Índices larvais de Aedes aegypti e incidência de dengue: um estudo ecológico no Estado do Rio de Janeiro, Brasil

Aedes aegypti larval indices and dengue incidence: an ecological study in the state of Rio de Janeiro, Brazil

Índices larvales de Aedes aegypti e incidencia de dengue: un estudio ecológico en el estado de Río de Janeiro, Brasil

Mário Sérgio Ribeiro Davis Fernandes Ferreira Renata Campos Azevedo Gerusa Belo Gibson dos Santos Roberto de Andrade Medronho Sobre os autores

Resumo:

A circulação simultânea da dengue, Zika e chikungunya impõe desafios importantes para o Brasil, que em decorrência das mudanças climáticas e outros fatores associados, estas arboviroses podem expor mais de 2 bilhões de pessoas no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. A principal estratégia dos programas de controle do Aedes aegypti baseia-se no Levantamento de Índice Rápido para o Ae. aegypti (LIRAa), um inquérito amostral no qual o Índice de Infestação Predial (IIP) obtido é utilizado para priorizar áreas de intervenção. Neste estudo, analisou-se o desempenho do LIRAa quanto à sua sensibilidade na previsão de epidemias de dengue em municípios do Estado do Rio de Janeiro, em anos considerados epidêmicos. Foram obtidas as taxas de incidência (TI) por município nos anos de 2011, 2012, 2013, 2015 e 2016, e os IIP de outubro dos anos anteriores. Foram elaborados diagramas de dispersão, visando à análise exploratória e à visualização gráfica da relação entre as referidas variáveis, assim como análises de correlação de Spearman entre o IIP e o Índice de Breteau (IB) de cada ano, a fim de estimar a qualidade do LIRAa. A análise comparativa dos valores dos IIP e as respectivas TI no período indicou correlação significativa entre estas variáveis apenas em 2011/2012 (rs = 0,479; p < 0,01). Adicionalmente, foi observada correlação entre os IIP e IB. É urgente repensar os parâmetros estabelecidos pela metodologia LIRAa e investir em metodologias alternativas de vigilância entomoepidemiológica, que mensurem de forma confiável o risco de transmissão no território e assim delinear estratégias mais efetivas para o controle dessas arboviroses.

Palavras-chave:
Epidemias; Índice; Entomologia, Incidência

Abstract:

The simultaneous circulation of dengue, Zika, and chikungunya poses major challenges for Brazil. Due to climate changes and other associated factors, more than two billion people in the world may be exposed to these arbovirus infections, according to the World Health Organization. The principal strategy for Aedes aegypti control programs is based on the Infestation Index Rapid Survey for Ae. aegypti (LIRAa), a sample survey in which the Building Infestation Index (BII) is used to prioritize areas for intervention. This study analyzed the performance of LIRAa in terms of its sensitivity for predicting dengue epidemics in municipalities in the state of Rio de Janeiro in epidemic years. Incidence rates per municipality for the years 2011, 2012, 2013, 2015, and 2016, plus the BII in October of the previous years. Scatterplots were created, aimed at an exploratory analysis and graphic visualizations of the relationship between the above-mentioned variables, as well as analyses of the Spearman correlation between the BII and the Breteau Index for each year, aimed at estimating the quality of the LIRAa. Comparative analysis of the values for the BII and the respective incidence rates in the period only indicated significant correlation between these variables in 2011/2012 (rs = 0.479; p < 0.01). There was also a correlation between BII and Breteau Index. It is urgent to rethink the parameters established by the LIRAa methodology and invest in alternative methodologies in entomological and epidemiological surveillance that reliably measure transmission risk in the territory and thus design more effective strategies to control these arbovirus infections.

Keywords:
Epidemics; Index; Entomology; Incidence

Resumen:

La circulación simultánea del dengue, Zika y chikungunya impone desafíos importantes para Brasil, que, a consecuencia del cambio climático y otros factores asociados, pueden estar expuestas a estas arbovirosis más de 2 billones de personas en el mundo, según la Organización Mundial de la Salud. La principal estrategia de los programas de control del Aedes aegypti se basa en el Levantamento de Índice Rápido para el Ae. aegypti (LIRAa), una encuesta de muestreo en la que el Índice de Infestación de Edificios (IIP) obtenido es utilizado para priorizar áreas de intervención. En este estudio se analizó el desempeño del LIRAa, en cuanto a su sensibilidad en la previsión de epidemias de dengue en municipios del estado de Río de Janeiro, durante años considerados epidémicos. Se obtuvieron tasas de incidencia (TI) por municipio de los años de 2011, 2012, 2013, 2015 y 2016, y los IIP de octubre de años anteriores. Se elaboraron diagramas de dispersión, visando el análisis exploratorio y visualización gráfica de la relación entre las referidas variables, así como análisis de correlación de Spearman entre el IIP y el Índice de Breteau (IB) de cada año, con el objetivo estimar la calidad del LIRAa. El análisis comparativo de los valores de los IIP y las respectivas TI en el período indicó correlación significativa entre esas variables solamente en 2011/2012 (rs = 0,479; p < 0,01). Asimismo, se observó correlación entre los IIP e IB. Es urgente repensar los parámetros establecidos por la metodología LIRAa, e invertir en metodologías alternativas de vigilancia entomoepidemiológica, que midan de forma confiable el riesgo de transmisión en el territorio y así delinear estrategias más efectivas para el control de esas arbovirosis.

Palabras-clave:
Epidemias; Índice; Entomología; Incidencia

Introdução

A circulação simultânea dos arbovírus dengue, Zika e chikungunya tem imposto desafios importantes para o Brasil em função do surgimento de formas graves atípicas e das incertezas diante da pouca compreensão sobre as repercussões clínicas em situações de hiperendemicidade, incluindo infecções sequenciais e coinfecção pelos três arbovírus 11. Donalisio MR, Freitas ARR. Chikungunya no Brasil: um desafio emergente. Rev Bras Epidemiol 2015; 18:283-5.,22. Fritzell C, Raude J, Adde A, Dusfour I, Quenel P, Flamand C. Knowledge, attitude and practices of vector-borne disease prevention during the emergence of a new arbovirus: implications for the control of chikungunya virus in French Guiana. PLoS Negl Trop Dis 2016; 10:e0005081..

A sobreposição de sinais e sintomas clínicos, associada às limitações do diagnóstico diferencial, tem sido um agravante neste cenário epidemiológico complexo, no qual a busca por estratégias mais efetivas de vigilância e controle centradas, sobretudo, no vetor Aedes aegypti, tem unido os esforços para o enfrentamento deste problema de grande relevância em Saúde Pública 33. Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Relatório da Reunião Internacional para Implementação de Alternativas para o Controle do Aedes aegypti no Brasil. Boletim Epidemiológico 2016; 47(15). https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/abril/05/2016-012---Relatorio-reuniao-especialistas-Aedes-publica----o.pdf.
https://portalarquivos2.saude.gov.br/ima...
.

No crescimento desordenado e na forma de organização social da vida nas grandes metrópoles, caracterizadas pela urbanização acelerada desvinculada de políticas habitacionais e de infraestrutura urbana, são produzidos cenários favoráveis à proliferação de mosquitos Aedes, aspectos importantes para introdução, dispersão e manutenção de tais arboviroses nestas áreas 44. Gubler DJ. Resurgent vector-borne diseases as a global health problem. Emerg Infect Dis 1997; 4:442-9.,55. Tauil PL. Urbanização e ecologia do dengue. Cad Saúde Pública 2001; 17 Suppl:99-102.,66. Teixeira TRA, Medronho RA. Indicadores sócio-demográficos e a epidemia de dengue em 2002 no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24:2160-70..

Em decorrência das mudanças climáticas, com alterações dos ciclos das chuvas e aumento das temperaturas, o impacto na transmissão de dengue e de arboviroses emergentes pode expor mais de 2 bilhões de pessoas em todo o mundo 77. Hales S, de Wet N, Maindonald J, Woodward A. Potential effect of population and climate changes on global distribution of dengue fever: an empirical model. Lancet 2002; 36:830-4.. No Brasil, país de clima tropical úmido, as temperaturas elevadas na maior parte do ano são um fator facilitador para a manutenção do Ae. aegypti em altas densidades na maioria das cidades.

De maneira geral, a principal resposta técnica dos programas municipais de controle do vetor tem como base a realização de pesquisas larvárias domiciliares para fins de monitoramento e como subsídio ao controle da infestação de mosquitos Aedes. Para a obtenção de indicadores entomológicos de maneira rápida e oportuna, utiliza-se o Levantamento de Índice Rápido para o Ae. aegypti (LIRAa), estratégia que consiste em um inquérito amostral de imóveis, na qual o Índice de Infestação Predial (IIP) obtido é usado como referência para definir áreas prioritárias para receberem intervenções 88. Coelho GE, Burattini MN, Teixeira MG, Coutinho FAB, Massad E. Dynamics of the 2006/2007 dengue outbreak in Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz 2008; 103:535-9.,99. Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes nacionais para prevenção e controle de epidemias de dengue. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).. Sua relevância tem destaque nas Diretrizes Nacionais para Prevenção e Controle de Epidemias de Dengue99. Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes nacionais para prevenção e controle de epidemias de dengue. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série A. Normas e Manuais Técnicos)., sendo considerado uma “carta de navegação” para identificar áreas mais infestadas no território, sem a qual a efetividade das medidas de controle estaria comprometida. Porém, um estudo recente em Fortaleza (Ceará) demonstrou que os índices aferidos pelo LIRAa não apresentaram confiabilidade para prever a escala ou a localização da transmissão imediata ou posterior da dengue 1010. MacCormack-Gelles B, Lima Neto AS, Sousa GS, do Nascimento OJ, Castro MC. Evaluation of the usefulness of Aedes aegypti rapid larval surveys to anticipate seasonal dengue transmission between 2012-2015 in Fortaleza, Brazil. Acta Trop 2020; 205:105391..

Contudo, apesar de sua relevância como instrumento de tomada de decisão e dos recorrentes questionamentos sobre a sua efetividade na previsão de risco de transmissão epidêmica, estudos com foco na avaliação do LIRAa ainda são escassos. Considerando esses aspectos, o objetivo do presente trabalho foi analisar o desempenho do LIRAa quanto à sua sensibilidade na previsão de epidemias de dengue em municípios do Estado do Rio de Janeiro entre os anos de 2011 a 2016.

Metodologia

É um estudo com delineamento ecológico no qual os municípios do Rio de Janeiro foram utilizados como unidades de análise. O Estado do Rio de Janeiro tinha uma população estimada em 2019 de 17.264.943 habitantes (Departamento de Informática do SUS. http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/cnv/poptRJ.def, acessado em 26/Jul/2020) distribuídos em nove regiões de saúde, sendo 73,2% concentrados na Região Metropolitana.

Com base na premissa de que as epidemias de dengue são antecedidas por níveis elevados de infestação, foram obtidas as taxas de incidência (TI) por município nos anos de 2011, 2012, 2013, 2015 e 2016, considerados epidêmicos no estado (TI ≥ 300 casos por 100 mil habitantes), além dos respectivos IIP dos ciclos do LIRAa de outubro dos anos imediatamente anteriores - 2010, 2011, 2012, 2014 e 2015. Foi realizada análise de correlação entre os dois indicadores nos anos estudados, sempre considerando o IIP de um ano e a TI do ano subsequente.

As análises foram realizadas com base nas definições de risco de epidemias do Ministério da Saúde 99. Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes nacionais para prevenção e controle de epidemias de dengue. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série A. Normas e Manuais Técnicos)., que classifica os municípios brasileiros segundo valores do IIP: < 1% = situação satisfatória; ≥ 1% e < 4% = situação de alerta; ≥ 4% = situação de alto risco de epidemia. A TI, que por sua vez reflete a intensidade da circulação do vírus, foi obtida considerando-se a notificação de casos prováveis, sendo estabelecidos os seguintes pontos de corte: TI até 100 casos por 100 mil habitantes = baixa transmissão; TI de 101 a 299 casos por 100 mil habitantes = transmissão moderada; TI de 300 ou mais casos por 100 mil habitantes = alta transmissão 1111. Valle D, Pimenta DN, Cunha RV. Dengue: teorias e práticas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015..

Procedimentos de análise

Foram elaborados diagramas de dispersão contendo os valores dos IIP obtidos nos ciclos do LIRAa de outubro de cada ano, e as respectivas TI de dengue nos respectivos anos seguintes, visando à análise exploratória e à visualização gráfica da relação entre as referidas variáveis. Com base nos parâmetros para a classificação de risco e de ocorrência de epidemias, os municípios foram classificados em concordantes e discordantes. Foram considerados concordantes:

  • Municípios cujas TI foram ≥ 300/100 mil habitantes (alta transmissão) e os IIP nos meses de outubro do ano imediatamente anterior foram > 1% e < 4% (situação de alerta) ou IIP ≥ 4% (situação de alto risco de epidemia);

  • Municípios cujas TI foram < 300/100 mil habitantes (transmissão moderada e baixa transmissão) e IIP nos meses de outubro do ano imediatamente anterior foi IIP < 1% (situação satisfatória).

  • Em contrapartida, foram considerados discordantes:

  • Municípios cujas TI foram ≥ 300/100 mil habitantes (alta transmissão) e os IIP em outubro do ano anterior foram IIP < 1% (situação satisfatória);

  • Municípios cujas TI foram < 300/100 mil habitantes (transmissão moderada e baixa transmissão), porém, os IIP em outubro do ano anterior foram ≥ 1% e < 4% (situação de alerta) ou IIP ≥ 4% (situação de alto risco de epidemia).

A análise também foi estratificada por tamanho populacional do município em 2010 (ano do Censo Demográfico), considerando-se as seguintes categorias, criadas pelos autores: pequeno porte (municípios com ≤ 50 mil habitantes); médio porte (municípios com população > 50 mil e ≤ 200 mil habitantes); e grande porte (municípios com população > 200 mil habitantes). Para essas análises, foram construídos gráficos do tipo boxplots mostrando as medianas dos IIP e das TI, para identificar se estas se comportavam de forma semelhante, quando comparadas aos diferentes portes populacionais, tanto dentro do próprio indicador quanto entre os dois indicadores. Adicionalmente, estratificou-se os IIP em seis valores, também segundo critério dos autores, sendo: 0; > 0 ≤ 0,5; > 0,5 < 1; ≥ 1 < 2; ≥ 2 < 3; e ≥ 3. O primeiro propósito dessa estratégia foi identificar a quantidade de municípios que apresentaram circulação viral de dengue, coincidindo com IIP igual a zero. O segundo, foi identificar em que patamares havia concentração dos valores do IIP, propondo novos valores empiricamente.

Na sequência, foram obtidas as curvas ROC para caracterizar a sensibilidade e a especificidade entre IIP para predizer epidemias de dengue nos municípios. A sensibilidade do LIRAa foi definida como a capacidade em sinalizar a ocorrência de epidemias, expressa nas situações em que o IIP foi considerado de alerta e alto risco (IIP ≥ 1%) no ciclo de outubro, sendo sucedido no ano seguinte por TI alta, com ≥ 300 casos por 100 mil habitantes. Já a especificidade do LIRAa foi definida como a capacidade de sinalizar a não ocorrência de epidemias, isto é, de sinalizar situações satisfatórias de infestação (IIP < 1%) no ciclo de outubro, precedendo a TI no ano subsequente abaixo de 300 casos por 100 mil habitantes. A acurácia do IIP na predição de epidemias foi testada com dois pontos de corte para a incidência de dengue: TI > 200 e TI > 300 casos por 100 mil habitantes.

Como forma de estimar a qualidade dos indicadores do LIRAa nos 55 municípios que realizaram a metodologia nos cinco anos analisados, foram realizadas análises de correlação de Spearman (rs) entre o IIP e o Índice de Breteau (IB) de cada ano analisado, bem como a correlação do período inteiro, na qual utilizou-se a média aritmética dos dois indicadores nos cinco anos. Situações em que o IB e o IIP têm valores muito próximos ou iguais e, portanto, correlacionados, indicam uma média de um criadouro por imóvel inspecionado, o que sugere que a inspeção foi interrompida assim que o primeiro criadouro foi identificado 1212. Gomes AC. Medidas dos níveis de infestação urbana para Aedes (Stegomyia) aegypti e Aedes (Stegomyia) albopictus em programa de vigilância entomológica. Inf Epidemiol SUS 1998; 7:49-57.,1313. Ribeiro MS. Monitoramento da circulação dos sorotipos virais do dengue em mosquitos coletados nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) estaduais e locais de competição dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, no Município do Rio de Janeiro [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2019..

O IB expressa a frequência relativa de criadouros positivos, com formas imaturas de Ae. aegypti, para cada 100 imóveis pesquisados, e o IIP expressa a frequência relativa de imóveis positivos dentre os imóveis pesquisados 99. Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes nacionais para prevenção e controle de epidemias de dengue. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).,1212. Gomes AC. Medidas dos níveis de infestação urbana para Aedes (Stegomyia) aegypti e Aedes (Stegomyia) albopictus em programa de vigilância entomológica. Inf Epidemiol SUS 1998; 7:49-57.. Adicionalmente, a caracterização do tipo de criadouro durante a pesquisa larvária por meio do Índice de Recipientes possibilita identificar o tipo de criadouro predominante na área, ou seja, aquele que apresenta maior frequência em relação a outros criadouros durante a pesquisa de campo; informação importante para o direcionamento de campanhas de comunicação e mobilização da população 99. Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes nacionais para prevenção e controle de epidemias de dengue. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).,1212. Gomes AC. Medidas dos níveis de infestação urbana para Aedes (Stegomyia) aegypti e Aedes (Stegomyia) albopictus em programa de vigilância entomológica. Inf Epidemiol SUS 1998; 7:49-57.,1313. Ribeiro MS. Monitoramento da circulação dos sorotipos virais do dengue em mosquitos coletados nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) estaduais e locais de competição dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, no Município do Rio de Janeiro [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2019..

Os dados foram analisados usando-se o programa estatístico IBM SPSS Statistics V21x86 (https://www.ibm.com/) e o software R versão 3.4.3 (http://www.r-project.org).

Resultados

No período analisado foram registradas 382 edições do LIRAa, realizadas nos meses de outubro (Tabela 1). Em média, 76 municípios realizaram anualmente a metodologia durante os cinco anos investigados, o que representa 82,6% do total de 92 municípios do estado.

Tabela 1
Distribuição do número de edições do Levantamento de Índice Rápido para o Aedes aegypti (LIRAa), segundo ocorrência de epidemia (taxa de incidência - TI ≥ 300 casos por 100 mil habitantes) e classificação dos valores de Índice de Infestação Predial (IIP).

A estratificação dos municípios por valores dos IIP indicou que 91,6% deles apresentaram IIP entre 0% e 2% (Tabela 1). Em 64,9% de todas as avaliações, o valor do IIP foi no máximo 1%. Adicionalmente, observou-se que 78,4% dos municípios de pequeno porte apresentaram IIP < 1%, e 63% dos municípios de grande porte registraram IIP ≥ 1% (Tabela 2).

Tabela 2
Frequência de municípios, por porte populacional, segundo Índice de Infestação Predial (IIP). Estado do Rio de Janeiro, Brasil.

Em 74 das 382 edições do LIRAa no período estudado, o IIP foi igual a zero, sendo que em 50% (37) destas 74 edições a TI esteve acima de 300 casos/100 mil habitantes, ou registrou circulação viral mesmo que abaixo de 300 casos/100 mil habitantes (Tabela 1). Destaca-se, ainda, que 33 municípios registraram valores do IIP igual a zero, sendo que cinco destes repetiram este resultado em quatro das cinco edições do LIRAa.

Na análise gráfica da distribuição dos IIP anuais dos municípios, realizados nas edições de outubro, a Figura 1 apresenta, separadamente para cada ano avaliado, os IIP (painéis à esquerda) e as TI de dengue (painéis à direita). Além disso, para essa análise anual, municípios de pequeno, médio e grande portes foram avaliados de forma estratificada. Observou-se que as medianas do IIP (painéis à esquerda) tendem a aumentar quanto maior o porte populacional do município, indicando que os menores índices de infestação encontrados são nos municípios de pequeno porte.

Figura 1
Distribuição das medianas dos Índices de Infestação Predial (IIP) anuais e taxas de incidência (TI) de dengue em anos correspondentes, segundo porte populacional dos municípios do Estado do Rio de Janeiro, Brasil.

Nos painéis à direita, as medianas das TI seguiram levemente a mesma tendência das medianas dos IIP apenas nos dois primeiros períodos analisados (Figuras 1b e 1d), diferindo nos demais períodos, inclusive mostrando comportamento inverso aos observados na análise dos IIP (Figuras 1f, 1h e 1j).

A Figura 2 apresenta diagramas de dispersão dos dados anuais dos IIP de outubro, em comparação com as TI no ano subsequente. Essa análise foi feita para o conjunto de todos os municípios com dados disponíveis e para os municípios estratificados por tamanho populacional.

Figura 2
Distribuição dos municípios, por porte populacional, com taxa de incidência (TI) ≥ 300/100 mil habitantes em relação ao Índice de Infestação Predial (IIP) de outubro.

Para esses diagramas de dispersão, optou-se por apresentar os resultados de 2011 e de 2012, considerado concordante segundo o desenho do estudo, por ter sido o único período que apresentou correlação positiva entre IIP em outubro de 2011 e a TI em 2012, com significância estatística moderada (rs = 0,479; p < 0,01) (Figura 2a). Para os demais períodos, optou-se por apresentar graficamente apenas os resultados do período de 2012 - para o IIP e de 2013 - para a TI, por não ter apresentado correlação entre os dois indicadores, assim como ocorreu com os demais períodos (Figura 2b). A análise visual desses períodos sugere frequência expressiva de municípios com valores de IIP e TI discordantes, segundo o desenho do estudo, confirmada pelos respectivos valores encontrados nas análises de correlação de Spearman, a saber: 2010/2011 (rs = 0,135; p = 0,270); 2012/2013 (rs = -0,003; p = 0,979); 2014/2015 (rs = -0,060; p = 0,627); 2015/2016 (rs = -0,035; p = 0,758).

Na análise utilizando a curva ROC, não foram observados ganhos em termos de sensibilidade e especificidade quando consideramos TI > 200 casos por 100 mil habitantes para a definição de epidemia. Quando consideramos a definição de epidemia baseada na TI ≥ 300 por 100 mil habitantes, o ponto de corte do IIP = 0,65% em outubro de 2011 apresentou o mais adequado equilíbrio entre sensibilidade (66,7%) e especificidade (52,7%), e uma acurácia de 74%.

Na análise da correlação entre o IIP e o IB foi possível visualizar que a distribuição dos indicadores tem alta correlação, mostrando em muitas situações valores praticamente iguais (Figura 3). Também foi calculada a correlação de Spearman (rs) entre os dois indicadores, obtendo-se valores próximos a 1,0 em todas as edições, com significância estatística (p < 0,05).

Figura 3
Distribuição do Índice de Infestação Predial (IIP) e do Índice de Breteau (IB) e os respectivos valores da correlação de Spearman (rs), nos 55 municípios que realizaram o Levantamento de Índice Rápido para o Aedes aegypti (LIRAa).

Discussão

No Estado do Rio de Janeiro, desde 2009 o LIRAa tornou-se obrigatório como metodologia de aferição dos IIP do Ae. aegypti, após a pactuação com os municípios, na Comissão Intergestores Bipartite do estado (CIB-RJ), consolidando-se como metodologia de rotina nas ações de prevenção e controle da dengue. Foi, portanto, uma medida positiva dos gestores que propiciou o acesso aos dados entomológicos aqui apresentados, já que, em média, 76 municípios realizaram anualmente a metodologia durante os cinco anos investigados, ou seja, 82,6% do total de 92 municípios do estado. Atualmente, o Ministério da Saúde recomenda a realização de quatro edições do LIRAa por ano, tornando-o uma ação vinculada à suspensão do repasse de recursos financeiros para os municípios, caso não seja executada como recomendado. No ano de 2018, cerca de 98% dos municípios a executaram na totalidade, salvo aqueles que justificaram a não execução por algum empecilho, como a ocorrência de um desastre natural, uma epidemia causada por arboviroses, ou questões administrativas locais.

A análise comparativa dos valores dos IIP, aferidos no LIRAa das edições de outubro dos anos de 2010, 2011, 2012, 2014 e 2015, e as respectivas TI nos anos seguintes, considerados epidêmicos, indicou frequência elevada de valores discordantes. Por exemplo, foram identificadas 130 edições (64,9%) do LIRAa no período analisado com IIP < 1%, índice considerado “satisfatório” pela metodologia, coincidindo com TI ≥ 300 casos/100 mil habitantes, indicando a ocorrência de epidemia (Tabela 1). Esse dado sugere, em teoria, que as epidemias podem ocorrer mesmo quando os índices estão em patamar “satisfatório” de infestação, pressupondo que a coleta de dados no LIRAa tenha sido realizada conforme os padrões de qualidade recomendados do Ministério da Saúde.

Por outro lado, também identificou-se TI < 300 casos/100 mil habitantes, sucedida de valores do IIP superiores a 1%, isto é, níveis de infestação considerados de “alerta” ou “alto risco” (IIP ≥ 1%), que pelo desenho deste estudo configurou situação “discordante”. Porém, epidemiologicamente trata-se de um cenário possível, já que pode estar relacionado à imunidade da população ao sorotipo viral predominante, resultando em baixa circulação viral, fator que não foi alvo neste trabalho.

Em função dos resultados, este estudo propõe uma redução nos valores dos IIP estabelecidos pelo Ministério da Saúde 99. Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes nacionais para prevenção e controle de epidemias de dengue. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série A. Normas e Manuais Técnicos)., tendo em vista que foi identificado que em 91,6% das edições do LIRAa no período os valores do IIP foram < 2%, sinalizando para a necessidade de se estabelecer um novo limiar superior de 2%, para classificar o município em alto risco de epidemia, considerando que atualmente este limiar é de 4%. Em complemento a essa questão, outra observação constatada foi a de que o valor de IIP ≥ 4% foi raro no período analisado, mostrando-se pouco relevante para a orientação geral dos municípios. Esse achado pressupõe que o município não precisa estar com IIP ≥ 4% para configurar risco elevado de epidemia, já que a despeito da baixa frequência deste valor no período de estudo, ocorreram diversos processos epidêmicos.

As análises gráficas e da Tabela 2 mostraram que os menores IIP aferidos nas edições do LIRAa de outubro estavam distribuídos principalmente nos municípios menores, com destaque para os que apresentaram IIP igual a zero, coincidindo com a circulação do vírus no ano subsequente. Esse fato em si coloca em dúvida a qualidade da informação gerada pelo LIRAa, já que, em teoria, o índice de infestação igual a zero indicaria ausência do vetor, não sendo possível a circulação autóctone do vírus. Como perspectiva deste trabalho caberá verificar em pesquisas futuras se a infestação é mesmo mais baixa em municípios menores, ou se é a qualidade das atividades de coleta das amostras que pode estar comprometida nesses municípios.

Esses resultados reforçam as conclusões de diversos autores que propuseram uma reconsideração dos parâmetros estabelecidos pelo Coordenação Geral de Vigilância de Arboviroses do Ministério da Saúde (CGArb/MS) em relação ao LIRAa, pois além da pouca efetividade na orientação de ações de prevenção e controle da infestação com foco em formas imaturas, pode mascarar a densidade de adultos, que são responsáveis pela transmissão do vírus. Destacam que a metodologia reflete apenas a infestação pelas formas imaturas do Ae. aegypti, por isto outras estratégias devem ser incorporadas em complementação ao LIRAa1010. MacCormack-Gelles B, Lima Neto AS, Sousa GS, do Nascimento OJ, Castro MC. Evaluation of the usefulness of Aedes aegypti rapid larval surveys to anticipate seasonal dengue transmission between 2012-2015 in Fortaleza, Brazil. Acta Trop 2020; 205:105391.,1111. Valle D, Pimenta DN, Cunha RV. Dengue: teorias e práticas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015.,1212. Gomes AC. Medidas dos níveis de infestação urbana para Aedes (Stegomyia) aegypti e Aedes (Stegomyia) albopictus em programa de vigilância entomológica. Inf Epidemiol SUS 1998; 7:49-57.,1313. Ribeiro MS. Monitoramento da circulação dos sorotipos virais do dengue em mosquitos coletados nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) estaduais e locais de competição dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, no Município do Rio de Janeiro [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2019.,1414. Tun-Lin W, Kay BH, Barnes A, Forsyth S. Critical examination of Aedes aegypti indices: correlations with abundance. Am J Trop Med Hyg 1996; 54:543-7.,1515. Braga IA, Gomes AC, Nelson M, Mello RCG, Bergamaschi DP, Souza JMP. Comparação entre pesquisa larvária e armadilha de oviposição para detecção de Aedes aegypti. Rev Soc Bras Med Trop 2000; 33:347-53.,1616. Braga IMA, Valle D. Aedes aegypti: histórico do controle no Brasil. Epidemiol Serv Saúde 2007; 16:113-8.,1717. Honório NA, Codeço CT, Alves FC, Magalhães MAFM, Lourenço-de-Oliveira R. Temporal distribution of Aedes aegypti in different districts of Rio de Janeiro, Brazil, measured by two types of traps. J Med Entomol 2009; 5:1001-14.,1818. Resende MC, Silva IM, Eiras AE. Avaliação da operacionalidade da armadilha MosquiTRAP no monitoramento de Aedes aegypti. Epidemiol Serv Saúde 2010; 19:329-38.,1919. Pilger D, Lenhart A, Manrique-Saide P, Siqueira JB, Da Rocha WT, Kroeger A. Is routine dengue vector surveillance in central Brazil able to accurately monitor the Aedes aegypti population? Results from a pupal productivity survey. Trop Med Int Health 2011; 16:1143-50.,2020. Sivagnaname N, Gunasekaran K. Need for an efficient adult trap for the surveillance of dengue vectors. Indian J Med Res 2012; 136:739-49..

Todavia, ainda são escassos os estudos no Brasil que estabeleceram correlações entre IIP e a ocorrência de transmissão de dengue 2121. Teixeira MG, Barreto ML, Costa MCN, Vasconcelos PFC, Cairncross S. Dynamics of dengue virus circulation: a silent epidemic in a complex urban area. Trop Med Int Health 2002; 7:757-62.,2222. Zeidler JD, Acosta POA, Barrêto PP, Cordeiro JS. Vírus dengue em larvas de Aedes aegypti e sua dinâmica de infestação, Roraima, Brasil. Rev Saúde Pública 2008; 42:986-91., ou ainda, trabalhos que se propõem a avaliar o desempenho da metodologia na predição de epidemias. Segundo um estudo conduzido por Coelho et al. 88. Coelho GE, Burattini MN, Teixeira MG, Coutinho FAB, Massad E. Dynamics of the 2006/2007 dengue outbreak in Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz 2008; 103:535-9., o LIRAa realizado em outubro tem algum poder preditivo na velocidade de crescimento epidêmico. Além da constatação de incompatibilidade entre os resultados do LIRAa e as TI de casos de dengue, estudos de diferentes autores mostram a necessidade de integrar outras metodologias entomológicas, capazes de medir com melhor precisão a infestação por Ae. aegypti, como o uso de ovitrampas e aspiradores 2323. Focks DA, Brenner RJ, Hayes J, Daniels E. Transmission thresholds for dengue in terms of Aedes aegypti pupae per person with discussion of their utility in source reduction efforts. Am J Trop Med Hyg 2000; 62:11-8.,2424. Scott TW, Morrison AC, Lorenz LH, Clark GC, Atrinckman D, Kittayapong P, et al. Longitudinal studies of Aedes aegypti (Diptera: Culicidae) in Thailand and Puerto Rico: populations dynamics. J Med Entomol 2000; 37:77-88.,2525. Eiras AE. Armadilha para a captura de insetos. Depósito de patente no Brasil: PI0203907-9; 05/Set/2002.,2626. Fávaro EA, Dibo MR, Mondini A, Ferreira AC, Barbosa AAC, Eiras AE, et al. Physiological state of Aedes (Stegomyia) aegypti mosquitoes captured with MosquiTraps in Mirassol, São Paulo, Brazil. J Vector Ecol 2006; 31:285-91.,2727. Fávaro EA, Mondini A, Dibo MR, Barbosa AAC, Eiras AE, Chiaravalloti-Neto F. Assessment of entomological indicators of Aedes aegypti (L.) from adult and egg collections in São Paulo, Brazil. J Vector Ecol 2008; 33:8-16.,2828. Kröckel U, Rose A, Eiras AE, Geier M. New tools for surveillance of adult yellow fever mosquitoes: comparison of trap catches with human landing rates in a urban environment. J Am Mosq Control Assoc 2006; 22:229-39.,2929. Lima-Camara TN, Honório NA, Lourenço-de-Oliveira R. Frequência e distribuição espacial de Aedes aegypti e Aedes albopictus (Diptera, Culicidae) em distintos ambientes no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Publica 2006; 22:2079-84.,3030. Ribeiro MS. Análise comparativa entre as metodologias de monitoramento da infestação do Aedes (Stegomyia) aegypti (Linnaeus, 1762) (Diptera: Culicidae) associadas à transmissão de dengue nos municípios de Itaboraí e Guapimirim, Rio de Janeiro [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2013..

Questões relacionadas à qualidade dos indicadores do LIRAa também estão sendo discutidas, principalmente entre técnicos que atuam na gestão local, mas também na literatura sobre o tema 3131. Chiaravalloti Neto F, Costa AIP, Moura MSA, Soares MRD, Pereira FC, Battigaglia M, et al. Avaliação de ações municipais de combate a vetores do dengue na região de São José do Rio Preto, São Paulo, 1989 a 1995. Rev Soc Bras Med Trop 1999; 32:357-62.,3232. Frutuoso RL. Fatores associados com o índice de infestação predial do Aedes aegypti em municípios brasileiros no ano de 2012 [Dissertação de Mestrado]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013., que coloca sob suspeita a perspectiva de o LIRAa ser uma referência para o norteamento das ações de controle.

Neste trabalho, identificou-se uma proximidade entre os valores dos IIP e os IB, em que a correlação de Spearman calculada para ambos os indicadores, nas cinco edições analisadas, foi muito próximo de 1,0. Ressalta-se que não é apenas a correlação alta, mas o elevado número de valores iguais. Valores próximos de IB e IIP indicam que, para cada imóvel positivo, foi contabilizado apenas um criadouro, situação que sugere que a inspeção foi interrompida imediatamente após a identificação do primeiro criadouro com formas imaturas. Esse achado nos leva a duas suposições importantes: a primeira refere-se à falta de conhecimento por parte dos agentes de controle de endemias (ACE) quanto à relevância do IB; a segunda, em tese, está relacionada com o comprometimento do profissional com a importância da coleta no momento da visita ao imóvel. Portanto, são questões que requerem investimento permanente em capacitação e sensibilização dos executores da metodologia, para que se possa, em tempos futuros e breves, corrigir essas fragilidades identificadas na sua execução, que impactam diretamente nos resultados, podendo induzir medidas equivocadas por parte dos gestores. Sabe-se que, dentre essas medidas, as estratégias de informação e comunicação pelas diferentes formas de mídia sobre a prevenção da dengue são norteadas pelos registros dos tipos de criadouros predominantes nos respectivos territórios onde são encontrados, acentuando esses possíveis equívocos.

Adicionalmente, é importante ressaltar que a metodologia do LIRAa pode sofrer impacto em seus resultados por outros fatores além do relatado anteriormente, tais como: o tamanho da amostra definido no planejamento da ação, estabelecido no seu desenho metodológico; falta de infraestrutura adequada para a sua execução e o seu rigoroso monitoramento operacional; falta de capacitação periódica e sensibilização dos ACE para a execução da metodologia. Esses fatores associados aos apresentados neste estudo podem interferir na qualidade do indicador, gerando um certo grau de insegurança por parte dos técnicos e gestores sobre a metodologia.

Os presentes achados mostram a grande dificuldade em se definir mecanismos que apontem, com maior precisão, quais parâmetros do IIP do Ae. aegypti exercem maior influência sobre a intensidade da transmissão do vírus dengue. Esse cenário reforça a necessidade de investimento em estratégias alternativas, capazes de melhorar o desenho de possíveis cenários de epidemias de dengue e outras arboviroses transmitidas pelo Ae. aegypti.

Conclusões

O baixo desempenho do LIRAa na previsão de epidemias de dengue no período analisado, associado às evidências de fragilidades na qualidade de execução da metodologia (correlação entre IIP e IB), reforçam a necessidade de investimento em sensibilização e formação permanente dos agentes de controle de endemias responsáveis pela pesquisa larvária.

O IB é um indicador estratégico para a identificação dos tipos de criadouros predominantes no território, e seus resultados servem de base para orientar as estratégias de informação e comunicação sobre as medidas de prevenção, em especial, as campanhas de sensibilização e mobilização da população.

Por outro lado, a maior concentração de municípios com valores de IIP em faixas mais baixas (entre 0% e 2%) em períodos que antecederam a transmissão epidêmica, torna urgente a revisão dos parâmetros de infestação estabelecidos para definir o risco de transmissão. Considerando que estados e municípios elaboram suas estratégias de controle de transmissão de dengue e de outras arboviroses transmitidas por mosquitos Ae. aegypti, como Zika e chikungunya, com base nos resultados do LIRAa, essa revisão nos parâmetros de classificação de risco de infestação para epidemias é premente.

Paralelamente, é igualmente necessário investir no desenvolvimento de outras metodologias complementares de vigilância, que permitam mensurar de forma confiável o risco de transmissão no território e assim orientar estratégias mais efetivas para o controle dessas doenças.

Referências

  • 1
    Donalisio MR, Freitas ARR. Chikungunya no Brasil: um desafio emergente. Rev Bras Epidemiol 2015; 18:283-5.
  • 2
    Fritzell C, Raude J, Adde A, Dusfour I, Quenel P, Flamand C. Knowledge, attitude and practices of vector-borne disease prevention during the emergence of a new arbovirus: implications for the control of chikungunya virus in French Guiana. PLoS Negl Trop Dis 2016; 10:e0005081.
  • 3
    Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Relatório da Reunião Internacional para Implementação de Alternativas para o Controle do Aedes aegypti no Brasil. Boletim Epidemiológico 2016; 47(15). https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/abril/05/2016-012---Relatorio-reuniao-especialistas-Aedes-publica----o.pdf
    » https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/abril/05/2016-012---Relatorio-reuniao-especialistas-Aedes-publica----o.pdf
  • 4
    Gubler DJ. Resurgent vector-borne diseases as a global health problem. Emerg Infect Dis 1997; 4:442-9.
  • 5
    Tauil PL. Urbanização e ecologia do dengue. Cad Saúde Pública 2001; 17 Suppl:99-102.
  • 6
    Teixeira TRA, Medronho RA. Indicadores sócio-demográficos e a epidemia de dengue em 2002 no Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24:2160-70.
  • 7
    Hales S, de Wet N, Maindonald J, Woodward A. Potential effect of population and climate changes on global distribution of dengue fever: an empirical model. Lancet 2002; 36:830-4.
  • 8
    Coelho GE, Burattini MN, Teixeira MG, Coutinho FAB, Massad E. Dynamics of the 2006/2007 dengue outbreak in Brazil. Mem Inst Oswaldo Cruz 2008; 103:535-9.
  • 9
    Departamento de Vigilância Epidemiológica, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Diretrizes nacionais para prevenção e controle de epidemias de dengue. Brasília: Ministério da Saúde; 2009. (Série A. Normas e Manuais Técnicos).
  • 10
    MacCormack-Gelles B, Lima Neto AS, Sousa GS, do Nascimento OJ, Castro MC. Evaluation of the usefulness of Aedes aegypti rapid larval surveys to anticipate seasonal dengue transmission between 2012-2015 in Fortaleza, Brazil. Acta Trop 2020; 205:105391.
  • 11
    Valle D, Pimenta DN, Cunha RV. Dengue: teorias e práticas. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015.
  • 12
    Gomes AC. Medidas dos níveis de infestação urbana para Aedes (Stegomyia) aegypti e Aedes (Stegomyia) albopictus em programa de vigilância entomológica. Inf Epidemiol SUS 1998; 7:49-57.
  • 13
    Ribeiro MS. Monitoramento da circulação dos sorotipos virais do dengue em mosquitos coletados nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) estaduais e locais de competição dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, no Município do Rio de Janeiro [Tese de Doutorado]. Rio de Janeiro: Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2019.
  • 14
    Tun-Lin W, Kay BH, Barnes A, Forsyth S. Critical examination of Aedes aegypti indices: correlations with abundance. Am J Trop Med Hyg 1996; 54:543-7.
  • 15
    Braga IA, Gomes AC, Nelson M, Mello RCG, Bergamaschi DP, Souza JMP. Comparação entre pesquisa larvária e armadilha de oviposição para detecção de Aedes aegypti. Rev Soc Bras Med Trop 2000; 33:347-53.
  • 16
    Braga IMA, Valle D. Aedes aegypti: histórico do controle no Brasil. Epidemiol Serv Saúde 2007; 16:113-8.
  • 17
    Honório NA, Codeço CT, Alves FC, Magalhães MAFM, Lourenço-de-Oliveira R. Temporal distribution of Aedes aegypti in different districts of Rio de Janeiro, Brazil, measured by two types of traps. J Med Entomol 2009; 5:1001-14.
  • 18
    Resende MC, Silva IM, Eiras AE. Avaliação da operacionalidade da armadilha MosquiTRAP no monitoramento de Aedes aegypti. Epidemiol Serv Saúde 2010; 19:329-38.
  • 19
    Pilger D, Lenhart A, Manrique-Saide P, Siqueira JB, Da Rocha WT, Kroeger A. Is routine dengue vector surveillance in central Brazil able to accurately monitor the Aedes aegypti population? Results from a pupal productivity survey. Trop Med Int Health 2011; 16:1143-50.
  • 20
    Sivagnaname N, Gunasekaran K. Need for an efficient adult trap for the surveillance of dengue vectors. Indian J Med Res 2012; 136:739-49.
  • 21
    Teixeira MG, Barreto ML, Costa MCN, Vasconcelos PFC, Cairncross S. Dynamics of dengue virus circulation: a silent epidemic in a complex urban area. Trop Med Int Health 2002; 7:757-62.
  • 22
    Zeidler JD, Acosta POA, Barrêto PP, Cordeiro JS. Vírus dengue em larvas de Aedes aegypti e sua dinâmica de infestação, Roraima, Brasil. Rev Saúde Pública 2008; 42:986-91.
  • 23
    Focks DA, Brenner RJ, Hayes J, Daniels E. Transmission thresholds for dengue in terms of Aedes aegypti pupae per person with discussion of their utility in source reduction efforts. Am J Trop Med Hyg 2000; 62:11-8.
  • 24
    Scott TW, Morrison AC, Lorenz LH, Clark GC, Atrinckman D, Kittayapong P, et al. Longitudinal studies of Aedes aegypti (Diptera: Culicidae) in Thailand and Puerto Rico: populations dynamics. J Med Entomol 2000; 37:77-88.
  • 25
    Eiras AE. Armadilha para a captura de insetos. Depósito de patente no Brasil: PI0203907-9; 05/Set/2002.
  • 26
    Fávaro EA, Dibo MR, Mondini A, Ferreira AC, Barbosa AAC, Eiras AE, et al. Physiological state of Aedes (Stegomyia) aegypti mosquitoes captured with MosquiTraps in Mirassol, São Paulo, Brazil. J Vector Ecol 2006; 31:285-91.
  • 27
    Fávaro EA, Mondini A, Dibo MR, Barbosa AAC, Eiras AE, Chiaravalloti-Neto F. Assessment of entomological indicators of Aedes aegypti (L.) from adult and egg collections in São Paulo, Brazil. J Vector Ecol 2008; 33:8-16.
  • 28
    Kröckel U, Rose A, Eiras AE, Geier M. New tools for surveillance of adult yellow fever mosquitoes: comparison of trap catches with human landing rates in a urban environment. J Am Mosq Control Assoc 2006; 22:229-39.
  • 29
    Lima-Camara TN, Honório NA, Lourenço-de-Oliveira R. Frequência e distribuição espacial de Aedes aegypti e Aedes albopictus (Diptera, Culicidae) em distintos ambientes no Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Publica 2006; 22:2079-84.
  • 30
    Ribeiro MS. Análise comparativa entre as metodologias de monitoramento da infestação do Aedes (Stegomyia) aegypti (Linnaeus, 1762) (Diptera: Culicidae) associadas à transmissão de dengue nos municípios de Itaboraí e Guapimirim, Rio de Janeiro [Dissertação de Mestrado]. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2013.
  • 31
    Chiaravalloti Neto F, Costa AIP, Moura MSA, Soares MRD, Pereira FC, Battigaglia M, et al. Avaliação de ações municipais de combate a vetores do dengue na região de São José do Rio Preto, São Paulo, 1989 a 1995. Rev Soc Bras Med Trop 1999; 32:357-62.
  • 32
    Frutuoso RL. Fatores associados com o índice de infestação predial do Aedes aegypti em municípios brasileiros no ano de 2012 [Dissertação de Mestrado]. Brasília: Universidade de Brasília; 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Set 2020
  • Revisado
    18 Nov 2020
  • Aceito
    27 Nov 2020
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br