Resumos
Estudo de caso único com objetivo de compreender o acesso à atenção primária à saúde (APS) em relação à acessibilidade geográfica e disponibilidade em um município rural remoto do Amazonas, Brasil, para o cuidado à saúde voltado ao controle da hipertensão arterial sistêmica. Realizou-se a análise temática como método de interpretação do conteúdo das 11 entrevistas semiestruturadas realizadas com gestores municipais, profissionais da APS e usuários hipertensos. A acessibilidade geográfica está condicionada à mobilidade fluvial, disponibilidade de transporte, condição financeira dos usuários para deslocamento e presença dos serviços nas comunidades ribeirinhas. Na disponibilidade, a existência de profissionais de saúde, medicamentos, equipamentos e a integração da APS com a Rede de Atenção à Saúde refletem na oportunidade de diagnóstico e acompanhamento dos hipertensos. Não obstante o acesso à saúde seja mais complexo, as dimensões avaliadas mostram fragilidades exacerbadas pelo contexto marcado por disparidades socioespaciais e ausência de políticas públicas, comprometendo a garantia do direito à saúde.
Palavras-chave:
Acesso aos Serviços de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Hipertensão; População Rural; Avaliação em Saúde
This single-case study aimed to evaluate access the geographic accessibility and availability of primary health care (PHC) in a remote rural municipality in Amazonas Stater, Brazil, to control systemic arterial hypertension. A thematic analysis was conducted to interpret the content of 11 semi-structured interviews with municipal managers, PHC professionals, and hypertensive healthcare users. Geographical accessibility is associated with river mobility, transportation availability, users’ financial travelling condition, and the presence of services near riverine communities, whereas availability to diagnose and monitor hypertensive patients depend on the presence of healthcare providers, medications, and equipment and the integration of PHC with the local health care network. Although access to health is more complex than our research goals, the evaluated dimensions show weaknesses which are exacerbated by a context marked by socio-spatial disparities and absent public policies, compromising the guarantee of individuals’ right to health.
Keywords:
Health Services Accessibility; Primary Health Care; Hypertension; Rural Population; Health Evaluation
Este es un estudio de caso único con el objetivo de comprender el acceso a la atención primaria de salud (APS) en cuanto a la accesibilidad geográfica y la disponibilidad de asistencia en salud dirigida al control de la hipertensión arterial sistémica en un municipio rural lejano de Amazonas, Brasil. Se realizó un análisis temático para interpretar el contenido de 11 entrevistas semiestructuradas, realizadas con gestores municipales, profesionales de la APS y usuarios hipertensos. La accesibilidad geográfica estuvo condicionada por la movilidad fluvial, la disponibilidad de transporte, la condición económica de los usuarios para el desplazamiento y la presencia de servicios en las comunidades ribereñas. En términos de disponibilidad, la existencia de profesionales de salud, medicamentos, equipos y la integración de la APS con la Red de Atención de Salud reflejan la oportunidad para el diagnóstico y seguimiento de los pacientes hipertensos. A pesar de ser complejo el acceso a la salud, las dimensiones evaluadas muestran graves debilidades en un contexto marcado por disparidades socioespaciales y la ausencia de políticas públicas, lo que compromete la garantía del derecho a la salud.
Palabras-clave:
Accesibilidad a los Servicios de Salud; Atención Primaria de Salud; Hipertensión; Población Rural; Evaluación en Salud
Introdução
A oferta de serviços de saúde às populações rurais é um desafio global, com déficit de cobertura assistencial e falhas que desfavorecem a garantia do direito à saúde 11. Scheil-Adlung X. Global evidence on inequities in rural health protection: new data on rural deficits in health coverage for 174 countries. Genebra: International Labour Office; 2015.. No Brasil, ainda há fragilidades na concretização dessa cobertura no território rural remoto, apesar de o direito à saúde ser previsto na base legal do Sistema Único de Saúde (SUS), por meio da universalidade, integralidade e equidade 22. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União 1990; 20 set., e dos esforços de criação de políticas de saúde específicas às populações do campo, das águas e da floresta 33. Departamento de Apoio à Gestão Participativa, Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Ministério da Saúde. Política Nacional de Saúde Integral das populações do campo e da floresta. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.. A Região Amazônica, com áreas reconhecidas como de difícil acesso, concentra a maior parte dos municípios rurais remotos brasileiros 44. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos do Brasil: uma primeira aproximação. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2017. (Estudos e Pesquisas. Informação Geográfica, 11)., cujo isolamento se deve não somente pela distância geográfica, mas também pela escassa oferta de serviços 55. Franco CM, Lima JG, Giovanella L. Atenção primária à saúde em áreas rurais: acesso, organização e força de trabalho em saúde em revisão integrativa de literatura. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00310520., que distancia a população do acesso à saúde.
Os estudos que analisam a atuação do SUS em relação à população rural são raros. Todavia, sabe-se que a Estratégia Saúde da Família (ESF) está presente em todo território nacional. Algumas vezes, o serviço de APS é o único disponível, sendo comum o deslocamento do usuário em busca de atendimento 66. Pereira LL, Pacheco L. O desafio do Programa Mais Médicos para o provimento e a garantia da atenção integral à saúde em áreas rurais na região amazônica, Brasil. Interface (Botucatu) 2017; 21:1181-92.,77. Shimizu HE, Trindade JS, Mesquita MS, Ramos MC. Avaliação do Índice de Responsividade da Estratégia Saúde da Família da zona rural. Rev Esc Enferm USP 2018; 52:e03316.,88. Giovanella L, Bousquat A, Schenkman S, Almeida PF, Sardinha LMV, Vieira MLFP. Cobertura da Estratégia Saúde da Família no Brasil: o que nos mostram as Pesquisas Nacionais de Saúde 2013 e 2019. Ciênc Saúde Colet 2021; 26 Suppl 1:2543-56.. A política de saúde específica para populações rurais ainda é incipiente 99. Souza AB, Monteiro IO, Bousquat A. Atenção primária à saúde em áreas rurais amazônicas: análise a partir do planejamento do distrito de saúde rural de Manaus. In: Schweickardt JC, El Kadri MR, Lima RTS, organizadores. Atenção básica na região amazônica: saberes e práticas para o fortalecimento do SUS. Porto Alegre: Rede Unida; 2019. p. 71-91. (Série Saúde & Amazônia, 8)., implicando a necessidade de estudos avaliativos sobre como oferecer acesso, organizar serviços de saúde e assegurar força de trabalho em saúde, a partir do ponto de vista de quem atua nos serviços de saúde e de quem os utiliza.
A literatura aponta diferenças de disponibilidade da APS entre municípios urbanos e rurais no cuidado à hipertensão arterial sistêmica (HAS) 1010. Tanaka OY, Drumond Júnior M, Gontijo TL, Louvison MCP, Rosa TEC. Hipertensão arterial como condição traçadora para avaliação do acesso na atenção à saúde. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:963-72.,1111. Mengue SS, Bertoldi AD, Ramos LR, Farias MR, Oliveira MA, Tavares NUL, et al. Access to and use of high blood pressure medications in Brazil. Rev Saúde Pública 2016; 50 Suppl 2:8s.. Esse quadro pode ser ampliado no contexto de municípios rurais remotos devido às peculiaridades amazônicas, que certamente imprimem diferentes desafios a serem explorados. Trata-se de um “território líquido”, que se modifica sazonalmente e ciclicamente, a partir das malhas e comunicações por meio dos rios, que secam ou enchem, seguindo os ritmos da natureza para além dos seres humanos, exigindo sua adaptação 1212. Kadri MR, Schweickardt JC. O território que corta os rios: a atenção básica no município de Barreirinha, Estado do Amazonas. In: Ceccim RB, Kreutz JA, Campos JDP, Culau FS, Wottrich LAF, Kessler LL, organizadores. Informes da atenção básica: aprendizados de intensidade por círculos em rede. Porto Alegre: Rede Unida; 2016. p. 195-225.. Investigar as barreiras de acesso específicas para condições crônicas é importante para que se avalie a entrada no sistema de saúde, possibilitando explicar as circunstâncias que motivaram o não acesso, a fim de diminuir a desigualdade e fornecer um serviço de qualidade.
O objetivo deste estudo é compreender o acesso à APS em relação à acessibilidade geográfica e disponibilidade em um município rural remoto amazônico, para o cuidado à saúde voltado ao controle da HAS.
Metodologia
Trata-se de estudo de caso único 1313. Yin RK. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman; 2005., que discute parte dos resultados da pesquisa Atenção Primária à Saúde e Territórios Rurais e Remotos no Brasil (https://apsmrr.ensp.fiocruz.br/).
O município analisado é Maués, localizado no Estado do Amazonas, entre os rios Madeira e Tapajós, no limite com outras cidades do estado e na divisa com o Pará. Maués é caracterizado como municípios rurais remotos e sua inclusão no estudo justifica-se por apresentar quase metade de sua população residente em comunidades ribeirinhas ao longo dos rios dispersos no território e distantes da sede municipal. O acesso geográfico é fortemente pautado pela lógica dos rios até a sede municipal e a adjacência da floresta, responsáveis por muitas horas de viagem de transporte fluvial, além da baixa densidade populacional frente à grande extensão territorial, vulnerabilidade social, alta dependência do sistema público de saúde e alta cobertura nominal da APS (Tabela 1).
O sistema de saúde de Maués, concentrado na sede municipal, é composto por: seis unidades básicas de saúde (UBS) com duas ou três equipes de saúde da família (EqSF), geralmente, uma equipe direcionada para atender usuários residentes nas áreas do interior; dois Núcleos de Apoio à Saúde da Família; uma unidade básica de saúde fluvial (UBSF); um hospital com urgência e emergência.
As entrevistas foram realizadas em agosto de 2019, in loco, com gestores municipais (secretário municipal de saúde e coordenador de atenção básica), profissionais de saúde de EqSF (dois enfermeiros, dois médicos e dois agentes comunitários de saúde) e dois usuários com diagnóstico de HAS, que se consultaram na atenção especializada (AE) há pelo menos 12 meses antes da coleta de dados.
As entrevistas seguiram roteiros semiestruturados, com duração média de 97 minutos, após consentimento dos participantes. Elas foram gravadas e transcritas na íntegra, com citações anônimas representadas pela letra “E” e numeral inteiro. Utilizou-se a técnica de análise temática para identificar os núcleos de sentido nas falas dos entrevistados que se relacionam com o objeto em estudo, apropriando-se da riqueza de informações do campo de pesquisa e contextualizando-as às teorias sobre o tema, de forma compreensiva e crítica 1414. Minayo MCS. Análise qualitativa: teoria, passos e fidedignidade. Ciênc Saúde Colet 2012; 17:621-6..
O acesso, como um dos atributos da APS 1515. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura/Ministério da Saúde; 2002., é entendido como a utilização oportuna dos serviços de saúde, baseada em um grau de ajuste entre a oferta e as necessidades dos usuários de áreas rurais remotas. Seus componentes são acessibilidade geográfica, disponibilidade, aceitabilidade, capacidade de pagamento (affordability) e adequação da estrutura (accommodation) 1616. Penchansky R, Thomas JW. The concept of access: definition and relationship to consumer satisfaction. Med Care 1981; 19:127-40.. Neste artigo, optamos por analisar os componentes acessibilidade geográfica e disponibilidade utilizando o problema da HAS como evento marcador 1010. Tanaka OY, Drumond Júnior M, Gontijo TL, Louvison MCP, Rosa TEC. Hipertensão arterial como condição traçadora para avaliação do acesso na atenção à saúde. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:963-72.. Adicionamos reflexões sobre o modo como as políticas de saúde são projetadas para melhorar o acesso das populações das áreas rurais remotas aos serviços de saúde 1717. Russell DJ, Humphreys JS, Ward B, Chisholm M, Buykx P, McGrail M, et al. Helping policy-makers address rural health access problems: policy-making for rural health access. Aust J Rural Health 2013; 21:61-71.. Portanto, os entrevistados foram inquiridos sobre o tema, considerando-se aspectos relacionados à acessibilidade geográfica e à disponibilidade de serviços e de assistência à saúde.
A acessibilidade geográfica é a dimensão do acesso que consiste na distância física ou tempo de viagem percorrido entre o serviço e a localização de moradia do usuário, levando em conta a localização de sua moradia. A disponibilidade consiste na quantidade e qualidade dos serviços e infraestrutura em relação às necessidades de saúde do usuário 1616. Penchansky R, Thomas JW. The concept of access: definition and relationship to consumer satisfaction. Med Care 1981; 19:127-40..
As categorias de análise foram geradas a partir da exploração prévia das entrevistas, considerando: (a) acessibilidade geográfica: distância entre os serviços de saúde e usuários, disponibilidade de transporte, custos com deslocamento e sazonalidade; e (b) disponibilidade: profissionais, organização do atendimento, oportunidade de cuidado ao hipertenso, medicamentos e equipamentos.
A pesquisa Atenção Primária em Territórios Rurais e Remotos no Brasil foi aprovada por Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz; parecer nº 2.832.559).
Resultados e discussão
Acessibilidade geográfica
Em Maués, os trajetos entre a sede e a área rural são realizados somente por via fluvial, cujo tempo de deslocamento varia com o nível do rio, localização e tipo de embarcação utilizada. Essa distância em tempo pode variar de três a 18 horas de viagem. A distância amazônica é medida em tempo de viagem, de acordo com as vias de acesso fluvial, em vez de quilometragem. Quanto menor o tempo de viagem, mais próximo dos serviços de saúde.
“Nós temos uma localidade, que a viagem é a mesma distância ou até mais, como se fosse daqui a Manaus, ou seja, é mais de 18 horas de viagem” (E.5).
Os rios são vias vivas, com caminhos e estações próprias, incorporados ao modo de vida da população, que se desloca até os serviços de saúde ou eles até a população 1212. Kadri MR, Schweickardt JC. O território que corta os rios: a atenção básica no município de Barreirinha, Estado do Amazonas. In: Ceccim RB, Kreutz JA, Campos JDP, Culau FS, Wottrich LAF, Kessler LL, organizadores. Informes da atenção básica: aprendizados de intensidade por círculos em rede. Porto Alegre: Rede Unida; 2016. p. 195-225.. Durante os meses de dezembro a julho, os rios enchem, permitindo novos caminhos pelas águas, em oposição aos meses de agosto a novembro, quando os rios baixam, tornando as viagens mais longas. A alternância de estações implica mudança na circulação das pessoas: o período da cheia favorece as consultas, com frequência mensal, e as visitas domiciliares. Por outro lado, no período da seca, os usuários e a equipe de saúde andam horas até chegar a um ponto navegável. Como consequência, diminui o número de visitas domiciliares e aumenta a quantidade de famílias que mudam de endereço ou faltam às consultas agendadas, pois trata-se de aproximadamente o dobro de tempo navegando, acrescido de algumas horas andando.
“Tem áreas que o rio, devido à seca, é difícil até para chegar na sede do município. Às vezes a pessoa para chegar na embarcação tem que andar quilômetros, porque é só terra” (E.2).
“Mudam quando seca, porque seca muito, então eles vão para um lugar onde esteja mais fácil de eles pegarem a condução para irem para a cidade” (E.9).
O acesso aos serviços de saúde é realizado por via fluvial por meio de embarcações com motor acoplado, como rabetas e lanchas ou canoas tradicionais, movidas a remo. As embarcações, por vezes, são inadequadas para transportar pacientes crônicos vindos das comunidades ribeirinhas. Dentro da sede municipal, táxis, motos e caminhadas a pé são os modos de chegar às consultas, dependendo da condição financeira e capacidade de locomoção do usuário.
“É uma questão [financeira] mais difícil, devido a muitas pessoas não terem transporte próprio e terem que pegar carona com alguém. Como também não tem um transporte específico ou um barco de linha para trazer o pessoal toda semana, então, é uma barreira. Mesmo que ele tenha o barco dele, vai exigir recurso” (E.8).
Em todo o Amazonas, o uso desses meios de transporte é comum. Porém, suas dificuldades são acentuadas nos municípios rurais remotos, configurando obstáculos para o acesso da população aos serviços da APS. Outro fator influente é o alto custo do transporte, oneroso para usuários que precisam fazer deslocamentos. Frequentemente, famílias inteiras deslocam-se, motivadas pela falta de quem cuide daqueles que ficariam, ou para aproveitar a viagem e realizar a consulta para todos os membros e resolver outras questões na sede municipal.
“Na rabeta, a gente gasta para vir uns R$ 40, ida e volta, são oito litros de gasolina. Eu pego táxi e volto andando, porque o sol está mais calmo. Olha, a gente paga R$ 20, R$ 15, porque é R$ 5 por pessoa. Durante eu estar aqui, se a gente precisar voltar lá [UBS], a gente gasta R$ 20, R$ 30” (E.10).
O deslocamento tem consequências financeiras influentes no acesso e na motivação para buscar atendimento. Na Amazônia, considerando o baixo nível econômico dos ribeirinhos, qualquer problema de saúde impacta no orçamento familiar, como o custo de passagens, hospedagem e alimentação. Além do impacto provocado pela necessidade de interromper as atividades de agricultura e pesca - por vezes, as únicas fontes para sustento nas comunidades 1818. Guimarães AF, Barbosa VLM, Silva MP, Portugal JKA, Reis MHS, Gama ASM. Acesso a serviços de saúde por ribeirinhos de um município no interior do estado do Amazonas, Brasil. Rev Pan-Amazônica Saúde (Online) 2020; 11:e202000178..
Diante da dificuldade de a prefeitura dispor de unidades de saúde nas suas várias comunidades dispersas, fora da área urbana do município, observaram-se falhas de cobertura e barreiras no acesso para a população que vive nessas localidades. Esse fato também é evidenciado na maior parte das equipes municipais que atuam em UBS localizadas na sede municipal, onde atendem populações rurais residentes distantes de suas áreas de abrangência 1919. Oliveira HM, Gonçalves MJF, Pires ROM. Caracterização da estratégia saúde da família no estado do Amazonas, Brasil: análise da implantação e impacto. Cad Saúde Pública 2011; 27:35-45..
“A gente não tem equipe no interior. Temos só equipe rural, que fica na sede do município. A gente desloca essa equipe para atendimento nas comunidades e a UBS fluvial que faz esse atendimento também” (E.1).
A territorialização e a cobertura populacional foram mencionadas por gestores e profissionais como desafios à implementação da ESF. Sobre o tema da cobertura, estudo aponta incongruências nos cálculos de cobertura potencial por equipes ESF, desconsiderando as distâncias, os contextos geográficos peculiares da Amazônia, assim como a distribuição da população no território 1919. Oliveira HM, Gonçalves MJF, Pires ROM. Caracterização da estratégia saúde da família no estado do Amazonas, Brasil: análise da implantação e impacto. Cad Saúde Pública 2011; 27:35-45.. As emergências hipertensivas de usuários de áreas rurais também se configuram como desafios, pois o atendimento é realizado tardiamente, às vezes após dois dias de viagem até a sede municipal, com consequente agravamento dos casos, diagnóstico e tratamentos tardios.
“Da área rural é complicado, porque muitas vezes o paciente tem uma urgência lá, mas ele só consegue chegar aqui um ou dois dias depois. Também, o paciente está lá no interior e não tem como ele ter acesso rápido ao centro de urgência e emergência e lá eles são acometidos pelas mesmas coisas daqui: pico hipertensivo, a diabetes fica descontrolada” (E.4).
Sabe-se que indivíduos não diagnosticados com HAS têm 15% menos chance de contato com o serviço de saúde 2020. Macinko J, Leventhal DGP, Lima-Costa MF. Primary care and the hypertension care continuum in Brazil. J Ambul Care Manage 2018; 41:34-46., o que mostra a necessidade da capilaridade da APS nas áreas rurais dos municípios rurais remotos. O serviço de saúde, quando está próximo do usuário, tem o potencial de agilizar a estabilização que os casos de urgência e emergência necessitam, facilitando o encaminhamento ao hospital e a coordenação do cuidado 2121. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Acolhimento à demanda espontânea: queixas mais comuns na atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. (Cadernos de Atenção Básica, 28)..
Uma das estratégias gerenciais do município para potencializar o acesso à APS era o atendimento da UBSF a cada 40 dias. Entretanto, sua oferta ainda era intermitente, com baixa frequência nas comunidades ribeirinhas e nem sempre com garantia de vínculo usuário-equipe para acompanhamento contínuo do hipertenso.
As UBSF surgiram como inovação estratégica de capilaridade de serviços, no âmbito das políticas públicas de saúde adaptadas à região. Por ser um modal fluvial, ajuda a mitigar as iniquidades regionais impostas pelo isolamento geográfico e pelas características do território líquido 2222. Aguiar TL, Werneck AB, Matos N. Potencialidades e desafios da atenção primária à saúde na Amazônia: a trajetória de implantação de Unidades Básicas de Saúde Fluvial em dois municípios do Estado Amazonas. In: Schweickardt JC, El Kadri MR, Lima RTS, organizadores. Atenção básica na Região Amazônica: saberes e práticas para o fortalecimento do SUS. Porto Alegre: Rede Unida; 2019. p. 51-70. (Série Saúde & Amazônia, 8).. Em Maués, verifica-se que a UBSF favorece a cobertura da APS, embora sua implantação seja tímida devido aos limites para execução da política, conforme estabelecido nas diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).
Outro aspecto desafiador no município é a garantia do acesso à atenção especializada na região de saúde do Baixo Amazonas, que impacta negativamente o acesso do hipertenso à AE. A viagem ao município polo, Parintins, era reconhecida pelos entrevistados como a mesma distância em horas que a viagem à capital, mas em sentidos opostos. Segundo os gestores, o polo regional não tinha estrutura para resolver a maioria dos casos recebidos.
Nas regiões de saúde, quanto maior densidade tecnológica e de profissionais de saúde do município polo, maior a possibilidade de acesso aos diferentes serviços da Rede de Atenção à Saúde (RAS), elevando os resultados gerais da região, o que favorece a integração entre APS e RAS (referência). No caso de Maués, além da localização do município polo, os entrevistados identificavam não haver recursos suficientes na região que justificassem os encaminhamentos, via regulação, diretos para a capital. Dependendo do tipo de embarcação, condições de navegação e sazonalidade, a distância poderia ser de até 24 horas. O transporte aéreo do estado só é acionado em casos de emergência, por ser de alto custo. Para reduzir o deslocamento dos usuários e viabilizar o acompanhamento com o especialista no próprio município, era comum a contratação de um cardiologista, via Secretaria Municipal da Saúde (SMS), para viabilizar o atendimento a cada 15 dias em dois turnos, no hospital.
As barreiras de acessibilidade geográfica identificadas nem sempre são percebidas como obstáculos pelos usuários amazônicos, por não conhecerem seus direitos de acesso aos serviços de saúde, próximos ao seu local de residência.
Disponibilidade
Em Maués, a escassez e a rotatividade de profissionais são fatores que limitam a disponibilidade dos serviços de APS. O acesso aos profissionais médicos e enfermeiros, em geral, condiciona-se ao deslocamento dos usuários até a sede municipal. Gestores referiram que o Programa Mais Médicos viabilizou a permanência do médico no município. No entanto, nas áreas do interior ainda persistia o problema da provisão e fixação dos profissionais, em parte amenizado pelas ações promovidas pela UBSF.
Em Maués, os ACS são os profissionais mais disponíveis nas áreas do interior, por vezes o único representante da ESF no território, cujo trabalho é desenvolvido mediante visitas domiciliares e ações comunitárias, mesma realidade de outros contextos rurais remotos amazônicos 2323. Lima JG, Giovanella L, Fausto MCR, Almeida PF. O processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde: contribuições para o cuidado em territórios rurais remotos na Amazônia, Brasil. Cad Saúde Pública 2021; 37:e00247820..
“Eu demoro muito a vir, já estou acostumada com uma pessoa, quando eu chego já não é mais aquela. É tudo, é médico, enfermeiro, muda tudo. Digo: ô meu Deus do céu, quando estou acostumando, aí mudam” (E.9).
“Nós temos rotatividade de profissionais em relação à mudança de gestão. Muda o prefeito os contratados saem todos, só ficam os efetivos. Entra outra leva” (E.2).
A rotatividade dos profissionais de enfermagem está relacionada à alternância de governo municipal, pautada na contratação temporária. A cada nova gestão municipal é possível ocorrer substituição dos enfermeiros. Essa rotatividade reflete na qualidade da relação profissional-paciente, resultando em diagnóstico e tratamento imprecisos, encaminhamentos desnecessários, duplicidade de ações e necessidade de procedimentos complexos 2424. Oliveira MAC, Pereira IC. Atributos essenciais da atenção primária e a Estratégia Saúde da Família. Rev Bras Enferm 2013; 66(esp):158-64.. Falhas no acompanhamento dos usuários com agravos crônicos, como a HAS, podem ocorrer quando não há permanência da equipe, com prejuízos ao vínculo e à continuidade do cuidado.
Como observa-se no programa HIPERDIA (Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos), a alta rotatividade acarreta prejuízos tanto na gestão, cujas ações de planejamento são postas em prática mediante a permanência da equipe no poder municipal, quanto na assistência, pois o vínculo dos usuários com a EqSF é interrompido a cada novo profissional que os atende, dificultando a continuidade de acompanhamento. Para o sucesso na adesão ao tratamento e adoção de hábitos saudáveis é importante que a EqSF consiga estabelecer vínculo com o usuário. As relações interpessoais no cuidado do hipertenso são recursos imprescindíveis para promover acolhimento, estabelecer diálogo e favorecer o autocuidado com a condição de saúde 2525. Merhy EE. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Editora Hucitec; 2005..
Outro impacto observado foi a invisibilidade da HAS pela falta de oportunidade de cuidado nas comunidades ribeirinhas. Os moradores apresentavam sinais e sintomas de crises hipertensivas, mas não sabiam que se tratava de alteração da pressão arterial e associavam seu desconhecimento à falta de profissionais de saúde.
“Eu acho que eu tenho mais de 20 anos [de diagnóstico de HAS], porque às vezes no interior que a gente mora, não tem médico, não tem nada. E me dava aquelas crises, sabe? Eu não sabia o que era” (E.11).
Nos municípios da Região Norte do Brasil, quanto menor o porte populacional, maior a cobertura da APS 2626. Garnelo L, Lima JG, Rocha ESC, Herkrath FJ. Acesso e cobertura da atenção primária à saúde para populações rurais e urbanas na região norte do Brasil. Saúde Debate 2018; 42 (n spe 1):81-99.. Apesar disso, no Estado do Amazonas, todas as pessoas que residem fora das sedes municipais ainda não são alcançadas e não há oferta constante de serviços de saúde nesses locais 2727. Souza MLP, Garnelo L. "É muito dificultoso!": etnografia dos cuidados a pacientes com hipertensão e/ou diabetes na atenção básica, em Manaus, Amazonas, Brasil. Cad Saúde Pública 2008; 24 Suppl 1:S91-9.. A forma de organização do atendimento repercute na disponibilidade dos serviços de APS, cujo horário de funcionamento é diurno, de segunda a sexta-feira, e os agendamentos para consultas ocorrem de acordo com as ações programáticas definidas em cada dia da semana. Essa organização foi apontada como barreira de acesso, devido ao agendamento prévio e poucas vagas para demanda espontânea.
“Nossa estratégia é por programas e dias já programados. Como a gente tem que ver o lado da zona rural, todos os dias vão ter dias programados para eles, já facilita o acesso mesmo, porque a gente nunca manda paciente da zona rural embora sem atendimento” (E.6).
O tipo de cuidado ofertado em dias específicos é centrado em programas prioritários e em aspectos biomédicos, sobretudo farmacológicos, para o controle da HAS. Para minimizar os efeitos de barreira de acesso, as EqSF definem como estratégia o atendimento prioritário dos hipertensos das comunidades ribeirinhas, independentemente do dia em que procuram a UBS e particularmente no fim do mês, quando costumam se deslocar até a sede para receber o auxílio do Programa Bolsa Família.
Pedir para o usuário hipertenso voltar outro dia ou em outro horário para resolver uma queixa impõe dificuldades à integralidade do cuidado 2828. Reis RS, Coimbra LC, Silva AAM, Santos AM, Alves MTSSB, Lamy ZC, et al. Acesso e utilização dos serviços na Estratégia Saúde da Família na perspectiva dos gestores, profissionais e usuários. Ciênc Saúde Colet 2013; 18:3321-31.. Estratégias como horário de atendimento estendido e agenda aos sábados são exemplos de medidas que favorecem o acesso na APS, pelo aumento da disponibilidade 2929. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: hipertensão arterial sistêmica. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. (Cadernos de Atenção Básica, 37).. Outrossim, aumentar o número de atendimentos por turno, no período que frequentemente a população do interior desloca para a sede municipal, também aumenta a disponibilidade e facilita o acesso.
Os relatos dos usuários sugerem que o diagnóstico de HAS ocorre muitas vezes no hospital, após crise hipertensiva, enquanto o agravo poderia ser identificado na APS, se houvesse disponibilidade, visando ação preventiva e redução dos riscos associados a ele.
“Eu tive uma crise de dores, fui para o hospital. Quando acalmou, me mandaram para o posto. Me exigiram muitos exames. Fiz um eletro e o doutor, na época, me falou que eu era hipertensa há uns dois anos, porque estava no meu prontuário que minha pressão estava sempre alta. Quando eu tive esse problema, fiz um monte de exame, vim aqui mais vezes na semana. Passei um mês aqui [sede municipal]” (E.10).
O acompanhamento dos casos baseia-se na renovação de receita médica, segundo a adaptação do usuário aos medicamentos e os níveis pressóricos apresentados, diferentemente das recomendações do Caderno de Atenção Básica2929. Departamento de Atenção Básica, Secretaria de Atenção à Saúde, Ministério da Saúde. Estratégias para o cuidado da pessoa com doença crônica: hipertensão arterial sistêmica. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. (Cadernos de Atenção Básica, 37)., em que a assistência se baseia na periodicidade de consultas e acontece conforme a classificação de risco do escore de Framingham.
Os gestores reconheciam que a atenção à HAS estava aquém do esperado, todavia relataram esforços em cumprir ao menos parte do cuidado ao hipertenso: busca ativa para detecção precoce de casos; incentivo às medidas preventivas por meio de visitas domiciliares; educação em saúde aos usuários; e atividade física em locais públicos. Na área rural do município, a visita domiciliar do ACS é o principal meio de incentivo à prevenção, com abordagem individual de educação em saúde sobre os cuidados na alimentação.
Os anti-hipertensivos disponíveis no município são os fármacos mais utilizados no Brasil para o tratamento de HAS: hidroclorotiazida, losartana, captopril, enalapril e atenolol 1111. Mengue SS, Bertoldi AD, Ramos LR, Farias MR, Oliveira MA, Tavares NUL, et al. Access to and use of high blood pressure medications in Brazil. Rev Saúde Pública 2016; 50 Suppl 2:8s.. Os medicamentos indisponíveis são antiarrítmicos de diferentes classes e bloqueadores beta-adrenérgicos. A disponibilidade de medicamentos na APS da região Norte é inferior em relação à encontrada em outras regiões do país. Ainda assim, usuários e profissionais de saúde a consideraram muito boa e relataram que sempre há medicamentos disponíveis quando precisam 3030. Nascimento RCRM, Álvares J, Guerra Junior AA, Gomes IC, Costa EA, Leite SN, et al. Availability of essential medicines in primary health care of the Brazilian Unified Health System. Rev Saúde Pública 2017; 51 Suppl 2:10s..
Os entrevistados apontaram que a disponibilidade de anti-hipertensivos está relacionada ao período do mês em que o usuário procura a farmácia, pois pode coincidir com o desabastecimento do estoque, ocasionando a não adesão ao tratamento e a repetição de sinais e sintomas característicos de agravamento da condição clínica.
“No princípio, a farmácia fica bem abastecida e depois vai diminuindo, tem que aguardar o outro mês até reabastecer. Uma queixa constante aqui é que às vezes não tem o remédio. Eles voltam comigo e nem fizeram o tratamento. Aí eles falam: ‘Doutor, não tomei o remédio porque não tinha aqui e não tinha dinheiro para comprar’” (E.4).
O estudo sobre os fatores responsáveis pela dispensação de medicamentos descreve como causas frequentes de desabastecimento: insuficiência de recursos financeiros, problemas no mercado farmacêutico, atraso no repasse de medicamentos pelas demais instâncias gestoras do SUS e desorganização do setor de compras local 3030. Nascimento RCRM, Álvares J, Guerra Junior AA, Gomes IC, Costa EA, Leite SN, et al. Availability of essential medicines in primary health care of the Brazilian Unified Health System. Rev Saúde Pública 2017; 51 Suppl 2:10s..
Os usuários referiram que o gasto com medicamentos não disponíveis no SUS acarretava dificuldades no orçamento familiar. Nessa situação, optavam por dividir os comprimidos para durarem até a consulta seguinte ou pegavam a medicação com outros hipertensos. Em ambos os casos, a continuidade do tratamento era interrompida, eficácia reduzida, resultados postergados e risco de agravamento da HAS aumentado.
“Bom, [uso] o que tem aqui no posto, eu peguei aqui mesmo. Agora o que não tem, eu compro todo mês. Nifedipina, não tem no posto. Tenho que comprar, é dez reais a caixa, são três caixas” (E.10).
Quanto aos equipamentos para o cuidado à pessoa com HAS, verificou-se que o município dispunha de quantidade insuficiente de esfigmomanômetros. Em algumas unidades, havia apenas um esfigmomanômetro de tamanho padrão, um estetoscópio e glicosímetros. Em outras, faltavam braçadeiras de tamanhos infantil e obeso, dificultando o cuidado ao público diverso.
Em Maués, ao levar em conta o número de EqSF e profissionais que utilizam esses materiais na UBS e em visitas domiciliares, a quantidade de equipamentos é insuficiente para suprir a demanda do território. Ademais, há necessidade de revisão e calibração periódicas dos equipamentos. Esses achados corroboram estudo anterior, que detectou os mesmos problemas 3131. Garnelo L, Lucas ACS, Parente RCP, Rocha ESC, Gonçalves MJF. Organização do cuidado às condições crônicas por equipes de saúde da família na Amazônia. Saúde Debate 2014; 38 (n spe):158-72..
A carência de recursos na APS - sejam financeiros, físicos ou humanos - prejudica a resposta aos problemas de saúde da população e, consequentemente, amplia o desafio da equidade territorial para consolidar o princípio da integralidade. Essa realidade ligada ao subfinanciamento da saúde se intensifica na ruralidade amazônica, cujo cenário de causa-consequência exacerba a insuficiência do custeio das ações nos municípios cronicamente fragilizados e com déficits na manutenção de coberturas assistenciais adequadas 3232. Garnelo L. Especificidades e desafios das políticas públicas de saúde na Amazônia. Cad Saúde Pública 2019; 35:e00220519..
Este estudo teve como limite a apresentação somente do contexto de um município rural remoto, embora muitas dificuldades, que se repetem em outras realidades, sejam observadas. Por se tratar de estudo de caso único, os resultados não podem ser generalizados, embora sejam percebidos desafios convergentes em outros municípios rurais remotos. Como produto das reflexões, sugere-se ampliar os estudos avaliativos sobre o provimento de profissionais na Amazônia, considerando a especificidade desse contexto, o apoio logístico e o abastecimento das UBS com materiais e medicações do HIPERDIA, além dos fluxos de acesso reais para conformação da RAS regionalizada no estado, criando, assim, maiores possibilidades para superação de lacunas de acesso à saúde aqui apontadas.
Considerações finais
O desbalanço entre diretrizes da política nacional de APS e as características do contexto rural remoto se refletem em desafios para superação de barreiras de acesso à atenção à saúde em localidades com baixa concentração populacional, fluxos fluviais e longas distâncias. Quando se trata de território amazônico, é necessário reiterar que as particularidades contextuais precisam ser dimensionadas no planejamento e na organização dos serviços de saúde. O não reconhecimento desses aspectos repercute na falta de oportunidade de cuidado e em falhas na oferta de cuidado regular, comprometendo a continuidade e a integralidade do cuidado do hipertenso na APS.
A aproximação com a realidade de Maués demonstrou que as dimensões do acesso priorizadas neste estudo - a acessibilidade geográfica e a disponibilidade de serviços de saúde - ainda são frágeis em um contexto marcado por disparidades socioespaciais e pela insuficiência de políticas públicas que considerem o contexto amazônico, o que compromete a garantia do direito à saúde.
Agradecimentos
Este trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES; código de financiamento 001).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
06 Fev 2023 - Data do Fascículo
2023
Histórico
- Recebido
01 Set 2022 - Revisado
23 Dez 2022 - Aceito
26 Dez 2022