A obra se estrutura em três partes que correspondem a diferentes níveis de aproximação à cultura moral. A primeira parte oferece uma revisão do conceito de cultura moral a partir de diferentes perspectivas. Em “Por que falar da cultura moral”? (capítulo 1), situa-se a atualidade e relevância do conceito dentro das instituições educativas; caracteriza-se e define-se como “uma qualidade global das instituições complexas que resulta do seu sistema de práticas educativas e do mundo de valores que criam”11 . Puig Rovira JM, Doménech I, Gijón M, Martíns X, Rubio L, Trilla J, organizadores. Cultura moral y educación. Barcelona: Editorial Graó; 2012. (p. 34).
Isto é, a cultura moral é um sistema de práticas que concretizam um mundo de valores que se traduz em princípios e intencionalidades que levam as crianças a vivenciar práticas concretas que configuram uma experiência formativa.
Em “A cultura moral na pedagogia escolar contemporânea” (capítulo 2), procede-se a uma revisão histórica do conceito a partir da análise de quatro pedagogias contemporâneas: a chamada pedagogia tradicional e três pedagogias lideradas por três grandes autores, que fizeram frente à cultura moral dominante até o momento. São eles: Neil, que sublinhou a liberdade individual; Makarenko, que impulsionou a coletividade, e Freinet, que desenvolveu uma pedagogia caracterizada pelo equilíbrio entre individualização e cooperação. No capítulo 3, “Teorias sobre a cultura moral”, expõe-se a diferenciação entre clima e cultura das organizações, e se apresentam contributos teórico-práticos de autores que já têm se aproximado do conceito da cultura moral aplicado às instituições educativas mas com três enfoques diferentes: Kohlberg, que enfatiza o meio escolar e sua estrutura organizativa como ambientes privilegiados para que seus membros deem sentido aos princípios de justiça e comunidade; Jackson, Boostron e Hasen, que defendem a instituição educativa como agente formativo com valor próprio, enfatizando segmentos de observação microscópicos da prática moral nas aulas a partir da vivência do ambiente e do clima; e Thomas Lickona, que sublinha de que modo a cultura moral de uma escola forma o caráter de seus membros a partir de maneiras de atuar e, por isso, analisa as coisas que acontecem e que se fazem numa escola ou centro educativo.
O novo olhar dos autores desta obra quanto à cultura moral, pretende ir mais além do que considerar o conjunto de valores que um grupo compartilha. Procura entrar naquilo que se faz e se vivencia nas instituições, sendo necessário identificar e analisar a complexidade do sistema de práticas educativas que os materializam e sistematizam, a partir da intencionalidade que as gera e sustenta o mundo de valores que constrói. É no capítulo 4 (“A cultura moral como sistema de práticas e mundo de valores”) que nos adentramos numa das maiores contribuições desta obra. Aí se procura deixar de lado a intuição para configurar um significado ativo da cultura moral. Para se desprender da intuição do que é a cultura moral até a configuração de um significado ativo, os autores nos propõem que tomemos consciência de quatro elementos: O primeiro é a complexidade institucional, que nos submerge em conjuntos de múltiplas propostas formativas quotidianas (disposições, ações pontuais e atividades) idealizadas para ensinar conhecimento e convivência que confirmam valores. Esta complexidade se materializa em um mapa de práticas educativas que se levam a cabo e, portanto, é necessário entender o conceito de prática como unidade de observação do que acontece na vida das instituições e analisar tal universo de práticas a partir de seus diferentes níveis (pessoal, transversal, curricular e institucional), constituindo um conjunto entrelaçado de práticas (sistema). Além disso, entender a configuração do mundo de valores a partir das práticas nos convida a vivenciar e nos ajuda a configurar um sentido e a linha de valor que os conecta com o sentido da instituição impulsionando a comunidade, a democracia. E, por último, a cultura moral na comunidade de práticas é maior que as ideias, a cultura e o clima relacional.
Na segunda parte, os autores propõem um sistema de boas práticas que geram um mundo de valores ótimo e desejável. Em concreto, trata-se de quatro níveis de práticas que enchem a instituição de sentido e identidade, práticas que cristalizam dentro de um mundo de valores. “Relação e encontros face a face” (capítulo 5) constitui o nível mais íntimo das relações interpessoais. Estas micropráticas, definidas como células ou átomos da cultura moral, centradas no encontro entre educador e educandos, constituem uma via que exalta o valor de reconhecimento, as demonstrações de afeto e cuidado e a regulação da convivência. O capítulo 6 (“Normas, rotinas e ocasiões”) aborda o nível transversal onde são reguladas as condutas, e acompanha-se a construção de uma forma de convivência e relação. A definição destes mecanismos, sua finalidade e aplicação, bem como sua utilidade, geram um mundo de relações, entre educadores e estudantes, de alta intensidade para a educação em valores. Em “As tarefas e as turmas” (capítulo 7), apresenta-se o nível curricular que designa tudo aquilo que se articula no processo de ensino e aprendizagem. O grupo-turma como situação de aquisição de conteúdos e valores onde a planificação das tarefas, como unidades básicas, configura cenários curriculares e específicos como a assembleia (de turma ou de escola). O capítulo 8 (“As atividades complexas”) recapitula o nível macro, cuja máxima consiste em favorecer a vida social e escolar do centro que tem a ver com as relações interpessoais, o autoconhecimento, o diálogo, e a cooperação, atividades que configuram o meio educativo e sua cultura. Tomar consciência da sistematização destas práticas e da sua transcendência permite às equipes educativas melhorar e proteger uma cultura moral mais consciente, democrática e participativa.
A terceira parte fecha a obra com um avanço para a avaliação e maximização da cultura moral. O capítulo 9 (“Valorização da cultura moral”) apresenta as possibilidades e alguns procedimentos para avaliar a cultura moral a partir da sistematização e representação gráfica da diversidade de práticas morais que confluem numa instituição e os valores que nela estão sedimentados. Esta avaliação traz às equipes de educadores informações muito valiosas, não só quanto ao número de práticas, mas, também, quanto à sua repetição (variedade e redundância), sua complexidade e sequência. Medir a intencionalidade e o valor atribuído às práticas, assim como o grau de satisfação, supõe, para os centros, uma possibilidade de avaliação interna e de inovação educativa. O último capítulo “Como melhorar a cultura moral dos centros educativos?” (capítulo 10) descreve um procedimento para avaliar, otimizar e inovar a cultura moral dos centros educativos, a partir do reconhecimento destes como organização ativa em sua reflexão sobre a prática pedagógica e como reconstruí-la.
Grande exercício de investigação realizado a partir da imersão no quotidiano dos centros educativos, esta obra apresenta, como resultado, uma reconstrução conceptual e prática do constructo cultura moral. Mas, sobretudo, supõe um aporte novo para a profissionalização e prática reflexiva no oficio de educar22 . Perrenoud P. Développer la pratique réflexive dans le métier d’enseignant. Professionalisation et raison pédagogique. Paris: ESF Éditeur; 2001., a partir de um olhar introspectivo nas práticas quotidianas, a densidade de seu universo de valores e sua otimização para a formação das pessoas.
Referências
- 1Puig Rovira JM, Doménech I, Gijón M, Martíns X, Rubio L, Trilla J, organizadores. Cultura moral y educación. Barcelona: Editorial Graó; 2012.
- 2Perrenoud P. Développer la pratique réflexive dans le métier d’enseignant. Professionalisation et raison pédagogique. Paris: ESF Éditeur; 2001.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2014
Histórico
- Recebido
21 Jun 2013 - Aceito
11 Ago 2013