pucca Junior GA. A política nacional de saúde bucal como demanda social. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:243-6..

Visando ampliar a inserção da saúde bucal no SUS, foi lançada, em 2004, a Política Nacional de Saúde Bucal (PNSB) - "Brasil Sorridente", cujos pressupostos são: qualificar a Atenção Primária em Saúde, assegurar a integralidade das ações, atuar com base na vigilância em saúde, planejar as ações de acordo com a epidemiologia e as informações do território, e financiar e definir agenda de pesquisa para que se trabalhe com base em evidências científicas 77. Coordenação Nacional de Saúde Bucal, Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/diretrizes_da_politica_nacional_de_saude_bucal.pdf (acessado em 11/Fev/2014).
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O impacto da PNSB pode ser visto na ampliação do acesso aos serviços de saúde bucal, principalmente de atenção primária, por meio da inserção de Equipes de Saúde Bucal na Estratégia Saúde da Família (ESF); e de atenção secundária, concretizada pela abertura dos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs) 66. Pucca Junior GA. A política nacional de saúde bucal como demanda social. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:243-6.,88. Farias M-AV, Moura ERF. Saúde bucal no contexto do Programa Saúde da Família do Município de Iracema, no Ceará. Rev Odontol UNESP 2003; 32:131-7.,99. Baldani MH, Fadel CB, Passamai T, Queiroz MGS. A inclusão da odontologia no Programa Saúde da Família no Estado do Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1026-35.,1010. Emmi DT, Barroso RFF. Avaliação das ações de saúde bucal no Programa Saúde da Família no distrito de Mosqueiro, Pará. Ciênc Saúde Coletiva 2008; 13:35-41.,1111. Pereira CRS, Patrício AAR, Araújo FAC, Lucena EES, Lima KC, Roncalli AG. Impacto da Estratégia Saúde da Família com equipe de saúde bucal sobre a utilização de serviços odontológicos. Cad Saúde Pública 2009; 25:985-96.,1212. Figueiredo N, Goes PSA. Construção da atenção secundária em saúde bucal: um estudo sobre os Centros de Especialidades Odontológicas em Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:259-67.,1313. Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, Silveira FMM, Costa JFR, Pucca Júnior GA, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28 Suppl:S81-9.. O desafio que persiste é construir uma rede de cuidados em saúde bucal coerente com os princípios do SUS, que garanta o cuidado em todos os níveis de atenção.

Neste contexto, este trabalho realizou um estudo do processo de implementação da PNSB nos municípios do Departamento Regional de Saúde de Araraquara (DRS III), a partir do olhar de gestores e de profissionais de saúde bucal.

Percurso metodológico

Este estudo de caso analisou os fatores organizacionais e relacionais que influenciam o processo de implementação da PNSB nos municípios do DRS III, localizado na região nordeste do Estado de São Paulo, Brasil, e cuja sede é Araraquara.

Cada DRS se subdivide em Colegiados de Gestão Regional (CGR), institucionalmente definidos como espaços permanentes de pactuação, co-gestão solidária e cooperação entre municípios e Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo (SES-SP), para garantir o cumprimento dos princípios do SUS. A escolha do DRS III se deveu à inserção dos pesquisadores em projetos de apoio à gestão do DRS III, possibilitando uma avaliação crítica dos serviços de saúde bucal e subsidiando os gestores estadual e municipais para a tomada de decisões.

A metodologia utilizada foi de pesquisa quanti-qualitativa, no enfoque de triangulação de métodos. Neste, ocorre a combinação e cruzamento de múltiplos pontos de vista, sendo empregadas técnicas de coleta de dados com o objetivo de integrar a análise de estruturas, processos e resultados; de fazer emergir a compreensão das relações envolvidas na implementação das ações; e de identificar as visões que os diferentes atores constróem sobre o projeto, seu desenvolvimento e as relações hierárquicas e técnicas 1414. Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadores. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005.. Para isso, foram contrastadas as informações obtidas por meio de questionários, entrevistas, observação estruturada e dados estatísticos, visando buscar a compreensão aprofundada do processo de implementação da política por meio das dimensões e subdimensões de análise definidas a partir do texto da PNSB (Tabela 1).

Tabela 1
Dimensões e subdimensões de análise, fatores e critérios de pontuação e instrumentos de coleta de informações utilizados.

O trabalho de campo

O questionário, que abordou as dimensões I, II, IV e V, foi enviado por e-mail aos coordenadores de saúde bucal dos 24 municípios do DRS III, dos quais 19 (79,2%) responderam. Após análise dos resultados quantitativos, foram escolhidos os quatro municípios que apresentaram os maiores percentuais de classificação final. Para que pelo menos um município de cada CGR participasse da investigação qualitativa, foram incluídos dois municípios, totalizando seis municípios visitados. Por esse fato, caracteriza-se como amostra de conveniência 1414. Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadores. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005..

Foram entrevistados gestores de saúde bucal do DRS (2); gestores municipais de saúde bucal (9); cirurgiões-dentistas (23) e auxiliares e técnicos em saúde bucal (23). Os grupos focais aconteceram em 4 municípios maiores, em que participaram 28 profissionais: 15 cirurgiões-dentistas (CDs) e 13 auxiliares e técnicos em saúde bucal. Os roteiros para entrevista, grupo focal e observação estruturada foram elaborados com perguntas referentes às dimensões de análise da Tabela 1, mas enfocaram principalmente a dimensão do cuidado.

Análise das informações

Cada resposta do questionário recebeu pontuação de 0 (não cumprimento do requisito apontado na PNSB) a 1 (cumprimento do requisito). Para complementar as informações dos questionários e fortalecer a análise das subdimensões de acesso, foram incluídos indicadores de saúde bucal do Pacto pela Saúde (2011), do Pacto de Atenção Básica (2006) e da Sala de Apoio à Gestão Estratégica. Para o cálculo da classificação final, foram atribuídos pesos de 20% para as dimensões I e II, e 30% para as dimensões IV e V, totalizando 100%. As dimensões IV (Acesso) e V (Planejamento e Gestão) tiveram peso maior por serem os principais nós-críticos da qualificação da Atenção à Saúde Bucal, uma vez que afetam diretamente as condições de trabalho e refletem-se no acesso aos serviços de saúde bucal. Os resultados foram categorizados numa classificação final "insatisfatória" (< 25%), "ruim" (25% > 50%), "boa" (50% > 75%) ou "satisfatória" (> 75%) com relação à situação de implementação da PNSB.

A dimensão III (Cuidado) foi avaliada pelas informações coletadas durante as visitas aos 6 municípios selecionados, que compreendeu a realização de entrevistas, grupos focais e observação estruturada. Para respeitar o anonimato dos entrevistados, cada depoimento foi codificado pelo tipo de profissional (GE: gestor estadual; GM: gestor municipal; CD: cirurgião-dentista; TSB: técnico em saúde bucal; ASB: auxiliar em saúde bucal); tipo de coleta de informação (GF: grupo focal); por um número aleatoriamente atribuído ao entrevistado ou ao grupo focal; e por um nome fantasia dado ao município (Açaí, Banana, Figo, Jambo, Laranja e Manga).

A análise qualitativa se pautou no "método de interpretação dos sentidos" 1515. Gomes R, Souza ER, Minayo MCS, Malaquias JV, Silva CFR. Organização, processamento, análise e interpretação de dados: o desafio da triangulação. In: Minayo MCS, Assis SG, Souza ER, organizadores. Avaliação por triangulação de métodos: abordagem de programas sociais. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005. p. 185-221., que compreende três etapas. Na descrição, são preservadas da maneira mais fiel possível as informações; na análise é realizada a identificação de categorias explícitas e implícitas nas informações coletadas; na interpretação buscam-se os sentidos das falas e das ações para o alcance da compreensão além dos limites do que é descrito e analisado.

Com a articulação da análise quantitativa e qualitativa, foram identificadas as especificidades deste processo no local estudado.

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (parecer CEP 1252/10, de 17 de setembro de 2010), atendendo às exigências da Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Resultados e discussão

Nenhum município alcançou classificação "satisfatória", a maioria (52,6%) obteve classificação "boa"; 42,1% estão em uma situação "ruim"; e 5,3% em condição "insatisfatória" de implementação da PNSB (Tabela 2).

Tabela 2
Pontuação por dimensão de análise, pontuação ponderada, pontuação final e classificação final dos municípios.

Apesar de praticamente metade dos municípios do DRS III estar em situação ruim ou insatisfatória, os resultados apresentam uma tendência mais positiva do processo se comparados com estudo semelhante, realizado no Rio Grande do Norte, em que os autores levantaram que do total de 19 municípios avaliados, apenas cinco municípios obtiveram classificação satisfatória e 14 apresentaram perfil insatisfatório ou pouco satisfatório 1616. Souza TMS, Roncalli AG. Saúde bucal no Programa Saúde da Família: uma avaliação do modelo assistencial. Cad Saúde Pública 2007; 23:2727-39..

Ampliação e qualificação das ações

Todos os municípios do DRS III estão de acordo com a legislação brasileira que obriga a fluoretação das águas 1717. Ministério da Saúde. Decreto nº 76.872, de 22 de dezembro de 1975. Regulamenta a Lei nº 6.050, de 24 de maio de 1974, que dispõe sobre a fluoretação da água em sistemas públicos e abastecimento. Diario Oficial da União 1975; 23 dez.. Por se tratar de um serviço de saúde pública que envolve riscos e benefícios à população, recomenda-se que o controle dos níveis de flúor seja realizado tanto pela companhia responsável pelo sistema de abastecimento de água como por terceiros (heterocontrole) 1818. Catani DB, Amaral RC, Oliveira C, Sousa MLR, Cury JA. Dez anos de acompanhamento do heterocontrole da fluoretação da água feito por municípios brasileiros, Brasil, 1996-2006. RGO (Porto Alegre) 2008; 56:151-5.,1919. Buzalaf MAR, Moraes CM, Olympio KPK, Pessan JP, Grizzo LT, Silva TL, et al. Seven years of external control of fluoride levels in the public water supply in Bauru, São Paulo, Brazil. J Appl Oral Sci 2013; 21:92-8.. Apesar disso, apenas 36,8% dos municípios do DRS III relataram realizar o heterocontrole dos teores de flúor, sendo este quadro mais preocupante que o encontrado por Colussi & Calvo 2020. Colussi CF, Calvo MCM. Modelo de avaliação da saúde bucal na atenção básica. Cad Saúde Pública 2011; 27:1731-45. em Santa Catarina.

A PNSB propõe ações de promoção e proteção de saúde, voltadas para a redução de fatores de risco, entre elas a higiene bucal supervisionada e a educação em saúde 77. Coordenação Nacional de Saúde Bucal, Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/diretrizes_da_politica_nacional_de_saude_bucal.pdf (acessado em 11/Fev/2014).
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. Todos os municípios afirmaram realizar higiene bucal supervisionada, no entanto a maioria segue restringindo essas atividades ao cenário de educação infantil. A abordagem das temáticas nos grupos de promoção e proteção de saúde realizados nos serviços de Atenção Primária varia muito. Em dois municípios, os CDs da USF (Unidade de Saúde da Família) relataram utilizar metodologias ativas de aprendizagem. Pauleto et al. 21 21. Pauleto ARC, Pereira MLT, Cyrino EG. Saúde bucal: uma revisão crítica sobre programações educativas para escolares. Ciênc Saúde Coletiva 2004; 9:121-30.sinalizam que os profissionais de saúde bucal precisam ultrapassar as práticas de comunicação unidirecional, dogmática e autoritária com foco na transmissão de informação, pela reflexão a partir da problematização dos temas de saúde bucal. Ainda que sejam identificados avanços nas abordagens de educação em saúde bucal, no DRS III as ações continuam focadas principalmente no controle da cárie dentária em crianças em escolas e pré-escolas e doença periodontal e câncer bucal em idosos nos serviços de Atenção Primária.

A aplicação tópica de flúor como ação coletiva é realizada por 73,7% dos municípios, geralmente em escolas, utilizando o flúor-gel. Um município distribui sachês de flúor para bochechos em região de assentamento rural, pois esta população não tem acesso à água de abastecimento público.

Todos os municípios trabalham na prevenção e controle do câncer bucal, que deve ser realizada rotineiramente em todos os níveis de atenção, seja nas consultas ou em visitas domiciliárias e campanhas 77. Coordenação Nacional de Saúde Bucal, Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/diretrizes_da_politica_nacional_de_saude_bucal.pdf (acessado em 11/Fev/2014).
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, porque quando diagnosticado precocemente, esse tipo de câncer apresenta bom prognóstico 2222. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil. http://www.inca.gov.br/estimativa/2012/index.asp?ID=5 (acessado em 06/Jul/2013).
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. Embora vários municípios do DRS III já façam o rastreamento de maneira rotineira, 52,63% dos municípios restringem ao período da Campanha Anual de Vacinação dos Idosos.

A PNSB não detalha a estratégia de implantação e aumento da resolutividade do pronto-atendimento odontológico. Este serviço havia sido implantado em apenas 42,1% dos municípios do DRS III. Apesar de dois municípios apontarem no questionário que trabalham com indicadores de resolutividade, essa informação não foi corroborada nas entrevistas. O que se observou foi que os profissionais de saúde bucal do pronto-atendimento não sistematizam as informações em indicadores e não estão integrados à rede para garantir a resolutividade do cuidado, situação também encontrada em estudo realizado em Santa Catarina 2020. Colussi CF, Calvo MCM. Modelo de avaliação da saúde bucal na atenção básica. Cad Saúde Pública 2011; 27:1731-45..

Acerca da realização de procedimentos mais complexos na Atenção Primária, a pulpotomia e o tratamento periodontal não cirúrgico já são realizados em 100% dos municípios; as restaurações de cavidades complexas são feitas em 89,5% e a fase clínica de instalação de próteses em apenas 10,5%. A oferta de prótese nos serviços de Atenção Primária ainda está em fase inicial ou em vias de implantação, por isso a tendência desse número é aumentar, já que o Ministério da Saúde está expandindo o financiamento dos Laboratórios Regionais de Prótese Dentária 2323. Ministério da Saúde. Portaria nº 1825: altera o valor dos procedimentos de prótese dentária na Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS e estabelece recursos anuais a serem incorporados ao Teto Financeiro Anual de Média e Alta Complexidade dos Estados, Municípios e Distrito Federal para confecção de próteses dentárias nos Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPD). Brasília: Ministério da Saúde; 2012.. Geralmente os municípios menores encaminham os pacientes que necessitam de biópsias para as Faculdades de Odontologia localizadas no Município de Araraquara ou para os municípios maiores, conforme o princípio organizativo de regionalização do SUS, que preconiza o estabelecimento de redes regionais de atenção à saúde entre municípios para a garantia do cuidado à saúde visando a integralidade. Apenas um município realiza ortodontia preventiva.

Condições de trabalho

A Tabela 3 apresenta o número de equipes odontológicas e de profissionais de saúde bucal. Analisando a carga horária e modalidade de contratação, a maioria dos CDs é contratada por meio de processo seletivo, regime jurídico CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) e carga horária que pode variar de 15 a 40 horas/semana, sendo a contratação por 20 horas/semana a mais comum. Como a maioria dos estudos que avaliam a saúde bucal no Brasil apresentam predominantemente o recorte da ESF 1313. Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, Silveira FMM, Costa JFR, Pucca Júnior GA, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28 Suppl:S81-9., a contratação mais comum é via processo seletivo por contratação temporária para trabalhar 40 horas/semana 44. Oliveira J-LC, Saliba NA. Atenção odontológica no Programa de Saúde da Família de Campos dos Goytacazes. Ciênc Saúde Coletiva 2005; 10 Suppl: 297-302.,1616. Souza TMS, Roncalli AG. Saúde bucal no Programa Saúde da Família: uma avaliação do modelo assistencial. Cad Saúde Pública 2007; 23:2727-39.,2424. Baldani MH, Almeida ES, Antunes JLF. Eqüidade e provisão de serviços públicos odontológicos no estado do Paraná. Rev Saúde Pública 2009; 43:446-54.,2525. Cericato GO, Garbin D, Fernandes APS. A inserção do cirurgião-dentista no PSF: uma revisão crítica sobre as ações e os métodos de avaliação das Equipes de Saúde Bucal. RFO UPF 2007; 12:18-23.,2626. Rocha ECA, Araújo MAD. Condições de trabalho das equipes de saúde bucal no Programa Saúde da Família: o caso do Distrito Sanitário Norte em Natal, RN. Rev Adm Pública 2009; 43:481-517..

Tabela 3
Número de equipos e de profissionais de saúde bucal por município.

Os ASBs, em geral, são contratados via CLT, por processo seletivo, para trabalhar 40 horas/semana. Em três municípios os CDs não contam com ASB, o que poderia otimizar o tempo de trabalho clínico 2020. Colussi CF, Calvo MCM. Modelo de avaliação da saúde bucal na atenção básica. Cad Saúde Pública 2011; 27:1731-45.. Muitos municípios não possuem o cargo de ASB, contratando-os como "auxiliares de serviços gerais", o que acaba por dificultar o atendimento de reivindicações da classe por melhores condições de trabalho.

Apenas em um município encontramos TSBs, contratados por CLT para uma carga horária de 40 horas/semana via processo seletivo. Outros municípios estavam capacitando ASBs para se tornarem TSBs. O trabalho do TSB é mais amplo que o do ASB, pois sua formação lhe permite realizar, desde que sob a supervisão do CD, procedimentos clínicos caracterizados como reversíveis, como por exemplo inserir e distribuir no preparo cavitário materiais odontológicos na restauração dentária direta 2727. Presidência da República. Lei nº 11.889, de 24 de dezembro de 2008: regulamenta o exercício das profissões de Técnico em Saúde Bucal - TSB e de Auxiliar em Saúde Bucal - ASB. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11889.htm (acessado em 16/Jul/2013).
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,2828. Faquim JPS, Carnut L. Pessoal auxiliar em odontologia: a trajetória regulamentar da profissão de técnico em saúde bucal (1975-2008). Journal of Management and Primary Health Care 2012; 3:202-7.. No entanto, se notam divergências em relação à prática do TSB, pois este afirma que realiza procedimentos clínicos e o gestor diz que na verdade os TSBs estão trabalhando como ASB.

"Eu tenho uma cadeira [odontológica] e a parte de profilaxia e aplicação de flúor e selante sou eu quem faço" (TSB1; Manga).

"[As TSBs] já trabalharam de fazer selantes, fazer profilaxia, fechar cavidade, mas daí depende do espaço do dentista e alguns não dão espaço e às vezes também não tem cadeira para elas sentarem, então elas acabam fazendo trabalho de auxiliar" (GM8; Manga).

Quanto à remuneração, o salário médio (incluindo salário base e adicionais) dos CDs com carga horária de 20 horas/semana é de R$ 2.045,87, enquanto os de 40 horas/semana têm salário médio de R$ 3.350,32, semelhante ao encontrado no estudo de Rocha & Araújo 2626. Rocha ECA, Araújo MAD. Condições de trabalho das equipes de saúde bucal no Programa Saúde da Família: o caso do Distrito Sanitário Norte em Natal, RN. Rev Adm Pública 2009; 43:481-517.. Os TSBs recebem R$ 1.500,00/mês, enquanto o salário médio dos ASBs é de R$ 794,21. Embora os TSBs e ASBs considerem que o salário está defasado, reconhecem que a remuneração no serviço público é melhor que em consultórios particulares.

Durante a realização do estudo, nenhum dos municípios apresentava isonomia de salários entre os profissionais de saúde de nível superior e tampouco havia Plano de Cargos, Carreiras e Salários, fatores que desmotivam o trabalho no serviço público de saúde.

Quando questionados sobre infraestrutura, equipamentos, insumos e biossegurança, 13 municípios responderam que os locais de trabalho das equipes de saúde bucal contam com alvará de funcionamento; três informaram que os serviços não possuem alvará e os demais não responderam/não sabem. Este é um dado preocupante, pois todos os serviços devem estar adequados às normas da Vigilância Sanitária e possuir alvará.

Durante a observação dos serviços, nota-se que a infraestrutura é melhor nos programas ou estratégias priorizados pela PNSB: ESF, CEO e Pronto-Atendimento Odontológico. A maioria das UBSs (Unidades Básicas de Saúde) também possui infraestrutura adequada, ao passo que os consultórios escolares e modulares se encontram em condições precárias. O espaço físico do consultório geralmente é bastante limitado. A quantidade e a qualidade dos materiais e instrumentais depende de como são realizadas as compras e de como é feita a gestão destes recursos.

Todos os gestores afirmaram disponibilizar equipamentos de proteção individual. Os profissionais contam pelo menos com luva e máscara, entretanto a maioria dos municípios também disponibiliza gorro, avental e óculos de proteção.

Cuidado

A integralidade do cuidado, considerada como a articulação de ações de promoção de saúde, prevenção e tratamento nos âmbitos individual e coletivo 2929. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ABRASCO; 2001. p. 39-64., implica mudança nas práticas dos profissionais de saúde bucal, historicamente baseadas no atendimento clínico. Apesar dos avanços, a continuidade da centralização em práticas clínicas é justificada pela demanda reprimida na área de saúde bucal 99. Baldani MH, Fadel CB, Passamai T, Queiroz MGS. A inclusão da odontologia no Programa Saúde da Família no Estado do Paraná, Brasil. Cad Saúde Pública 2005; 21:1026-35.,2525. Cericato GO, Garbin D, Fernandes APS. A inserção do cirurgião-dentista no PSF: uma revisão crítica sobre as ações e os métodos de avaliação das Equipes de Saúde Bucal. RFO UPF 2007; 12:18-23.,3030. Andrade KLC, Ferreira EF. Avaliação da inserção da odontologia no Programa Saúde da Família de Pompéu (MG): a satisfação do usuário. Ciênc Saúde Coletiva 2006; 11:123-30., principalmente nas UBSs.

"A maioria das Unidades Básicas [de Saúde] atende o paciente na urgência. (...) O paciente não vem aqui para fazer a primeira consulta e é feito todo um acompanhamento, todo um tratamento e até uma preservação desse tratamento, até uma reavaliação de todo o tratamento que foi feito, então isso não acontece. (...) A gente está focando muito a parte curativa e não a parte preventiva" (CD9; Laranja).

A reprodução do modelo biomédico foi também observada em USFs do DRS III e no estudo de Pereira et al. 33. Pereira CRS, Roncalli AG, Cangussu MCT, Noro LRA, Patrício AAR, Lima KC. Impacto da Estratégia Saúde da Família sobre indicadores de saúde bucal: análise em municípios do Nordeste brasileiro com mais de 100 mil habitantes. Cad Saúde Pública 2012; 28:449-62., portanto a prática parece estar mais vinculada ao perfil de formação do profissional que ao tipo de serviço em que está inserido, uma vez que existe a disputa pela manutenção do modelo curativista, reflexo da formação voltada para a atuação clínica como profissional liberal.

A interdisciplinaridade busca soluções compartilhadas entre os membros da equipe de trabalho para os problemas das pessoas e das instituições, em que cada um possa mobilizar todo o seu potencial criativo e criador na relação com o usuário, para juntos realizarem a produção do cuidado 3131. Franco TB, Merhy EE. Programa de Saúde da Família (PSF): contradições de um programa destinado à mudança do modelo tecnoassistencial. In: Merhy EE, Magalhães Júnior HM, Rimoli J, Franco TB, Bueno WS, organizadores. O trabalho em saúde: olhando e experenciando o SUS no cotidiano. São Paulo: Editora Hucitec; 2003. p. 55-124.. O que se observa no presente estudo é que, apesar das dificuldades, registra-se, principalmente nas USFs, a realização de reuniões periódicas e de grupos de educação em saúde.

A integralidade do sistema de saúde diz respeito à articulação dos diferentes níveis de atenção (básica/primária, especializada/secundária ou hospitalar/terciária) de modo que permita que o usuário transite pelo sistema para que todas as suas necessidades de saúde sejam atendidas 2929. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ABRASCO; 2001. p. 39-64.. No DRS III, as especialidades de prótese, periodontia e endodontia são as que têm as maiores demandas reprimidas, sendo que esta última tem fila de espera que pode chegar a mais de dois anos, comprometendo a continuidade do cuidado. Houve melhora no acesso da população aos serviços de saúde bucal após a sua inclusão na ESF, apesar desse acesso restringir-se grande parte das vezes ao nível primário de atenção, não havendo referenciamento adequado para os demais níveis 3232. Vilarinho SMM, Mendes RF, Prado Júnior RR. Perfil dos cirurgiões-dentistas integrantes do Programa Saúde da Família em Teresina (PI). Rev Odonto Ciênc 2007; 22:48-54.,3333. Mattos GCM, Ferreira EF, Leite ICG, Greco RM. A inclusão da Equipe de Saúde Bucal na Estratégia Saúde da Família: entraves, avanços e desafios. Ciênc Saúde Coletiva 2014; 19:373-82. muitas vezes pela insuficiência de serviços especializados, o que acaba por gerar a excessiva demanda reprimida 88. Farias M-AV, Moura ERF. Saúde bucal no contexto do Programa Saúde da Família do Município de Iracema, no Ceará. Rev Odontol UNESP 2003; 32:131-7..

A intersetorialidade implica envolver no planejamento os diferentes setores que influem na saúde humana 77. Coordenação Nacional de Saúde Bucal, Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/diretrizes_da_politica_nacional_de_saude_bucal.pdf (acessado em 11/Fev/2014).
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. Com a proposta de fortalecimento da Atenção Primária por meio da ESF, outros espaços/setores da sociedade civil que também influem na saúde humana aparecem como colaboradores oportunos para o desenvolvimento de ações que ampliam o conceito do processo saúde-doença-cuidado, como o local de trabalho, o comércio, a mídia, a indústria, o governo, as organizações não-governamentais e outras instituições envolvidas 77. Coordenação Nacional de Saúde Bucal, Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/diretrizes_da_politica_nacional_de_saude_bucal.pdf (acessado em 11/Fev/2014).
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. Historicamente, entretanto, a saúde bucal, privilegia sua articulação à Educação, sendo que esta parceria nem sempre é amistosa.

"Programei um monte de coisa, cada matéria iria abordar a odontologia do seu jeito: a matemática iria ver quanto de cárie tem no Brasil, por exemplo. Os professores se entusiasmaram, depois ninguém quis fazer" (CD16; Banana).

Em se tratando de acolhimento, vínculo e responsabilização, o conceito de acolhimento apregoa que os serviços de saúde devem proporcionar uma resposta aos usuários, seja ela clínica ou não. O vínculo se constitui na responsabilização dos serviços de saúde no cuidado dos pacientes e seria o resultado das ações de acolhimento 2929. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ABRASCO; 2001. p. 39-64.. Na prática, o que se observou é que o acolhimento ainda se traduz em mera triagem de usuários. A avaliação da responsabilização do usuário, a partir da perspectiva dos profissionais de saúde bucal do DRS III, deve ser analisada com cautela, pois se percebe a tendência em responsabilizar as próprias pessoas por todos os problemas de saúde que apresentam, desconsiderando os condicionantes sociais e econômicos que interferem na saúde da população. Isto implica desresponsabilização dos serviços para a construção colaborativa com os usuários de planos de cuidado ampliados capazes de produzir conhecimento, responsabilização e autonomia 77. Coordenação Nacional de Saúde Bucal, Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/diretrizes_da_politica_nacional_de_saude_bucal.pdf (acessado em 11/Fev/2014).
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A humanização aqui foi tomada como um dos princípios da integralidade que defende a ampliação do olhar para o ser humano, que se constrói e reconstrói a partir dos aspectos biológico, subjetivo e social 2929. Mattos RA. Os sentidos da integralidade: algumas reflexões acerca de valores que merecem ser defendidos. In: Pinheiro R, Mattos RA, organizadores. Os sentidos da integralidade na atenção e no cuidado à saúde. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ABRASCO; 2001. p. 39-64.. No DRS III, os princípios e diretrizes da ESF vêm contribuindo para a integração destes aspectos citados e qualificando o cuidado em saúde bucal.

O conceito de vigilância à saúde pressupõe uma transição de serviços que trabalham na lógica da livre demanda para serviços que fazem a busca ativa e o acompanhamento constante dos usuários 77. Coordenação Nacional de Saúde Bucal, Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes da Política Nacional de Saúde Bucal. http://189.28.128.100/dab/docs/publicacoes/geral/diretrizes_da_politica_nacional_de_saude_bucal.pdf (acessado em 11/Fev/2014).
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"A gente tem uma chance, então a gente sai para a rua. Se o agente [comunitário] de saúde vem com um problema até a gente e diz: 'Ah, tem um caso lá em tal rua, tem como vocês darem uma olhadinha?' Então eu programo na agenda e a gente vai até a casa do paciente, eu e a dentista. São mais as pessoas acamadas, de idade, alguma feridinha na boca, alguma lesãozinha que a família está com dúvida e não dá para vir aqui" (ASB8; Jambo).

Acesso

A cobertura foi avaliada a partir do indicador de Primeira Consulta Odontológica definido no Pacto de Atenção Básica (2006), que está sistematizado na Tabela 4, em que se observa uma grande variação entre os municípios. Em geral, os de pequeno porte populacional avançaram mais no alcance deste indicador. Essas variações podem ser explicadas por problemas na padronização dos registros do indicador 11. Silva LS, Santana KR, Pinheiro HHC, Nascimento LS. Indicadores de atenção básica e especializada em saúde bucal nos municípios do Estado do Pará, Brasil: estudo ecológico, 2001-2010. Epidemiol Serv Saúde 2013; 22:325-34.,1212. Figueiredo N, Goes PSA. Construção da atenção secundária em saúde bucal: um estudo sobre os Centros de Especialidades Odontológicas em Pernambuco, Brasil. Cad Saúde Pública 2009; 25:259-67.,1313. Goes PSA, Figueiredo N, Neves JC, Silveira FMM, Costa JFR, Pucca Júnior GA, et al. Avaliação da atenção secundária em saúde bucal: uma investigação nos centros de especialidades do Brasil. Cad Saúde Pública 2012; 28 Suppl:S81-9.,2020. Colussi CF, Calvo MCM. Modelo de avaliação da saúde bucal na atenção básica. Cad Saúde Pública 2011; 27:1731-45.,3434. Figueiredo G, Vallin S. Indicadores de saúde do Estado de São Paulo. São Paulo: Secretaria Estadual da Saúde; 2010., assim como a alta taxa de cobertura por planos privados de saúde existentes na região 3434. Figueiredo G, Vallin S. Indicadores de saúde do Estado de São Paulo. São Paulo: Secretaria Estadual da Saúde; 2010..

Tabela 4
Indicador de cobertura de 1a consulta odontológica por município.

Na Figura 1, observamos entre 2010 e 2012, no DRS III, uma tendência de manutenção ou aumento da cobertura de Equipes de Saúde Bucal na ESF: cenário que sugere uma melhoria - ainda que tímida - da capacidade instalada e ampliação de profissionais de saúde bucal no SUS 88. Farias M-AV, Moura ERF. Saúde bucal no contexto do Programa Saúde da Família do Município de Iracema, no Ceará. Rev Odontol UNESP 2003; 32:131-7..

Figura 1
Evolução da cobertura populacional de equipes de saúde bucal por município entre os anos de 2010 e 2012. Departamento Regional de Saúde de Araraquara, São Paulo, Brasil. Fonte: Sala de Apoio à Gestão Estratégica, Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde.

Para avançar na superação do modelo biomédico no cuidado em saúde, a PNSB propõe o planejamento do acesso por linhas de cuidado, que pode ser pensada por ciclos de vida (exemplos: saúde da criança, saúde do adolescente, saúde do adulto e saúde do idoso) ou por condição de vida (exemplos: saúde da mulher, saúde do trabalhador, hipertensos, diabéticos etc.). A estratégia de linha de produção de cuidado é definida como o conjunto de saberes, tecnologias e recursos necessários ao enfrentamento de determinados riscos, agravos ou condições específicas, a serem ofertados de forma oportuna, articulada e contínua pelo sistema de saúde 3535. Cecílio LCO, Merhy EE. A integralidade do cuidado como eixo da gestão hospitalar. In: Pinheiro N, Mattos RA, organizadores. Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ABRASCO; 2003. p. 197-210.. Apesar de 13 coordenadores de saúde bucal do DRS III haverem afirmado que o planejamento das ações é realizado por meio de linhas de cuidado, o que continua ocorrendo é a priorização de grupos de usuários, como escolares, gestantes, idosos e hipertensos 2020. Colussi CF, Calvo MCM. Modelo de avaliação da saúde bucal na atenção básica. Cad Saúde Pública 2011; 27:1731-45.,3636. Padilha WWN, Valença AMG, Cavalcanti AL, Gomes LB, Almeida RVD, Taveira GS. Planejamento e programação odontológicos no Programa Saúde da Família do estado da Paraíba: estudo qualitativo. Pesqui Bras Odontopediatria Clín Integr 2005; 5:65-74.,3737. Rodrigues AAAO, Assis MMA. Oferta e demanda na atenção à saúde bucal: o processo de trabalho no Programa Saúde da Família em Alagoinhas-Bahia. Rev Baiana Saúde Pública 2005; 29:273-85..

Planejamento e gestão

O financiamento das ações de saúde bucal é majoritariamente do Ministério da Saúde e dos próprios municípios. Entretanto, embora reconheçam sua função como garantidores do investimento de recursos na saúde bucal em diferentes âmbitos institucionais, a maioria dos coordenadores municipais de saúde bucal do DRS III não sabe indicar o percentual do orçamento municipal da saúde destinado à saúde bucal.

A participação da comunidade é um dos princípios organizativos do SUS, garantido pela Lei nº 8.142/90. O desenvolvimento do processo de controle social das ações e serviços em saúde bucal revelou-se incipiente no DRS III, demonstrando que a população precisa ser empoderada para poder contribuir com a implementação da PNSB.

"[Nas Conferências Municipais de Saúde de 2011] são poucos os itens onde aparece a saúde bucal. (...) É mais a turma do idoso, porque como eu participei de uma reunião aqui, eu falei alguma coisa a respeito do recurso que tinha nesses 7 ou 8 municípios, então surgiram nas conferências alguma coisa de solicitar prótese para idoso" (GE1).

A educação permanente é uma estratégia de aprendizagem no trabalho cuja proposta é promover o debate e a reflexão a partir da problematização das necessidades de saúde individuais e coletivas, bem como da gestão do trabalho em saúde 3838. Ministério da Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Portaria nº 198/GM/MS, de 13 de fevereiro de 2004: institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor e dá outras providências. http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/portariagm198polos.pdf (acessado em 07/Ago/2013).
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. As atividades de educação permanente são realizadas em 57,9% dos municípios, principalmente por meio de reuniões de equipe, a partir das necessidades elegidas por profissionais de saúde bucal e gestores.

Uma vez que o planejamento das ações deve ser precedido de um diagnóstico das condições de saúde e doença da população, o diagnóstico epidemiológico deveria ser realizado de maneira sistemática e periódica 3535. Cecílio LCO, Merhy EE. A integralidade do cuidado como eixo da gestão hospitalar. In: Pinheiro N, Mattos RA, organizadores. Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ABRASCO; 2003. p. 197-210., mas é realizado em apenas 15,8% dos municípios do DRS III e se assemelha ao que foi observado em outros estudos 33. Pereira CRS, Roncalli AG, Cangussu MCT, Noro LRA, Patrício AAR, Lima KC. Impacto da Estratégia Saúde da Família sobre indicadores de saúde bucal: análise em municípios do Nordeste brasileiro com mais de 100 mil habitantes. Cad Saúde Pública 2012; 28:449-62.,1616. Souza TMS, Roncalli AG. Saúde bucal no Programa Saúde da Família: uma avaliação do modelo assistencial. Cad Saúde Pública 2007; 23:2727-39.. Essa deficiência está sendo, em parte, recuperada pelo Levantamento Epidemiológico Saúde Bucal nos Municípios, realizado em 2013 (SB-SP 2013), iniciativa da SES-SP.

Os instrumentos para o registro de informações/indicadores geralmente são os prontuários, mas os municípios do DRS III também utilizam como ferramentas sistemas próprios ou disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Foram reportados, pelos coordenadores municipais de saúde bucal do DRS III, 20.767 atendimentos/mês e 51.397 procedimentos/mês. A maioria dos atendimentos/procedimentos são realizados nas UBSs, em seguida vêm as USFs, os CEOs, os pronto-atendimentos, as escolas e por último o atendimento hospitalar. Apesar da PNSB preconizar o fortalecimento da Atenção Primária por meio da ESF, o que se observa é o predomínio das UBSs na prestação dos cuidados primários. A questão sobre número de atendimentos e procedimentos realizados, em geral, foi preenchida de maneira incompleta e dois municípios não apresentaram nenhum dado a respeito, o que é algo preocupante, pois a informação é uma ferramenta fundamental para a gestão dos serviços.

A PNSB aponta que é necessário definir uma agenda de pesquisa, com o intuito de investigar os principais problemas de saúde bucal e desenvolver produtos e tecnologias necessários à ampliação das ações dos serviços públicos de saúde bucal nos diferentes níveis de atenção. No entanto, apenas 15,8% dos municípios do DRS III relataram possuir agenda de pesquisa, sendo citados os levantamentos epidemiológicos e as pesquisas desenvolvidas por profissionais em capacitação. Sugere-se que a agenda de pesquisa seja coordenada pelo nível estadual e elaborada a partir das necessidades regionais ou municipais, com o objetivo de qualificar a rede de cuidados em saúde bucal.

A gestão dos serviços de saúde bucal, em quase a totalidade dos municípios do DRS III é realizada por CDs, dos quais apenas 27,8% possuem pós-graduação em Saúde Pública ou áreas afins. As atividades de planejamento são realizadas anualmente em 47,7% dos municípios (Programação Anual de Saúde), 26,3% utilizam as ferramentas de planejamento de maneira mais rotineira em reuniões de levantamento de problemas e 10,5% se limitam aos Relatórios de Gestão elaborados a cada 4 anos. Na maioria dos municípios do DRS III, quem participa do planejamento são os profissionais de saúde bucal e alguns também contam com a participação dos gestores. Essa informação não foi corroborada pelos profissionais, pois muitos disseram que sequer são convidados para participar desses espaços.

Existem dificuldades de implementação de ações da PNSB por conta da formação profissional, que continua sendo eminentemente tecnicista e clínica 3939. Monajem F. The WHO's action plan for oral health. Int J Dent Hyg 2009; 7:71-3..

"Quando nós temos profissionais que são contratados pelo município, eu faço um encontro com eles para falar sobre os protocolos e programas de saúde bucal do município, falar um pouco como funciona a rede, para que eles não caiam de paraquedas na saúde pública, porque saem da faculdade sem saber o que é saúde pública" (GM9; Manga).

Essa realidade aponta a necessidade de reformas curriculares que de fato sejam coerentes com as Diretrizes Curriculares Nacionais e se fundamentem em um perfil profissional capaz de responder às necessidades individuais e coletivas da população, como parte do projeto local de saúde, articulando ensino e saúde 22. Pereira DQ, Pereira JCM, Assis MMA. A prática odontológica em Unidades Básicas de Saúde em Feira de Santana (BA) no processo de municipalização da saúde: individual, curativa, autônoma e tecnicista. Ciênc Saúde Coletiva 2003; 8:599-609.,88. Farias M-AV, Moura ERF. Saúde bucal no contexto do Programa Saúde da Família do Município de Iracema, no Ceará. Rev Odontol UNESP 2003; 32:131-7.. Os cursos de capacitação oferecidos aos profissionais do SUS, pontuais e isolados, não serão suficientes para mudar o quadro atual, pois a formação universitária é apenas um dos aspectos que contribui com o delineamento do perfil profissional. A construção social do CD como profissional liberal é muito forte em nossa cultura, assim como o poder de barganha dos planos privados de saúde e da indústria de equipamentos e insumos odontológicos, que têm interesses na manutenção do modelo biomédico.

Considerações finais

Cerca de dez anos após seu lançamento, os municípios do DRS III ainda encontram dificuldades em implantar os pressupostos da PNSB, pois foi observada a tendência da manutenção do modelo centrado na doença devido à grande demanda reprimida, às cobranças com relação à produção de procedimentos e à formação profissional tecnicista e clínica.

As condições de trabalho referentes a infraestrutura, equipamentos e insumos sinalizam para uma convergência de esforços por parte das três esferas de governo, enquanto a baixa remuneração e falta de Plano de Cargos, Carreiras e Salários são fatores que desmotivam os profissionais de saúde bucal.

Um ponto positivo observado foi a tendência de aumento de resolutividade do cuidado em saúde bucal na Atenção Primária em Saúde. Os aspectos referentes ao cuidado presentes na PNSB guardam mais coerência com o trabalho realizado pelas equipes de saúde bucal que trabalham nas USFs, pois é o serviço onde mais se identifica a integralidade do cuidado, a interdisciplinaridade, a intersetorialidade, o acolhimento, vínculo e responsabilização, a humanização do cuidado e o trabalho na perspectiva da vigilância à saúde.

A gestão e avaliação dos serviços de saúde bucal demonstrou ser um cenário bastante burocrático e pouco participativo, indicando a necessidade de criação de espaços de gestão colegiada, de indicadores de avaliação de processos - além dos indicadores de resultados já existentes - e realização de levantamentos epidemiológicos de maneira sistemática e periódica.

Pensar mudanças nos modelos assistenciais em saúde bucal, com a combinação da produção de atos cuidadores de maneira eficaz com conquistas dos resultados, cura, promoção e proteção, é um nó crítico fundamental a ser trabalhado pelo conjunto dos gestores e trabalhadores de saúde. Apesar dos avanços, a consolidação da pretendida mudança do modelo assistencial somente ocorrerá com a reorganização do processo de trabalho em saúde. É preciso ressignificar os modos de se produzir cuidado em saúde, as relações profissionais-usuários, as relações entre os profissionais de saúde e até mesmo a relação dos profissionais com o SUS.

Agradecimentos

Ao DECIT, do Ministério da Saúde, que por intermédio do CNPq realizou o apoio financeiro deste estudo, que foi selecionado na Chamada MCTI/CNPq/MS- SCTIE- DECIT Nº 10/2012 - Pesquisa em Saúde Bucal.

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Publication Dates

  • Publication in this collection
    Jan 2015

History

  • Received
    12 Nov 2013
  • Reviewed
    27 Feb 2014
  • Accepted
    29 Aug 2014
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br