Resumo:
A recente pandemia de COVID-19 levou muitos países a adotarem políticas emergenciais de transferência de renda como forma de conter a crise econômica e humanitária. Tais iniciativas foram desenvolvidas em um contexto de agudização das desigualdades de gênero, raça, etnia e classe em decorrência de medidas de isolamento físico e social. O artigo analisa, a partir de um estudo exploratório e da chamada avaliação baseada na teoria do programa, as premissas teóricas dos programas Bolsa Família (2003), Auxílio Emergencial (2020) e Auxílio Brasil (2021) e suas respectivas dinâmicas de implementação. Na medida em que os programas de transferência de renda ocupam lugar central na agenda pública contemporânea, conclui-se que a avaliação de limites e avanços, tanto em sua concepção teórica como em relação aos mecanismos disparados em cada contexto, contribui para revelar evidências sobre sua efetividade no enfrentamento das desigualdades duráveis e daquelas que surgem em cenários de emergência sanitária.
Palavras-chave:
Pobreza; Desigualdades em Saúde; Proteção Social; Programas Sociais; COVID-19
Resumen:
La reciente pandemia de COVID-19 llevó a muchos países a adoptar políticas de emergencia de transferencias monetarias como una forma de contener la crisis económica y humanitaria. Dichas iniciativas se desarrollaron en un contexto de profundización de las desigualdades de género, raciales, étnicas y de clase como resultado de las medidas de aislamiento físico y social. El artículo analiza, a partir de un estudio exploratorio y de la llamada evaluación basada en la teoría del programa, los supuestos teóricos de los programas Bolsa Familia (2003), Ayuda de Emergencia (2020) y Ayuda Brasil (2021), y sus respectivas dinámicas de implementación. Dado que los programas de transferencias monetarias ocupan un lugar central en la agenda pública contemporánea, se concluye que la valoración de los límites y avances, tanto en su concepción teórica como en relación con los mecanismos desencadenados en cada contexto, ayuda a revelar evidencias sobre su efectividad para enfrentar las desigualdades duraderas y las que surgen en escenarios de emergencia sanitaria.
Palabras-clave:
Pobreza; Desigualdades en la Salud; Política Pública; Programas Sociales; COVID-19
Introdução
A pandemia provocada pelo SARS-CoV-2 abalou sistemicamente as relações sociais e econômicas, com efeitos estruturais sobre a saúde pública e o alcance dos serviços de atenção básica. Os múltiplos impactos da COVID-19 nas taxas de desemprego, na produtividade dos trabalhadores e na dinâmica do consumo acentuaram as desigualdades sociais. A redução dos gastos sociais com base na austeridade fiscal 11. Camargo Jr. KR. Austeridade faz mal à saúde. Physis (Rio J.) 2016; 26:1091-6., o negacionismo científico e a expansão de políticas conservadoras 22. Fleury S, Lanzara A, Pinho CE, Pernasetti F, Lobato L, Burlandy L, et al. A irresponsabilidade do programa de responsabilidade social. https://www.cee.fiocruz.br/ (accessed on 10/Nov/2022).
https://www.cee.fiocruz.br/... tornaram inescapável o debate sobre a natureza da pobreza, suas repercussões no controle da epidemia e as possibilidades para sua superação. Os pontos de contato e afastamento entre os discursos sobre risco, falhas de mercado e direitos humanos no que se refere à proteção social ganharam destaque e ressonância.
Nessa direção, a garantia de renda assumiu um lugar prioritário na agenda política. O programa de transferência condicionada de renda Bolsa Família, criado em 2003, foi reexaminado vis-à-vis outras possibilidades, como a instituição de políticas de renda universais, com ou sem condicionalidades 33. Lucca-Silveira MP, Barbosa RJ. O futuro das transferências de renda no Brasil: dilemas empíricos e normativos para um programa pós-pandemia e pós-auxílio emergencial. Sociologia e Antropologia 2021; 11(spe):67-92.,44. Salgado LH. Renda básica permanente: uma utopia possível. Geosul 2020; 35:521-35.. Alguns desafios como o aumento do valor do benefício, a expansão da cobertura e o melhor acompanhamento das condicionalidades de educação e saúde foram discutidos em um cenário de polarização política, aumento do número de mortes por COVID-19 e crise econômica 55. Braga JCS, Oliveira GC. Dinâmica do capitalismo financeirizado e o sistema de saúde no Brasil: reflexões sob as sombras da pandemia de COVID-19. Cad Saúde Pública 2022; 38 Suppl 2:e00325020.,66. Santos NR. O Sistema Único de Saúde pobre para os pobres, a COVID-19 e o capitalismo financeirizado. Cad Saúde Pública 2022; 38 Suppl 2:e00076321..
O Bolsa Família, regulamentado pela Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004 77. Brasil. Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Diário Oficial da União 2004; 12 jan., e por normativas posteriores, caracterizou-se como um dos maiores e mais importantes programas de transferência de renda condicionada para populações em situação de pobreza e pobreza extrema 88. Lindert K, Linder A, Hobbs J, Brière B. The nuts and bolts of Brazil's Bolsa Família Program: implementing conditional cash transfers in a decentralized context. Washington DC: The World Bank; 2007.. Os benefícios previstos em programas anteriores - Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Cartão Alimentação - foram unificados e instituiu-se o Cadastro Único (CadÚnico), que possibilitou a inclusão das informações das famílias brasileiras a fim de orientar a formulação e implementação de políticas públicas. Ao mesmo tempo, a transferência de renda foi vinculada a contrapartidas sociais visando maior acesso a serviços de saúde, educação e assistência social.
O programa foi encerrado em 2021 e, no mesmo ano, foi instituído o Auxílio Brasil por meio da Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021 99. Brasil. Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021. Institui o Programa Auxílio Brasil e o Programa Alimenta Brasil; define metas para taxas de pobreza; altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993; revoga a Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004, e dispositivos das Leis n os 10.696, de 2 de julho de 2003, 12.512, de 14 de outubro de 2011, e 12.722, de 3 de outubro de 2012; e dá outras providências. Diário Oficial da União 2021; 30 dec.. A extinção do Bolsa Família foi realizada em um contexto socioeconômico de agravamento das desigualdades sociais, sobretudo de gênero, raça, etnia e classe, em decorrência das medidas de isolamento social 1010. Sousa ACA, Costa DM, Pereira SR, Lago RF. Gênero e a pandemia COVID-19: revisão da produção científica nas ciências da saúde no Brasil. Saúde Debate 2021; 45(spe 2):171-86..
A pandemia expandiu as vulnerabilidades sociais, haja vista que a recessão econômica na América Latina e Caribe no período foi a maior desde a Segunda Guerra Mundial, como aponta estudo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) 1111. Robles CR, Rossel C. Social protection tools for coping with the impacts of the COVID-19 pandemic: the Latin American experience. Santiago de Chile: Economic Commission for Latin America and the Caribbean; 2022. (Project Documents, LC/TS.2021/135).. Na região, estima-se que o número total de pessoas empregadas e a taxa de participação na força de trabalho caíram respectivamente 9% e 4,8% em 2020. O mesmo estudo indica que a extrema pobreza atingiu 12,5% da população, e a pobreza 33,7%, afetando principalmente crianças, jovens e mulheres.
Como alternativas para lidar com esse cenário, muitos países fortaleceram políticas de proteção social e de transferência de renda. No Brasil, em 2 de abril de 2020, o governo, por meio da Lei nº 13.9821212. Brasil. Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020. Altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, para dispor sobre parâmetros adicionais de caracterização da situação de vulnerabilidade social para fins de elegibilidade ao benefício de prestação continuada (BPC), e estabelece medidas excepcionais de proteção social a serem adotadas durante o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Diário Oficial da União 2020; 2 apr., criou o Auxílio Emergencial no valor de R$ 600,00, com vigência de três meses e foco nos indivíduos vivendo com menos de 1/2 salário mínimo, desempregados, trabalhadores informais e mães em famílias monoparentais. Em alguns casos, como o de mulheres chefes de família, era possível receber até duas cotas, perfazendo o total de R$ 1.200,00. No entanto, a partir de setembro de 2020, por intermédio das Medidas Provisórias nº 1.000, de 2 de setembro de 2020 1313. Brasil. Medida Provisória nº 1.000, de 2 de setembro de 2020. Institui o auxílio emergencial residual para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19) responsável pelo surto de 2019, a que se refere a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020. Diário Oficial da União 2020; 3 sep., e nº 1.039, de 18 de março de 2021 1414. Brasil. Medida Provisória nº 1.039, de 18 de março de 2021. Institui o Auxílio Emergencial 2021 para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19). Diário Oficial da União 2021; 18 mar (edição extra)., os valores dos benefícios foram revistos e diminuíram progressivamente, passando de R$ 600,00 por três meses para R$ 300,00 por quatro meses. Em 2021, o benefício foi de R$ 250,00 por quatro meses.
O Auxílio Emergencial mitigou o impacto da crise econômica nas famílias mais vulneráveis, assim como nas classes mais altas, via efeito indireto, portanto, contribuiu positivamente para atenuar os efeitos da pandemia. Porém, muitos analistas alertaram para a importância das medidas de longo prazo para a garantia da proteção social adequada no país 1515. Cardoso DF, Domingues E, Magalhães A, Simonato T, Miyajima D. Pandemia de COVID-19 e famílias: impactos da crise e da renda básica emergencial. Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise 2021; (28):539-60..
Os efeitos do Auxílio Emergencial ainda precisam ser investigados. Neste estudo, a perspectiva é analisar o processo de transição do Bolsa Família para o Auxílio Brasil a partir da chamada theory-driven evaluation (avaliação baseada em teoria), que reúne um conjunto de autores das ciências sociais e do campo da avaliação em torno da distinção analítica entre as premissas teóricas dos programas e a dinâmica da implementação.
Abordagem teórico-metodológica
Com base em autores que dialogam com a avaliação de programas e políticas públicas, com as análises socioantropológicas sobre as desigualdades sociais e com o realismo crítico, o trabalho apresenta reflexões sobre as mudanças sociais pretendidas na teoria do programa de transferência de renda condicionada Bolsa Família 1616. Chen HT. Theory-driven evaluations. London: SAGE Publications; 1990.,1717. Chen HT, Rossi PH. Issues in theory-driven perspective. Eval Program Plann 1989; 12:299-306.,1818. Pawson R, Tilley N. Realistic evaluation. London/Thousand Oaks: SAGE; 1997.,1919. Potvin L, Gendron S, Bilodeau A. Três posturas ontológicas concernentes à natureza dos programas de saúde: implicações para a avaliação. In: Bosi MLM, Mercado FJ, editors. Avaliação qualitativa de programas de saúde: enfoques emergentes. 3rd Ed. Petrópolis: Editora Vozes; 2013. p. 65-86.,2020. Magalhães R, Bodstein R. Avaliação de iniciativas e programas intersetoriais em saúde: desafios e aprendizados. Ciênc Saúde Colet 2009; 14:861-8. e sobre a implementação do Auxílio Emergencial e do Auxílio Brasil, além de possíveis repercussões na redução da pobreza.
A abordagem da teoria do programa apresenta a distinção analítica entre o conjunto de premissas do programa e o processo de sua implementação 2121. Scheirer MA. Program theory and implementaion theory: implications for evaluators. New Dir Program Eval 1987; 33:59-76.. Nesse aspecto, viabiliza avanços explicativos na compreensão de intervenções complexas e intersetoriais, tais como políticas de transferências de renda com condicionalidades nas áreas de saúde e educação. A relação entre a teoria do programa e a teoria da implementação tende a ser um ponto em comum entre muitos autores, além da ênfase na abordagem metodológica das ciências sociais e do foco na dinâmica das relações de causa e efeito ou das chamadas “causações gerativas” 1818. Pawson R, Tilley N. Realistic evaluation. London/Thousand Oaks: SAGE; 1997., entendidas como as mudanças sociais pretendidas e alcançadas pelo programa. O debate sobre a teoria do programa e sua relação com o campo da avaliação, bem como análises acerca da teoria da implementação e o Bolsa Família, pode ser revisto em Bodstein 2222. Bodstein R. O debate sobre avaliação das práticas e estratégias em promoção da saúde. Boletim Técnico do SENAC 2009; 35:6-15., Costa & Magalhães 2323. Costa DM, Magalhães R. Avaliação de programas, estratégias e ações de saúde: um diálogo com o realismo crítico. Saúde Debate 2019; 43(spe 7):189-203.,2424. Costa DM, Magalhães R. Realismo crítico e desigualdades sociais: considerações a partir de uma pesquisa avaliativa. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:1779-88., entre outros.
Neste referencial analítico, há destaque para os processos sociais e a construção de agendas públicas 1919. Potvin L, Gendron S, Bilodeau A. Três posturas ontológicas concernentes à natureza dos programas de saúde: implicações para a avaliação. In: Bosi MLM, Mercado FJ, editors. Avaliação qualitativa de programas de saúde: enfoques emergentes. 3rd Ed. Petrópolis: Editora Vozes; 2013. p. 65-86.. Existe um razoável consenso de que mudanças sociais são induzidas por programas, conforme destacado por Pawson & Tilley 1818. Pawson R, Tilley N. Realistic evaluation. London/Thousand Oaks: SAGE; 1997.. Os resultados de um programa são vistos como contingenciais e, portanto, não são fixos nem totalmente previsíveis, o que implica desenvolver pesquisas avaliativas que considerem a profundidade da realidade social estratificada (dimensão ontológica).
Para este estudo, o material empírico selecionado apresenta dimensões distintas. O Bolsa Família, instituído em 2003, foi objeto de várias pesquisas e esforços investigativos, portanto, seus resultados puderam ser acompanhados, comparados e avaliados. O Auxílio Emergencial, de curta duração, tem mecanismos diversos voltados para mitigação dos efeitos da pandemia. Já o Auxílio Brasil foi criado no fim de 2021 em um contexto de fortes disputas eleitorais e sem uma formulação explícita sobre as mudanças a serem alcançadas e as estratégias avaliativas a serem utilizadas.
O artigo é estruturado em três sessões. Na primeira sessão, apresenta-se uma análise sucinta do debate sobre pobreza e desigualdade social articulada ao enquadramento teórico proposto. A seguir, é apresentado um panorama do Bolsa Família considerando a abordagem da teoria do programa, sua implementação e os principais resultados. Por último, são desenvolvidas reflexões sobre o cuidado à saúde e as desigualdades sociais, considerando-se os desafios pós-pandemia. Nas conclusões, destacam-se a experiência acumulada das análises sobre o Bolsa Família e o que esse aprendizado nos alerta sobre o Auxílio Emergencial e o Auxílio Brasil.
Pobreza e desigualdades sociais: breve aproximação
A pobreza é considerada não como um estado, mas como um fenômeno constituído por múltiplas dimensões objetivas e subjetivas, entrelaçadas às categorias sociais de classe, gênero, raça/etnia e geração, que envolvem diferentes mecanismos, visíveis e invisíveis, gerativos de mudanças ao longo do tempo, não necessariamente de forma linear. No marco do realismo crítico, o mecanismo é compreendido como algo que pode causar efeitos ou fazer alguma coisa acontecer no mundo 2525. Danermark B, Ekström M, Jakobsen L, Karlsson JC. Explaining society: critical realism in the social sciences. Abingdon: Routledge; 2002.. Entende-se que as categorias sociais são constitutivas das estruturas sociais reprodutoras das desigualdades.
Em linhas gerais, o debate sobre pobreza chama atenção para os diferentes fatores que incidem sobre as condições de vida. A renda monetária, apesar das dificuldades para mensuração e geração de consenso que defina “linhas de pobreza”, é considerada um dado relevante, sobretudo nas economias modernas, além de ser um dos principais mecanismos de acesso a bens e serviços que podem afetar as condições de vida.
Para Himmelfarb 2626. Himmelfarb G. La idea de la pobreza: Inglaterra a principios de la época industrial. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica; 1988., a ideia da pobreza é um conceito híbrido: um cruzamento entre aspectos da história social e intelectual. A autora apresenta o conceito relativo de pobreza, destaca a ambiguidade da palavra “pobre” ao longo dos séculos e a transformação da miséria “natural” para uma questão política e um problema social. Esse percurso, marcado pela desnaturalização da pobreza, exigiu novos posicionamentos e múltiplas perspectivas de análise. Os estudos sobre as desigualdades passaram a problematizar as distâncias sociais, os diferentes níveis de riqueza monetária e não monetária, e a examinar os desafios para o avanço de esferas desmercantilizadas e direitos da população. Houve uma reconfiguração do debate sobre o papel dos Estados de bem-estar e das sociedades democráticas na superação da pobreza, renovando o interesse contemporâneo sobre o tema, especialmente pós-década de 1980 2727. Arretche M. Preface. In: Arretche M, editor. The paths of inequality in Brazil: a half-centrury of change. New York: Springer; 2018. p. v-xviii..
As desigualdades sistemáticas ou persistentes, conforme analisa Tilly 2828. Tilly C. Durable inequality. Berkeley: University of California Press; 2009., definem diferentes categorias relacionais, que podem ser criadas, transformadas e até mesmo desaparecer ao longo do tempo. Para a análise das desigualdades, o autor propõe modelos relacionais da vida social, começando pelo entendimento das “transações interpessoais” ou dos “vínculos sociais”. Busca, portanto, compreender os mecanismos causais subjacentes às desigualdades categóricas, os quais operam no domínio da experiência coletiva e da interação social.
No Brasil, as perspectivas teóricas que privilegiam as desigualdades apenas sob a ótica de classe são insuficientes como eixo explicativo 2929. Seyferth G. As ciências sociais no Brasil e a questão racial. In: Lima ACS, Santos MO, Sant'Ana R, editors. O beneplácito da desigualdade: breve digressão sobre o racismo e outros textos sobre questões étnicorraciais. Rio de Janeiro: Editora 7 Letras; 2020. p. 44-64.,3030. Ribeiro CACR, Carvalhaes FC. Estratificação e mobilidade social no Brasil: uma revisão da literatura na sociologia de 2000 a 2018. BIB 2020; (92):1-46.,3131. Carneiro S. Mulheres em movimento: contribuições do feminismo negro. In: Hollanda HB, editor. Pensamento feminista brasileiro formação e contexto. Interseccionalidades: pioneiras de feminismo brasileiro. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo; 2019. p. 257-73.,3232. Ortegal L. Relações raciais no Brasil: colonialidade, dependência e diáspora. Serv Soc Soc 2018; (133):413-31.. Estudos sociológicos têm demonstrado que o aumento de renda e consumo não se traduz em inclusão social e que políticas universais e focais se complementam 3333. Scalon C. Desigualdade, pobreza e políticas públicas: notas para um debate Contemporânea - Revista de Sociologia da UFSCar 2011; (1):49-68.. Por outro lado, pesquisas sobre estratificação e mobilidade social indicam como a formação do mercado de trabalho tem reproduzido e reforçado as desigualdades étnico-raciais e de gênero 3434. Prates I, Lima M, Sousa CJ, Costa GS, Bertolozzi TB. Informativo nº 7 - desigualdades raciais e COVID-19. São Paulo: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento; 2021..
Como aponta Brito 3535. Brito TF. The emergence and popularity of conditional cash transfer in Latin America. In: Barrientos A, Hulme D, editors. Social protection for the poor and poorest: concepts, policies and politics. New York: Palgrave Macmillan; 2008. p. 181-93., desde meados dos anos 1990, uma nova tendência surge na América Latina e pode ser resumida como a provisão de renda monetária para famílias pobres associada a investimentos em capital humano, como a garantia da frequência escolar de crianças e jovens e o acesso a serviços de saúde. Tais estratégias públicas, denominadas como transferências condicionadas de renda, buscaram amenizar situações de privação e pobreza estrutural, fortalecendo o acesso a serviços capazes de romper os circuitos intergeracionais de miséria.
No entanto, desde a década de 1990, a universalização do benefício de transferência de renda versus a focalização, ou seja, a criação de critérios para atingir grupos específicos da população que vivem em condição de pobreza, tem sido um dos principais dilemas das políticas de proteção social 3636. Barr NA. The economics of the welfare state. 3rd Ed. Stanford: Stanford University Press; 1998.. Na defesa da focalização, são empregados argumentos relativos à eficiência e à equidade na utilização de recursos escassos. Mas o mecanismo de focalização, em detrimento da perspectiva da universalização, é questionado, uma vez que os custos administrativos tendem a ser altos e comprometem os gastos com benefícios ampliados, além de solapar a sustentabilidade fiscal da política por meio da fragmentação ou duplicação de benefícios junto à população-alvo.
A pobreza, as desigualdades sociais e as vulnerabilidades apresentam desafios conceituais e metodológicos para a formulação e implementação de políticas públicas. As políticas de transferência de renda podem ser entendidas como uma resposta a esse desafio, no marco do debate sobre proteção social. A transferência direta permite que os beneficiários optem por utilizar o recurso da maneira que lhes for conveniente. Ainda que argumentos sobre o uso “indevido” do recurso sejam destacados em diferentes estudos, de maneira geral, reconhece-se que a iniciativa fomenta atividades produtivas e estimula o mercado 3636. Barr NA. The economics of the welfare state. 3rd Ed. Stanford: Stanford University Press; 1998.. No entanto, estudos indicam que o impacto da transferência de renda sobre a redução da pobreza é pequeno, devido ao baixo valor dos recursos e ao período, às vezes curto, do benefício. Para efeitos mais duradouros, tais análises apontam a necessidade de aumentar o valor do benefício e garantir sua continuidade 3737. Devereux S. Social protection for the poor: lessons from recent international experience. Brigthon: Institute of Development Studies; 2002..
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 assegurou um sistema de proteção social (previdência, assistência e saúde) para todos os cidadãos, garantindo acesso público, universal e gratuito. Contudo, como destacado por Lavinas 3838. Lavinas L. Latin America. Anti-poverty schemes instead of social protection. Berlin: Freie Universität; 2013. (Working Paper, 51)., os gastos sociais tomam a forma de transferências monetárias e a provisão de serviços desmercantilizados segue minoritária e aquém do estabelecido em lei. Logo, o modelo social adotado negligencia mecanismos voltados para a redução das desigualdades. Ainda assim, programas de transferência de renda condicionada inovam no que se refere ao enfrentamento da pobreza.
A teoria do programa Bolsa Família
Na perspectiva da avaliação baseada na teoria do programa, é preciso descrever os objetivos, as atividades e os recursos previstos, além de identificar por meio de quais mecanismos o desenho da intervenção opera ou pretende operar. A comparação entre programas é pertinente, na medida em que possibilita o entendimento sobre a consistência das premissas teóricas que sustentam as diferentes iniciativas e sobre as práticas presentes em cada contexto. Diferentemente da expectativa de que a estrutura lógica do programa apresente uma representação clara dos vínculos causais entre atividades, recursos e resultados, a avaliação baseada na teoria explora ambivalências, controvérsias e inconsistências tanto no desenho normativo do programa como no processo de sua implementação. O contexto local é visto como dimensão analítica constitutiva dos programas, pois ilumina as dinâmicas que envolvem cooperação e conflito de interesses, os quais potencializam ou dificultam o alcance dos objetivos.
Se considerarmos a teoria do programa Bolsa Família, é possível perceber algumas contradições e tensões no que se refere aos efeitos pretendidos e à perspectiva de reduzir as desigualdades. Sabemos que o Bolsa Família inclui na exposição de motivos, presentes na Lei nº 10.836/2004, aspectos centrais: o público-alvo são famílias pobres e extremamente pobres, conforme critérios de renda; ampliação do acesso a políticas universais (educação, saúde e alimentação); combate à fome e à pobreza por meio do atendimento das necessidades básicas e da indução do acesso aos direitos sociais; estabelecimento de condicionalidades, entendidas como mecanismos e contrapartidas sociais 7.
Mas, com base na literatura sobre a teoria do programa, cabe perguntar 3939. Weiss CH. Theory-based evaluation: past, present and future. New Dir Eval 1997; 76:41-55. como é esperado que o programa proporcione mudanças e quais são as mudanças pretendidas. É possível perceber duas diretrizes importantes. Uma foi a adoção de mecanismos voltados à garantia da complementariedade e integralidade (que se pode considerar como uma crítica aos programas anteriores), de modo a romper com a lógica setorial e departamental que pulveriza recursos, sobrepõe ações, gera disputa institucional e fragmentação. A outra diretriz referia-se ao conceito de pobreza como um fenômeno complexo e multidimensional, que não é possível combater de forma duradoura apenas com a transferência de renda. O êxito do Bolsa Família dependeria, portanto, da combinação de ações emergenciais com políticas estruturais, além da conjugação de esforços dos entes da federação e da sociedade civil organizada. Em resumo, a teoria do programa aponta para a articulação entre ações emergenciais (transferência de renda) e políticas estruturais, conduzindo à redução da pobreza e da fome. A mudança social pretendida refere-se à inclusão das famílias beneficiárias nos serviços e nas políticas de saúde, educação e assistência social.
O Bolsa Família faz uso de fatores de vulnerabilidade e os vincula às contrapartidas sociais das famílias, vistas como “alternativas concretas para sua emancipação socioeconômica”. Além das condicionalidades, enfatizam-se os programas complementares, que incluem ações nas áreas de capacitação e microcrédito a serem implementadas em articulação com os entes federativos.
O principal alvo de mudança é o combate à fome e à pobreza, considerada em sua multidimensionalidade. A fome foi vista não só como consequência da pobreza, mas como resultado de políticas públicas inadequadas e/ou desarticuladas nas áreas de saúde, educação e assistência social. Tornar mensurável e visível o grau de insegurança alimentar requer, por sua vez, um conjunto de ações intersetoriais de modo a prover alimentação, inclusive em escolas e creches, e acompanhar o desenvolvimento infantil. Por outro lado, a transferência de renda em si não significa adesão às mudanças almejadas, o que exige contrapartidas. As famílias foram induzidas a cumprir uma agenda de acompanhamento junto à rede de serviços preestabelecida, mas não necessariamente preexistente. Essa adesão também envolveu gestores e profissionais atuando de maneira intersetorial. O alcance das mudanças pretendidas passava pelas famílias, e as mulheres (e mães) foram reconhecidas como as principais responsáveis pelos cuidados e pela tarefa de conversão da renda em bem-estar.
A escolha do benefício financeiro em nome das mulheres reproduz uma tendência internacional, seja pelo reconhecimento do número, cada vez maior, de mulheres chefes de família, sobretudo entre as mais pobres; seja pela divisão sexual do trabalho, que acarreta dupla jornada para as mulheres; ou, ainda, porque as mulheres, ao cuidar dos filhos e da unidade doméstica, encontram mais dificuldades para inserção no mercado laboral. Outros fatores também podem ser elencados, como a violência doméstica e a discriminação de gênero, que contribuem para tornar as mulheres mais vulneráveis. Assim, atribuir-lhes a titularidade do benefício pode ser visto, na lógica da teoria do programa, como um mecanismo mais eficaz de controle do Estado sobre o cumprimento das condicionalidades. Ao se tornarem titulares, em alguma medida, elas passam a ser responsáveis pela administração financeira dos recursos, mas, por outro lado, também são as principais responsabilizadas pelo cumprimento das contrapartidas, o que reforça as desigualdades de gênero.
A transferência de renda condicionada no âmbito do Bolsa Família impôs mudanças em múltiplos níveis, uma vez que envolveu o cumprimento de condicionalidades nos setores da saúde e da educação e, pode-se afirmar, exigiu a coordenação de ações com os outros componentes do programa e o desenvolvimento de uma rede intersetorial. Na origem do Bolsa Família, o objetivo da focalização resultou em um melhor registro das famílias pobres e extremamente pobres e, por conseguinte, na disponibilização de informações mais precisas no CadÚnico. Para melhor integração do sistema de proteção social, o programa previu que a implementação deveria ocorrer de forma descentralizada e intersetorial. Um aspecto-chave foi a elaboração, no ano de 2004, da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e, em 2005, da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social (NOB/SUAS). Posteriormente, em 2008, foi criado o Sistema de Condicionalidades 4040. Baddini C, Viana IAV. Mecanismos de coordenação no Bolsa Família: a importância da estratégia de implementação. In: Viana IAV, Kawauchi M, Barbosa TV, editors. Bolsa Família 15 anos (2003-2018). Brasília: Escola Nacional de Administração Pública; 2018. p. 57-78..
Algumas fragilidades persistiram. Os programas complementares vinculados ao Bolsa Família e voltados para o desenvolvimento de capacidades laborais careciam de coordenação institucional e prioridade política em sua implementação 3838. Lavinas L. Latin America. Anti-poverty schemes instead of social protection. Berlin: Freie Universität; 2013. (Working Paper, 51).. Com o propósito de superar tais vulnerabilidades, foi elaborado o Plano Brasil Sem Miséria (2011) e instituída a Secretaria Extraordinária para a Superação da Extrema Pobreza (SESEP), responsável pelas atividades de coordenação.
Uma síntese da teoria do programa Bolsa Família é apresentada na Figura 1 4141. Weiss CH. Understanding the program. In: Weiss CH, editor. Evaluation. 2nd Ed. New Jersey: Prentice-Hall; 1988. p. 46-71..
Apesar das desigualdades socioeconômicas entre regiões, comunidades e grupos populacionais, a partir de 1990 o sistema de saúde brasileiro conquistou de maneira incremental maior cobertura e abrangência no cuidado em saúde 4242. Dourado I, Medina MG, Aquino R. The effect of the Family Health Strategy on usual source of care in Brazil: data from the 2013 National Health Survey (PNS 2013). Int J Equity Health 2016; 15:151.. A Estratégia Saúde da Família (ESF) aumentou a disponibilidade, o acesso e o uso dos serviços de saúde, ao mesmo tempo que produziu melhores indicadores de saúde. Contudo, as desigualdades aumentaram em termos de barreiras de acesso, especialmente entre os indivíduos com menor renda, baixo nível de escolaridade e sem emprego formal 4343. Mullachery P, Silver D, Macinko J. Changes in health care inequity in Brazil between 2008 and 2013. Int J Equity Health 2016; 15:140..
A associação entre a ESF e o Bolsa Família viabilizou dispositivos novos para alcançar os mais pobres, mas, ainda assim, persistiram dificuldades, seja em termos do alcance da transferência de renda, do acesso aos serviços básicos de saúde ou de ambos. A condição de saúde das populações pode ser uma boa medida para compreender as desigualdades em um país. Sob esse aspecto, no Brasil, os avanços sociais não têm sido realizados de forma equânime, motivo pelo qual é relevante observar como o Bolsa Família e demais programas sociais contribuem não só para a melhoria da saúde, mas também para a redução das desigualdades 4444. Marmot M. Brazil: rapid progress and the challenge of inequality. Int J Equity Health 2016; 15:177..
Apesar das evidências sobre os efeitos positivos da ESF, alguns desafios permanecem. Entre as principais razões explicativas, destacam-se o baixo número de profissionais, os constrangimentos orçamentários municipais e a infraestrutura precária. Contudo, em estudo que analisou sua expansão e cobertura nos municípios brasileiros, entre 1998 e 2012, os impactos positivos sugerem a melhoria dos sistemas locais de saúde 4545. Andrade MV, Coelho AQ, Xavier Neto M, Carvalho LR, Atun R, Castro MC. Brazil's Family Health Strategy: factors associated with programme uptake and coverage expansion over 15 years (1998-2012). Health Policy Plan 2018; 33:368-80.. Ao fazer uso da transferência condicionada de renda como uma proxy para medição da pobreza nos municípios, a pesquisa identificou um aumento de 22% (2004) para 36% (2012) na cobertura do Bolsa Família. Apesar da heterogeneidade e dos distintos padrões de cobertura entre os municípios, os resultados da pesquisa indicam que os municípios com alta cobertura do Bolsa Família demandam mais programas sociais. Com a ESF, outros benefícios são disponibilizados, mas os municípios mais pobres muitas vezes contam somente com a atenção primária pública.
O acesso à saúde é considerado um dos principais mecanismos para a quebra do ciclo intergeracional de pobreza, seja porque a desnutrição acarreta impactos concretos e severos para o desenvolvimento infantil, seja porque a ausência de cuidados primários em saúde pode produzir consequências irredutíveis ao longo do ciclo de vida. Esses e outros aspectos reforçam a importância e os efeitos potencializadores da articulação entre o Bolsa Família e a ESF, uma vez que, em muitos municípios, a política de transferência condicionada de renda encontra, na ESF, os mecanismos para o cumprimento da condicionalidade de saúde e para a melhoria das condições de saúde da população beneficiária.
A atenção para os índices de insegurança alimentar, para a cobertura vacinal e para os cuidados básicos com gestantes, nutrizes, crianças e adolescentes é prática já existente na política de saúde, mas passou a ser objeto de monitoramento em articulação com a política de redução da pobreza 4646. Ichihara MYI, Ramos DO, Nery JSP, Pescarini J, Machado D, Alves FJ, et al. Programa de Transferência de Renda Condicionada e seus efeitos na saúde: impactos do Programa Bolsa Família. In: Viana IAV, Kawauchi M, Barbosa TV, editors. Bolsa Família 15 anos (2003-2018). Brasília: Escola Nacional de Administração Pública; 2018. p. 315-38.,4747. Lindelow M, Godevi E, Proença R, Osorio R. Evaluating the impact of Bolsa Familia on health outcomes: a critical review. In: Viana IAV, Kawauchi M, Barbosa TV, editors. Bolsa Família 15 anos (2003-2018). Brasília: Escola Nacional de Administração Pública; 2018. p. 293-314..
Conforme estudo recente, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) tradicional, do período de 2001 a 2015, e na PNAD Contínua, de 2016 e 2017 4848. Souza PHGF, Osorio RG, Paiva LH, Soares S. Os efeitos do Programa Bolsa Família sobre a pobreza e a desigualdade: um balanço dos primeiros quinze anos. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; 2019., 70% dos recursos do Bolsa Família alcançaram 20% dos mais pobres. Apesar do pequeno orçamento (0,5% do produto interno bruto - PIB) e da limitada participação na renda total das famílias da PNAD (0,7%), os mesmos autores afirmam que o programa teve um impacto relevante: suas transferências reduziram a pobreza em 15% e a extrema pobreza em 25%.
No que se refere à teoria do programa Bolsa Família, a transferência de renda condicionada apresentou consistência em um contexto em que a saúde pública, por intermédio da expansão da cobertura da ESF, potencializou os efeitos pretendidos, embora seja questionável tratar um direito como uma contrapartida social. Por outro lado, a expansão dos programas voltados para a autonomia das famílias parece ter sido o grande problema do Bolsa Família: se o baixo valor do benefício, associado às demais políticas, contribui para reduzir a pobreza e a pobreza extrema, o mesmo não ocorre para que essas famílias tenham condições de acessar o mundo do trabalho e, consequentemente, garantir a sustentabilidade dos esforços para superação da vulnerabilidade social.
Alguns desafios relativos às políticas de proteção permanecem: a financeirização das políticas sociais e o consequente subfinanciamento das políticas de saúde 4949. Lavinas L. 21st century welfare. New Left Rev 2013; 84:5-40.; o tímido efeito redistributivo devido ao baixo valor do benefício 4747. Lindelow M, Godevi E, Proença R, Osorio R. Evaluating the impact of Bolsa Familia on health outcomes: a critical review. In: Viana IAV, Kawauchi M, Barbosa TV, editors. Bolsa Família 15 anos (2003-2018). Brasília: Escola Nacional de Administração Pública; 2018. p. 293-314.; e a elevação acelerada da pobreza conjugada à desestruturação do mundo do trabalho. Um fator-chave se refere às particularidades da dinâmica da geração de renda entre as famílias pobres e extremamente pobres, isto é, a renda volátil e a inserção instável no mundo do trabalho, formal e informal 4747. Lindelow M, Godevi E, Proença R, Osorio R. Evaluating the impact of Bolsa Familia on health outcomes: a critical review. In: Viana IAV, Kawauchi M, Barbosa TV, editors. Bolsa Família 15 anos (2003-2018). Brasília: Escola Nacional de Administração Pública; 2018. p. 293-314.,4949. Lavinas L. 21st century welfare. New Left Rev 2013; 84:5-40.,5050. Abramo L, Cecchini S. Presente y futuro de las transferencias monetarias para la superación de la pobreza frente a los desafíos de inclusión social y laboral. In: Viana IAV, Kawauchi M, Barbosa TV, editors Bolsa Família 15 anos (2003-2018). Brasília: Escola Nacional de Administração Pública; 2018. p. 507-30..
Auxílio Emergencial e Auxílio Brasil: mudanças e continuidades no contexto de desigualdades ampliadas
Medidas de transferência de renda podem ser vistas como uma estratégia epidemiológica efetiva, considerando o contexto da pandemia de COVID-19 e seus múltiplos e sistêmicos efeitos 1515. Cardoso DF, Domingues E, Magalhães A, Simonato T, Miyajima D. Pandemia de COVID-19 e famílias: impactos da crise e da renda básica emergencial. Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise 2021; (28):539-60.. Segundo as diferentes normativas publicadas, no Auxílio Emergencial, eram elegíveis ao recebimento pessoas maiores de 18 anos, com renda de até meio salário mínimo per capita ou renda familiar de até três salários mínimos, limitado a duas cotas por família, sendo que as mulheres provedoras de famílias monoparentais podiam receber duas cotas do auxílio. À exclusão do Bolsa Família, o indivíduo não poderia ter benefício previdenciário ou assistencial 5151. Ribeiro-Silva RC, Pereira M, Campello T, Aragão É, Guimarães JMM, Ferreira AJ, et al. Implicações da pandemia COVID-19 para a segurança alimentar e nutricional no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:3421-30.. Análises do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) 3434. Prates I, Lima M, Sousa CJ, Costa GS, Bertolozzi TB. Informativo nº 7 - desigualdades raciais e COVID-19. São Paulo: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento; 2021. informaram que 10,6 milhões de brasileiros (5% da população do país) não tinham renda e dependiam apenas do Auxílio Emergencial - destes, 67% eram negros.
Ao definir certos grupos sociais como elegíveis, torna-se relevante considerar a heterogeneidade da inserção e das condições de vida dos trabalhadores no mercado de trabalho. As condições precárias de habitação, saneamento, infraestrutura e transporte geraram consequências diretas sobre o isolamento físico e, associadas aos protocolos sanitários, colocaram em xeque as medidas a serem seguidas durante os diferentes momentos da pandemia.
A teoria do programa Bolsa Família indica que ações emergenciais devem estar combinadas com políticas estruturais, fundamentadas na articulação de entes federativos e da sociedade civil, além das condicionalidades, o que não ocorreu no benefício do Auxílio Emergencial. A política de saúde durante a emergência sanitária de combate à COVID-19 não se vinculou diretamente ao benefício. Por exemplo, a ausência de testes gratuitos para detecção do vírus e de diretrizes específicas no âmbito da ESF pode ter contribuído para aumentar a dificuldade de inserção e permanência dos/as trabalhadores/as no mercado de trabalho, o que foi agravado com o atraso da imunização e, até mesmo, sua desvinculação ao recebimento do auxílio.
Por outro lado, estudos indicam que a união com organizações da sociedade civil permitiu mitigar alguns efeitos oriundos da baixa articulação intersetorial. Se o impacto do Auxílio Emergencial não se relaciona diretamente com a saúde, mas com economia, consumo e emprego 5151. Ribeiro-Silva RC, Pereira M, Campello T, Aragão É, Guimarães JMM, Ferreira AJ, et al. Implicações da pandemia COVID-19 para a segurança alimentar e nutricional no Brasil. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:3421-30., cabe aprofundar a análise dos seus efeitos considerando a dimensão de raça, a dupla jornada de trabalho que recai sobre as mulheres, as implicações do isolamento físico e social sobre a saúde mental e os cuidados a serem ofertados dados os efeitos do pós-COVID-19 entre aqueles que foram infectados ou que perderam membros da família, muitos deles responsáveis pelo sustento econômico.
Vale ainda investigar as consequências da COVID-19 em termos epidemiológicos sobre a população, em uma abordagem interseccional, bem como os ensaios clínicos que abordam especificamente essa temática, e a capacidade de a rede de atenção primária absorver novas demandas dos efeitos da doença a longo prazo. Desde 2016, já era observado um declínio nas taxas de imunização e nos níveis de cobertura contra o sarampo e outras doenças 5252. Blofield M, Hoffmann B. Social policy responses to the COVID-19 crisis and the road ahead. GIGA Focus 2020; (7):1-9.. Apesar do reconhecimento do efeito disruptivo da COVID-19 sobre a saúde e os serviços, as medidas de austeridade fiscal também geraram impactos negativos sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). O subfinanciamento de uma política universal de saúde gera, em curto prazo, aumento das desigualdades sociais.
O contexto em que a transição entre o Bolsa Família, o Auxílio Emergencial e o Auxílio Brasil ocorreu ainda requer análises aprofundadas. Na abordagem da teoria do programa, o panorama local é um aspecto-chave para a compreensão das configurações contexto-mecanismo-resultado 1818. Pawson R, Tilley N. Realistic evaluation. London/Thousand Oaks: SAGE; 1997.,5353. Werneck GL. Long-term mass population effects of the COVID-19 pandemic: a long way to go. Cad Saúde Pública 2022; 38:e00115222.. O contexto em que foi implementado o Auxílio Brasil é central para refletir sobre as mudanças sociais pretendidas e alcançadas. Contexto, compreendido como um conjunto irredutível de fatores que influenciam quando e como uma intervenção é implementada e os mecanismos disparados na realidade local 1818. Pawson R, Tilley N. Realistic evaluation. London/Thousand Oaks: SAGE; 1997., merece análises consistentes. Reconhecer os contextos sociais como dinâmicos, contingentes e não lineares é uma condição fundamental para compreender os alcances e limites das ações e dos programas 5454. Greenhalgh J, Manzano A. Understanding 'context' in realist evaluation and synthesis. Int J Soc Res Methodol 2022; 25:583-95..
As mudanças pretendidas pelo Auxílio Brasil não estão circunscritas às políticas de bem-estar social ou aos projetos de redução das desigualdades sociais, mas dizem respeito a concepções mais amplas sobre a dinâmica dos processos sociais em que alguns elementos (símbolos, ideologias, rituais e narrativas) ganharam destaque em meio às disputas políticas e partidárias no cenário brasileiro recente.
O uso de símbolos nacionalistas, como a bandeira brasileira e a referência permanente à ideia de pátria, expressam uma tendência à homogeneização e naturalização do processo de compartilhamento de significados, o que pode obscurecer a multiplicidade constitutiva da sociedade. Ao mesmo tempo, a valorização da noção de auxílio, como algo mais fluido, transitório e distanciado da linguagem dos direitos sociais de cidadania, tende a revelar um ambiente desafiador para a construção de políticas públicas equitativas. Ademais, procede-se a uma ruptura simbólica com o nome do Bolsa Família e, por contraste, a uma identificação com o Auxílio Emergencial, passando a ideia de continuidade com a transferência de renda implementada durante a pandemia e reafirmando a concepção de que se trata de um benefício eventual e dissociado de uma perspectiva de longo prazo.
O Auxílio Brasil também é marcado pela ausência de estratégias de diálogo com a sociedade civil organizada. Maria Emília Pacheco, em entrevista ao Instituto Humanitas Unisinos 5555. Santos JV. O retorno da fome ao Brasil está no centro de interesses econômicos e políticos. Entrevista especial com Maria Emília Lisboa Pacheco. https://www.ihu.unisinos.br/categorias/159-entrevistas/608687-o-retorno-da-fome-ao-brasil-esta-no-centro-de-interesses-economicos-e-politicos-entrevista-especial-com-maria-emilia-lisboa-pacheco (accessed on 10/Nov/2022).
https://www.ihu.unisinos.br/categorias/1... , aponta as principais críticas ao programa e chama a atenção para a nota da Ordem dos Advogados do Brasil (sobre a mudança de lei acerca dos precatórios, origem do recurso do programa) e para a carta aberta pela rejeição da Medida Provisória nº 161, assinada por centenas de entidades da sociedade civil. Ela ressalta o desmonte do sistema de proteção social do país, a negação das experiências acumuladas pelo Bolsa Família e pelo Programa de Aquisição de Alimentos, além da visão neoliberal que orienta as políticas em curso. As lições aprendidas com programas de transferência de renda anteriores no país e no mundo não são valorizadas e estratégias avaliativas não são incorporadas, dificultando análises futuras sobre as evidências de efetividade das ações.
Na teoria do programa, o Auxílio Brasil indica a integração das políticas públicas (assistência social, saúde, educação, emprego e renda) como uma mudança pretendida, tal como ocorreu no Bolsa Família. Os critérios de inserção no Auxílio Brasil são semelhantes aos do Bolsa Família, contudo, é dado destaque à “simplificação da cesta de benefícios” para emancipação das famílias, alcance da autonomia e superação da vulnerabilidade social. Esses aspectos estavam fortemente presentes na teoria do programa Bolsa Família e constituíram os principais desafios do processo de implementação. A teoria do Auxílio Brasil permanece priorizando as mulheres gestantes e nutrizes, tal como no Bolsa Família, porém a fundamentação é diferente: em vez do reconhecimento do aumento de famílias monoparentais e das dificuldades vividas pelas mulheres chefes de família, o benefício pode ser visto como uma “compensação” por essa condição. O público-alvo, como o Bolsa Família, também é formado por crianças e adolescentes e é proposto que o benefício financeiro Auxílio Criança Cidadã possa ser utilizado para ampliar a “oferta do atendimento de crianças em creches”, em uma indução do seu uso para pagamento de creches privadas. O baixo acesso à educação básica e às creches públicas não é considerado, o que limita a inclusão produtiva, bem como sua articulação com as políticas de educação e sua expansão, sabendo-se que mulheres com crianças (especialmente na primeira infância) enfrentam maiores dificuldades para inserção no mercado de trabalho. O estímulo ao desempenho “científico e tecnológico de excelência” de crianças, adolescentes e jovens também é uma medida pretendida pelo Auxílio Brasil a partir de benefícios específicos. No entanto, não há clareza na teoria do programa sobre como essa mudança será alcançada. As famílias com direito ao benefício Auxílio Criança Cidadã são aquelas em situação de pobreza (renda familiar mensal per capita entre R$ 105,01 e R$ 210,00) e extrema pobreza (renda familiar mensal per capita de até R$ 105,00) e em “regra de emancipação” 5656. Ministério da Cidadania. Guia para gestão de condicionalidades do programa Auxílio Brasil. Brasília: Ministério da Cidadania; 2022.. Tal como intitulado no Auxílio Brasil, existe uma “cesta raiz” composta por um conjunto de benefícios, descritos no Quadro 1, que podem ser acumulados.
Ainda que exista um razoável consenso de que a transferência de renda, a melhoria do consumo e o acesso a serviços são cruciais para a superação da pobreza, a capacidade para lidar com vulnerabilidades é extremamente mais complexa e impõe rever o foco e a abrangência das diferentes iniciativas públicas. O cotidiano das famílias e dos indivíduos pobres revela uma adaptação estrutural e de longa duração às mais distintas formas de privação material e simbólica. A transferência de renda, nesse aspecto, deve ser analisada como uma resposta parcial aos desafios da vulnerabilidade social. A questão prioritária passa a ser como desenhar políticas e programas que apoiem os diferentes grupos vulneráveis e diminuam riscos e, concomitantemente, repensar como tais contextos de miséria surgem e se mantêm ao longo de décadas. A pobreza crônica pode envolver indivíduos doentes, com diferentes deficiências, grupos discriminados por raça/cor ou gênero, sujeitos à violência doméstica, migrantes e desempregados de longa duração. Um leque mais amplo de estratégias de proteção social implica reconhecer múltiplas situações de vulnerabilidade não necessariamente amenizadas pela transferência de renda. Para Ricardo Barros, em entrevista ao jornal O Globo5757. Almeida C. 'Estado se afastou dos pobres', diz o criador do Bolsa Família. O Globo 2022; 28 sep. https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2022/09/estado-se-afastou-dos-pobres-diz-o-criador-do-bolsa-familia.ghtml.
https://oglobo.globo.com/economia/notici... , o Auxílio Emergencial e o Auxílio Brasil têm um déficit de informação. De acordo com o pesquisador e um dos formuladores do Bolsa Família, é crucial reconhecer o sucateamento do CadÚnico e o afastamento dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) dos grupos mais vulneráveis. Com isso, foi perdida a possibilidade de compreender a multidimensionalidade da pobreza e as diferentes necessidades das famílias pobres.
Como analisado anteriormente, o país necessita de programas de transferência monetária e, ainda mais, da perspectiva de associação do benefício a contrapartidas sociais que estimulem o aumento da escolaridade, a inserção produtiva e o acesso a serviços de saúde. Ações coletivas voltadas a direitos dos trabalhadores, ampliação do microcrédito, investimentos massivos em educação e saúde e estratégias contra discriminação podem transformar o quadro de miséria de maneira permanente e abrangente 5858. Sabates-Wheeler R, Devereux S. Transformative social protection: the currency of social justice. In: Barrientos A, Hulme D, editors. Social protection for the poor and the poorest: concepts, policies and politics. New York: Palgrave Macmillan; 2008. p. 64-84..
As pesquisas em avaliação e especialmente aquelas informadas pela teoria do programa podem ocupar um lugar central no desenvolvimento das políticas de transferência condicionada de renda. Nesse aspecto, percebe-se que, além da pulverização de recursos sem um fio condutor claro para a política, não está previsto nenhum recurso para a avaliação da efetividade das ações. Ter como objeto de avaliação tais intervenções exige uma pergunta investigativa sobre a natureza (ou ontologia) dos programas, o que requer conceituações e conhecimento sobre a concepção e execução de ações ou intervenções a serem implementadas nos determinados contextos sociais. O Bolsa Família foi objeto, ao longo de 18 anos, de diferentes pesquisas avaliativas. Acertos e erros foram debatidos com base em evidências. O Auxílio Brasil, ao não prever a avaliação de seus alcances e limites, deixa de contribuir para o aprendizado em torno da problemática do combate à pobreza no país.
Conclusões
Programas de transferência condicionada de renda são estratégias públicas inseridas em contextos sociais. Constituem-se iniciativas complexas que não se resumem a um conjunto de componentes ou práticas isoladas. Além de estabelecer associações entre a intervenção e os resultados efetivos, a avaliação dos programas baseada na teoria busca favorecer o processo de aprendizagem, a formulação de novas hipóteses e a produção de conhecimento sobre a natureza complexa das intervenções públicas. Parâmetros econométricos e baseados na perspectiva da causação linear não contribuem para a compreensão de possíveis evidências de efetividade de ações multiníveis. Confrontar as teorias dos programas e os respectivos processos de implementação tensiona a visão racionalista das políticas públicas e permite analisar a consistência do desenho normativo e os desafios do cenário local nos quais mecanismos são disparados, barreiras são enfrentadas e diferentes arranjos de poder emergem. Já a avaliação baseada no modelo experimental produz a descrição dos resultados, mas não esclarece como os programas operam.
A pesquisa avaliativa baseada na teoria 1818. Pawson R, Tilley N. Realistic evaluation. London/Thousand Oaks: SAGE; 1997. propõe responder às seguintes questões: quais são os mecanismos para a mudança desencadeados pelo programa? E como esses mecanismos neutralizam ou potencializam os processos sociais existentes no contexto local? Nessa direção, é preciso reconhecer que os resultados dos programas e das políticas públicas se dão em sistemas abertos, ou seja, há redesenho das normativas do programa durante a implementação e a relação entre mecanismos e efeitos é contingente.
No que se refere às políticas de transferência condicionada de renda, as estratégias de investimento público, de renovação dos equipamentos coletivos e de melhoria do acesso à educação, saúde e assistência social devem estar associadas ao olhar atento para os percursos biográficos dos indivíduos pauperizados. A construção de critérios mais robustos de repartição de bens e serviços diante da diversidade das condições iniciais dos indivíduos tende a ser uma garantia de maior equidade 5959. Fitoussi JP, Rosanvallon P. Le nouvel âge des inégalités. Paris: Seuil; 1998..
Ao mesmo tempo, a introdução de contrapartidas sociais associadas ao benefício monetário pode romper com a falsa oposição entre programas universalizantes e focalizados em contextos de pobreza extrema. O Bolsa Família contribuiu para avanços na cobertura da ESF, para a intersetorialidade e para a descentralização das intervenções públicas contra a miséria. A teoria do programa Auxílio Brasil reflete um olhar sobre a pobreza atravessado pela perspectiva de ganhos eleitorais ao negligenciar o aprendizado institucional prévio e não apresentar garantias sólidas de sustentabilidade.
Com base na literatura sobre a teoria do programa e em autores que examinam as desigualdades sociais em saúde, o Bolsa Família contribuiu para reduzir a pobreza e a pobreza extrema, bem como viabilizou, por intermédio de diferentes mecanismos, maior alcance das políticas de proteção social. Nesse sentido, ao contar com uma teoria do programa bem-sucedida e testada em estudos avaliativos, a transferência de renda condicionada permanece como um mecanismo gerativo capaz de produzir mudanças.
Investigar o Auxílio Brasil, sob a abordagem da teoria do programa, nos alerta para as fragilidades de sua concepção e implementação e para as limitações de enfrentamento das desigualdades duráveis e daquelas que emergem de novo contexto de urgência, podendo se tornar permanentes. Da mesma forma, propostas que estão no horizonte, voltadas para uma renda básica universal, também poderiam se beneficiar das análises realizadas sobre o Bolsa Família.
Cabe sublinhar a importância de uma agenda de pesquisa sobre os efeitos do Auxílio Emergencial e do Auxílio Brasil na articulação com outros programas de proteção social e, em especial, com a ESF. A investigação e a análise dos processos de implementação de ações permitem examinar os pontos de contato e de afastamento entre discursos e estratégias que buscam associar o debate sobre riscos, vulnerabilidades e direitos humanos no que se refere à proteção social.
O artigo foi finalizado e revisado na transição do Governo Federal, com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a presidência do Brasil de 2023 a 2026. O debate sobre garantia de orçamento para o programa de transferência de renda teve grande destaque no período, reafirmando a importância do tema na agenda pública. Certamente, haverá mudanças substantivas na execução dos programas de proteção social e, especialmente, de transferência condicionada de renda. Esperamos que a avaliação ocupe um lugar central nessa agenda.
Agradecimentos
Agradecemos as contribuições dos participantes do Seminário Temático Pobreza e Desigualdades no Brasil Contemporâneo: Transformações, Desarticulações e Estratégias de Enfrentamento, no 46º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
17 Jul 2023 - Data do Fascículo
2023
Histórico
- Recebido
06 Nov 2022 - Revisado
21 Mar 2023 - Aceito
23 Mar 2023