Resumos
Entender por que as pessoas comem o que comem é fundamental para desenvolver recomendações nutricionais que sejam capazes de modificar padrões alimentares inadequados e disfuncionais. Esse entendimento pode ser avaliado por meio de instrumentos - dentre os existentes nessa área, a The Eating Motivation Survey (TEMS) permite a identificação de fatores determinantes das motivações para comer e escolhas alimentares. O objetivo deste trabalho é apresentar o processo de adaptação transcultural da versão reduzida da TEMS para aplicabilidade em estudos na população brasileira. O processo envolveu as equivalências conceitual e de itens; equivalência semântica por dois tradutores, uma linguista, 22 experts (frequência de resposta de compreensão) e 23 bilíngues (com comparações de resposta pelo teste t pareado, correlação de Pearson e coeficiente de correlação intraclasse); e a equivalência operacional que foi realizada com 32 indivíduos. A equivalência de mensuração, correspondente às propriedades psicométricas, está em andamento. Todas as equivalências realizadas mostraram resultados satisfatórios para o uso da escala no Brasil, o que permite a aplicação da TEMS para avaliação das motivações para escolhas alimentares em nosso contexto.
Comportamento Alimentar; Motivação; Comparação Transcultural; Inquéritos e Questionários
Understanding why people eat what they eat is essential for developing nutritional guidelines capable of modifying inadequate and dysfunctional eating patterns. Such understanding can be assessed by specific instruments, amongst which The Eating Motivation Survey (TEMS) allows the identification of factors that determine motivations for eating and food choices. The aim of this study is to present the cross-cultural adaptation of the short version of TEMS for use in studies in the Brazilian population. The process involved conceptual and item equivalences; semantic equivalence by 2 translators, 1 linguist, 22 experts (frequency of response understanding), and 23 bilingual individuals (with response comparisons by the paired t-test, Pearson correlation coefficient, and intra-class correlation coefficient); and operational equivalence, performed with 32 individuals. The measurement equivalence corresponding to psychometric properties is under way. All equivalences showed satisfactory results for the scale’s use in Brazil, thus allowing application of TEMS to assess motivations for eating choices in the Brazilian context.
Feeding Behavior; Motivation; Cross-Cultural Comparison; Surveys and Questionnaires
Entender por qué las personas comen lo que comen es fundamental para desarrollar recomendaciones nutricionales que sean capaces de modificar padrones alimentarios inadecuados y disfuncionales. Esta comprensión puede ser evaluada mediante instrumentos -entre los existentes en este área, se cuenta con la The Eating Motivation Survey (TEMS) que permite la identificación de los factores determinantes para conocer las motivaciones para comer y las preferencias alimentarias. El objetivo de este trabajo fue presentar el proceso de adaptación transcultural de la versión reducida de la TEMS para su aplicabilidad en estudios con población brasileña. El proceso involucró equivalencias conceptuales y de ítems; una equivalencia semántica por parte de 2 traductores, 1 lingüista, 22 expertos (frecuencia de respuesta de comprensión) y 23 bilingües (con comparaciones de respuesta mediante el test t pareado, correlación de Pearson y coeficiente de correlación intraclase); además de la equivalencia operacional que se realizó con 32 individuos. La equivalencia de medición correspondiente a las propiedades psicométricas ya está en proceso. Todas las equivalencias realizadas mostraron resultados satisfactorios para el uso de la escala en Brasil, lo que permite la aplicación de la TEMS para la evaluación de las motivaciones en las preferencias alimentarias en nuestro contexto.
Conducta Alimentaria; Motivación; Comparación Transcultural; Encuestas y Cuestionarios
Introdução
Os motivos para comer e para a escolha alimentar consideram vários atributos relacionados ao indivíduo, à comida e ao ambiente, como gosto, hábitos, saúde, conveniência, preço, prazer e normas sociais; e, portanto, estão relacionados ao processo de seleção e consumo que, por sua vez, envolve fatores biológicos, fisiológicos, psicológicos, cognitivos, ideológicos, econômicos e socioculturais 11. Falk LW, Bisogni CA, Sobal J. Food choice process in older adults: a qualitative investigation. J Nutr Educ 1996; 28:257-65.,22. Jaeger SR, Bava CM, Worch T, Dawson J, Marshall DW. The food choice kaleidoscope: a framework for structured description of product, place and person as sources of variation in food choices. Appetite 2011; 56:412-23.,33. Alvarenga M, Koritar P. Atitude e comportamento alimentar - determinantes de escolhas e consumo. In: Alvarenga M, Antonaccio C, Timerman F, Figueiredo M, organizadores. Nutrição comportamental. Barueri: Edições Manole; 2015. p. 23-50.. Assim, estamos inseridos em um contexto de múltiplas possibilidades do que comer ou não, no qual cada evento requer vários tipos de decisões que incluem se, o porquê, o que, onde, quando, com quem, em quanto tempo, como e o quanto comer 44. Wansink B, Sobal J. Mindless eating: the 200 daily food decisions we overlook. Environ Behav 2007; 39:106-23.,55. Sobal J, Bisogni CA. Constructing food choice decisions.?Ann Behav Med 2009; 38:37-46..
Dessa forma, entender por que as pessoas comem o que comem é fundamental para a elaboração de recomendações alimentares praticáveis, que gerem modificações efetivas nos padrões alimentares. Sabemos mais atualmente o que as pessoas comem (Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF), mas entender suas motivações pode favorecer a adesão às condutas e ações nutricionais com base na contemplação destes aspectos multidimensionais envolvidos no ato de comer 66. Renner B, Sproesser G, Strohbach S, Schupp HT. Why we eat what we eat. The Eating Motivation Survey (TEMS).?Appetite 2012; 59:117-28..
Entretanto, por causa da sua natureza complexa e variável, avaliar o processo de escolha alimentar e seus motivos é uma tarefa desafiadora que exige o emprego de metodologias adequadas e baseadas em fundamentação teórica apropriada sobre seus determinantes. Estudos que buscam entender esse processo utilizam metodologias qualitativas 11. Falk LW, Bisogni CA, Sobal J. Food choice process in older adults: a qualitative investigation. J Nutr Educ 1996; 28:257-65.,77. Devine CM, Sobal J, Bisogni CA, Connors M. Food choices in three ethnic groups: interactions of ideals, identities, and roles. J Nutr Educ 1999; 33:86-93. e quantitativas, com instrumentos validados como o Food Choice Questionnaire88. Steptoe A, Wardle J. Motivational factors as mediators of socieconomic variations in dietary intake patterns. Psychol Health 1999; 14:391-402.. Esse questionário, extensamente utilizado 99. Prescott J, Young O, O'Neill L, Yau NJN, Stevens R. Motives for food choice: a comparison of consumers from Japan, Taiwan, Malaysia and New Zealand. Food Qual Prefer 2002; 13:489-95.,1010. Ares G, Gambaro A. Influence of gender, age and motives underlying food choice on perceived healthiness and willingness to try functional foods. Appetite 2007; 49:148-58.,1111. Januszewska R, Pieniak Z, Verbeke W. Food choice questionnaire revisited in four countries. Does it still measure the same? Appetite 2011; 57:94-8.,1212. Jáuregui-Lobera I, Bolaños-Ríos P. What motivates the consumer's food choice? Nutr Hosp 2011; 26:1313-21., avalia de forma abrangente os determinantes da escolha alimentar e foi traduzido e adaptado culturalmente para a população brasileira 1313. Heitor SFD, Estima CCP, Neves FJD, Aguiar ASD, Castro SDS, Ferreira JEDS. Tradução e adaptação cultural do questionário sobre motivo das escolhas alimentares (Food Choice Questionnaire - FCQ) para a língua portuguesa. Ciênc Saúde Coletiva 2015; 20:2339-46.; no entanto, importantes fatores fisiológicos e sociais, como necessidade e fome, prazer, imagem social e normas sociais não estão incluídos neste questionário.
Visando a captar de forma ainda mais extensa as motivações alimentares, Renner et al. 66. Renner B, Sproesser G, Strohbach S, Schupp HT. Why we eat what we eat. The Eating Motivation Survey (TEMS).?Appetite 2012; 59:117-28. desenvolveram na Alemanha a The Eating Motivation Survey (TEMS), uma escala elaborada por meio de um conjunto de estudos que objetivaram não apenas reunir os diferentes motivos relacionados às escolhas alimentares presentes em outros instrumentos, mas também estender o entendimento por meio de entrevistas com nutricionistas, discussões com psicólogos, e considerações dos autores - o que resultou em um instrumento amplo para a avaliação dos motivos para comer e escolher os alimentos.
Assim, considerando que é necessário maior compreensão do porquê as pessoas comem o que comem, que os estudos sobre determinantes de consumo são limitados no cenário nacional, e que a TEMS é uma medida ampla e desenvolvida para este fim, o objetivo deste trabalho é descrever o processo de adaptação transcultural realizado - com validação de conteúdo e aparente - da versão reduzida da TEMS para aplicabilidade em estudos no Brasil.
Métodos
O processo de adaptação transcultural seguiu abordagem universalista 1414. Herdman M, Fox-Rushby J, Badia X. A model of equivalence in the cultural adaptation of HRQoL instruments: the universalist approach. Qual Life Res 1998; 7:323-35.,1515. Reichenheim ME, Moraes CL. Operacionalização de adaptação transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde Pública 2007; 41:665-73., que envolve a análise das equivalências conceitual e de itens, semântica e operacional. A equivalência de mensuração, que consiste nas propriedades psicométricas do instrumento, está em andamento.
A escala
A TEMS é uma escala de autopreenchimento, respondida de forma Likert variando de 1 - nunca a 7 pontos - sempre. Sua apresentação tem a declaração “eu como o que eu como ...” seguida de uma lista de itens. Ela é composta em sua versão completa por 78 itens, e em sua versão reduzida por 45 itens - ambas distribuídas em 15 dimensões gerais relacionadas às motivações alimentares: preferência, hábitos, necessidade e fome, saúde, conveniência, prazer, alimentação tradicional, questões naturais, sociabilidade, preço, apelo visual, controle de peso, controle de emoções, normas sociais e imagem social 66. Renner B, Sproesser G, Strohbach S, Schupp HT. Why we eat what we eat. The Eating Motivation Survey (TEMS).?Appetite 2012; 59:117-28..
Equivalência conceitual e de itens
A equivalência conceitual e de itens consiste na exploração do construto de interesse e avalição da relevância e pertinência das dimensões entre o local do instrumento original e o novo contexto. Para tanto, realizou-se extensa revisão bibliográfica, discussão e análise do tema e dos instrumentos existentes para a avaliação das motivações e escolhas alimentares. Concluiu-se que a TEMS é o instrumento mais interessante para esse fim, e uma escala adequada para a adaptação no Brasil. Os autores da TEMS foram então contatados e autorizaram a adaptação transcultural da escala para o Português.
Equivalência semântica
Esta equivalência objetiva transferir o sentido das dimensões compreendidas no instrumento original para a versão traduzida e corresponde à validade de conteúdo. Para essa avaliação seguiram-se cinco etapas que compreenderam: a tradução do instrumento, as avaliações semânticas por experts e bilíngues, a retrotradução e avaliação da equivalência semântica entre a versão original e a retrotradução.
Dessa forma, dois bilíngues (com fluência em Inglês e Português) realizaram a tradução da escala de forma independente. As duas versões obtidas foram comparadas e discutidas para se obter uma versão única que apresentasse o melhor nível de equivalência conceitual e a linguagem mais compreensível para o público alvo (a população adulta do Brasil). Concluiu-se, então, a versão 1 que foi apresentada a 22 experts (21 nutricionistas, sendo apenas um do sexo masculino, e uma médica) com experiência em comportamento alimentar, atitudes alimentares, transtornos alimentares e obesidade.
Esses profissionais receberam o convite para colaborar na pesquisa por e-mail enviado pela plataforma SurveyMonkey, com a versão 1 da TEMS, solicitando que respondessem o quanto compreendiam de cada item da escala, usando a classificação: 0 - não entendi nada; 1 - entendi só um pouco; 2 - entendi mais ou menos; 3 - entendi quase tudo, mas tive algumas dúvidas; 4 - entendi quase tudo; 5 - entendi perfeitamente e não tenho dúvidas - e também que identificassem algum item cujo sentido ou linguagem não parecesse adequado ou fosse de difícil compreensão - com espaço para comentários e sugestões.
Uma linguista profissional (graduada em Letras e com especialização em Língua Inglesa) foi consultada para solucionar dúvidas em relação aos termos levantados pelos experts na versão 1. Foram realizadas modificações e correções necessárias após análise e discussão das respostas dos experts, juntamente com as sugestões da linguista e dos autores da escala, que resultaram na versão 2 da TEMS.
Em etapa complementar à equivalência semântica, objetivou-se avaliar se os itens em ambas as línguas seriam compreendidos da mesma maneira - uma vez que a escala tem expressões que podem ser entendidas de maneira diversa em diferentes cenários.
Para tanto, 23 bilíngues adultos (2 homens e 21 mulheres) foram convidados a responder à versão original em Inglês e à traduzida em Português (versão 2) também pela plataforma SurveyMonkey. Eles foram aleatoriamente divididos em dois grupos: um respondeu primeiro à versão em Inglês e após um intervalo mínimo de 5 dias à versão 2 em Português, e o outro grupo respondeu primeiramente à versão 2 em Português e depois à versão em Inglês. Após a análise das respostas, os itens que apresentaram baixa correlação nos escores foram rediscutidos para eventuais modificações em expressões, obtendo-se, assim, a versão 3.
Após essas etapas foi realizada a retrotradução (Tabela 1) da versão 3 em Português para a Língua Inglesa, por um bilíngue que não participou de nenhuma das etapas anteriores da adaptação transcultural. A equivalência semântica entre a versão original e a retrotradução foi revista e enviada aos autores da escala, que sugeriram outras pequenas modificações que resultaram na versão síntese.
Versão original, versão 1, versões retrotraduzida e final da The Eating Motivation Survey (TEMS).
Equivalência operacional
Para a garantia da equivalência operacional foram avaliados a pertinência e adequação do veículo, formato dos itens, cenário de administração, modo de aplicação e categorização das respostas. Essa é a fase que contempla a validade aparente do instrumento e foi analisada durante o pré-teste da versão síntese.
O pré-teste foi realizado na Unidade de Saúde da Família Pirapora, em São Luís, Maranhão, Brasil, com 32 indivíduos adultos de ambos os sexos (9 homens e 23 mulheres), de idades entre 20 e 59 anos. Eles foram convidados em sala de espera da unidade e aceitaram participar mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Ao final dessa etapa, considerando todas as contribuições, concluiu-se a versão final da escala.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (protocolo 1.885.824).
O esquema de todas as etapas da adaptação transcultural pode ser visto na Figura 1.
A análise dos dados foi feita por meio do software IBM SPSS 21.0 (IBM Corp., Armonk, Estados Unidos), adotando-se para todas as análises o nível de significância de p < 0,05.
A equivalência semântica com a participação dos experts foi avaliada por frequência de resposta à compreensão aos itens da escala. A equivalência semântica entre os escores das respostas às versões em Inglês e Português, com a participação dos bilíngues, foi avaliada pelo teste t pareado, pelo coeficiente de correlação de Pearson (r), que mede a associação linear entre medidas, e pelo coeficiente de correlação intraclasse (CCI) para mensurar a homogeneidade de medidas, apontando a concordância entre as duas línguas.
Resultados e discussão
As principais versões da TEMS durante o processo de adaptação transcultural estão apresentadas na Tabela 1.
Equivalência conceitual e de itens
Por razões práticas, e considerando sua boa confiabilidade, a equivalência conceitual e de itens foi realizada com a versão breve da TEMS (45 itens). Concluiu-se que as suas diferentes dimensões seriam relevantes e avaliariam os mesmos aspectos no contexto brasileiro para o qual estava sendo adaptada.
Equivalência semântica
As respostas obtidas pelos experts sobre a compreensão dos itens foram contabilizadas e todas aquelas com percentual de compreensão perfeita menor que 80% (n = 15) foram analisadas individualmente com as considerações dos experts - e discutidas com um dos autores originais da escala e com a linguista - resultando em modificações (Tabela 2) para a elaboração da versão 2 da TEMS.
Versões 1 e 2 em Português dos itens da The Eating Motivation Survey (TEMS) com menos de 80% de compreensão perfeita, antes e após as considerações dos experts (n = 22), autor da escala e linguista.
No total, foram realizadas alterações em sete dos 45 itens da escala. As propostas de alteração foram analisadas, revistas e discutidas com os bilíngues e autores para a garantia da melhor adequação à cultura brasileira e manutenção da ideia original de cada item. A exemplo da redefinição de termos, foi excluído do item 8 a expressão “em forma”, que no atual contexto brasileiro está muito mais relacionada à forma física corporal, contrastando com os exemplos “energia e motivação”. Sobre o item 16, discutiu-se que a apresentação “me dou ao luxo” conotaria aspectos financeiros relacionados aos motivos para comer e que poderia ser de difícil interpretação, optando-se então pela tradução: “para me dar algo realmente especial”. Modificações em outros itens visaram à facilidade de compreensão: “gastar mais dinheiro” por “gastar muito dinheiro”, “confortáveis” por “agradáveis”, “cresci com isso” por “cresci comendo assim”.
As respostas dos bilíngues para as versões em Inglês e Português foram comparadas com a finalidade de verificar concordância ou incongruência na compreensão da escala nas duas línguas. Os resultados dessa etapa podem ser vistos na Tabela 3.
A comparação das respostas por subescalas apontou diferença para as dimensões “saúde” e “preço”, no entanto, ambas com fortes correlações lineares (r > 0,70) e excelentes valores de CCI (> 0,75) 1616. Fleiss J. Statistical methods for rates and proportions. New York: John Wiley & Sons; 1981..
Para as repostas por item não houve diferença para a maioria, exceto para os itens 8, 9, 10 e 18 que foram discutidos individualmente com os bilíngues, questionando-os se houve mudança de opinião, se os itens denotavam sentidos diferentes nas duas línguas, ou se a diferença nas respostas foi por qualquer outra razão. A maioria respondeu que as diferenças aconteceram por falta de atenção e confusão nas linhas de opções durante as respostas. Porém, para os itens 8 e 18 responderam que houve realmente diferença na compreensão de sentidos. Assim, discutiu-se novamente a expressão “em forma”, e após a discussão com a autora principal da escala a expressão foi retirada. Para o item 18, seguindo a proposta dos bilíngues, e com o consentimento da autora, ficou acordado que, “porque me satisfaz fisicamente de forma agradável” ficaria melhor apresentado sob a distinção de que se trata de uma satisfação física (versão final na Tabela 1).
O resultado das correlações avaliado pelo CCI em geral foi satisfatório, com exceção da dimensão “necessidade e fome” e itens 8, 18, 19, 22, 24, 25, 36 e 32 que apresentaram baixa correlação (< 0,4) 1616. Fleiss J. Statistical methods for rates and proportions. New York: John Wiley & Sons; 1981.. De qualquer forma, tanto para a dimensão “necessidade e fome” e para os itens 19, 22, 24, 25, 32 e 36 não houve diferença entre as médias. As demais dimensões e itens apresentaram correlação satisfatória (04-0,75) 16 ou excelente (> 0,75) 1616. Fleiss J. Statistical methods for rates and proportions. New York: John Wiley & Sons; 1981..
Após a comparação da versão retrotraduzida e da versão original, concluiu-se que os itens do instrumento foram adaptados para uma expressão equivalente não mudando o seu significado cultural original. Alguns itens apresentaram diferenças importantes como, por exemplo: “because I grew up with it” versus “because I grew up eating that way”, e “because it spontaneously appeals to me (e.g. situated at eye level, appealing colors)” versus “because it attracts me visually in a spontaneous way (presentation in the supermarket, it is colorful)”. Essas diferenças, no entanto, se justificaram em decorrência das modificações realizadas durante o processo de adaptação para melhor compreensão do item em nosso contexto - e foram aprovadas pelos autores originais, que ainda deram pequenas sugestões de alterações para os itens 10, 17, 18, 21, 22 e 30 - que foram acatadas (versão final na Tabela 1).
Essas contribuições resultaram em mudanças no item 17 de “para manter uma dieta balanceada” passou a “para manter uma alimentação equilibrada”; no item 18 “porque me satisfaz fisicamente de forma agradável” para “porque me satisfaz a fome de forma agradável”; no item 22 “porque é prazeroso” para “porque me dá prazer”; no item 30 “porque me atrai visualmente de forma espontânea (apresentação no supermercado, é colorido)”; para “porque me chama logo a atenção (apresentação no supermercado, é colorido)”.
Equivalência operacional
Foi mantido o formato dos itens e modo de aplicação da TEMS, mas considerando o tamanho da escala e visando à facilitação de resposta, além de economia de tempo para a aplicação, optou-se por utilizar uma escala do tipo Likert de 5 pontos, ao invés de 7 pontos como na versão original. Os indivíduos que participaram do pré-teste levaram em média 10 minutos para responder à escala, e não relataram dificuldade no preenchimento e compreensão.
Também no pré-teste, foi solicitado aos participantes que respondessem para os itens 10 e 21 se eles achavam a proposta dada pelos autores de mais fácil compreensão em relação às opções da versão síntese. Desses, 81,2% (n = 26) responderam que a opção “porque eu conheço o produto” era melhor compreendida do que “porque estou familiarizado com isso”. E para o item 21, 53% (n = 17) responderam que a expressão “porque é conveniente” era melhor compreendida do que “porque é cômodo” - que ficaram desta forma definidas.
Este estudo contempla satisfatoriamente as equivalências conceitual e de itens, semântica e operacional recomendadas para a adaptação transcultural de instrumentos 1414. Herdman M, Fox-Rushby J, Badia X. A model of equivalence in the cultural adaptation of HRQoL instruments: the universalist approach. Qual Life Res 1998; 7:323-35.,1515. Reichenheim ME, Moraes CL. Operacionalização de adaptação transcultural de instrumentos de aferição usados em epidemiologia. Rev Saúde Pública 2007; 41:665-73., e boas evidências também para as validades de conteúdo e validade aparente compreendidas nas equivalências semânticas e operacional, respectivamente. É necessário avaliar ainda as propriedades psicométricas de confiabilidade e validade, correspondentes à equivalência de mensuração (em andamento).
Conclui-se que a versão brasileira da versão reduzida da TEMS é adequada e, portanto, se apresenta como um instrumento amplo e útil para maior conhecimento das motivações dos brasileiros para comer o que comem.
Referências
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- 16Fleiss J. Statistical methods for rates and proportions. New York: John Wiley & Sons; 1981.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
26 Out 2017
Histórico
- Recebido
21 Jan 2017 - Revisado
25 Maio 2017 - Aceito
05 Jul 2017