Garimpo de ouro na Amazônia: a origem da crise sanitária Yanomami

Minería de oro en Amazonia: el origen de la crisis sanitaria Yanomami

Paulo Cesar Basta Sobre o autor

Após séculos de exploração e violação de direitos parece que se chegou a um consenso: a preservação da Amazônia é a única chance de o ser humano permanecer vivo no planeta e uma oportunidade singular para o Brasil reduzir históricas iniquidades, conquistar respeito e credibilidade internacional.

Todavia, há um longo caminho a ser percorrido. Segundo a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), há 4.114 pontos de mineração ilegal em todo o bioma. Juntos, eles despejam mais de 150 toneladas de mercúrio por ano na região.

Levantamento efetuado pelo Instituto Igarapé 11. Waisbich LT, Risso M, Husek T, Brasil L. O ecossistema do crime ambiental na Amazônia: uma análise das economias ilícitas da floresta. Rio de Janeiro: Instituto Igarapé; 2022. (Artigo Estratégico, 54)., pautado em 369 operações de combate à criminalidade, realizadas pela Polícia Federal e por órgãos do meio ambiente e do Judiciário, revela os ilícitos que incidem na Amazônia Legal. O documento mostra que no período de 2016 a 2021 cinco crimes ambientais se expandiram: desmatamento ilegal; grilagem em terras públicas; extração ilegal de madeira; agropecuária com passivo ambiental; e mineração ilegal. Em Roraima, 89% dos crimes correspondem à mineração ilegal.

A mineração ilegal gera múltiplos impactos às comunidades tradicionais. Ao invadir um território ancestral, o garimpo promove derrubada da cobertura vegetal, mudança no curso dos rios e escavação de enormes buracos, provocando alterações no ecossistema, que resultam em ampla devastação da floresta. Como consequência, espécies nativas da fauna e da flora são ameaçadas, mamíferos de grande porte são afugentados, áreas destinadas aos roçados e à coleta de produtos sazonais tornam-se limitadas e instala-se um processo de escassez das fontes alimentares 22. Orellana JDY, Gatica-Domínguez G, Vaz JDS, Neves PAR, de Vasconcellos ACS, de Souza Hacon S, et al. Intergenerational association of short maternal stature with stunting in Yanomami indigenous children from the Brazilian Amazon. Int J Environ Res Public Health 2021; 17:9130.. Ademais, os rios são contaminados pelo mercúrio, envenenando peixes, tracajás, jacarés e outros animais que vivem no território 33. Basta PC, Viana PVS, Vasconcellos ACS, Périssé ARS, Hofer CB, Paiva NS, et al. Mercury exposure in Munduruku indigenous communities from Brazilian Amazon: methodological background and an overview of the principal results. Int J Environ Res Public Health 2021; 17:9222.. À medida que os alimentos tradicionais se tornam escassos, não havendo caça, peixes, nem outros alimentos disponíveis, a insegurança alimentar se instaura.

Simultaneamente, milhares de garimpeiros invadem a área, provocando impactos na organização social das comunidades, destacando-se abusos, agressões e violência sexual. Uma vez instalada a insegurança alimentar, garimpeiros utilizam como estratégia de aliciamento a distribuição de cestas básicas nas comunidades. Usualmente, as cestas são repletas de alimentos industrializados/ultraprocessados, com altos teores de açúcar, gordura, sódio e mínimas concentrações de proteínas 44. Moraes AODS, Magalhães EIS, Orellana JDY, Gatica-Domínguez G, Neves PAR, Basta PC, et al. Food profile of Yanomami indigenous children aged 6 to 59 months from the Brazilian Amazon, according to the degree of food processing: a cross-sectional study. Public Health Nutr 2023; 26:208-18.. O resultado desse processo provoca dupla carga de desvios nutricionais nas aldeias, nas quais crianças e idosos com quadros de desnutrição passam a conviver com adultos e jovens com sobrepeso, obesidade, diabetes, hipertensão e outras doenças.

Agravando a desorganização social, para que o garimpo atue, é necessária uma rede de suporte, que inclui maquinário pesado (pás retroescavadeiras, bicos de jato, dragas, balsas) e combustível para o funcionamento das máquinas. Visceralmente vinculados ao garimpo, ingressam ainda no território álcool, drogas e prostituição, que se convertem no motor propulsor do abuso sexual contra mulheres e crianças, predispondo o espalhamento de infecções sexualmente transmissíveis. Finalmente, hoje, há indícios da presença do crime organizado como mantenedor do garimpo, o chamado narcogarimpo, que promove o tráfico de drogas e armas.

Esse violento processo altera o perfil de adoecimento e morte nas comunidades afetadas. Merecem atenção casos graves de desnutrição e o aumento vertiginoso das ocorrências de malária. Ademais, disseminam-se doenças de transmissão respiratória, como influenza, pneumonia, tuberculose e COVID-19. Durante a pandemia, o garimpo foi um dos principais vetores de introdução do novo coronavírus nas Terras Indígenas (TI) da Amazônia 55. Fellows M, Paye V, Alencar A, Nicácio M, Castro I, Coelho ME, et al. Under-reporting of COVID-19 cases among indigenous peoples in Brazil: a new expression of old inequalities. Front Psychiatry 2021; 12:638359..

Segundo Matavelli et al. 66. Mataveli G, Chaves M, Guerrero J, Escobar-Silva EV, Conceição K, Oliveira G. Mining is a growing threat within indigenous lands of the Brazilian Amazon. Remote Sens (Basel) 2022; 14:4092., as TI Kayapó e Mundukuru, no Pará, e a TI Yanomami, em Roraima, são as mais afetadas pelo garimpo ilegal. As áreas devastadas atingem 11.542, 4.685 e 1.556 hectares, respectivamente. Fundamentados em dados do MapBiomas, no período de 1985 a 2020, os autores revelam que a presença do garimpo na Amazônia mostrou-se perene ao longo do tempo, tendo início no fim dos anos 1980 e se mantendo estável até meados de 2010, quando ocorreu um crescimento expressivo e sustentado a partir de 2016 66. Mataveli G, Chaves M, Guerrero J, Escobar-Silva EV, Conceição K, Oliveira G. Mining is a growing threat within indigenous lands of the Brazilian Amazon. Remote Sens (Basel) 2022; 14:4092..

Na TI Yanomami, houve um pico de atividades garimpeiras na década 1980, durante a primeira corrida do ouro na Amazônia. Após ser deflagrada pelo Governo Federal, em 1990, a Operação Selva Livre removeu dezenas de milhares de garimpeiros. Posteriormente, seguiu-se um período de calmaria, sem a presença sistemática de garimpos na região. A partir de 2016, com a ascensão da extrema direita ao poder, a paz e a tranquilidade no território foram quebradas com o retorno de invasores. Lamentavelmente, a gravidade da situação vivenciada hoje parece superar a reportada na década 1980.

Estudo que analisou 162 yanomamis internados na Casa de Saúde Indígena (Casai) de Boa Vista, em 1990, reportou níveis médios de 3,61µg de mercúrio para cada grama de cabelo, variando de 2,64µg/g, na região de Paapiú, a 5,03µg/g, na região de Surucucu 77. Castro MB, Albert B, Pfeiffer WC. Mercury levels in Yanomami indians hair from Roraima-Brazil. In: Proceedings of the International Conference on Heavy Metals in the Environment. Edinburgh: CEP Consultants; 1991. p. 367-70..

Ao realizarem estudo na região do rio Catrimani (TI Yanomami), Sing et al. 88. Sing KA, Hryhorczuk D, Saffirio G, Sinks T, Paschal DC, Sorensen J, et al. Organic mercury levels among the Yanomama of the Brazilian Amazon Basin. Ambio 2003; 7:434-9. revelaram concentrações médias de mercúrio no sangue dos participantes entre 21,2µg/L e 43,1µg/L, em 1994. Em 1995, as concentrações médias de mercúrio no sangue dos participantes variaram de 25,5µg/L a 42,2µg/L.

Vale lembrar que em 1993 houve o massacre de Haximu, uma chacina perpetrada por garimpeiros na TI Yanomami, que resultou na morte a tiros e golpes de facão de 16 indígenas, em sua maioria idosos, mulheres e crianças. Trata-se do primeiro crime considerado genocídio no Brasil.

Diante desse histórico, pode-se afirmar que existem evidências dos impactos do garimpo há pelo menos 30 anos na TI Yanomami. Os resultados são inequívocos ao apontar que a contaminação por mercúrio está na raiz da crise sanitária instalada.

O mercúrio é um metal que durante seu ciclo na natureza pode sofrer modificações físico-químicas e apresentar-se de diferentes formas: mercúrio metálico (utilizado no garimpo por formar ligas metálicas com o ouro, constituindo o amálgama), mercúrio iônico (presente em compartimentos ambientais como água, solo, ar, nuvens) e mercúrio orgânico (forma mais tóxica, pois contamina a cadeia alimentar).

A queima do amálgama para separar o mercúrio do ouro produz vapores que são inalados e absorvidos na corrente sanguínea, provocando lesões pulmonares, cerebrais, nos rins e nas glândulas endócrinas.

O mercúrio metálico excedente, que não forma amálgama com ouro, é lançado nos rios. No fundo do rio, o mercúrio mistura-se com sedimento e se converte em mercúrio orgânico (metilmercúrio). Este ingressa na cadeia trófica alimentar, fixa-se no tecido muscular dos pescados e de outros animais aquáticos, sendo ingerido na alimentação. O metilmercúrio absorvido no trato gastrointestinal se espalha no corpo e se acumula em diferentes órgãos e sistemas, podendo provocar lesões, expressas por sinais e sintomas diversos, dependendo do órgão afetado.

No sistema nervoso central, o metilmercúrio pode provocar alterações sensoriais, motoras e cognitivas irreversíveis, resultando em diversos prejuízos às pessoas afetadas. Em adultos, os sintomas incluem perda de sensibilidade, tremores, alterações na marcha, fraqueza, tontura, convulsões, déficits na visão e na audição, cefaleia, zumbido, gosto metálico na boca, distúrbios do sono, ansiedade, depressão, taquicardia e hipertensão.

Em gestantes, a exposição ao metilmercúrio é particularmente grave, pois o metal pode ultrapassar a barreira placentária e atingir o feto em formação no útero. A depender do nível de exposição, pode haver abortamento ou óbito fetal. Ao nascimento, a criança pode ter paralisia cerebral, deformidades e/ou anomalias congênitas. Ainda bebê, a criança pode apresentar retardo nos marcadores de neurodesenvolvimento, demorando a sentar, engatinhar, dar os primeiros passos e emitir as primeiras palavras. À medida que a criança cresce, podem surgir dificuldades para brincar com outras crianças e problemas no aprendizado, como resultado de perdas cognitivas, que terão repercussões negativas na vida adulta.

Tendo em vista que a crise sanitária se ampliaria conforme a expansão do garimpo ilegal de ouro, em 2013, Davi Kopenawa escreveu uma carta à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) solicitando apoio para investigar a contaminação por mercúrio nas regiões de Paapiú, Waikás-Ye’kwana e Waikás-Aracaçá. A partir desse pedido, nasceu o grupo de pesquisa Ambiente, Diversidade e Saúde, com a missão de avaliar o impacto da exposição ao mercúrio nas TI da Amazônia.

Em dezembro de 2014, foram avaliados 239 indígenas, em 19 aldeias, nas três localidades indicadas. Foram realizadas avaliações clínicas simplificadas, enfocadas em mulheres e crianças, das quais foram obtidas medidas antropométricas 99. Orellana JDY, Marrero L, Alves CLM, Ruiz CMV, Hacon SS, Oliveira MW, et al. Association of severe stunting in indigenous Yanomami children with maternal short stature: clues about the intergerational transmission. Ciênc Saúde Colet 2019; 24:1875-83. e coletadas amostras de cabelo 1010. Vega CM, Orellana JDY, Oliveira MW, Hacon SS, Basta PC. Human mercury exposure in Yanomami indigenous villages from the Brazilian Amazon. Int J Environ Res Public Health 2018; 6:1051.. Revelaram-se distintos níveis de exposição, sendo as maiores concentrações de mercúrio registradas nas áreas mais próximas ao garimpo, tanto em adultos quanto em crianças. Em Waikás-Aracaçá, onde o garimpo havia iniciado as operações em 2013-2014, a situação se revelou caótica, uma vez que mais de 90% das pessoas avaliadas apresentaram níveis elevados de mercúrio (≥ 6,0µg/g) nas amostras de cabelo 10. Em Waikás-Ye’kwana, aproximadamente 30% dos investigados apresentaram níveis acima de 6,0µg/g. Pode-se dizer que esses resultados eram esperados, dado o contexto de invasão do território 1010. Vega CM, Orellana JDY, Oliveira MW, Hacon SS, Basta PC. Human mercury exposure in Yanomami indigenous villages from the Brazilian Amazon. Int J Environ Res Public Health 2018; 6:1051..

Por outro lado, em Paapiú, que em 2014 vivia um momento sem a presença de garimpos, a situação foi diferente. O garimpo provocou severos impactos no fim de 1980. Todavia, após a execução da Operação Selva Livre, a região ficou livre de garimpo por aproximadamente 20 anos. Portanto, imaginava-se que Paapiú seria uma área controle, afinal, não havia registros recentes de garimpo. Ainda assim, quase 7% da população local apresentou níveis elevados de mercúrio 1010. Vega CM, Orellana JDY, Oliveira MW, Hacon SS, Basta PC. Human mercury exposure in Yanomami indigenous villages from the Brazilian Amazon. Int J Environ Res Public Health 2018; 6:1051..

Os achados de Vega et al. 1010. Vega CM, Orellana JDY, Oliveira MW, Hacon SS, Basta PC. Human mercury exposure in Yanomami indigenous villages from the Brazilian Amazon. Int J Environ Res Public Health 2018; 6:1051., analisados em perspectiva diacrônica com o resultado dos estudos anteriormente mencionados 66. Mataveli G, Chaves M, Guerrero J, Escobar-Silva EV, Conceição K, Oliveira G. Mining is a growing threat within indigenous lands of the Brazilian Amazon. Remote Sens (Basel) 2022; 14:4092.,77. Castro MB, Albert B, Pfeiffer WC. Mercury levels in Yanomami indians hair from Roraima-Brazil. In: Proceedings of the International Conference on Heavy Metals in the Environment. Edinburgh: CEP Consultants; 1991. p. 367-70.,88. Sing KA, Hryhorczuk D, Saffirio G, Sinks T, Paschal DC, Sorensen J, et al. Organic mercury levels among the Yanomama of the Brazilian Amazon Basin. Ambio 2003; 7:434-9., não deixam dúvidas de que o mercúrio é um contaminante ambiental persistente, que deixa extenso legado de consequências negativas à saúde da população na TI Yanomami.

Mais recentemente, em outubro de 2022, foram avaliados 287 indígenas, em sete comunidades da região do alto rio Mucajaí (TI Yanomami). Foram detectadas concentrações de mercúrio em todas as amostras de cabelo analisadas, incluindo homens, mulheres, crianças, adultos e idosos, sem exceção. Os níveis de mercúrio variaram de 0,16µg/g a 10,20µg/g, com média de 3,79µg/g. Somente três participantes apresentaram níveis abaixo de 1,0μg/g, dose de referência estabelecida como segura pela agência de proteção ambiental dos Estados Unidos (EPA) 1111. U.S. Environmental Protection Agency. Reference dose for methylmercury. Washington DC: U.S. Environmental Protection Agency; 2000..

Reiteradamente, os achados atuais reforçam a longa permanência do mercúrio na TI Yanomami. O cenário de devastação instalado tem ameaçado a segurança alimentar e afetado severamente a saúde do povo yanomami, revelando a face mais recente da crise sanitária em curso.

Em estudo que avaliou 75 amostras de pescado, coletadas em diferentes pontos, na bacia do rio Branco, em Roraima, Vasconcellos et al. 1212. Vasconcellos ACS, Ferreira SRB, de Sousa CC, de Oliveira MW, de Oliveira Lima M, Basta PC. Health risk assessment attributed to consumption of fish contaminated with mercury in the Rio Branco Basin, Roraima, Amazon, Brazil. Toxics 2022; 10:516. revelaram que os níveis de mercúrio atingiram 3,16μg/g. As concentrações de mercúrio variaram de acordo com a espécie analisada e o local de origem do pescado. Em Boa Vista, no baixo rio Branco, no rio Mucajaí e no rio Uraricoera, 25%, 45%, 53% e 57% dos peixes estudados apresentaram níveis ≥ 0,5µg/g, respectivamente. Ou seja, os limites de 0,5µg Hg/g de pescado, estabelecidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) 1313. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 42, de 29 de agosto de 2013. Dispõe sobre o Regulamento Técnico MERCOSUL sobre limites máximos de contaminantes inorgânicos em alimentos. Diário Oficial da União 2013; 30 aug. para comercialização de pescados no Brasil, foram extrapolados nos pontos investigados.

A avaliação de risco à saúde atribuído ao consumo do pescado 1212. Vasconcellos ACS, Ferreira SRB, de Sousa CC, de Oliveira MW, de Oliveira Lima M, Basta PC. Health risk assessment attributed to consumption of fish contaminated with mercury in the Rio Branco Basin, Roraima, Amazon, Brazil. Toxics 2022; 10:516. revelou que mulheres em idade reprodutiva e crianças com menos de 5 anos ingerem quantidades de mercúrio que ultrapassam de 9 a 32 vezes, respectivamente, os limites de segurança recomendados pela EPA 1111. U.S. Environmental Protection Agency. Reference dose for methylmercury. Washington DC: U.S. Environmental Protection Agency; 2000..

Em síntese, o garimpo ilegal de ouro na TI Yanomami afeta não somente os indígenas, uma vez que o mercúrio despejado nos rios contamina os pescados da região e pode chegar à mesa dos habitantes das cidades, incluindo os moradores da capital Boa Vista.

Reforçando o alerta à sociedade, estudo recém-lançado 1414. Basta PC, Vasconcellos ACS, Hallwass G, Yokota D, Pinto DOR, de Aguiar DS, et al. Risk assessment of mercury contaminated fish consumption in the Brazilian Amazon: an ecological study. Toxics 2023; 11:800. informa que 21,3% de 1.010 amostras de pescados adquiridos em mercados e feiras livres em 17 municípios na Amazônia brasileira (incluindo as capitais Belém, Boa Vista, Macapá, Manaus, Porto Velho e Rio Branco) apresentaram níveis de mercúrio acima dos parâmetros estabelecidos pela Anvisa 1313. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 42, de 29 de agosto de 2013. Dispõe sobre o Regulamento Técnico MERCOSUL sobre limites máximos de contaminantes inorgânicos em alimentos. Diário Oficial da União 2013; 30 aug.. Os piores níveis de contaminação foram registrados no Acre, Roraima e Rondônia. Além dos níveis preocupantes de mercúrio nos pescados que chegam à mesa das famílias, os autores advertem que a ingestão diária de mercúrio pode ultrapassar de 7 a 31 vezes a dose de referência estabelecida pela EPA 1111. U.S. Environmental Protection Agency. Reference dose for methylmercury. Washington DC: U.S. Environmental Protection Agency; 2000. em mulheres em idade fértil e crianças de 2 a 4 anos, respectivamente.

Ainda em 2022, depois da eleição do presidente Lula, desde o momento em que se criou o grupo técnico para transição do governo, a pauta ambiental e a questão indígena ganharam destaque. Assessores municiados com informações atualizadas sobre o tema auxiliaram o governo a tomar decisões urgentes:

(i) declaração de emergência sanitária de importância nacional (ESPIN) na TI Yanomami;

(ii) revogação do Decreto nº 10.966/2022, que criava o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal em Pequena Escala (Pro-Mape);

(iii) retirada da tramitação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei nº 191/2020, que propunha liberação da mineração em TI;

(iv) suspensão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da eficácia do parágrafo 4º, artigo 39, Lei nº 12.844/2013, que previa a presunção da boa-fé no comércio do ouro;

(v) decisão da Receita Federal que obriga a emissão de notas fiscais eletrônicas em todas as transações de compra e venda de ouro;

(vi) revitalização do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM).

Entretanto, graves ameaças ainda pairam sobre territórios ancestrais na Amazônia.

Em 30 de maio de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 490/2007 (Marco Temporal), que modifica procedimentos de demarcação de TI, exigindo a presença em áreas reivindicadas antes de 5 de outubro de 1988. O Senado Federal manteve o entendimento da Câmara dos Deputados, aprovando o Projeto de Lei nº 2.903/2023, em 27 de setembro de 2023. Por sua vez, o Presidente Lula sancionou com 34 vetos a Lei nº 14.701/2023, em 20 de outubro de 2023, argumentando que a iniciativa do Poder Legislativo contraria o interesse público e incorre em vício de inconstitucionalidade “por usurpar direitos originários” já previstos na Constituição Federal. Todavia, a aprovação nas duas casas revela que parte do Parlamento permanece disposto a impulsionar agronegócio, indústria e mineração em detrimento dos direitos originários, favorecendo a ocupação ilegal de terras da União e os crimes ambientais na Amazônia.

De um lado, é essencial valorizar as medidas promovidas pelo atual governo. Na TI Yanomami, merecem destaque a criação do Comitê de Operações Emergenciais (COE); a construção do Centro de Referência em Saúde Indígena na região de Surucucu; os atendimentos a crianças e idosos com quadros graves de desnutrição e malária; a distribuição de cestas básicas e medicamentos; e o início da retirada dos garimpeiros, com apoio do Ministério da Justiça.

De outro, não podemos esquecer que o governo não realizou ações estruturadas para combater o garimpo nas TI Kayapó e Munduruku. Outro ponto importante é a necessidade de superar históricas iniquidades e déficits de infraestrutura que afetam cidadãos (indígenas e não indígenas) que vivem na Amazônia. A carência de serviços públicos essenciais - disponibilidade de água potável, saneamento básico, acesso à assistência à saúde de média e alta complexidade, educação formal, emprego e renda - é notória. Além disso, as limitações nos modais de transporte e nos equipamentos de comunicação seguem afetando todos que vivem na região.

Associações indígenas, organizações não governamentais (ONG), movimentos sociais, universidades e institutos de pesquisa devem se esforçar para garantir que informações verdadeiras (oriundas das melhores evidências científicas) sejam difundidas para sociedade. Desse modo, a nação poderá fazer melhores escolhas nas próximas eleições e cobrar providências das autoridades para a imediata interrupção da devastação. A retomada das demarcações de terras indígenas e a garantia da soberania desses territórios são fundamentais.

A preservação da Amazônia precisa se tornar prioridade (inter)nacional, deve estar no centro de todos os debates contemporâneos! Além de acabar imediatamente com a devastação, é preciso reflorestar! É vital acabar com o garimpo ilegal e extirpar os impactos da contaminação por mercúrio no Brasil. A partir de políticas públicas inclusivas e do reconhecimento da importância da floresta em pé, é possível criar alternativas sustentáveis de desenvolvimento, socialmente aceitas, ambientalmente adequadas e economicamente viáveis para as populações locais.

Por fim, a Declaração de Belém, documento elaborado pela Aliança Amazônica de Combate ao Desmatamento durante a Cúpula da Amazônia, realizada em agosto de 2023, enfatiza que se deve valorizar os conhecimentos ancestrais e reconhecer a importância dos povos indígenas para garantir a soberania da Amazônia e o desenvolvimento sustentável da América Latina.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2023
  • Revisado
    21 Set 2023
  • Aceito
    10 Out 2023
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br