Resumos
O ensaio epistemológico objetiva informar sobre contribuições das críticas pós-colonial e decolonial para a contextualização do conceito de cultura na Epidemiologia. O pensamento pós-colonial, partindo do questionamento ao imperialismo britânico, e o decolonial, de origem latino-americana, dizem da persistência da colonialidade na cultura e na ciência. Com dimensão simbólica abrangendo sentidos diversos que vão da conservação à mudança e engendram hierarquizações sociais que favorecem a opressão, cultura é conceito polissêmico com trânsito interdisciplinar desde a Antropologia. Delineiam-se no texto perspectiva e forma do olhar, enfatizando-se a opção pelo ensaio; apresenta-se o conceito de cultura; indicam-se nos pensamentos pós-colonial e decolonial relações com a cultura relevantes para a Epidemiologia; aborda-se o uso do conceito na interdisciplinaridade entre Antropologia e Epidemiologia, resgatando-se propostas próximas da reflexão sobre colonização; sintetizam-se potenciais contribuições em apreciação epistêmica sobre Epidemiologia e o conceito de cultura. Amarras colonizadoras, como o sentido de dominação da natureza, a subordinação à biomedicina ocidental, o uso de classificações e variáveis forjadas segundo hierarquizações e oposições binarizadas, a desconsideração dos saberes populares, podem ser expostas pelas críticas pós-colonial e decolonial nas bases da Saúde Coletiva, e especialmente na ordenação teórico-conceitual epidemiológica hegemônica formulada segundo padrões culturais estranhos às realidades locais. As críticas pós-colonial e decolonial podem ser reveladoras da presença de racismos científicos e culturais invisibilizados na Epidemiologia.
Palavras-chave:
Cultura; Epistemologia; Antropologia
This epistemological essay aims to inform about contributions of postcolonial and decolonial criticisms to the contextualization of the concept of culture in Epidemiology. The postcolonial, based on the questioning of the British imperialism, and the decolonial thought, of Latin American origin, reveal the persistence of coloniality in culture and science. Culture with its symbolic dimension encompassing diverse meanings ranging from conservation to change and creating hierarchies that favor oppression is a polysemic concept with interdisciplinary motion since Anthropology studies. The text outlines the perspective and shape of the gaze, emphasizing the essay format: the concept of culture is presented; the relation between post- and decolonial thought and culture are indicated as relevant to epidemiology; the use of the concept is approached in the interdisciplinarity between Anthropology and Epidemiology, reviewing proposals close to the reflection on colonization; and the potential contributions in epistemic appreciation on Epidemiology and the concept of culture are summarized. Colonizing ties as the sense of domination of nature, subordination to Western biomedicine, the use of classifications and variables forged according to binarized hierarchization and oppositions, and the disregard of popular knowledge can be exposed by postcolonial and decolonial criticisms in the bases of Collective Health, and especially in hegemonic theoretical-conceptual epidemiological ordering formulated according to cultural patterns foreign to local realities. Postcolonial and decolonial criticisms can reveal the presence of scientific and cultural racism concealed in Epidemiology.
Keywords:
Culture; Epistemology; Antropology
El ensayo epistemológico pretende informar sobre las aportaciones de las críticas poscoloniales y decoloniales para contextualizar el concepto de cultura en Epidemiología. El pensamiento poscolonial, basado en el cuestionamiento del imperialismo británico, y el pensamiento decolonial, de origen latinoamericano, plantean la persistencia de la colonialidad en la cultura y la ciencia. Con una dimensión simbólica que abarca diversos significados que van desde la conservación hasta el cambio y engendra jerarquías sociales que favorecen la opresión, la cultura es un concepto polisémico con tránsito interdisciplinario desde la Antropología. En el texto se esboza la perspectiva y el modo de mirar, enfatizando la opción por el ensayo; se presenta el concepto de cultura; se señalan las relaciones con la cultura relevantes para la Epidemiología en los pensamientos poscolonial y decolonial; se aborda el uso del concepto en la interdisciplinariedad entre Antropología y Epidemiología, recuperando propuestas cercanas a la reflexión sobre la colonización; se sintetizan los potenciales aportes a la apreciación epistémica sobre la Epidemiología y el concepto de cultura. Los lazos colonizadores -como el sentido de dominación de la naturaleza, la subordinación a la biomedicina occidental, el uso de clasificaciones y variables forjadas según jerarquías y oposiciones binarizadas, y la desconsideración de los saberes populares- pueden ser expuestos por la crítica poscolonial y decolonial en las bases de la Salud Colectiva, más específicamente en el marco teórico-conceptual epidemiológico hegemónico formulado según patrones culturales extraños a las realidades locales. Las críticas postcoloniales y decoloniales pueden revelar la presencia de un racismo científico y cultural invisible en la Epidemiología.
Palabras-clave:
Cultura; Epistemología; Antropología
Introdução
A cultura tem relevância no mundo de frequentes movimentos e conflitos migratórios, xenofobias, racismos múltiplos como discriminação da cor da pele, idade, etnia, gênero, identidade sexual, credo religioso, condições econômicas. Quando tantos naturalizam preconceitos, o estudo crítico da cultura confronta a depreciação da diversidade tão cara à existência humana.
Cultura é termo polissêmico, apresentando-se como elaboração interdisciplinar que, partindo da Antropologia, atende a uma diversidade de sentidos referenciados a construções históricas, contextos e tendências políticas dos respectivos olhares teórico-conceituais. Destaca-se, neste sentido epistemológico, a conceituação da Antropologia interpretativa de Geertz 11. Geertz C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC Editora; 2008., que, do estudo de populações tradicionais da Ásia, identifica cultura como elemento essencialmente simbólico conformado como sistemas de controle, teias de significados que o ser humano tece para autogovernar-se e dar sentido relacional a sua vida social, e das quais necessita desesperadamente.
No conhecimento em saúde, seja preservando o domínio médico ou desmistificando sua transcendência, seja privilegiando expressões biomédicas ou sociais do adoecer humano, a dimensão cultural tem inscrição fundamental na Epidemiologia e deve ser procurada no trânsito entre a Antropologia Médica e a Antropologia da Saúde em suas relações interdisciplinares com o campo da Saúde Coletiva. Toma-se, então, a Epidemiologia como uma área disciplinar básica da Saúde Coletiva 22. Paim JS, Almeida Filho N. A crise da saúde pública e a utopia da saúde coletiva. Salvador: Casa da Qualidade; 2000..
Revisões realizadas por Minayo 33. Langdon EJ, Follér M-L, Maluf SW. Um balanço da antropologia da saúde no Brasil e seus diálogos com as antropologias mundiais. Anuário Antropológico 2012; 2011:51-89., em 1998, Langdon et al. 44. Minayo MCS. Construção da identidade da antropologia na área de saúde: o caso brasileiro. In: Alves PC, Rabelo MC, organizadores. Antropologia da saúde: traçando identidades e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Relume Dumará; 1998. p. 29-44., em 2012, e Maluf et al. 55. Maluf SW, Silva EQ, Silva MA. Antropologia da saúde: entre práticas, saberes e políticas. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais 2020; 91:1-38., em 2020, consideram a Antropologia da Saúde como área de conhecimento que ascende e ganha projeção particular, procurando afastar-se da dependência em relação à hegemonia da ciência antropológica produzida nos Estados Unidos e Europa. Vendo a área de conhecimento restringida por esta dependência teórico-conceitual Minayo 33. Langdon EJ, Follér M-L, Maluf SW. Um balanço da antropologia da saúde no Brasil e seus diálogos com as antropologias mundiais. Anuário Antropológico 2012; 2011:51-89. (p. 42) indaga sobre uma subordinação colonial diante da “antropologia gerada nos centros ‘desenvolvidos’” e Langdon et al. 44. Minayo MCS. Construção da identidade da antropologia na área de saúde: o caso brasileiro. In: Alves PC, Rabelo MC, organizadores. Antropologia da saúde: traçando identidades e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Relume Dumará; 1998. p. 29-44. (p. 52) pontuam que autores ligados a pensamentos de “fronteira” produzidos na América Latina avaliam que a Antropologia brasileira tem confrontado o colonialismo imposto pela “vertente anglo-americana”. A reflexão de Maluf et al. 55. Maluf SW, Silva EQ, Silva MA. Antropologia da saúde: entre práticas, saberes e políticas. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais 2020; 91:1-38., mais recente, apresenta a Antropologia da Saúde como área de conhecimento consolidada no Brasil, que acompanha as transformações sociais, políticas e culturais no país, aproximando-se das populações, em diálogo com as políticas públicas. Segundo Maluf et al. 55. Maluf SW, Silva EQ, Silva MA. Antropologia da saúde: entre práticas, saberes e políticas. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais 2020; 91:1-38., o conhecimento se projeta interdisciplinarmente para abordagens críticas analisando discriminações e racismos relacionados à gênero, idade, religiosidade, condição mental, etnia, e discutindo interseccionalidades, interculturalidades e saberes, produção de subjetividades, traduções e mediações culturais.
Conquanto mencionem a colonização do conhecimento 33. Langdon EJ, Follér M-L, Maluf SW. Um balanço da antropologia da saúde no Brasil e seus diálogos com as antropologias mundiais. Anuário Antropológico 2012; 2011:51-89. e suas ligações com a crítica da modernidade realizada por pensamentos de fronteira latino-americanos 44. Minayo MCS. Construção da identidade da antropologia na área de saúde: o caso brasileiro. In: Alves PC, Rabelo MC, organizadores. Antropologia da saúde: traçando identidades e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Relume Dumará; 1998. p. 29-44., e referenciem os rumos do conhecimento abordando discriminações sociais e racismos 55. Maluf SW, Silva EQ, Silva MA. Antropologia da saúde: entre práticas, saberes e políticas. BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais 2020; 91:1-38., as revisões citadas não objetivaram discutir as relações entre o desenvolvimento da Antropologia da Saúde no Brasil e o projeto de descolonização epistemológica e política elaborado nos contextos pós-colonial e decolonial. Por outro lado, os trabalhos informam sobre relações interdisciplinares entre a Antropologia da Saúde e a Epidemiologia, embora a questão do conceito de cultura não se mostre como tema específico dos levantamentos e análises.
No conhecimento em saúde, a busca de “padrões” culturais nas formas de adoecer e modos de agir e se comportar sobressai tanto no desenvolvimento da Antropologia como da Epidemiologia, referindo-se o conceito de cultura a valores, costumes, crenças, hábitos, envolvidos no processo saúde-doença-cuidado 66. Trostle J. Epidemiologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013.. Nos modos de viver, e sobreviver em situações de vulnerabilidade social, elementos culturais, com sua expressão simbólica, são implicados no adoecimento, itinerários terapêuticos e acesso a tratamento e proteção nos níveis individual e coletivo.
Interpretações do que seja cultura movimentam-se entre campos e espaços temáticos diferentes como a sociologia ou a crítica literária, devendo esta interdisciplinaridade se refletir nas relações entre Antropologia e Epidemiologia. Observe-se então a possibilidade de perda, no trânsito interdisciplinar para a Epidemiologia, do lastro crítico incorporado aos conceitos em suas origens 77. Menéndez E. Antropologia Médica e Epidemiologia: processo de convergência ou processo de medicalização? In: Alves PC, Rabelo MC, organizadores. Antropologia da saúde: traçando identidades e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Relume Dumará; 1998. p. 71-93.. O discurso da Saúde Coletiva pode integrar elaborações teóricas provenientes das ciências sociais que não se concretizam na prática sanitária. Guarde-se, a propósito, o apontamento de Morin 88. Morin E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina; 2007. de que o transporte interdisciplinar de conceitos é operação metafórica sempre vigiada pelos defensores do conservadorismo científico.
Pretende-se, neste ensaio, atualizar o conhecimento do conceito de cultura a partir das teorizações pós-colonial e decolonial e informar à Saúde Coletiva sobre tal discussão, especialmente nas relações com a Epidemiologia. Delineiam-se perspectiva e forma do olhar; apresenta-se o conceito de cultura; indicam-se nos pensamentos pós-colonial e decolonial aspectos relativos à cultura relevantes para a Epidemiologia; aborda-se o uso do conceito na tradição epidemiológica em sua interdisciplinaridade com a Antropologia, resgatando-se questionamentos e propostas que se aproximam da reflexão sobre colonização; procura-se, ao final, sintetizar contribuições em apreciação epistêmica sobre a inserção do conceito de cultura na Epidemiologia.
O ensaio é forma de texto de origem literária e natureza crítica que se tece no próprio caminhar, realizando-se na operação de dar aos fios soltos a consistência de uma trama cuja tecitura se sustenta na coerência do pensamento e do discurso. Adorno 99. Adorno TW. O ensaio como forma. In: Adorno TW, organizador. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades; 2008. p. 15-45. reconhece o ensaio como forma impura que transgride fronteiras entre arte e ciência e se insurge contra a ortodoxia acadêmica que o proscreve, apontando contradições que enredam os conceitos e expondo aquilo que a ciência dominante proíbe e invisibiliza. Escolhendo livremente seu trajeto, o ensaio recusa a construção fechada e pensa sobre fragmentos, fraturas, rebelando-se contra o método que se tem como “exaustivo” e “cuja única preocupação é não deixar escapar nada” 99. Adorno TW. O ensaio como forma. In: Adorno TW, organizador. Notas de literatura I. São Paulo: Duas Cidades; 2008. p. 15-45. (p. 33-4).
Com aceitação hesitante em periódicos, diante da pretensão de rigor da área, ensaios publicados em livros foram fundamentais para dar substância crítica à epidemiologia brasileira 1010. Almeida Filho N. Epidemiologia sem números - uma introdução crítica à ciência epidemiológica. Rio de Janeiro: Campus; 1989.,1111. Costa DC, organizadora. Epidemiologia - teoria e objeto. São Paulo: Hucitec Editora/Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Saúde Coletiva; 1990.,1212. Castiel LD. O buraco e o avestruz - a singularidade do adoecer humano. Campinas: Papirus; 1994.,1313. Ayres JRCM. Sobre o risco - para compreender a epidemiologia. São Paulo: Hucitec Editora; 1997.. Observações quanto à objetividade e ao caráter quantitativo que orientam conceitos como risco e estilos de vida são pontos importantes destas reflexões. Tais aspectos constituem a atualidade de temas que orientam abordagens como a Epidemiologia Social e outros desdobramentos alternativos ao conhecimento epidemiológico hegemônico. A intenção desde ensaio é integrar este esforço crítico sempre em desenvolvimento, estabelecendo uma conversação interdisciplinar que tensione o conceito de cultura à luz dos pensamentos pós-colonial e decolonial, trazendo contribuições para a teoria epidemiológica.
Notas sobre a construção epistemológica interdisciplinar da ideia de cultura
A polissemia do termo cultura é apontada por Williams 1414. Williams R. Palavras-chave (um vocabulário de cultura e sociedade). São Paulo: Boitempo; 2007., desde o campo de investigação dos Estudos Culturais. Cultura, segundo o ponto de vista sociológico e crítico-literário do autor, relaciona-se com cuidar de algo, sentido cuja metaforização compreende do cuidado com a terra ao cultivo da mente.
Conservação e mudança prestam-se à contextos e propósitos diferentes, que abrangem os sensos material e simbólico atribuídos à cultura. O conceito diz da opressão social indicando superioridade ou inferioridade, como na referência a pessoas cultas, eruditas e socialmente privilegiadas, ou incultas, remetidas a culturas exóticas, primitivas ou populares, ou na referência a pessoas civilizadas ou selvagens quando é valorizada a oposição entre cultura e natureza. Em relação à temporalidade o conceito pode indicar permanência ou mudança. No âmbito da antropologia clássica cultura diz respeito àquilo que em populações tradicionais isoladas não muda ou muda lentamente, o que não parece adequado à urbanização contemporânea em suas intensas movimentação e interrelação.
Partindo das considerações de Williams 1414. Williams R. Palavras-chave (um vocabulário de cultura e sociedade). São Paulo: Boitempo; 2007., o filósofo e crítico literário Eagleton 1515. Eagleton T. A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp; 2005. observa que no significado original, relativo ao cultivo da terra e animais, cultura expressava questão material e depois o sentido estendeu-se à arte e ao espírito. O desdobramento do significado da palavra mostra o deslocamento histórico-social humano do ambiente rural para o urbano, e “talvez por detrás do prazer que se espera que tenhamos diante de pessoas ‘cultas’ se esconda uma memória coletiva de seca e fome” 1515. Eagleton T. A ideia de cultura. São Paulo: Editora Unesp; 2005. (p. 10).
Williams 1414. Williams R. Palavras-chave (um vocabulário de cultura e sociedade). São Paulo: Boitempo; 2007. releva a pluralidade e diversidade das culturas locais diante da universalização da concepção europeia moderna de cultura. Para o sociólogo Bauman 1616. Bauman Z. Ensaios sobre o conceito de cultura. Rio de Janeiro: Zahar; 2012., conhecido por investigar a liquidez do tempo da modernidade e seus efeitos de promoção da competitividade e dissolução da solidariedade social, o entendimento da cultura como sistema sugere o espaço moderno como de gerenciamento do que está fora. O externo ao que é moderno é “terra de ninguém”, onde “pessoas sem controle” e “condutas fora do padrão” devem ser ajustadas para sua assimilação, “subjugação”, “domesticação” 1616. Bauman Z. Ensaios sobre o conceito de cultura. Rio de Janeiro: Zahar; 2012..
Na estruturação do conceito Bauman 1616. Bauman Z. Ensaios sobre o conceito de cultura. Rio de Janeiro: Zahar; 2012. identifica dois discursos opostos, a apresentação de cultura como construção livre, inventiva, rompimento da regularidade, ou como conservação, rotinização, continuidade. A integração conservadora à ordem social enquadra a primeira perspectiva como desvio. Para Bauman, só na abordagem de sociedades pequenas e isoladas foi possível para a teoria antropológica clássica privilegiar continuidade e permanência ao colocar cultura diante do dilema continuidade-descontinuidade ou permanência-mudança. Cultura é “matriz de permutações possíveis” sempre inconclusa 1616. Bauman Z. Ensaios sobre o conceito de cultura. Rio de Janeiro: Zahar; 2012. (p. 43). Historicamente “as culturas foram definidas basicamente como tecnologias de discriminação e distinção, fábricas de diferenças” produtoras de oposições, “mas o diálogo e a negociação também são fenômenos culturais” que “ganham, em nossa era de pluralidade, uma importância crescente, talvez decisiva” 1616. Bauman Z. Ensaios sobre o conceito de cultura. Rio de Janeiro: Zahar; 2012. (p. 81).
Sintetizar a constituição histórica da ideia de cultura contribui para revelar a prescrição de julgamentos de valor, hierarquizações e assimilação de hábitos e comportamentos referentes à consideração do risco epidemiológico.
Cultura nos pensamentos pós-colonial e decolonial
Cultura e identidade são conceitos fundamentais para o pensamento pós-colonial. No contexto destacam-se o sociólogo jamaicano Stuart Hall e o filósofo e crítico literário indiano Homi Bhabha, autores de ponto de vista diaspórico que partem da consideração do imperialismo britânico.
No pensamento pós-colonial, segundo Hall 1717. Hall S. Quando foi o pós-colonial - pensando no limite. In: Hall S, editor. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora da UFMG; 2013. p. 110-40., o prefixo “pós” não representa um “depois” em relação ao controle direto da administração colonial, mas sim um “ir além” em termos cronológicos e epistemológicos na análise do imperialismo. Nem todos os países são pós-coloniais da mesma forma, mas todos, no mundo atual, relacionam-se a um centro imperial e a um estar no Ocidente sem ser dele, o que não é exclusivo da periferia, acontecendo nas metrópoles ocidentais. Fundamental no pós-colonial é a ideia de que as relações diaspóricas deslocam o fluxo entre centro e periferia, modelando-se mutuamente o global e o local.
Cultura, para Hall 1818. Hall S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A; 2006., deve ser entendida no mundo atravessado por migrações, como processo permanente e sempre incompleto de negociação entre tradução e tradição. Todas as culturas de hoje, entende Hall 1919. Hall S. Diásporas, ou a lógica da tradução cultural. Matrizes 2016; 10:47-58., são híbridas, traduzidas em viagens sem volta, sem “a promessa de um retorno redentor” 1919. Hall S. Diásporas, ou a lógica da tradução cultural. Matrizes 2016; 10:47-58. (p. 49). Os migrantes são obrigados a negociar sua inclusão nas novas culturas de chegada, “sem perder completamente suas identidades” 1818. Hall S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A; 2006. (p. 88).
Hall se inspira na tradução cultural pensada por Bhabha 2020. Bhabha H. Interrogando a identidade - Frantz Fanon e a prerrogativa pós-colonial. In: Bhabha H, editor. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG; 1998. p. 70-104., que reflete a partir do pensamento do psiquiatra martinicano Frantz Fanon sobre a relação entre colonizador e colonizado. Fanon é intelectual de relevância reconhecida nas teorizações pós-colonial e decolonial, com contribuições pouco lembradas para o campo da Saúde Coletiva, referidas sobretudo à questão do racismo 2121. Sevalho G, Dias JVS. Frantz Fanon, descolonização e o saber em saúde mental: contribuições para a saúde coletiva brasileira. Ciênc Saúde Colet 2022; 27:937-46..
Bhabha 2020. Bhabha H. Interrogando a identidade - Frantz Fanon e a prerrogativa pós-colonial. In: Bhabha H, editor. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG; 1998. p. 70-104. explora em Fanon a ideia de que colonizador e colonizado prendem-se um ao outro em suas superioridade e inferioridade. A relação é marcada pela projeção no outro e impede alteridade pura. Fanon, afirma Bhabha 2020. Bhabha H. Interrogando a identidade - Frantz Fanon e a prerrogativa pós-colonial. In: Bhabha H, editor. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG; 1998. p. 70-104. (p. 70), fala “a partir dos interstícios incertos da mudança histórica”, do lugar “de ambivalência entre raça e sexualidade, do bojo de uma contradição insolúvel entre cultura e classe, do mais fundo da batalha entre representação psíquica e realidade social”. A construção identitária se dá num lócus de enunciação atravessado por resistência e desejo conformando tradução e hibridização cultural.
A ideia da impossibilidade da alteridade pura na relação colonial inspirou no educador e filósofo brasileiro Paulo Freire 2222. Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1978., referenciando-se em Fanon, o desenvolvimento do conceito de “aderência ao opressor”. O oprimido, aponta Freire, introjeta o opressor e comporta-se como ele. Anote-se, a propósito, a fundamentalidade teórico-conceitual do pensamento freireano na educação popular em saúde. O conceito de aderência ao opressor pode ser referido à conscientização e às formas de participação solidária da população no enfrentamento das questões de saúde. A força de convencimento dos discursos, em práticas educativas conservadoras, cria e sustenta as dimensões culturais da dominação.
Para Hall 1919. Hall S. Diásporas, ou a lógica da tradução cultural. Matrizes 2016; 10:47-58. o termo hibridismo exprime na tradução cultural um processo forçado, marcado por indefinição e alto custo do sentimento de perda. Trata-se da forma pela qual a modernidade ocidental impõe seu movimento colonizador na construção da globalização. A hibridização é “transculturação das margens” produzida pela “lógica disjuntiva” 1919. Hall S. Diásporas, ou a lógica da tradução cultural. Matrizes 2016; 10:47-58. implantada à força pela colonização, pela escravidão, pela modernidade.
Hall 1919. Hall S. Diásporas, ou a lógica da tradução cultural. Matrizes 2016; 10:47-58. destaca o papel da racialização, do gênero e da sexualidade em discursos que silenciam a crítica, naturalizando e conformando significados aos sistemas de poder e dominação. Transcendendo questões genéticas e biológicas, raça é categoria discursiva, “construto político e social” 1919. Hall S. Diásporas, ou a lógica da tradução cultural. Matrizes 2016; 10:47-58. (p. 55).
Em sua teorização pós-colonial, Hall 1919. Hall S. Diásporas, ou a lógica da tradução cultural. Matrizes 2016; 10:47-58. analisa “binarismos” que impõem, entre colonizador e colonizado, hierarquização política e social de etnia, gênero, condição econômica, nacionalidade, religião. Os binarismos funcionam como fronteiras de exclusão, apagando o segundo termo da relação e solidificando oposições que refletem a dominação. O tema é presente no pós-estruturalismo, feminismo, pós-colonialismo, decolonialismo.
Na hibridização inscrita na tradução cultural, à oposição binarista entre “nós” e “eles” Hall 1919. Hall S. Diásporas, ou a lógica da tradução cultural. Matrizes 2016; 10:47-58. contrapõe a lógica da “differance” do filósofo pós-estruturalista e desconstrutivista de origem argelina Jacques Derrida. O termo criado por Derrida 2323. Derrida J. La differance. In: Derrida J, editor. Márgenes de la filosofia. Madri: Ediciones Cátedra; 1998. p. 37-62. é crítica discursiva contra as relações de poder criadas pelos binarismos, por ser algo que, pela substituição da letra “e” pela letra “a” que permanece silenciosa, soa como difference, mas não tem o sentido absoluto da diferença. Sem ser palavra ou conceito, aponta Derrida, differance representa adiamento de sentido, rastro que não é determinação de alguma origem, mas deslizamento onde novos significados se criam em suspensão temporal, como um jogo em movimento. Na differance, “a fantasia de uma origem final, como ‘verdadeiro’ começo”, afirma Hall 1919. Hall S. Diásporas, ou a lógica da tradução cultural. Matrizes 2016; 10:47-58. (p. 51), “permanece assombrada pela ‘falta’ ou pelo ‘excesso’”, e o sentido, sem origem ou destino fixo, permanece em jogo.
Tanto no que têm em comum, como em suas complementariedades e divergências, os pensamentos pós-colonial e decolonial podem, quando apreciados com atenção e criticidade, constituir fontes importantes de aportes para a discussão sobre o conceito de cultura e a teorização epidemiológica, como se procura mostrar no curso deste ensaio.
O pensamento decolonial, emergindo de outro lócus de enunciação que não a Europa, tenciona transcender o atamento eurocêntrico atribuído à pós-colonialidade. Ballestrin 2424. Ballestrin LM. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política 2013; 11:89-117. encontra a origem da crítica decolonial no coletivo Modernidade/Colonialidade, constituído no final dos anos 1990 por autores latino-americanos. A decolonialidade é postura ético-política e epistêmica estruturada a partir do “giro decolonial”, que mostra a face latino-americana do ideário descolonizador 2424. Ballestrin LM. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política 2013; 11:89-117.,2525. Maldonado-Torres N. La descolonización e el giro des-colonial. Tabula Rasa 2008; 9:61-72.,2626. Castro-Gómez S, Grosfoguel R. Giro decolonial, teoria crítica e pensamento heterárquico. In: Castro-Gómez S, Grosfoguel R, editores. El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos/Universidad Central/Pontificia Universidad Javeriana/Instituto Pensar; 2007. p. 9-22..
A crítica decolonial se contrapõe às abordagens descoloniais ajustadas a partir de binarismos que opõem poder hegemônico e países periféricos explorados, não permitindo a identificação das múltiplas dimensões do racismo. As expressões do racismo são marcas de colonialidade que procuram negar sua própria existência e, assim, se reproduzir e expandir 2525. Maldonado-Torres N. La descolonización e el giro des-colonial. Tabula Rasa 2008; 9:61-72..
Relações e debates entre a crítica decolonial e pensamentos como a teoria da dependência, a análise do sistema-mundo, o marxismo contemporâneo, os estudos pós-coloniais, são ressaltados por Castro-Gómez & Grosfoguel 2626. Castro-Gómez S, Grosfoguel R. Giro decolonial, teoria crítica e pensamento heterárquico. In: Castro-Gómez S, Grosfoguel R, editores. El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos/Universidad Central/Pontificia Universidad Javeriana/Instituto Pensar; 2007. p. 9-22.. A interdisciplinaridade com a teoria do sistema-mundo, formulada por Immanuel Wallerstein a partir da historiografia de Fernand Braudel, dá sentido à percepção da colonialidade como estrutura de longa duração, o que distingue a crítica decolonial das demais visões descoloniais. Para Castro-Gómez & Grosfoguel 2626. Castro-Gómez S, Grosfoguel R. Giro decolonial, teoria crítica e pensamento heterárquico. In: Castro-Gómez S, Grosfoguel R, editores. El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos/Universidad Central/Pontificia Universidad Javeriana/Instituto Pensar; 2007. p. 9-22., cultura não deriva, mas entrelaça-se ao econômico-político no sistema capitalista, e portanto não há como privilegiar somente cultura, linguagem, discurso, mergulhando num “culturalismo vulgar”, ou, por outra, num “economicismo vulgar” destacar somente processos políticos e econômicos sem articular as perspectivas.
Em texto seminal do pensamento decolonial o peruano Quijano 2727. Quijano A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e a América Latina. In: Lander E, organizador. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais - perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; 2005. p. 107-29. cria a ideia de colonialidade do poder e alimenta as de colonialidade do saber e colonialidade do ser desenvolvidas pelo argentino Mignolo 2828. Mignolo WD. Colonialidade - o lado mais escuro da modernidade. Rev Bras Ciênc Soc 2017; 32:e329402. e pelo porto-riquenho Maldonado-Torres 2929. Maldonado-Torres N. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al desarrollo de un concepto. In: Castro-Gómez S, Grosfoguel R, editores. El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémico más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos/Universidad Central/Pontificia Universidad Javeriana/Instituto Pensar; 2007. p. 127-67.. Quijano 2727. Quijano A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e a América Latina. In: Lander E, organizador. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais - perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; 2005. p. 107-29. percebe a dominação ocidental abrigada num tempo linear evolucionista e racista que começa com a modernidade europeia e invisilibiliza processos históricos e conhecimentos alternativos ancestrais latino-americanos. A universalização da modernidade europeia, como processo civilizador branco, cristão, patriarcal, capitalista, foi alicerçada no controle sobre o processo de trabalho e recursos materiais e na invenção da ideia de raça, construção mental funcional à cultura de dominação forjada como estrutura biológica justificativa da opressão colonial.
Partindo de Quijano 2727. Quijano A. Colonialidade do poder, eurocentrismo e a América Latina. In: Lander E, organizador. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais - perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; 2005. p. 107-29., Mignolo 2828. Mignolo WD. Colonialidade - o lado mais escuro da modernidade. Rev Bras Ciênc Soc 2017; 32:e329402. (p. 1) entende a colonialidade como “o lado mais escuro da modernidade” europeia, celebrada como modernidade primária e única que sufoca memórias e culturas indígenas e afrodescendentes da América Latina. Subalternização e dominação são orientadas pela “retórica da salvação e da novidade”, pela instituição e reprodução de uma ciência capaz de se impor e controlar a natureza e pela “dispensabilidade da vida humana” 2828. Mignolo WD. Colonialidade - o lado mais escuro da modernidade. Rev Bras Ciênc Soc 2017; 32:e329402. (p. 4) tornada mercadoria, justificando-se por meio dos racismos de gênero, sexualidade, subjetividade, espiritualidade, conhecimento, cultura, língua. Segundo Mignolo 2828. Mignolo WD. Colonialidade - o lado mais escuro da modernidade. Rev Bras Ciênc Soc 2017; 32:e329402., a distinção entre natureza e cultura marcante na civilização ocidental não tem sentido para a mãe terra, Pachamama, dos contextos indígenas latino-americanas. Sob o jugo europeu a natureza colonizada foi expropriada pelo discurso teológico cristão e transformada em fonte de recursos objetivada para exploração capitalista. A colonização do espaço e do tempo são pilares do processo colonizador em que sucedem-se historicamente três etapas de opressão: a ibérica, a do “coração da Europa” 2828. Mignolo WD. Colonialidade - o lado mais escuro da modernidade. Rev Bras Ciênc Soc 2017; 32:e329402. (p. 4), administrada por Inglaterra, França e Alemanha, e a estadunidense.
Autora feminista decolonial, de origem norte-americana e radicada no Equador, Catherine Walsh trabalhou com Paulo Freire e tem, como o epidemiologista Jaime Breilh, atuação na Universidade Andina Simón Bolívar. Walsh 3030. Walsh C. Interculturalidad y colonialidad del poder. Un pensamiento y posicionamiento "otro" desde la diferencia colônial. In: Castro-Gómez S, Grosfoguel R, editores. El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos/Universidad Central/Pontificia Universidad Javeriana/Instituto Pensar; 2007. p. 47-62. (p. 49) traz dos movimentos indígenas uma interculturalidade política epistêmica, assumida como “anticolonialista, anticapitalista, anti-imperialista e antissegregacionista”, e a contrapõe à hegemonia geopolítica do Norte global. A perspectiva é ultrapassar o multiculturalismo neoliberal universalizado, cujo intento é adequar termos de conversação apagando identidades locais. O sentido da interculturalidade pensada é o de ferramenta pedagógica decolonial, que promove “seres e saberes de resistência” 3131. Walsh C. Interculturalidad crítica y pedagogía de-colonial: in-surgir, re-existir y re-vivir. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13582/13582.PDF (acessado em 20/Set/2021).
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/1358... (p. 11) e opera contra a negação e subalternização ontológica e epistêmico-cognitiva dos grupos e sujeitos oprimidos. Trata-se de lógica epistemológica outra, que conhece os paradigmas dominantes para transgressivamente construir novo conhecimento 3131. Walsh C. Interculturalidad crítica y pedagogía de-colonial: in-surgir, re-existir y re-vivir. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13582/13582.PDF (acessado em 20/Set/2021).
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/1358... .
Walsh 3131. Walsh C. Interculturalidad crítica y pedagogía de-colonial: in-surgir, re-existir y re-vivir. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13582/13582.PDF (acessado em 20/Set/2021).
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/1358... (p. 3) enuncia questionamento decolonial às oposições binárias “oriente-ocidente, primitivo-civilizado, irracional-racional, mágico/mítico-científico e tradicional-moderno”, presentes na hierarquização entre o humano e o não humano. Às colonialidades do poder, do saber, do ser, a autora acrescenta a colonialidade da natureza, que se pronuncia na divisão binária entre natureza e sociedade. A colonialidade da natureza renega como “‘primitivas’, e ‘pagãs’ as relações espirituais e sagradas” que conectam mundos, terra e povos ancestrais e pretende soterrar “cosmovisões, filosofias, religiosidades, princípios e sistemas de vida” 3131. Walsh C. Interculturalidad crítica y pedagogía de-colonial: in-surgir, re-existir y re-vivir. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13582/13582.PDF (acessado em 20/Set/2021).
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/1358... (p. 3) das comunidades indígenas e da diáspora africana.
A argentina Maria Lugones 3232. Lugones M. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas 2014; 22:935-52., desde seu feminismo decolonial, identifica uma colonialidade de gênero e considera os binarismos categorias ontológicas atomizadas que organizam o mundo para apagar interseções de raça, classe, sexualidade, gênero. Na fundamentação cultural dicotômica da modernidade europeia universalizada o estatuto de ideal de humanidade e perfeição é conferido para homens, heterossexuais, brancos, cristãos, europeus, e a mulher é admitida unicamente na comparação gradativa com tal imagem. Para a missão civilizatória colonial cristã os colonizados não são gendrados, e o homem burguês europeu é referência central que impõe à mulher burguesa europeia o papel de reservatório de pureza sexual e espiritual, atada passivamente aos serviços domésticos e reprodução da raça.
Reafirmando a impressão de que as teorizações pós-colonial e decolonial podem apresentar para a Epidemiologia novas perspectivas do conceito de cultura, duas ressalvas importam nesta pretensão crítica. Referidas ao projeto decolonial, as observações devem ser consideradas também para o pensamento pós-colonial. A primeira é o apontamento de Mignolo 2828. Mignolo WD. Colonialidade - o lado mais escuro da modernidade. Rev Bras Ciênc Soc 2017; 32:e329402. de que a abordagem decolonial deve ser compreendida em sua particularidade e não com sentido totalitário. Ao que acrescentamos a advertência de Bernardino-Costa & Grosfoguel 3333. Bernardino-Costa J, Grosfoguel R. Decolonialidade e perspectiva negra. Revista Sociedade e Estado 2016; 31:15-24. de que, sob risco de ela própria se confundir com a colonização intelectual que é objeto de sua crítica, deve se afastar da contribuição decolonial qualquer pretensão de universalização.
O conceito de cultura no contexto da teoria epidemiológica
O conhecimento epidemiológico, ao privilegiar o modelo hegemônico de ciência, subordina-se ao conhecimento biomédico ocidental e ao uso de variáveis objetivas adequadas à quantificação. Para a epidemiologia dos fatores de risco, a representação da cultura está ligada à compreensão do que sejam “estilos de vida” em sua relação com “determinantes” de saúde. Na perspectiva dos fatores de risco, o objetivo sanitário é identificar hábitos insalubres substituindo-os por hábitos saudáveis, concentrando-se o esforço epidemiológico em identificar e controlar desvios, de acordo com uma visão de mundo orientada por padrões ocidentais universalizados de cultura.
A seleção de abordagens sobre o conceito de cultura na interface entre Antropologia e Epidemiologia faz-se de acordo com a pretensão deste ensaio de distinguir contribuições pós-coloniais e decoloniais para o conhecimento epidemiológico.
Sevalho & Castiel 3434. Sevalho G, Castiel LD. Epidemiologia e antropologia médica: a in(ter)disciplinaridade possível. In: Alves PC, Rabelo MC, organizadores. Antropologia da saúde: traçando identidades e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Relume Dumará; 1998. p. 47-69. destacam a análise de Trostle das interações entre Antropologia e Epidemiologia desde as perspectivas europeia e norte-americana. Trostle 3535. Trostle J. Early work in anthropology and epidemiology: from social medicine to the Germy Theory. In: Janes CR, Stall R, Gifford SM, editors. Anthropology and epidemiology - interdisciplinar approaches to the study of health and disease. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company; 1986. p. 35-57.,3636. Trostle J. Anthropology and epidemiology in the twentieth century: a selective history of collaborative projects and theoretical affinities, 1920 to 197. In: Janes CR, Stall R, Gifford SM, editors. Anthropology and epidemiology - interdisciplinar approaches to the study of health and disease. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company; 1986. p. 60-94. identifica como primordiais os aportes de Peter Panun, John Snow, William Farr, August Hirsh, Rudolf Virchow e Emile Durkheim e releva o trabalho realizado nas décadas de 1930 e 1940 na África do Sul, no Centro de Saúde de Pholela e no Instituto de Saúde da Família e da Comunidade (ISFC). O ISFC utilizou o conhecimento antropológico na pesquisa epidemiológica, desenvolvendo uma epidemiologia de fundamentação social no estudo de populações tradicionais em sua relação com fatores culturais. Instalada a política do apartheid na África do Sul pesquisadores importantes do ISFC, como Mervin Susser, Zena Stein e John Cassel, emigraram. Cassel prosseguiu seu trabalho em Chapel Hill (Estados Unidos), destacando-se no contexto de uma epidemiologia social norte-americana, que deve ser diferenciada da epidemiologia social latino-americana enquanto projeto epistemológico e político. Para Trostle 3636. Trostle J. Anthropology and epidemiology in the twentieth century: a selective history of collaborative projects and theoretical affinities, 1920 to 197. In: Janes CR, Stall R, Gifford SM, editors. Anthropology and epidemiology - interdisciplinar approaches to the study of health and disease. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company; 1986. p. 60-94. é irônico e trágico que a experiência sul-africana, desenvolvida com populações marginalizadas, tenha sido extinta. O autor lamenta que, a despeito do êxito destas iniciativas na interação com as ciências sociais, as bases quantitativa e biológica da Epidemiologia permaneçam dominantes.
Em publicação mais densa, Trostle 66. Trostle J. Epidemiologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. (p. 26) aponta a interação fundamental com a Antropologia na constituição de uma “epidemiologia cultural focada nos efeitos de comportamento e crença relacionados à saúde”. Para o autor os epidemiologistas, convencidos do poder de sua aliança com o rigor científico, desejam compreender comunidades para intervir e modificar comportamentos entendidos como fatores de risco de adoecimento, enquanto os antropólogos pretendem interpretar metáforas e comportamentos mais do que intervir. Com suas orientações teóricas, tipos de estudos investigativos e formas de descrição e análise de padrões de adoecimento a partir de dados quantitativos, a Epidemiologia, segundo Trostle 66. Trostle J. Epidemiologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. (p. 27), “é um sistema particular de produção de conhecimento” que, do ponto de vista antropológico, constitui, em si, “uma cultura” singular.
Ao analisar as contribuições educativas para a Epidemiologia, Trostle 66. Trostle J. Epidemiologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. valoriza o saber popular e questiona a eficácia de aportes estruturados de cima para baixo na presunção da falta de conhecimento da população. As intervenções parecem ter pouca influência no comportamento das pessoas em relação aos riscos, culpabilizando-as por sua saúde precária. Trostle 66. Trostle J. Epidemiologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. (p. 159) identifica “a falácia do recipiente vazio” e adverte que pessoas não são recipientes ignorantes aguardando preenchimento pelas informações trazidas pelo pessoal de saúde. A população constrói sistemas próprios de conhecimento sobre saúde coerentes com suas condições de vida. O autor atenta para uma “epidemiologia popular” 66. Trostle J. Epidemiologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. (p. 191) e uma “epidemiologia leiga” 66. Trostle J. Epidemiologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. (p. 193), que, por meio da produção de dados pela população, contribuem para um conhecimento epidemiológico abrangente.
Atento à questão da cultura, o antropólogo argentino Menéndez 77. Menéndez E. Antropologia Médica e Epidemiologia: processo de convergência ou processo de medicalização? In: Alves PC, Rabelo MC, organizadores. Antropologia da saúde: traçando identidades e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Relume Dumará; 1998. p. 71-93. explora, no final dos anos 1990, as relações entre Antropologia Médica e Epidemiologia, onde afirma prevalecerem referenciais europeus e norte-americanos. Menéndez percebe que a amputação da historicidade e o desconhecimento das ciências biomédicas sobre Antropologia moldam a leitura epidemiológica da relação entre cultura, saúde, doença. Quando o transporte interdisciplinar desconsidera a elaboração crítica original dos conceitos nas ciências sociais, surgem na Epidemiologia distorções decorrentes da vinculação epistemológica a fundamentos conservadores e uma perda de tempo redescobrindo o óbvio. O autor identifica, neste sentido, a conexão entre concepções de gênero e propostas de controle reprodutivo e a ideia de transição epidemiológica, com seu caráter universalizado desenvolvimentista e evolucionista.
As propostas de Jaime Breilh e Naomar de Almeida Filho em sua proximidade com os pensamentos pós-colonial e decolonial
Por sua inspiração sociocultural, intercultural e contrahegemônica destaca-se, na interação entre Epidemiologia e Antropologia, o trabalho do equatoriano Breilh construído no âmbito da epidemiologia social latino-americana, de orientação marxista. Breilh 3737. Breilh J. Epidemiologia crítica - ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006. inscreve na dialética entre o individual e o coletivo uma “determinação social da saúde” contraposta à fragmentação positivista da teoria hegemônica dos “determinantes sociais de saúde” operada pela categoria “estilo de vida”. A contribuição de Breilh para o conhecimento em saúde coletiva conforma defesa da diversidade cultural contra a articulação eurocêntrica e androcêntrica da tríplice iniquidade de classe, etnia e gênero.
Breilh 3737. Breilh J. Epidemiologia crítica - ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006. entende que o domínio colonial das américas negou e invisibilizou saberes indígenas e afroamericanos e bloqueou a construção histórica da intersubjetividade e da interculturalidade como estratégias de resistência. O autor insere uma interculturalidade emancipadora na prática investigativa de sua epidemiologia crítica e transcultural, contraposta à assimilação e legitimização da dominação e da opressão das culturas alternativas pelo conhecimento e práticas oficiais.
A interculturalidade de Breilh 3838. Breilh J. Lo etnocultural en la determinación de la salud: entrevista con Jaime Breilh (realizada por Ylonka Tillería). Revista Anaconda Internacional 2010; 25:19-23. tem a ver com encontros e desencontros, negociações e conflitos entre culturas que tanto se olham como se confrontam, expressando-se nas relações de poder construídas ao redor de caraterísticas raciais. O etnocultural é parte da matriz social, atravessado pelas condições de classe que mediam relações culturais, acessos, disponibilidades e carências materiais. Na “interface entre o biológico e o social, entre natureza e sociedade” 3838. Breilh J. Lo etnocultural en la determinación de la salud: entrevista con Jaime Breilh (realizada por Ylonka Tillería). Revista Anaconda Internacional 2010; 25:19-23. (p. 20), o etnocultural deve se opor à invisibilização das culturas alternativas e sistemas ancestrais de saber e gerar condições que levem aos modos de cuidar da saúde.
Breilh 3838. Breilh J. Lo etnocultural en la determinación de la salud: entrevista con Jaime Breilh (realizada por Ylonka Tillería). Revista Anaconda Internacional 2010; 25:19-23. (p. 22) percebe a autonomia e o poder gerador simbólico da cultura, embora pense que o etnocultural deve ser “inscrito no mundo social concreto” para que não caia num “vazio histórico”. O autor equatoriano parece se aproximar da discordância de Williams 3939. Williams R. Base e superestrutura na teoria da cultura marxista. In: Williams R, editor. Cultura e materialismo. São Paulo: Editora da Unesp; 2011. p. 42-68. em relação a um determinismo absoluto da base econômica sobre a superestrutura, onde se situa a cultura. Reconhecendo reciprocidade de influências entre cultura e base material, Williams 3939. Williams R. Base e superestrutura na teoria da cultura marxista. In: Williams R, editor. Cultura e materialismo. São Paulo: Editora da Unesp; 2011. p. 42-68. recorre ao conceito de hegemonia onde Gramsci diz da necessidade de uma base de consentimento moral, intelectual e política para que se estabeleça uma ordem social.
Tratando também da interdisciplinaridade entre Epidemiologia e Antropologia, o epidemiologista brasileiro Naomar de Almeida Filho 4040. Almeida Filho N. A clínica e a epidemiologia. Salvador: APCE/Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Saúde Coletiva; 1992. propõe uma “Etnoepidemiologia” auto-reflexiva que avalie continuamente seus próprios fundamentos e explore interpretativamente o “modo de vida”. A abordagem do modo de vida, sem a restrição dos “estilos de vida”, transcende o individual e alcança a expressão coletiva das dimensões “sócio-histórica” e “cultural” da saúde-doença 4040. Almeida Filho N. A clínica e a epidemiologia. Salvador: APCE/Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Saúde Coletiva; 1992.. Para o autor, não basta intrometer variáveis socioculturais dentro de modelos de análise transcultural da doença na intenção de compreender saúde-doença em sua complexidade. Almeida Filho aponta que é necessário pensar a etnologia dos fenômenos epidemiológicos para dar conta dos sentidos histórico, simbólico, cultural, social, que “dados frios” 4040. Almeida Filho N. A clínica e a epidemiologia. Salvador: APCE/Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Saúde Coletiva; 1992. não conseguem mostrar.
Em ensaio posterior, Almeida Filho 4141. Almeida Filho N. Etnoepidemiología y salud mental: perspectivas desde América Latina. Salud Colect 2021; 16:e2786. situa o enfoque etnoepidemiológico na abordagem da saúde mental de populações “autóctones” e “grupos étnicos”, relevando fundamentação teórica e “natureza metodológica” que, na investigação transdisciplinar, incorporem o simbólico e o cultural . Na hibridização entre Antropologia e Epidemiologia a proposta sistematiza estudos da diversidade étnica e cultural de fatores de risco, “estudos de representações sociais, semiologias populares e modelos explicativos de base comunitária” 4141. Almeida Filho N. Etnoepidemiología y salud mental: perspectivas desde América Latina. Salud Colect 2021; 16:e2786. (p. 5-6) referidos à saúde, e estudos sobre a aplicação dos conceitos antropológicos e métodos etnográficos nas abordagens epidemiológicas . A etnoepidemiologia pensada implica interdisciplinaridade teórica e metodológica e reflexividade para lidar com ambiguidades e incertezas dos fenômenos que se apresentam na configuração híbrida do conhecimento. O autor afirma a intenção política de se colocar contra a opressão, abrindo-se de forma sensível para a cultura de modo a transcender o “denominado norte global” 4141. Almeida Filho N. Etnoepidemiología y salud mental: perspectivas desde América Latina. Salud Colect 2021; 16:e2786. (p. 20) e contemplar populações como as latino-americanas.
Observa-se tanto nas postulações de Breilh 3737. Breilh J. Epidemiologia crítica - ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006.,3838. Breilh J. Lo etnocultural en la determinación de la salud: entrevista con Jaime Breilh (realizada por Ylonka Tillería). Revista Anaconda Internacional 2010; 25:19-23. como de Almeida Filho 4040. Almeida Filho N. A clínica e a epidemiologia. Salvador: APCE/Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Saúde Coletiva; 1992.,4141. Almeida Filho N. Etnoepidemiología y salud mental: perspectivas desde América Latina. Salud Colect 2021; 16:e2786. a compreensão de que elementos da precariedade social se agregam formando contextos complexos de risco à saúde. A percepção dos autores das limitações do conhecimento epidemiológico para tratar esta questão se aproxima do apontamento das críticas pós-colonial e decolonial quanto aos binarismos e à invisibilização das interseccionalidades.
Sy 4242. Sy A. Socio/ethno-epidemiologies: proposals and possibilities from the Latin American production. Health Sociol Rev 2017; 26:293-307. considera a etnoepidemiologia de Almeida Filho e uma epidemiologia sociocultural como contribuições da saúde coletiva latino-americana que, ao lidarem com a diversidade social, transcendem abordagens universalmente padronizadas da saúde pública tradicional. A autora afirma a necessidade de pensar estas epidemiologias críticas de modo a fortalecer transdisciplinaridade e construção cognitiva conjunta de profissionais de saúde e comunidades, que integre natureza e cultura. Neste sentido, Sy indica explicitamente a “teoria decolonial” (p. 302) como forma de contextualização epistemológica contra-hegemônica.
Buscando contribuições do pós-colonial e do decolonial para a Epidemiologia e a Saúde Coletiva na relação com o conceito de cultura
Para Restrepo 4343. Restrepo E. Antropología y colonialidad. In: Castro-Gómez S, Grosfoguel R, editores. El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos/Universidad Central/Pontificia Universidad Javeriana/Instituto Pensar; 2007. p. 289-304. (p. 301), a Antropologia “supõe uma tecnologia de sentido e manejo do mundo, em um entremeado de poder de um modelo de sociedade que a pariu e a segue nutrindo”. Em análise pós-colonial, o autor afirma que, embora a Antropologia tenha passado da fixação na indigenização do outro para abordagens mais amplas, persiste a marca da colonialidade. A novidade é que as críticas à colonização se põem hoje na questão epistêmica.
O apontamento de Trostle 66. Trostle J. Epidemiologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. sobre a pretensão epidemiológica de substituir hábitos, entendidos como insalubres e enraizados no tempo, por outros modelados com apoio de ações de educação em saúde subordinadas à biomedicina e padrões que desconsideram saberes construídos pela população, deve ser remetido a um contexto de colonização. A observação do autor parece indicar na epidemiologia dos fatores de risco proximidade com características da antropologia clássica ao abordar populações isoladas e culturalmente “primitivas”, segundo referencial de tempo que configura relação de oposição binarizada entre permanência, ou persistência, e mudança. Também a citação de Trostle 66. Trostle J. Epidemiologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013. (p. 159) sobre a “falácia do recipiente vazio” fundamentando formas das ações educativas julgarem a adoção de comportamentos de risco, nos remetem à colonização do saber. Pode-se aproximar os apontamentos do autor das bases freireanas, críticas e descolonizadores, da educação popular em saúde.
São muitas as amarras colonizadoras que se apresentam ao conhecimento epidemiológico no tratamento epistemológico da cultura. As observações de Trostle 66. Trostle J. Epidemiologia e cultura. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2013.,3535. Trostle J. Early work in anthropology and epidemiology: from social medicine to the Germy Theory. In: Janes CR, Stall R, Gifford SM, editors. Anthropology and epidemiology - interdisciplinar approaches to the study of health and disease. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company; 1986. p. 35-57.,3636. Trostle J. Anthropology and epidemiology in the twentieth century: a selective history of collaborative projects and theoretical affinities, 1920 to 197. In: Janes CR, Stall R, Gifford SM, editors. Anthropology and epidemiology - interdisciplinar approaches to the study of health and disease. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company; 1986. p. 60-94. e de Menéndez 77. Menéndez E. Antropologia Médica e Epidemiologia: processo de convergência ou processo de medicalização? In: Alves PC, Rabelo MC, organizadores. Antropologia da saúde: traçando identidades e explorando fronteiras. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Relume Dumará; 1998. p. 71-93., citadas neste ensaio, reforçam esta impressão, e as propostas da epidemiologia crítica transcultural de Breilh 3737. Breilh J. Epidemiologia crítica - ciência emancipadora e interculturalidade. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2006.,3838. Breilh J. Lo etnocultural en la determinación de la salud: entrevista con Jaime Breilh (realizada por Ylonka Tillería). Revista Anaconda Internacional 2010; 25:19-23. e da etnoepidemiologia de Almeida Filho 4040. Almeida Filho N. A clínica e a epidemiologia. Salvador: APCE/Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Saúde Coletiva; 1992.,4141. Almeida Filho N. Etnoepidemiología y salud mental: perspectivas desde América Latina. Salud Colect 2021; 16:e2786., com sua valorização do saber popular e da diversidade cultural, mostram-se à Epidemiologia como projetos contra-hegemônicos, e se aproximam dos pensamentos pós-colonial e decolonial.
Ressalte-se, então, que o êxito da indústria farmacêutica transnacional na produção de vacinas eficazes contra a COVID-19 com a celeridade alcançada, e a provável viabilização de medicamentos com ação etiológica constituem feitos inestimáveis, que, porém, não devem ser avaliados de maneira a reforçar a medicalização social e desprezar as medidas não farmacológicas de proteção individual e coletiva. A complexa expressão epidemiológica da pandemia evidencia o maior impacto na população socialmente precarizada e é inegável que o enfrentamento desta e outras epidemias será sempre mais consequente quando realizado com o concurso dos saberes, da organização e da mobilização populares.
O sentido de dominação sobre a natureza, a utilização de sistemas classificatórios universalizados, a negação dos saberes populares locais, indígenas e afrodescendentes na compreensão do processo saúde-doença-cuidado, evidenciam marcas de colonialidade na estrutura teórico-conceitual epidemiológica que devem ser objeto de questionamentos interdisciplinares. A crítica da separação entre humanidade e natureza integra reflexões sobre a complexidade 88. Morin E. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina; 2007.,4444. Prigogine I, Stengers I. A nova aliança. Brasília: Editora da UnB; 1984., e a composição destas teorias com o pensamento decolonial é valorizada por Castro-Gómez & Grosfoguel 2626. Castro-Gómez S, Grosfoguel R. Giro decolonial, teoria crítica e pensamento heterárquico. In: Castro-Gómez S, Grosfoguel R, editores. El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos/Universidad Central/Pontificia Universidad Javeriana/Instituto Pensar; 2007. p. 9-22.. O posicionamento decolonial de Mignolo 2828. Mignolo WD. Colonialidade - o lado mais escuro da modernidade. Rev Bras Ciênc Soc 2017; 32:e329402. identifica a substituição do sentido da Pachamama das cosmologias indígenas, onde cultura e natureza não de contradizem, pela visão da natureza como recurso a ser explorado no contexto da ciência a serviço do capitalismo. O projeto de controlar a natureza se alia necessariamente à negação e invisibilização dos saberes ancestrais e locais, sendo este questionamento presente na interculturalidade transgressiva política epistêmica de Walsh 3030. Walsh C. Interculturalidad y colonialidad del poder. Un pensamiento y posicionamiento "otro" desde la diferencia colônial. In: Castro-Gómez S, Grosfoguel R, editores. El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos/Universidad Central/Pontificia Universidad Javeriana/Instituto Pensar; 2007. p. 47-62.,3131. Walsh C. Interculturalidad crítica y pedagogía de-colonial: in-surgir, re-existir y re-vivir. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13582/13582.PDF (acessado em 20/Set/2021).
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/1358... e no pensamento decolonial emancipatório de Boaventura de Sousa Santos 4545. Santos BS. O fim do império cognitivo - a afirmação das epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica; 2019. com seu trabalho de reconhecimento e investigação das Epistemologias do Sul.
Conceitos e práticas como promoção da saúde, determinantes sociais de saúde, transição epidemiológica, vigilância e educação em saúde, ordenados na epidemiologia dos fatores de risco segundo padrões culturais estranhos à realidade local, devem ser objeto da crítica decolonial sobre as colonialidades do poder, do saber, do ser, onde cultura se entrelaça ao econômico-político no contexto capitalista. E devem ser trazidas ao questionamento do conservadorismo político confortado à ideia de estilos de vida as compreensões pós-coloniais de cultura como processo de negociação entre tradição e tradução/permanência e mudança, central em Hall 1818. Hall S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A; 2006., e de tradução cultural que não se realiza como alteridade pura, referida por Bhabha 2020. Bhabha H. Interrogando a identidade - Frantz Fanon e a prerrogativa pós-colonial. In: Bhabha H, editor. O local da cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG; 1998. p. 70-104. a partir de Fanon.
Acrescente-se aqui o entendimento de Viveiros de Castro 4646. Viveiros de Castro E. A antropologia perspectivista e o método da equivocação controlada. Aceno - Revista de Antropologia do Centro-Oeste 2018; 5:247-64., de que toda cultura é processo “multidimensional de comparação” modo de tecer analogias dentro de contextos de vida, e de que a “tradução cultural” é “dimensão constitutiva” da Antropologia. A interpretação do antropólogo brasileiro contribui para o desenvolvimento da ideia de que, na perspectiva da tradução cultural, podem se constituir laços entre as teorizações pós-colonial e decolonial sobre a cultura e os processos dialógicos de “descodificação” e “codificação” de base freireana. O conhecimento assim elaborado pode ser aplicado à educação e à vigilância em saúde, tornando-as reflexões-ações interculturais participativas. Desta forma podem ser construídas bases interdisciplinares da Antropologia e da Epidemiologia que, contrapostas à hierarquizações que alimentam a opressão, tratem de forma inclusiva saberes e demandas sociais e políticas de resistência à dominação.
A postulação de que a incorporação de elementos decoloniais deve proporcionar ao conhecimento epidemiológico consistência na contraposição à colonização e aos racismos constitui apontamento de Sevalho 4747. Sevalho G. A colonização do saber epidemiológico: uma leitura decolonial da contemporaneidade da pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:5629-38., ao referir-se a uma “colonização do saber epidemiológico” embutida na formulação original do conceito de “transição epidemiológica”. Reportando-se à contemporaneidade da pandemia de COVID-19, o autor afirma que a ideia de substituição das doenças infectocontagiosas pelas não infecciosas, e sua ancoragem num tempo linear evolucionista que se inicia com a modernidade europeia universalizada, compõem a fundamentação colonizadora da construção conceitual, na qual alinham-se a pretensão de dominação da natureza pela ciência e a subordinação epistemológica à biomedicina ocidental. É nesta perspectiva que as críticas pós-colonial e decolonial contribuem para a revelação da binarização das variáveis epidemiológicas no tratamento das intersecções de saúde, doença, gênero, classe, raça. A argumentação do autor é substanciada com a citação de análises epidemiológicas da pandemia de COVID-19 que, sem fazer referência explícita à binarização, apontam a incipiência das variáveis epidemiológicas no tratamento da questão étnica/racial bloqueando a apreensão da complexidade social implicada 4848. Ribeiro KB, Ribeiro AF, Veras MASM, Castro MC. Social inequalities and COVID-19 mortality in the city of São Paulo, Brazil. Int J Epidemiol 2021; 50:732-42.,4949. Santos HLPC, Maciel FBM, Santos KR, Conceição CDVS, Oliveira RS, Silva NRS, et al. Necropolítica e reflexões acerca da população negra no contexto da pandemia de COVID-19 no Brasil: uma revisão bibliográfica. Ciênc Saúde Colet 2020; 25 Suppl. 2:4211-24..
Limitações ou impropriedades das categorizações epidemiológicas referentes à cor da pele, raça, etnia, constituem tema de discussão. Kabad et al. 5050. Kabad JF, Bastos JL, Santos RV. Raça, cor e etnia em estudos epidemiológicos sobre populações brasileiras: revisão sistemática na base PubMed. Physis (Rio J.) 2012; 22:895-918., em revisão sistemática, trabalharam 151 artigos epidemiológicos referentes à população brasileira publicados de janeiro de 2000 a julho de 2010, mostrando que somente 17 dos estudos analisados justificaram as categorias utilizadas e dois as conceituaram. E em publicações mais recentes, Souza et al. 5151. Souza J, Santos JN, Silva DFL, Silva TR. Carta às Editoras sobre o artigo de Moreira. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00106921. dialogaram com Moreira 5252. Moreira RS. Epidemiologia e a categoria das raças: reflexões onto-epistemológicas. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00133721. a respeito do uso da categoria “raça/cor parda” no estudo da distribuição de sintomas relacionados à COVID-19, dividindo-se o julgamento dos autores sobre a procedência de agrupar ou não “pardos” e “pretos” como “negros”, no sentido de melhor expressar a dimensão social e política da categorização. Guardando-se a ressalva de Kabad et al. 5050. Kabad JF, Bastos JL, Santos RV. Raça, cor e etnia em estudos epidemiológicos sobre populações brasileiras: revisão sistemática na base PubMed. Physis (Rio J.) 2012; 22:895-918. sobre a possibilidade de melhor explicar as categorizações quando se trabalham com fontes de dados primárias, reafirma-se a constatação de que classificações epidemiológicas são construções socioculturais de quem as realiza, referidas aos contextos epistemológicos onde são produzidas. A partir da insistência de Kabad et al. sobre a relevância das justificações e conceituações das categorizações em questão, deve ser compreendida a intenção deste ensaio de remeter às críticas pós-colonial e decolonial a discussão sobre a expressão epidemiológica do conceito de cultura, dando ao tema amplitude e complexidade.
A composição de variáveis objetivas, fechadas, referidas a sexo, ocupação/renda, cor da pele, integra a quantificação constitutiva da epidemiologia dos fatores de risco e desqualifica a complexidade de gênero, classe e raça. No que toca à relação entre saúde e doença, a referência aos binarismos pode envolver, para Sevalho 4747. Sevalho G. A colonização do saber epidemiológico: uma leitura decolonial da contemporaneidade da pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:5629-38., a consideração de Almeida Filho 5353. Almeida Filho N. O conceito de saúde: ponto-cego da Epidemiologia? Rev Bras Epidemiol 2000; 3:4-20. sobre a dificuldade que tem a Epidemiologia para categorizar saúde, em razão de sua subalternização ao conhecimento biomédico focalizado na doença. O fracasso da Clínica e da Epidemiologia em afirmar a saúde, explicitado por Almeida Filho, pode ser remetido ao sentido de exclusão mútua, hierarquização dos termos e apagamento das dimensões culturais, sociais, políticas do processo saúde-doença-cuidado. Mesmo a diferenciação entre doenças infectocontagiosas e não contagiosas, tal como se insere na lógica desenvolvimentista da teoria da transição epidemiológica, pode ser interpretada na perspectiva dos binarismos.
Binarismos 1919. Hall S. Diásporas, ou a lógica da tradução cultural. Matrizes 2016; 10:47-58.,2323. Derrida J. La differance. In: Derrida J, editor. Márgenes de la filosofia. Madri: Ediciones Cátedra; 1998. p. 37-62.,2525. Maldonado-Torres N. La descolonización e el giro des-colonial. Tabula Rasa 2008; 9:61-72.,3030. Walsh C. Interculturalidad y colonialidad del poder. Un pensamiento y posicionamiento "otro" desde la diferencia colônial. In: Castro-Gómez S, Grosfoguel R, editores. El giro decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores/Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos/Universidad Central/Pontificia Universidad Javeriana/Instituto Pensar; 2007. p. 47-62.,3131. Walsh C. Interculturalidad crítica y pedagogía de-colonial: in-surgir, re-existir y re-vivir. https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/13582/13582.PDF (acessado em 20/Set/2021).
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/1358... ,3232. Lugones M. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas 2014; 22:935-52., recorde-se, configuram oposição que fragiliza o segundo termo da relação e funcionam como fronteiras de exclusão, apresentando-se nos pensamentos pós-estruturalista, feminista, pós-colonialista, decolonialista. Têm a ver com a fixação de extremos nas relações de classe, gênero, raça, de modo a apagar interseccionalidades, nuances, hibridizações constituintes das sociedades contemporâneas, múltiplas e contraditórias. A differance de Derrida 2323. Derrida J. La differance. In: Derrida J, editor. Márgenes de la filosofia. Madri: Ediciones Cátedra; 1998. p. 37-62., citada por Hall 1919. Hall S. Diásporas, ou a lógica da tradução cultural. Matrizes 2016; 10:47-58., pode trazer o movimento de deslizamento de significados e sentidos para a crítica das binarizações inscritas no discurso epidemiológico sobre a relação entre cultura e processo saúde-doença-cuidado.
Não há, sobretudo, porque presumir que o conhecimento em Saúde Coletiva escape da histórica dominação europeia e norte-americana na produção da ciência. A crítica desta relação foi ponto fundamental no desenvolvimento do campo no bojo do movimento brasileiro de reforma sanitária. Perceber a permanência desta dependência é o que fazem Gonçalves et al. 5454. Gonçalves LAP, Oliveira RG, Gadelha AGS, Medeiros TM. Saúde Coletiva, colonialidade e subalternidades - uma (não) agenda. Saúde Debate 2019; 48:160-74. e Sevalho 4747. Sevalho G. A colonização do saber epidemiológico: uma leitura decolonial da contemporaneidade da pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:5629-38.. Gonçalves et al. 5454. Gonçalves LAP, Oliveira RG, Gadelha AGS, Medeiros TM. Saúde Coletiva, colonialidade e subalternidades - uma (não) agenda. Saúde Debate 2019; 48:160-74. (p. 162) revelam que o peso patriarcal, sexista e racista que estrutura a sociedade brasileira, torna um campo que “se apresenta como interdisciplinar e plural”, como a Saúde Coletiva, “pouco sensível” tanto para discutir a temática da opressão colonizadora do conhecimento como para reconhecer esta fragilidade. Sevalho 4747. Sevalho G. A colonização do saber epidemiológico: uma leitura decolonial da contemporaneidade da pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:5629-38. (p. 5636), por sua vez, aponta que o questionamento decolonial “toma um sentido original revelador da opressão colonizadora que estrutura o pensamento epidemiológico e, frequentemente, não se revela ao espelho”. Questionamentos sobre as escolhas epistemológicas que fazemos devem ter como objetivo expor as formas de ver o mundo implicadas tanto na produção como no consumo da ciência. Quando a perversidade dos preconceitos e discriminações procura se afirmar, é importante considerar a presença de um racismo epistêmico invisibilizado no campo.
Cultura tem a ver com o que nos dizemos e com o que dizem de nós com referência a esquemas de ordenação simbólica dos discursos, que objetivam inclusão em um grupo ou sociedade. Nesta perspectiva deve se dar o ajuste de comportamentos modelado pela teoria social da modernização, alicerçado no protagonismo científico, político e moral norte-americano, de que fala Jessé Souza 5555. Souza J. Como o racismo criou o Brasil. Rio de Janeiro: Estação Brasil; 2021.. Desde a ciência, por meio da aliança entre agentes midiáticos, acadêmicos, políticos, expande-se a ideia de uma “progressiva vitória do universalismo sobre o particularismo” 5555. Souza J. Como o racismo criou o Brasil. Rio de Janeiro: Estação Brasil; 2021. (p. 162), constante da fabricação do consenso pelo mito positivista da neutralidade. A força da colonização vincula-se à capacidade de convencer os oprimidos de sua inferioridade, com a sustentação dos racismos científico e cultural e o poder de esquemas universalizados de classificação e valoração. Ainda que não se situem nos contextos pós-colonial e decolonial, as considerações de Souza se aproximam da fundamentação que dá suporte à discussão apresentada neste ensaio, sobre a inserção do conceito de cultura na teoria epidemiológica.
Observa Paulo Freire 2222. Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1978., em seu ensaio mais conhecido, Pedagogia do Oprimido, que a experiência de sua pedagogia libertadora mostrou que o trabalho com o conceito de cultura é “central, indispensável” 2222. Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1978. (p. 136), um “tema dobradiça” 2222. Freire P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1978. (p. 140) que se abre para diferentes aspectos da realidade. A consideração é significativa para a interdisciplinaridade no campo da Saúde Coletiva. Na discussão da cultura os pontos de vista pós-colonial e decolonial são especialmente reveladores de uma história outra, intencionalmente ocultada pela história oficial.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
08 Jun 2022 - Data do Fascículo
2022
Histórico
- Recebido
11 Out 2021 - Revisado
30 Jan 2022 - Aceito
15 Fev 2022