O livro, organizado por Denise Valle, Denise Pimenta & Rivaldo da Cunha, é uma obra de imenso fôlego, com 33 autores além dos três já citados. O público-alvo é variado: alguns capítulos mais técnicos e outros cuja leitura é mais fácil. E, como explicam os organizadores na apresentação do livro, a linguagem não é homogênea. O que poderia ser uma limitação da obra, na verdade é reflexo do esforço de trazer conteúdo científico atualizado em campos tão diversos como a biologia do vetor, o diagnóstico laboratorial, o manejo clínico e a modelagem matemática da incidência ao longo do tempo.
O terceiro capítulo - Biologia e Comportamento do Vetor - está escrito de forma bem didática, apresentando o ciclo de vida do vetor no contexto da transmissão do vírus. Só senti falta de um resumo dos tempos de cada ciclo, para permitir, por exemplo, estimar o tempo total entre a oviposição e o primeiro repasto sanguíneo. Da mesma forma, o capítulo Transmissão Vetorial poderia ter um diagrama com os tempos, tão importantes segundo o próprio autor, na transmissão da doença. Ainda no bloco voltado para o vetor, o controle químico e a questão da resistência a inseticidas estão excelentes! Traz a questão do desenvolvimento de resistência nas populações do vetor, incluindo diversos exemplos, até mesmo pelo uso de inseticidas domésticos, vendidos livremente em qualquer lugar. O capítulo discute a necessidade de estratégias de controle que integrem controle mecânico (eliminação de criadouros), químico (inseticidas) e outras alternativas propostas mais recentemente. É o caso do desenvolvimento de linhagens transgênicas ou do emprego da bactéria Wolbachia como forma de controle das populações do vetor independentemente de contínua inspeção humana. Mas os autores concluem, sensatamente, que a participação da população no controle de criadouros ainda é a principal medida.
Os três capítulos seguintes (sete a nove) abrangem tudo do vírus. De forma muito clara são apresentados os pontos essenciais para aprofundar a questão das estratégias de controle: estrutura do genoma, diversidade genética e estratégia de replicação. O diagnóstico laboratorial começa por apresentar um quadro síntese dos principais métodos diagnósticos. O capítulo tem uma abordagem bem prática, ressaltando a importância do uso adequado das técnicas disponíveis. O bloco inclui uma extensa revisão do desenvolvimento das vacinas. Talvez um pouco otimista na conclusão ao apontar que a questão principal não é mais a viabilidade de se desenvolver uma vacina. Infelizmente, a proteção conferida pela vacina ainda é a limitada: cerca de 60-70%. A isso se soma o elevado custo por dose, um aspecto essencial a ser considerado no emprego em larga escala.
A clínica do dengue tem no livro espaço nobre (capítulos 10 a 13): da discussão dos aspectos tanto do vírus quanto do hospedeiro que afetam o curso da doença ao manejo clínico, com capítulos dedicados especificamente à assistência de crianças e de gestantes. Especialmente interessante é a profundidade como a patogenia foi apresentada, considerando os diferentes sorotipos, se infecção primária ou secundária, e as alterações na circulação que levam aos quadros de dengue grave.
Um conjunto de três capítulos aborda o controle e a prevenção do dengue do ponto de vista da participação da população. A distância entre repassar "conhecimento" sobre o mosquito, reprodução e doença e alcançar mudança efetiva de comportamento eliminando criadouros é muito bem discutida no capítulo Participação Social no Controle da Dengue: A Importância de uma Mudança Conceitual. Um aspecto talvez pudesse ser melhor discutido: para além do impacto individual das campanhas de esclarecimento e da intervenção direta combinada, existe um efeito de contexto, de grupo, que é quando as ações deixam de ser definidas individualmente e passam a ser objeto de controle social de vizinhos, amigos, família. É quando o desleixo com os criadouros pode passar a ser visto como desagradável pela comunidade como um todo. Se podemos usar como exemplo a transformação do cigarro de objeto de glamour em algo "brega", certamente um dos maiores sucessos da saúde pública no campo da comunicação social, o mesmo efeito gostaríamos de ver em relação aos criadouros de mosquito. O relato das experiências de comunicação do capítulo 16 traz grande contribuição para pensarmos coletivamente. Esse ponto tem ainda maior relevância no contexto de uma epidemia de Zika vírus, que afeta hoje o país. O que me leva ao capítulo 18, Gestão e Planejamento na Prevenção e no Controle da Dengue, que apesar do enfoque principalmente na gestão, conclui com o aspecto principal: "Os desafios enfrentados pelo SUS [...] são essencialmente políticos". É hora de trazer o que se aprendeu com o dengue para o enfrentamento da Zika, talvez o maior desastre sanitário do país desde a febre amarela.
Deixei para o fim três capítulos que me são muito caros. O que apresenta a modelagem matemática é primoroso, trazendo um breve histórico desses métodos e uma detalhada revisão do que vem sendo feito em dengue, um balanço adequado de questões gerais e aplicações. Talvez o maior problema do último capítulo do livro, Determinação Social, Determinantes Sociais da Saúde e a Dengue: Caminhos Possíveis?, seja esse: a maior parte do capítulo é dedicada a uma revisão geral do tema, sem dúvida bastante profunda, mas o dengue só aparece depois da metade do texto. O capítulo sobre a Epidemiologia da Dengue traz os dados: quem, quando e onde. A Figura 1 é um excelente resumo, pronta para ser usada em sala de aula.
Um pequeno senão do livro é que como cada capítulo pode ter vida independente, a leitura sequencial de tudo fica um pouco cansativa pelas repetições, talvez inevitáveis. Poucos autores conseguem fugir à descrição dos aspectos básicos do ciclo da doença e de sua magnitude. Mas o mais importante o livro alcança: temos finalmente uma sólida referência sobre o mundo do dengue. Parabéns aos autores e principalmente aos organizadores. Obra de fôlego imenso.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
06 Maio 2016