As tecnologias da relação, informação e comunicação (TRIC) como ferramentas de inclusão social

Lara Bernal-Meneses José Antonio Gabelas-Barroso Carmen Marta-Lazo Sobre os autores

Resumo

O estudo visa avaliar se as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) são ferramentas para a inclusão social de grupos desfavorecidos. Com esse intuito, estudamos um grupo de jovens em exclusão social participantes dos Programas de Qualificação Profissional Inicial da Fundação Federico Ozanam em Zaragoza (Espanha) e a relação entre seu nível de competência digital e seu sentimento de pertença ao grupo social majoritário. Analisamos as capacidades sociais, as chamadas habilidades de vida estabelecidas pela Organização Mundial da Saúde, os costumes relacionais e informativos e o sentimento de empoderamento da amostra em contextos digitais. O objetivo era descobrir se existia uma relação diretamente proporcional entre estes fatores e o sentimento de integração. Os resultados foram positivos na maioria de indicativos estudados.

Inclusão social; Competência digital; Competências midiáticas; Fator R-elacional; Habilidades de vida


Introdução

Na atualidade, a alfabetização não pode ser entendida somente como a capacidade de ler e escrever. Isto era o que precisávamos até recentemente para viver em sociedade, interagir, conviver e ser parte ativa de nosso ambiente. Porém, os novos contextos digitais implicam a necessidade de uma alfabetização que supere à tradicional, baseada na lecto-escritura, e que sirva como preparação para a vida na sociedade digital11. Gutiérrez A, Tyner K. Educación para los medios, alfabetización mediática y competencia digital. Comunicar. 2012; 38(29):31-9. , na qual os processos sociais e culturais estão sendo alterados. Este é o enfoque de Echeverría quando ele fala de “uma revolução tecnocientífica que modifica as práticas humanas, incluída a vida diária”22. Echeverría J. Apropiación social de las tecnologías de la información y la comunicación. Rev Iberoam Cienc Tecnol Soc. 2008; 4(10):171-82. (p. 173).

A alfabetização digital é uma necessidade para dotar as pessoas das competências exigidas nos ambientes novos. Competências que facilitam tanto o acesso técnico e crítico à informação quanto a criação dela e, por conseguinte, a participação e capacidade de relação necessárias em contextos sociais. Falamos de multialfabetizações, alfabetização digital, alfabetização midiática, alfabetização transformadora. A terminologia é abundante, mas como diz Casado, “afinal, estar alfabetizado digitalmente é possuir a capacidade indispensável para sobreviver na sociedade da informação e poder agir criticamente nela”33. Casado R. Claves de la alfabetización digital. Madrid: Fundación Telefónica y Foro de Investigación y Acción Participativa para el desarrollo de la Sociedad del Conocimiento (FIAP); 2006. p. 51-5. (p. 68).

Nesta sociedade marcada pelas tecnologias, as pessoas em situação de exclusão social precisam se capacitar, desenvolver e empoderar ante os mecanismos sociais que os deixam fora do estabelecido, o que agora inclui também o contexto digital sem o qual já não é possível viver em sociedade, com tudo o que isto implica: dialogar, estudar, arrumar um emprego, etc.

Esta emancipação é possível se o indivíduo sente que faz parte do grupo e se encontra em um estado de bem-estar no qual é consciente da sua própria capacidade para melhorar a vida dele e do contexto dele, adquirindo habilidades psicossociais, as chamadas habilidades de vida, e procura ações que terminam em uma mudança social.

O diálogo é fundamental para a existência das relações sociais, a participação, o consenso e, em última instância, a aprendizagem. E as TIC são testemunhas da inclusão deste componente na equação: a Relação. É por isto que Gabelas et al.44. Gabelas-Barroso JA, Marta-Lazo C, Aranda D. Por qué las TRIC y nos las TIC [Internet]. COMeIN Rev Estud Cienc Inf Comun. 2012 [citado 13 Jun 2018]; (9). Disponible en: http://www.uoc.edu/divulgacio/comein/es/numero09/articles/Article-Dani-Aranda.html
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criaram o conceito TRIC -Tecnologias da Relação, Informação e Comunicação-. Eles têm estudado em profundidade o que eles chamam de “Fator R-elacional” existente na comunicação digital, que é caraterizada pela integração de uma série de indicadores que intervêm na criação, desenvolvimento e manutenção do Fator Relacional nos processos de aprendizagem, como o fato de ser colaborador, criativo, estimulante, facilitador, centrado no processo, motivador ou metacognitivo, entre outros apontados e analisados por Marta-Lazo et al, quem têm revisado o discurso das TIC e têm se centrado não só nas competências tecnológicas, mas também na “multi alfabetização midiática, baseada em diferentes dimensões das competências”55. Marta-Lazo C, Gabelas-Barroso JA, Hergueta-Covacho E. Phenomenological features of digital communication: interactivity, immersion and ubiquity. Soc Inf. 2013; 44 esp:169-93. (p. 40).

Os próprios criadores deste conceito66. Marta-Lazo C, Hergueta-Covacho E, Gabelas-Barroso JA. Applying inter-methodological concepts for enhancing media literacy competences. J Univers Comput Sci. 2018; 22(1):37-54. enfatizam que “O Fator Relacional maximiza a dinâmica horizontal e dialógica, que é ampliada no ambiente digital e desenvolve as três dimensões do indivíduo: a cognitiva, a emocional e a social”66. Marta-Lazo C, Hergueta-Covacho E, Gabelas-Barroso JA. Applying inter-methodological concepts for enhancing media literacy competences. J Univers Comput Sci. 2018; 22(1):37-54. (p. 188).

Neste sentido, Marta-Lazo e Gabelas continuam refletindo no último livro deles sobre a dupla dimensão do Fator R-elacional: "O Fator R-elacional desdobra uma dupla dimensão. A dimensão propriamente relacional, que contém o potencial das habilidades psicossociais, e a dimensão sináptica, que contém o modelo cerebral como modus operandi dos processos de aprendizagem"77. Marta C, Gabelas JA. Comunicación digital. Un modelo basado en el Factor R-elacional. Barcelona: Editorial UOC; 2016. (p. 84).

Esta aprendizagem baseada em conexões precisa do diálogo e da intervenção dos diferentes atores sociais que nutrem as redes. As pessoas que estão em contextos de exclusão social precisam utilizar mais e com maior frequência estas destrezas comunicativas e relacionais, além das habilidades psicossociais, para se integrarem e se aproximarem ao grupo social majoritário.

Quando falamos das dez habilidades de vida (HdV) classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)88. World Health Organization. Life skills education in schools. Geneva: WHO; 1993. , fazemos referência a um conjunto de destrezas que facilitam o conhecimento da própria pessoa e de aquilo ao seu redor, principalmente as relações sociais e a reconciliação, e impulsando a capacidade de se desenvolver em condições adversas. Isto é, o Fator R-elacional é fundamental no desenvolvimento das HdV e é parte essencial na promoção da saúde do indivíduo, que precisa do contato social para sua própria supervivencia99. Gabelas-Barroso JA. La creación de un cortometraje: un proceso de mediación en la promoción de la salud del adolescente [thesis]. Madrid: Facultad de Ciencias de la Información, Universidad Complutense de Madrid; 2010. , ainda mais quando for um ambiente social de exclusão.

Esta investigação visa a conhecer o hábito de uso e consumo das TRIC por parte dos membros de um grupo em situação de exclusão social, e descobrir a relação existente entre esses hábitos e seu sentimento de pertença ao grupo social majoritário da cidade na qual eles residem.

Método

A amostra alcançou um total de quarenta jovens (de um total de 43 participantes), de ambos sexos -88% homens e 12% mulheres- dos 16 até os 23 anos inscritos nos Programas de Qualificação Profissional Inicial (PCPI) de inserção sócio-laboral da Fundação Federico Ozanam durante o curso 2016-2017 em Saragoça (Espanha). Trata-se de programas formativos destinados a jovens em exclusão social inscritos na “Garantia Juvenil” que não têm superado a Educação Secundária Obrigatória e misturam a formação em um ofício com a melhoria das habilidades em formação básica.

A Garantia Juvenil é uma iniciativa de União Européia que tem como objetivo que os jovens entre os 16 e os 29 anos que não estejam estudando, cursando formação profissional ou que não tenham emprego, possam receber uma oferta de emprego, de educação ou formação depois de ter concluído seus estudos ou ficar desempregados1010. Gobierno de Aragón. Garantía Juvenil [Internet]. Zaragoza (España): Instituto Aragonés de la Juventud; 2018 [citado 13 Jun 2018]. Disponible en: http://www.aragon.es/DepartamentosOrganismosPublicos/OOAA/InstitutoAragonesJuventud/AreasTematicas/03_Empleo/ci.05_garantia juvenil_2014.detalleDepartamento?channelSelected=2530c752ae6fa210VgnVCM100000450a15acRCRD
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Em primeiro lugar, uma metodologia quantitativa foi usada por meio da realização de um questionário estruturado, tomando como exemplo o desenvolvido por Cuevas et al.1111. Cuevas A, García MA, López P, Vellosillo I. Modelo IDEIAS: indicadores de inclusión digital e informacional orientado a salud. In: Cuevas A, Simeão E, coordinadores. Alfabetización informacional e inclusión digital: hacia un modelo de infoinclusión social. Gijón: Ediciones Trea; 2011. p. 69-88. , dividido em duas categorias: acesso às TIC e capacidades no uso das TIC.

Além disso, se tomou como referência a análise desenvolvida por Pimienta1212. Pimienta D. Brecha digital, brecha social, brecha paradigmática [Internet]. Santo Domingo: Funredes; 2007 [citado 13 Jun 2018]. Disponible en: http://www.funredes.org/mistica/castellano/ciberoteca/tematica/brecha_paradigmatica.pdf
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sobre os elementos que constituem a brecha digital, em diferentes estados prévios à superação da exclusão digital: infraestrutura para o acesso às TIC, capacidade e habilidade no uso da tecnologia e qualidade de uso ou apropriação das TIC.

Na primeira categoria referente ao acesso às TIC, relacionada com a chamada brecha digital, devemos considerar fatores-chave como a infraestrutura, a possibilidade econômica para o acesso às TIC ou a continuidade desses recursos.

A segunda categoria faz referência às competências no uso das TIC, consideradas relevantes para a inclusão digital e relativas tanto ao uso técnico e crítico quanto ao hábito relacional das TRIC ou a apropriação delas para um fim pessoal ou social, com indicativos relativos à apropriação das habilidades de vida (HdV).

Para desenvolver esta parte do questionário, os cinco âmbitos das competências desenvolvidos por Área e Pessoa1313. Area M, Pessoa T. De lo sólido a lo líquido: las nuevas alfabetizaciones ante los cambios culturales de la Web 2.0. Comunicar. 2012, 38(29):13-20. doi: 10.3916/C38-2011-02-01.
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foram considerados: instrumental, cognitivo-intelectual, sócio-comunicacional, axiológico e emocional. Uma série de indicadores foram incluídos para avaliar cada competência. O objetivo é conhecer o grau de acessibilidade às TIC, seu uso e consumo, e o comportamento relacional que os membros do grupo objeto de estudo manifestam nas redes sociais. Esta informação será essencial para depois formar dois grupos de foco, um grupo formado pelos jovens com maior competência digital e outro formado por aqueles que manifestem um nível menor.

O grupo A era composto por estes cinco perfis: a) menina de 18 anos, espanhola, etnia cigana. b) menina de 19 anos, argelina. c) menino de 17 anos, espanhol. d) menino de 19 anos, espanhol, etnia cigana. e) menino de 19 anos, senegalês. Já o grupo B era composto por estes 6 perfis: a) menina de 22 anos, marroquina. b) menino de 17 anos, espanhol, etnia cigana. c) menino de vinte anos, marroquino. d) menino de 18 anos, gambiano. e) menino de 18 anos, nicaraguense. f) menino de 17 anos, espanhol, etnia cigana.

Resultados

O desenho metodológico desta investigação mostra dois tipos de resultados. Por um lado, os resultados que fazem referência ao uso e consumo das TRIC e à competência digital das pessoas investigadas, medidas pela metodologia quantitativa; e, pelo outro lado, os resultados relacionados com o objetivo principal de investigação, refletidos na metodologia qualitativa.

Resultados dos questionários: metodología quantitativa

Acesso e conexão às TRIC

A primeira categoria relativa ao acesso às TRIC tinha relação com o que o Pimenta denomina primeira brecha digital. Esta categoria não mede diretamente o grau de competência digital e midiática do grupo objeto de estudo, mas mostra uma condição importante como é o grau de acessibilidade e conectividade. Depois de analisar os questionários, é possível verificar que o acesso e a conexão à infraestrutura das TRIC do grupo estudado são bastante bons, embora existam certas dificuldades.

Em geral, estes jovens têm um bom acesso/boa conexão à infraestrutura que facilita o uso das TIC: 83% deles têm conexão em casa e 65% podem se conectar na rua por meio dos dispositivos móveis. Além disso, 73% afirmam que a conexão à Internet na casa deles é boa e 98% asseguram que tem bom sinal do celular no bairro onde moram. Este último fato é muito interessante, já que a maioria dos jovens entrevistados moram no bairro de San Pablo de Saragoça (Espanha), uma das áreas marginais da cidade; bairro onde, aliás, fica o centro da Fundação Federico Ozanam onde são ensinados os Programas de Qualificação Profissional.

Estes jovens e as famílias deles preferem destinar seus recursos econômicos a adquirir dispositivos móveis e pagar por um serviço de acesso à Internet desde o celular a outro tipo de dispositivos ou serviços TRIC. Enquanto 83% manifestam que já compraram um celular em algum momento, só 38% dos entrevistados confirmam que já compraram um computador em casa. Além disso, somente 50% dos entrevistados pagam para ter a Internet em casa, enquanto 88% pagam para tê-la no celular.

Em relação à frequência de uso das TRIC como atividade continuada no tempo, destaca o uso notável da Internet e do WhatsApp frente ao computador ou até à realização de ligações telefônicas -97% afirma usar a Internet e 95%, o WhatsApp.

Habilidades no uso e consumo das TRIC

A segunda categoria da pesquisa faz referência às capacidades ou habilidades no uso e consumo das TRIC, isto é, as competências consideradas relevantes para a inclusão digital são expostas.

Em relação à competência instrumental, é observado um alto conhecimento tecnológico das ferramentas e aplicações vinculadas às redes sociais e os celulares: 90% dos entrevistados confirmam que sabem procurar informação na Internet. 100% podem baixar aplicações móveis, 88% consideram que sabem como enviar e ler correio eletrônico. E, finalmente, 98% afirmam que sabem baixar imagens no celular.

Pelo contrário, existe um baixo conhecimento de atividades e programas de computação. Somente duas atividades, “Ligar o computador” e “Salvar um documento em um pen drive”, foram marcadas por algo mais da metade dos entrevistados e em porcentagens relativamente baixas -70 e 55%, respectivamente-, para a simplicidade da atividade. O resto de atividades propostas na pesquisa nem sequer ultrapassa a barreira do 50%.

No que diz respeito às redes sociais que os entrevistados afirmam saber usar, o WhatsApp está no primeiro lugar com 95%, seguido muito de perto pelo Facebook e o Instagram -88 e 85%, respectivamente-.

Quanto ao nível de competência cognitivo-intelectual dos entrevistados, em relação às habilidades que permitem procurar, selecionar, analisar e interpretar a grande quantidade de informação à qual é possível ter acesso por meio das TRIC, é observado um conhecimento muito escasso das particularidades de cada site. Para procurar na Internet, os sites mais usados são o Google -98%- e a Wikipédia -45%-.

Quanto à capacidade crítica para selecionar, analisar e decidir se uma informação é apropriada ou não, 73% dos entrevistados consideram que são capazes de procurar uma informação concreta entre o conjunto de informação de um site, 68% afirmam que sabem resumir um texto ou um vídeo em uma frase e 58% prestam atenção ao site no qual entram segundo a informação que estejam procurando. Embora mais da metade dos entrevistados considere que é capaz de levar a cabo estas habilidades concretas, os resultados são melhoráveis, ainda mais sendo ferramentas básicas para a procura de informação e sua análise.

A maioria dos jovens participantes neste estudo são conscientes que a Internet e as redes sociais incluem informação não verdadeira. Porém, a porcentagem de entrevistados que consideram o oposto é destacável: 38% afirmaram que toda a informação da Internet é certa e 30% que é certa a das redes sociais. Neste sentido, seria preciso inculcar aos jovens uma consciência crítica para analisar a informação que eles acham na Internet.

Capacidade para produzir, difundir e compartilhar mensagens em redes

Outra das competências estudadas nesta investigação é a comunicação social, que faz referência à capacidade de produzir mensagens nas diferentes linguagens das redes, à habilidade de difundi-las ou compartilhá-las com outras pessoas, e às condutas sociais que facilitam a socialização por meio da comunicação.

Muitos destes jovens usam as diferentes linguagens existentes nas redes, mas de um modo muito básico sem aprofundar nas possibilidades que cada ferramenta oferece. Quanto aos hábitos relacionais, os jovens participantes no estudo usam as redes sociais basicamente para falar com os amigos e a família. Aliás, este uso permite-lhes manter a amizade e o contato (85%) e fazer amigos novos (78%). Muitos deles não usam canais que poderiam lhes dar grandes possibilidades de comunicação, como os foros ou Skype.

Competência axiológica para a consciência social

A quarta competência é a axiológica, referente ao uso responsável das novas tecnologias e à tomada de consciência de como estas incidem no plano social, cultural e político.

Em relação à consciência da visibilidade social das mensagens escritas na Internet e nas redes sociais, 85% é consciente que suas mensagens podem ser vistas por qualquer pessoa. Quanto à consciência da necessidade de privacidade nas redes sociais e os possíveis perigos, 33% asseguram aceitar somente conhecidos e conhecidos de seus contatos e 52% aceitam somente conhecidos.

O uso das TIC para desenvolver ações de protesto ou consciência social é reduzido. 38% asseguram ter escrito em um blog ou em redes sociais alguma informação ou opinião para denunciar uma situação concreta e 23% afirmam ter participado de alguma ação de protesto. Porém, somente 13% participam de foros ou blogs de denúncia social.

Competência emocional nas interações

Para concluir a análise do questionário, observamos as perguntas relacionadas com a competência emocional. Uma porcentagem alta dos jovens não mostra empatia nas interações existentes em contextos digitais. Só 63% deles afirmaram ser conscientes que suas mensagens podiam incomodar outras pessoas.

Além disso, estes jovens mostram um controle apropriado da tensão e o estresse nestes contextos. Neste sentido, 80% dos entrevistados consideram que são capazes de controlar o estresse produzido pelas situações que acontecem nas redes sociais.

Resultados da metodología qualitativa

Por meio da metodologia qualitativa damos resposta ao objetivo principal desta investigação: descobrir se existe uma relação diretamente proporcional entre um uso, consumo e interação apropriados das TRIC por parte destes jovens e seu sentimento de pertença ao grupo social majoritário.

Para levar a cabo a análise dos grupos focais, foram comparadas as respostas dadas a cada uma das perguntas ou questões levantadas. Estas questões foram divididas em quatro seções coincidentes com os objetivos específicos desta investigação.

Influência dos usos das TRIC nos hábitos relacionais

O primeiro objetivo era conferir se os usos que estes jovens fazem das TRIC influenciam seus hábitos informativos e relacionais. Os jovens objeto do estudo usam as redes sociais para se comunicar com seus amigos e família. Mais concretamente, os imigrantes as usam para manter o contato com os amigos e a família do país de origem. Quanto aos hábitos informativos, não existe uma relação clara. Os jovens participantes no grupo A, que manifestam um desenvolvimento maior das competências digitais e das HdV, usam as TRIC para se informar, mas ao mesmo tempo as consideram canais pouco confiáveis. Quanto aos jovens que têm um desenvolvimento menor das competências digitais, eles não apresentam um hábito representativo de acessar à informação.

Autoestima e capacidade de uso e consumo

No que diz respeito ao segundo objetivo, descobrir se a capacidade de uso e consumo das TRIC na sua triple dimensão técnica, crítica e relacional, fomenta a autoestima e as HdV, pode se apreciar uma relação diretamente proporcional entre uma apropriada capacidade de uso, consumo e interação das TIC e o desenvolvimento de sete das dez HdV: autoconhecimento, empatia, comunicação assertiva, tomada de decisões, pensamento criativo, pensamento crítico e controle do estresse.

Um exemplo muito claro faz referência à empatia. Neste caso, os participantes foram perguntados o que fariam ao ver uma fotografia ou um vídeo que deixasse sem jeito ou em má situação alguém conhecido por eles. A diferença das respostas mais espontâneas foi muito evidente. No grupo A as respostas foram automáticas e muito similares: “eu falaria com a pessoa”, “se eu conhecer a pessoa, eu a advirto”, “advertir a pessoa”. Inclusive foi apresentada a possibilidade de mediar entre a pessoa afetada e a pessoa que hipoteticamente teria subido o vídeo ou a foto. Quando esta questão foi perguntada aos membros do grupo B, eles comentaram: “eu cairia na risada”, “ou então você compartilha diretamente”.

Por outro lado, não é apreciada nenhuma relação significativa entre a capacidade de uso, consumo e interação das TRIC e as HdV como relações interpessoais e gestão de emoções e sentimentos. Alguns dos participantes afirmam se sentirem orgulhosos de ter aprendido a usar certas ferramentas TRIC, mas não está confirmada uma relação diretamente proporcional entre competência digital e empoderamento.

Uso das TRIC para atividades instrumentais grupais

O terceiro objetivo é conferir se as TRIC são usadas para levar a cabo atividades vinculadas ao grupo social majoritário. Em geral, estes jovens fazem este tipo de atividades: compras pela Internet, trâmites administrativos relativos ao seguro de desemprego, renovar o RG. O número de atividades é maior no caso daqueles participantes que possuem uma maior competência digital e mostram um desenvolvimento maior das HdV. A procura de emprego por meio das plataformas digitais também é uma atividade levada a cabo com mais frequência por estes participantes.

Integração vs. exclusão grupal e social

O último objetivo é descobrir qual é o sentimento de integração destes jovens. Nesta seção, é preciso enfatizar a atitude dos participantes dos dois grupos ante as perguntas, já que isto é considerado muito interessante para a investigação. Enquanto os membros do grupo A tiveram uma atitude responsável e tranquila e responderam às perguntas sem precisar da insistência do moderador, os participantes do grupo B ficaram calados no início; ao serem insistidos, alguns deles fizeram algum comentário, mas outros permaneceram em silêncio o tempo inteiro ou comentaram que não sabiam o que responder. Teve até algum participante que quis ir embora da sala. Esta atitude indica que é possível que eles achassem as perguntas incômodas.

Em geral, todos os participantes sentem raiva e mal-estar diante das situações racistas ou discriminatórias que eles têm vivido. Porém, as variáveis do país de origem e do gênero não são significativas no que diz respeito ao seu sentimento de integração.

Os jovens que têm as HdV mais desenvolvidas e uma maior competência digital não só manifestam se sentirem integrados na cidade onde moram, mas também adotam na fala deles o rol “integrador” e deixam atrás o rol “discriminado”. Ainda mais, eles passam a comentar como fazem o possível para integrar o próximo: imigrantes, payos, etc. Este é um sinal claro que eles se sentem integrados: “mas eu me sinto muito integrado, realmente”, “olha, a melhor amiga da minha mãe é uma paya. E tudo bem”, “meu melhor amigo é preto. Eu falo a verdade quando digo que me sinto muito bem com todo o mundo”, “eu tenho amigos de todo tipo: pretos, muçulmanos, ciganos... tive uma namorada da Argélia. Realmente eu não discrimino ninguém.” (Nota do tradutor: payo ou paya é a palavra usada pelos ciganos para falar das pessoas que não são de etnia cigana).

Aliás, alguns deles manifestam diretamente que as redes sociais lhes ajudam na tarefa de integração social: “afinal é um modo de contatar com pessoas que têm o mesmo gosto que você ou as mesmas inquietudes e isto te faz sentir mais um do grupo”, “eu, por exemplo, para os esportes, se não tivesse entrado em nenhum dos grupos que eu estou agora no Facebook ou se não tivesse procurado os professores, eu nunca teria continuado no parkour e este é um jeito de sair de casa, tirar férias em outras cidades e fazer coisas.”

Pelo contrário, os jovens que têm as HdV menos desenvolvidas e uma menor competência digital têm reações muito diferentes às dos participantes prévios ante à pergunta “você se sente integrado?”. Alguns reagem de um jeito sarcástico e outros simplesmente não querem responder: “não”, “sim, sim, eu sim, eu sim” -e começa a rir-, “olha, é que eu saio com pessoas que não se importam com nada, sabe? Então bem, bem, muito bem não vamos. No bom caminho, não vamos”, “bom, com este aspecto desajeitado”, “nada, agora mesmo não penso em nada.”

Embora seja certo que só um dos jovens manifesta diretamente não se sentir integrado, as reações da maioria do grupo são muito diferentes das que tiveram os membros do grupo A e denotam sarcasmo ou intenção de evitar uma resposta incômoda. E esta diferença é fundamental para confirmar a existência de uma relação diretamente proporcional entre um uso e consumo apropriados das TRIC por parte dos jovens participantes, impulsado pelo desenvolvimento das HdV, e seu sentimento de pertença ao grupo social majoritário.

Discussão

Quando a mudança social e as novas formas de comunicação exigem a revisão do termo alfabetização digital, é hora de tomar consciência e redefinir os processos, diligências e medidas que reverterão em uma verdadeira realfabetização1414. Gutiérrez A. Alfabetización digital: algo más que ratones y teclas. Madrid: Gedisa; 2003. ou transalfabetização da sociedade rede1515. Castells M. Comunicación y poder. Madrid: Alianza Editorial; 2009. , concedendo à cidadania o conhecimento, as habilidades e as competências necessárias para usar e interpretar os novos canais de comunicação e suas linguagens, o que requer da capacitação em competências digitais.

Para Fedorov1616. Fedorov A. Breve repaso histórico: alfabetización mediática en el mundo. Infoamérica. 2011; 5:7-23. , por exemplo, a alfabetização midiática faz parte do direito fundamental universal à liberdade de expressão, pois é o modo no qual nos comunicamos com nossos semelhantes hoje em dia. López e Samek também refletem sobre o direito humano à alfabetização ou inclusão digital, “procedente do novo ambiente tecnológico criado pelas redes”1717. López P, Samek T. Inclusión digital: un nuevo derecho humano. In: Cuevas A, Simeão E, coordinadores. Alfabetización informacional e inclusión digital: hacia un modelo de infoinclusión social. Gijón: Ediciones Trea; 2011. p. 17-29. (p. 25) como parte do direito à comunicação e à informação. Embora esta investigação mostre a possibilidade de acesso às novas tecnologias no âmbito dos participantes, é observada a necessidade de aprofundar nos aspectos cognitivos, de comportamento e éticos. A constatação da liberdade de expressão não implica necessariamente que os cidadãos estejam capacitados para exercê-la; o verdadeiro direito à comunicação em todos seus sentidos precisa de uma alfabetização atualizada em todos os níveis educacionais e sociais.

As competências necessárias para sobreviver nos ambientes digitais não são só contempladas como um conceito dirigido ao desenvolvimento da pessoa como futuro e potencial trabalhador, mas também como ferramentas para impulsar a autonomia dos cidadãos como pessoas capacitadas para a vida em sociedade.

Nestes novos cenários comunicativos digitais, é indispensável a aquisição do que Jenkins chama de new media literacy, que inclui tanto as capacidades de leitura e escritura, da print culture, quanto as novas formas de comunicação visual, audiovisual e digital. Jenkins1818. Jenkins H. Convergence culture. Barcelona: Paidós; 2008. fala de três habilidades essenciais para se desenvolver nestes novos contextos: capacidade de acesso à informação, capacidade técnica e capacidade crítica.

Tomando como base estas três habilidades e a citada classificação de Área e Pessoa, foi elaborado um questionário detalhando os indicadores de cada uma das competências precisas para o desenvolvimento pessoal e social nos ambientes digitais. A comparação dos resultados obtidos nesta investigação com o estudo realizado seguindo a proposta das seis dimensões de Ferrés e Piscitelli1919. Ferrés J, Piscitelli A. La competencia en educación mediática: propuesta articulada de dimensiones e indicadores. Comunicar. 2012; 38:75-82. doi:10.3916/C38-2011-02-08.
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-linguagens, tecnologia, processos de interação, processos de produção e difusão, ideologia e valores, estética-, que buscava descobrir o grau de competência midiática da cidadania espanhola, é extremamente interessante. Os resultados obtidos em 2012 mostraram graves carências na maioria das dimensões que compõem a competência midiática. O único aspecto que parece destacar é o da tecnologia, enquanto os resultados mais negativos foram nas dimensões da estética, as linguagens e a ideologia e valores.

Nosso estudo mostra a mesma tendência: um alto conhecimento instrumental dos dispositivos móveis, mas importantes deficiências em aspectos básicos como a procura de informação verdadeira nas redes, a criatividade e inovação na produção de peças comunicativas ou a tomada de consciência das possibilidades que oferecem as redes sociais para incidir no plano social, cultural e político.

Entre os resultados obtidos, destaca a relação diretamente proporcional entre o desenvolvimento da competência digital e das habilidades de vida. Esta premissa já foi apontada na tese doutoral de Gabelas99. Gabelas-Barroso JA. La creación de un cortometraje: un proceso de mediación en la promoción de la salud del adolescente [thesis]. Madrid: Facultad de Ciencias de la Información, Universidad Complutense de Madrid; 2010. , ao contribuir à definição de HdV da OMS com o matiz relacional. Por um lado, demostrou como a aquisição das HdV facilita a melhoria da capacidade de relação em todas suas variantes e, ao mesmo tempo, como permite a gestão e o comportamento apropriados nos ambientes digitais. Estes ambientes, por sua vez, permitem a interação, que fomentará uma aprendizagem das habilidades que devem guiar nossa relação com o mundo que nos rodeia.

Por outro lado, a investigadora Rosina Pérez2020. Pérez R. La competencia digital en un programa para jóvenes desfavorecidos que han desertado de la secundaria [thesis]. Madrid: Universidad Autónoma de Madrid; 2015. observa em sua tese a baixa capacidade dos jovens investigados no uso das novas tecnologias e relaciona estes usos com o lazer mais do que com a promoção de habilidades que perpetuam a liberdade de eleição de vida em sociedade. Na nossa investigação, abordamos o nível da competência digital dos participantes como um aspecto individual de suas capacidades que varia de um indivíduo para outro; para observar se as habilidades sociais experimentam mudanças em função de um maior ou menor desenvolvimento digital. Uma vez conferida esta relação como diretamente proporcional, é enfatizada na recomendação de Perez, ao considerar indispensável o ensino destas competências para alcançar uma sociedade mais equitativa.

Do mesmo modo, nossa investigação confirma a existência de uma relação diretamente proporcional entre um uso e consumo apropriado das TRIC por parte dos jovens participantes e seu sentimento de pertença ao grupo social majoritário. Uma aproximação que pode explicar esta descoberta, pode se relacionar com a importância do desenvolvimento do Fator Relacional e das HdV, aspectos que não só respondem a uma dimensão cognitiva, mas que também estão relacionados com as regras necessárias para que as pessoas aprendam a ser, conviver, fazer e aprender2121. Delors J, coordinador. La educación encierra un tesoro. Paris: Ediciones UNESCO; 1996. ; o que está diretamente relacionado com o sentimento de pertença à sociedade, de capacitação e empoderamento.

Como aponta uma recente investigação de Osuna-Acedo et al.2222. Osuna-Acedo S, Marta-Lazo C, Frau-Meigs D. De sMOOC a tMOOC, el aprendizaje hacia la transferencia profesional: el proyecto europeo ECO. Comunicar. 2018; 55(26):105-14. doi: https://doi.org/10.3916/C55-2018-10 .
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, desde a construção da aprendizagem conjunta é possível chegar à transferência de conhecimento, no sentido de aprendizagem para a vida atribuído por Delors: "A transformação pedagógica que acontece em um ambiente colaborador e relacional tem como objetivo a transferência para o desenvolvimento empreendedor, em um ambiente de trabalho no qual é preciso se reinventar continuamente" (p. 112).

Deste modo, Marta-Lazo et al.2323. Marta-Lazo C, Frau-Meigs D, Osuna-Acedo S. Collaborative lifelong learning and professional transfer. Case study: ECO European Project. J Interact Learn Environ. 2018; 26(4):1-13. doi: https://doi.org/10.1080/10494820.2018.1451346 .
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, da perspectiva das TRIC, chegam ao modelo que tem um objetivo duplo com relação à transferência de aprendizagem: “para o empoderamento e para a transformação social, pois motivam os participantes para participar de mudanças na vida diária deles, como profissionais e, finalmente, como cidadãos” (p. 11).

Em resumo, nesta investigação é observada a necessidade de dotar as pessoas em exclusão social das competências digitais e das habilidades sociais que lhes permitirão fazer parte dos processos comunicativos atuais, porque, como afirmam Cabrera et al.2424. Cabrera J. Nuevas tecnologías y exclusión social: un estudio sobre las posibilidades de las TIC en la lucha por la inclusión social en España. Madrid: Fundación Telefónica; 2005.:

As Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), usadas com imaginação e criatividade, podem funcionar como varas que nos permitem saltar fronteiras e obstáculos entre o espaço dos incluídos e o atribuído aos excluídos, podem abrir, aliás, já estão abrindo, um imenso mundo de possibilidades para poder ir de um lado para outro das fronteiras estabelecidas. (p.9)

Finalmente, como limitações da investigação, é preciso indicar que os resultados são somente válidos para os estudantes do Programa de Qualificação Profissional Inicial (PCPI) da Fundação Federico Ozanam do curso 2016 -2017. Dado que se trata de um estudo de caso, os resultados não podem ser extrapolados ao conjunto da sociedade. Existe também outra limitação: como os resultados estão baseados nas convicções e opiniões que os investigados têm deles mesmos, estes podem estar longe da realidade, bem pelo próprio desconhecimento, bem pelo encobrimento dos verdadeiros fatos e atitudes.

Agradecimentos

Este trabalho foi realizado graças à colaboração do Grupo GICID (Grupo de Investigação em Comunicação e Informação Digital), S29_17R, reconhecido pelo Governo da Região de Aragón e financiado pelo Fundo Social Europeu de Desenvolvimento Regional.

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  • Tradutora: Elizabeth Galiano Tamayo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Mar 2018
  • Aceito
    12 Jun 2018
UNESP Botucatu - SP - Brazil
E-mail: intface@fmb.unesp.br