Resumos
Tradicionalmente, os acidentes do trabalho no Brasil vêm sendo categorizados em documentos governamentais, bem como em textos jurídicos e acadêmicos, como típicos e de trajeto. Face ao aumento da violência urbana e à precarização do trabalho em décadas recentes, discute-se a inadequação conceitual dessa classificação e sua implicação no subdimensionamento dos acidentes do trabalho no país. É apresentada uma classificação alternativa, como ilustração e contribuição à discussão sobre o aprimoramento das estatísticas das lesões associadas ao trabalho no país.
Palavras-chave:
Saúde do Trabalhador; Acidentes de Trabalho; Violência; Sistemas de Informação
Traditionally, work accidents in Brazil have been categorized in government documents and legal and academic texts as typical work accidents and commuting accidents. Given the increase in urban violence and the increasingly precarious work conditions in recent decades, this article addresses the conceptual inadequacy of this classification and its implications for the underestimation of work accidents in the country. An alternative classification is presented as an example and a contribution to the discussion on the improvement of statistics on work-related injuries in Brazil.
Keywords:
Occupational Health; Occupational Accidents; Violence; Information Systems
Tradicionalmente, los accidentes de trabajo en Brasil están siendo categorizados en documentos gubernamentales, así como en textos jurídicos y académicos, como típicos y de desplazamiento. Ante el aumento de la violencia urbana y la precarización del trabajo en las décadas recientes, se discute la inadecuación conceptual de esa clasificación y su implicación en el subdimensionamiento de los accidentes de trabajo en el país. Se presenta una clasificación alternativa, como ilustración y contribución a la discusión sobre el perfeccionamiento de las estadísticas de las lesiones asociadas al trabajo en el país.
Palabras-clave:
Salud Laboral; Accidentes de Trabajo; Violencia; Sistemas de Información
“O típico acidente relacionado com o trabalho que provocou o óbito de trabalhadores residentes em Porto Alegre no ano de 1992 foi o homicídio por arma de fogo” 11. Oliveira PAB, Mendes JM. Acidentes de trabalho: violência urbana e morte em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil. Cad Saúde Pública 1997; 13 Suppl 2:73-83. (p. 80).
Os acidentes de trabalho (AT) constituem o maior agravo à saúde dos trabalhadores brasileiros. Diferentemente do que o nome sugere, eles não são eventos acidentais ou fortuitos 22. Tsai SP, Bernacki EJ, Dowd CM. The relationship between work-related and non-work-related injuries. J Community Health 1991; 16:205-12., mas sim fenômenos socialmente determinados 33. Dwyer T. Life and death at work: industrial accidents as a case of socially produced error. Dordrecht: Springer Science & Business Media; 2013., previsíveis e preveníveis.
A Lei nº 6.367, promulgada em 19 de outubro de 1976, definiu juridicamente o AT como “aquele que ocorrer pelo exercício do trabalho a serviço da empresa” 44. Brasil. Lei nº 6.367, de 19 de outubro de 1976. Dispõe sobre o seguro de acidentes de trabalho a cargo do INPS e dá outras providências. Diário Oficial da União 1976; 21 out.. Embora essa lei considere a possibilidade de ocorrência de AT sem vínculo estrito com a atividade de trabalho realizada pelo trabalhador no momento do ocorrido, esse cenário parece ter sido negligenciado em documentos oficiais que se seguiram.
Posteriormente, o Ministério da Previdência Social categorizou os AT como típicos e de trajeto. Os primeiros foram definidos como decorrentes da característica da atividade profissional desempenhada pelo acidentado 55. Ministério da Previdência Social. Anuário estatístico da previdência social 2006. Brasília: Ministério da Previdência Social; 2006.. Já os de trajeto seriam os acidentes ocorridos no trajeto entre a residência e o local de trabalho 55. Ministério da Previdência Social. Anuário estatístico da previdência social 2006. Brasília: Ministério da Previdência Social; 2006..
De lá para cá, muita coisa mudou no Brasil, dentre elas, a violência urbana, fenômeno complexo cujas raízes se aninham nas desigualdades sociais que o país criou ao longo de seu desenvolvimento. As mortes decorrentes de causas externas atingiram dois milhões de pessoas entre os anos de 1980 e 2000 no país, período em que a mortalidade por homicídios aumentou 130% 66. Waiselfisz JJ, Athias G. Mapa da violência de São Paulo. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura; 2005.. No início do século XXI, a mortalidade por causas externas diminuiu, passando a aumentar novamente ao fim da década de 2000, atingindo outros dois milhões de pessoas entre 2000 e 2014 (Departamento de Informática do SUS. Sistema de Informações sobre Mortalidade. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205&VObj=http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10). A maioria dos atingidos era composta por homens, jovens, pretos e pardos, pobres, moradores das periferias das regiões metropolitanas brasileiras, bem como de cidades pequenas e médias da faixa de fronteira 77. Salla F, Alvarez MC, Oi AH. Homicídios na faixa de fronteira do Brasil, 2000-2007. Relatório de pesquisa do Projeto Violência e Fronteiras. São Paulo: Núcleo de Estudos da Violência, Universidade de São Paulo; 2011..
A partir dos anos 1970, a violência letal mudou substancialmente seu perfil. Tome-se, como exemplo, a cidade de São Paulo (paradigmática do que ocorreu nas grandes cidades brasileiras e para a qual a Fundação SEADE disponibiliza uma longa série histórica de dados sobre mortalidade. Ver: http://www.seade.gov.br/), onde o coeficiente de mortalidade por homicídios esteve sempre abaixo de cinco casos por 100 mil habitantes desde o início do século XX até os anos de 1960. À essa época, a maioria dos homicídios ocorria dentro das residências e decorriam, predominantemente, de questões privadas envolvendo machismo e patriarcalismo no núcleo familiar. Na década de 1970, o coeficiente de mortalidade por homicídios passou a variar entre cinco e dez por 100 mil, atingindo 65 homicídios por 100 mil habitantes em 1999. No ano 2000, 69% das vítimas foram assassinadas em vias públicas, e menos de 10%, em suas residências 88. Gawryszewski VP, Mello Jorge MHP. Mortalidade violenta no Município de São Paulo nos últimos 40 anos. Rev Bras Epidemiol 2000; 3:50-69.,99. Gawryszewski VP. Homicídios no Município de São Paulo: perfil e subsídios para um sistema de vigilância epidemiológica [Tese de Doutorado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo; 2002.. A partir dos anos 1970, em São Paulo e no restante do país, cada vez mais os homicídios tornaram-se instrumento de disputa e controle territorial por meio da ação, nas periferias das regiões metropolitanas e regiões de fronteira, de grupos paramilitares de extermínio (formados por policiais civis e militares), bandos de segurança privada (“justiceiros”, muitas vezes, patrocinados por comerciantes e pequenos industriais locais) e organizações clandestinas envolvidas com o tráfico e a comercialização de drogas e armamentos (facções criminosas). Ironicamente, no início da conformação desse cenário de violência demográfica, social e espacialmente especificada, a ideologia dos grupos paramilitares e justiceiros era a da “defesa do trabalhador contra o bandido”. Para os interessados em aprofundar essa discussão, é grande o número de trabalhos, alguns dos quais são aqui citados 1010. Cruz-Neto O, Minayo MCS. Extermínio: violentação e banalização da vida. Cad Saúde Pública 1994; 10 Suppl 1:199-212.,1111. Manso BP. Crescimento e queda dos homicídios em SP entre 1960 e 2010. Uma análise dos mecanismos da escolha homicida e das carreiras no crime [Tese de Doutorado]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2012.,1212. Fausto B. Crime e cotidiano: a criminalidade em São Paulo, 1880-1924. São Paulo: Edusp; 1984.,1313. Caldeira TPR. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Editora 34; 2000.,1414. Santos JVT. Violências em tempo de globalização. São Paulo: Editora Hucitec; 1999.,1515. Adorno S. Conflitualidade e violência. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP 1998; 10:19-47.,1616. Pinheiro PS. Violência do Estado e classes populares. Dados 1979; 22:5-24.,1717. Pinheiro PS, Paixão AL. Crime, violência e poder. São Paulo: Brasiliense; 1983.,1818. Mingardi G. Os matadores da periferia paulistana. Revista do ILANUD 1997; (3):31-42.,1919. Kowarick L, Rezende T. Escritos urbanos. São Paulo: Editora 34; 2000.,2020. Bicudo HP. Do esquadrão da morte aos justiceiros. São Paulo: Edições Paulinas; 1988.,2121. Silva JFS. Justiceiros e violência urbana. São Paulo: Cortez Editora; 2004.,2222. Da Matta R. Violência brasileira. São Paulo: Brasiliense; 1982..
Também a década de 1970 marcou o início de importantes transformações no mundo do trabalho. Nas economias centrais, e depois migrando para as regiões industrializadas e dependentes dos países ditos em desenvolvimento, inicia-se um quadro de crise estrutural do capitalismo 2323. Mészáros I. Beyond capital: toward a theory of transition. New York: NYU Press; 1995.,2424. Polanyi M, Tompa E. Rethinking the health implications of work in the new global economy. Toronto: Munk Centre for International Studies at the University of Toronto; 2002.. Entre muitas repercussões, essa crise fez com que o capital implementasse um importante processo de reestruturação visando recuperar seu ciclo produtivo, o que afetou fortemente o mundo do trabalho 2525. Antunes RLC. Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez Editora; 2008.. A organização da produção passa a se dar cada vez menos utilizando o trabalho estável e cada vez mais às custas de diversificadas formas de trabalho precarizadas. A relação empregatícia padrão, caracterizada por emprego por um patrão, em tempo integral, baseado nas premissas do empregador, de longo prazo e com benefícios e seguridades contratuais, declina no mercado de trabalho 2626. Lipsett B, Reesor M. Flexible work arrangements: evidence from the 1991 and 1995 Survey of Work Arrangements. Ottawa: Human Resources Development Canada; 1997.,2727. Vosko LF. Legitimizing the triangular employment relationship: emerging international labour standards from a comparative perspective. Comparative Labour Law and Policy Journal 1997; 19:43-7.. As novas unidades de produção utilizam cada vez mais horas extras, trabalhadores temporários, em tempo parcial e subcontratados. Criou-se, de um lado, em escala minoritária, o trabalhador “polivalente e multifuncional” da era informacional, sob maior demanda e pressão das empresas 2424. Polanyi M, Tompa E. Rethinking the health implications of work in the new global economy. Toronto: Munk Centre for International Studies at the University of Toronto; 2002.. De outro lado, expandiu-se um grande contingente de trabalhadores com baixa qualificação ocupacional e baixa remuneração, exemplificados, entre outros, por trabalhadores ambulantes como faxineiros, entregadores, mensageiros, motoboys, vigilantes, vendedores, prestadores de serviços fazendo as mais diversas tarefas pontuais (“bicos”), adolescentes lavando carros, entretendo motoristas de automóveis particulares, limpando sapatos ou mesmo trabalhando na prostituição e no comércio de drogas ilícitas 2828. Meirelles ZV. Vida e trabalho de adolescentes no narcotráfico numa favela do Rio de Janeiro [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz; 1998.,2929. Myers W. Alternative services for street children: the Brazilian approach. In: Bequele A, Boyden J, editors. Combating child labour. Geneva: International Labour Organization; 1988. p. 125-43.. A questão espacial assume importante papel na crise estrutural mencionada 3030. Botelho A. Do fordismo à produção flexível: a produção do espaço em um contexto de mudança das estratégias de acumulação de capital. GEOUSP: Espaço e Tempo (Online) 2001; (10):113-26.. Dentre tantos reflexos, trabalhadores informais tendem a ter maior mobilidade espacial durante o exercício de suas atividades. Nesse novo contexto, os limites dos ambientes de trabalho se tornaram mais e mais tênues. Alterou-se a topografia do risco. Os tradicionais ambientes fabris, que em décadas anteriores concentravam a maioria das ocorrências dos agravos à saúde dos trabalhadores, passaram cada vez mais a ceder lugar para o “espaço da rua” como sede de acidentes do trabalho 3131. Hennington EA, Cordeiro R, Moreira Filho DC. Trabalho, violência e morte em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2004; 20:610-7.,3232. Machado JMH, Gomez CM. Acidentes de trabalho: uma expressão da violência social. Cad Saúde Pública 1994; 10 Suppl 1:74-87.,3333. Waldvogel BC. Acidentes do trabalho: os casos fatais - a questão da identificação e da mensuração [Tese de Doutorado]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1999..
Obviamente, o grande aumento da violência como instrumento de controle territorial e a ocupação das ruas por enorme contingente de trabalhadores precarizados tiveram seu impacto no mundo do trabalho, contribuindo, de maneira importante, para a conformação do perfil de morbimortalidade dos trabalhadores brasileiros nas últimas décadas.
Entretanto, a classificação dos acidentes de trabalho acima referida não evoluiu nesse período. Os conceitos de AT típico e AT de trajeto criados nos anos 1970 estão consagrados nos meios governamentais, jurídicos e também, deve-se ressaltar, entre os estudiosos do campo da Saúde do Trabalhador. Nos Cadernos de Saúde Pública, bem como em outras revistas de circulação nacional do campo da Saúde Coletiva, são inúmeros os trabalhos que utilizam essa classificação. Fazendo-se uma busca rápida no portal regional da Biblioteca Virtual de Saúde (BIREME; http://brasil.bvs.br/), são encontradas 16 publicações nacionais indexadas pelos termos AT típico e AT de trajeto nos últimos cinco anos.
Gostaria de argumentar contra a continuidade da utilização dessa nomenclatura. Esses termos induzem, pelo menos no senso comum, a uma concepção desatualizada, e mesmo equivocada. Os bons dicionários da língua portuguesa definem típico como aquilo que normalmente acontece, que é característico, que serve de modelo. O AT não pode ser aceito como típico. Além disso, admitir que o AT decorre (apenas) da característica da atividade profissional desempenhada pelo acidentado, como define o Ministério da Previdência Social, naturaliza o AT, limitando seu reconhecimento, e mesmo atribuindo-o, a situações mais ou menos esperadas e restritas ao desempenho de funções laborais.
Se considerarmos - como deve ser - que o AT é qualquer agressão pontual, seja ela fortuita ou intencional; seja ela decorrente da ação de terceiros, de animais, de fenômenos naturais, de máquinas ou objetos, ou mesmo de lesões autoinfligidas; que ocorra durante o trabalho, a categorização típico deixa de lado a maioria dos acidentes sofridos pelo trabalhador. De fato, diversos estudos realizados nas últimas duas décadas apontaram a crescente participação de homicídios, latrocínios, sequestros, conflitos com criminosos, com policiais, com colegas de trabalho, com clientes e usuários, suicídios, e mesmo o impacto de balas perdidas, como desencadeadores de AT fatais 3131. Hennington EA, Cordeiro R, Moreira Filho DC. Trabalho, violência e morte em Campinas, São Paulo, Brasil. Cad Saúde Pública 2004; 20:610-7.,3232. Machado JMH, Gomez CM. Acidentes de trabalho: uma expressão da violência social. Cad Saúde Pública 1994; 10 Suppl 1:74-87.,3333. Waldvogel BC. Acidentes do trabalho: os casos fatais - a questão da identificação e da mensuração [Tese de Doutorado]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 1999.,3434. Paes-Machado E, Levenstein C. Assaltantes a bordo: violência, insegurança e saúde no trabalho em transporte coletivo de Salvador, Bahia, Brasil. Cad Saúde Pública 2002; 18:1215-27.,3535. Mendes J. O verso e o anverso de uma história: o acidente e a morte no trabalho. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2003.,3636. Santana V, Dias E, Oliveira G, Moura M, Nobre L, Machado J. Fatal work-related injuries and interpersonal violence in Brazil, 2000-2010. Salud Colectiva 2013; 9:139-49.,3737. Drumond EF, Silva JM. Avaliação de estratégia para identificação e mensuração dos acidentes de trabalho fatais. Ciênc Saúde Coletiva 2013; 18:1361-5.,3838. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC. Acidentes de trabalho fatais em Salvador, BA: descrevendo o evento subnotificado e sua relação com a violência urbana. Rev Bras Saúde Ocup 2014; 39:63-74.,3939. Cordeiro R, Luz VG, Hennington EA, Martins ACA, Tófoli LF. A violência urbana é a maior causa de acidente de trabalho fatal no Brasil. Rev Saúde Pública 2017; 51:123..
Também a categoria de trajeto não é adequada porque, com frequência, é aplicada erroneamente, não especificando a natureza do acidente. No trajeto, o trabalhador sofre não apenas acidentes circunscritos à sua locomoção, como também acidentes estritamente decorrentes de sua atividade laboral, bem como ações intencionalmente criminosas. Além disso, a utilização da categoria de trajeto não raramente leva a intermináveis discussões de interesse estritamente pecuniário sobre a natureza do trajeto, a habitualidade do trajeto, alterações do trajeto, interrupções intencionais do trajeto etc.
O crescimento da violência urbana no Brasil e a dificuldade em identificar seus reflexos sobre a população trabalhadora implicam tanto no aumento da incidência de AT como também em seu sub-registro no país. Nos dias atuais, permanece relevante, em nosso meio, o estudo da morbimortalidade decorrente de AT, cuja gravidade é apenas tangenciada pelas estatísticas oficiais disponíveis, conforme já demostraram tantos estudos. A classificação típico/trajeto não capta os reflexos das mudanças no mercado de trabalho em décadas recentes, no contexto do aumento da violência urbana vivenciado. Ao contrário, é mais um elemento a dificultar o real dimensionamento dos AT no Brasil.
Não bastasse a ausência de informações sobre acidentes do trabalho fatais que o alijamento de enorme parcela 4040. Saraiva A, Martins D. País ainda tem 44,2 milhões de trabalhadores informais, estima o IBGE. Valor Econômico 2012; 28 nov. http://www.valor.com.br/brasil/2919914/pais-ainda-tem-442-milhoes-de-trabalhadores-informais-estima-o-ibge.
http://www.valor.com.br/brasil/2919914/p... da população trabalhadora do sistema de notificação de AT do Ministério da Previdência Social traz. Não bastasse a subnotificação de acidentes do trabalho fatais, mesmo para a parcela de trabalhadores que oficialmente fazem jus a esse reconhecimento, devido a falhas de notificação do sistema. Também os reflexos da violência urbana incidindo sobre o trabalhador em sua jornada laboral geralmente não são identificados pela classificação típico/trajeto como AT, sendo classificados como violência comum - termo que por si só denuncia a gravidade e a banalização da violência em nosso meio - e assim “contribuindo para a invisibilidade das situações adversas de trabalho responsáveis pela sua ocorrência” 4141. Lacerda KM, Fernandes RCP, Nobre LCC, Pena PGL. A (in)visibilidade do acidente de trabalho fatal entre as causas externas: estudo qualitativo. Rev Bras Saúde Ocup 2014; 39:127-35. (p. 128).
A elaboração e implantação de um modo mais adequado de classificar AT, que facilite o desvelamento de seus determinantes, é tarefa de toda uma geração de pesquisadores engajados no aprimoramento das estatísticas das lesões associadas ao trabalho. Apenas como uma ilustração e contribuição para essa construção, apresento a classificação que o Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas experimentalmente está aplicando desde o início de 2015:
AT/crime: acidentes decorrentes primariamente de ato criminoso contra o trabalhador;
AT/estrito: excluída a classe anterior, são aqueles originados primariamente na execução de atividades laborais;
AT/trânsito: excluídas as classes anteriores, são aqueles decorrentes primariamente de colisões, atropelamentos ou quedas de veículos motorizados ou não no trânsito, bem como desequilíbrios, impactos ou quedas do trabalhador durante locomoção a pé;
AT/outros: acidentes não enquadrados em nenhuma classe anterior, como, por exemplo, suicídio no trabalho.
O fluxograma da Figura 1 ilustra o algoritmo utilizado nessa classificação.
Fluxograma para a classificação de acidentes do trabalho (AT) fatais utilizada experimentalmente pelo Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Campinas a partir de 2015.
Classificações, frequentemente, têm áreas cinzentas. A aplicação do fluxograma contribui para a sua redução. Exemplificando, um motorista de ônibus baleado e morto enquanto se dirigia para a garagem para iniciar sua jornada de trabalho, ou já conduzindo seu veículo, é classificado como vítima de AT/crime. Já o mesmo motorista, agora vítima de acidente de trânsito fatal enquanto conduzia seu veículo, é classificado como AT/estrito. E se esse mesmo motorista sofrer acidente de trânsito fatal enquanto se dirige à garagem antes de iniciar a jornada, seu acidente é classificado como AT/trânsito.
Aplicando-se essa classificação à análise dos 378 moradores de Campinas que faleceram devido a causas externas na cidade durante o ano de 2015, foram identificados, por meio de técnicas de autópsia verbal envolvendo familiares e colegas de trabalho das vítimas, 82 AT fatais 3939. Cordeiro R, Luz VG, Hennington EA, Martins ACA, Tófoli LF. A violência urbana é a maior causa de acidente de trabalho fatal no Brasil. Rev Saúde Pública 2017; 51:123.. Dentre esses, 25 (31%) eram AT/crime, 35 (43%) eram AT/trânsito, 3 (4%) eram suicídios no trabalho, classificados como AT/outros. Os AT estritamente relacionados a atividades laborais, que seriam os AT típicos da classificação tradicional, foram responsáveis por 19 mortes, 23% apenas do total. Note-se que, no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM; http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0205&VObj=http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sim/cnv/obt10), do Ministério da Saúde, apenas cinco desses acidentes foram captados. E, na base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN; http://portalsinan.saude.gov.br), também do Ministério da Saúde, estão notificados somente dez desses AT fatais, todos classificados como AT típico. Em que pese a potencialização do desempenho da classificação aqui apresentada conferida pela busca ativa realizada, quando comparada com as rotinas de registro do SIM e do SINAN, não se pode deixar de considerar que existe uma grande diferença de resultados.
Classificar desse modo os AT tem duas intenções. Por um lado, ressaltar que a organização do trabalho e os modos como o trabalhador é levado a desenvolver suas atividades laborais são apenas uma parte importante do problema. Por outro lado, dar maior visibilidade aos reflexos das mudanças no mercado de trabalho em décadas recentes - com a expansão do setor de serviços e a maior exposição do trabalhador ao ambiente da rua - no contexto da violência urbana brasileira, expresso pela criminalidade e os conflitos por ela gerados, pela agressividade do trânsito, pelo aumento da incidência do suicídio. Hoje, qualquer ação que vise diminuir a ocorrência de acidentes do trabalho precisa contemplar essa realidade.
Referências
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- 40Saraiva A, Martins D. País ainda tem 44,2 milhões de trabalhadores informais, estima o IBGE. Valor Econômico 2012; 28 nov. http://www.valor.com.br/brasil/2919914/pais-ainda-tem-442-milhoes-de-trabalhadores-informais-estima-o-ibge
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
19 Fev 2018
Histórico
- Recebido
07 Out 2016 - Revisado
19 Jun 2017 - Aceito
05 Jul 2017