Resumos
Este estudo teve por objetivo analisar a institucionalização das práticas de atenção às condições crônicas e da gestão do cuidado em um serviço de Atenção Primária. A Análise Institucional, na vertente socioanalítica, consistiu no referencial teórico-metodológico escolhido. Foram utilizadas como ferramentas a observação participante, a realização de grupos com as equipes de Saúde e entrevistas com os responsáveis pelo desenvolvimento de pesquisas e avaliação do serviço. Os resultados mostraram que a resistência do sujeito à mudança implica obstáculo para o desenvolvimento e a consolidação das práticas de atenção às condições crônicas. Além disso, não há uma responsabilidade coletiva dos profissionais, demonstrando a falta de planejamento e engajamento da equipe. Destaca-se, também, uma política de gestão por resultados que oprime e desestimula a potência dos coletivos e a criação de novas alternativas diante dos impasses vivenciados.
Palavras-chave
Análise Institucional; Doença crônica; Processo de trabalho; Atenção Primária à Saúde
El objetivo de este estudio es analizar la institucionalización de las prácticas de atención a las enfermedades crónicas y de la gestión del cuidado en un servicio de atención primaria. El análisis institucional, en la vertiente socioanalítica, constituyó el referencial teórico-metodológico elegido. Como herramientas se utilizaron la observación participante, la realización de grupos con los equipos de salud y entrevistas con los responsables por el desarrollo de investigaciones y evaluación del servicio. Los resultados mostraron que la resistencia del sujeto al cambio implica un obstáculo para el desarrollo y la consolidación de las prácticas de atención a las enfermedades crónicas. Además, no hay una responsabilidad colectiva de todos los profesionales, demostrando la falta de planificación y compromiso del equipo. También se destaca una política de gestión por resultados que oprime y desincentiva la potencia de los colectivos y la creación de nuevas alternativas ante los impases vividos.
Palabras clave
Análisis institucional; Enfermedad crónica; Proceso de trabajo; Atención Primaria de la Salud
Introdução
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, as Condições Crônicas (CC) são responsáveis por 41 milhões de mortes anualmente. Entre as mais frequentes estão as enfermidades cardiovasculares (17,9 milhões), cânceres (9 milhões) e diabetes mellitus (1,6 milhão). Trata-se de um problema global, pois apenas 25% das pessoas com CC são assistidas e, entre elas, somente cerca de metade alcança as metas desejadas de tratamento clínico. Esse resultado se deve, sobretudo, ao acesso insuficiente à Atenção à Saúde e ao manejo inadequado das CC11 World Health Organization. Noncommunicable diseases [Internet]. Geneva: WHO; 2019 [citado 27 Jun 2020]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/noncommunicable-diseases
https://www.who.int/news-room/fact-sheet... .
Os custos diretos e indiretos das CC no Brasil vêm aumentando nos últimos cinco anos. Esse aumento foi mais significativo nos custos dos medicamentos (88%), seguido pelos da previdência social (66%) e dos custos da morbidade (33%). Tais dados são indicativos indiretos de que existe um aumento da população que está convivendo com CC. A quantidade de benefícios previdenciários aumentou nos últimos cinco anos proporcionalmente aos auxílios-doença, já sendo possível visualizar a queda das aposentadorias ocorridas por CC. Quando se analisa em percentual do PIB, os custos por CC estão estáveis, provavelmente devido ao menor número de anos de vida perdidos22 Siqueira ASE, Siqueira-Filho AG, Land MGP. Análise do impacto econômico das doenças cardiovasculares nos últimos cinco anos no Brasil. Arq Bras Cardiol. 2017; 109(1):39-46..
Essa situação desafia os serviços a buscar um novo modelo de atenção que leve a melhores resultados, uma vez que grande parte dessas doenças são Condições Sensíveis à Atenção Primária à Saúde (CSAPS). Nesse sentido, um serviço de Atenção Primária à Saúde (APS), composto por 12 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e localizado em Porto Alegre - RS, desde 2011 vem desenvolvendo políticas gerenciais, mudanças no processo de trabalho e um processo educativo permanente com equipes de Saúde para introduzir o Modelo de Atenção às Condições Crônicas (MACC) por meio de novas tecnologias para o cuidado e a atenção das CC, como as consultas coletivas sequenciais, o autocuidado apoiado, a entrevista motivacional, a estratificação conforme riscos e vulnerabilidades, entre outras33 Mendonça CS, Takeda SMP, Diercks Ml, Flores R. Mudanças na atenção à saúde em condições crônicas em serviços de atenção primária. Porto Alegre: Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A.; 2016..
Esse modelo foi construído no pressuposto de que um sistema público universal deveria incorporar diferentes padrões de determinação social da Saúde, operando em cinco níveis: o primeiro nível da promoção da Saúde, com atuação intersetorial sobre os determinantes intermediários; o segundo nível da prevenção das CC, com atuação sobre os determinantes proximais ligados a comportamentos e estilos de vida; os terceiro e quarto níveis, com atuação sobre as CC estratificadas por riscos e manejadas por tecnologias de gestão das CC; e um quinto nível, com atuação sobre pessoas com CC de alta complexidade, por meio da tecnologia de gestão da clínica44 Mendes EV. Entrevista: a abordagem das condições crônicas pelo Sistema Único de Saúde. Cienc Saude Colet. 2018; 23(2):431-6..
Contudo, para que esse modelo de cuidado seja introduzido, são necessários processos de transformação, ou seja, “sujeitos que nas práticas cotidianas transformem o modo de produzir cuidados em Saúde, transformando-se a si também”55 Deslandes SF. O projeto ético-político da humanização: conceitos, métodos e identidade. Interface (Botucatu). 2005; 9(17):401-3. Doi: https://doi.org/10.1590/S1414-32832005000200017.
https://doi.org/10.1590/S1414-3283200500... (p. 402). Enfim, significa produzir um novo modo de gestão do cuidado em Saúde e novas relações entre trabalhadores e usuários66 Camuri D, Dimenstein M. Processos de trabalho em saúde: práticas de cuidado em saúde mental na Estratégia Saúde da Família. Saude Soc. 2010; 19(4):803-13..
As práticas de atenção às CC apresentam-se, atualmente, como forças instituintes, que buscam a modificação das práticas de cuidado, tendo como foco de intervenção os processos de trabalho e de gestão. Dessa forma, esta pesquisa buscou analisar a institucionalização das práticas de atenção às CC e da gestão do cuidado em um serviço de APS, a fim de identificar a dinâmica instituída e instituinte e os “nós críticos” que possam estar dificultando ou potencializando os processos de trabalho.
Percurso teórico-metodológico
Utilizamos a Análise Institucional (AI) na sua vertente socioanalítica como referencial teórico-metodológico. Tal escolha decorre do fato de a socioanálise objetivar apreender as realidades social e organizacional, transformar as instituições, tendo como base os discursos e as práticas dos sujeitos77 L’abbate S. A análise institucional e a saúde coletiva. Cienc Saude Colet. 2003; 8(1):265-74.,88 L’abbate S. Análise institucional e intervenção: breve referência à gênese social e histórica de uma articulação e sua aplicação na saúde coletiva. Mnemosine. 2012; 8(1):194-219.. O instrumental da Análise Institucional (AI) compõe-se de um conjunto articulado de conceitos, entre os quais os mais relevantes são os de instituição, implicação, transversalidade e analisador.
O conceito de instituição pode ser analisado dialeticamente, decompondo-se em três momentos: o momento do instituído, do instituinte e da institucionalização. Lourau99 Lourau R. Objeto e método da análise institucional. In: Altoé S, organizador. Analista institucional em tempo integral. São Paulo: Hucitec; 2004. p. 66-86. afirma que por instituinte podemos entender a contestação, a capacidade de inovação. Já no instituído está a ordem estabelecida, os valores, modos de representação e de organização considerados normais do ponto de vista ideológico. E, finalmente, o momento da institucionalização é o resultado da tensão entre os dois momentos anteriores, quando se atualizam as práticas institucionais em seu contínuo vir a ser99 Lourau R. Objeto e método da análise institucional. In: Altoé S, organizador. Analista institucional em tempo integral. São Paulo: Hucitec; 2004. p. 66-86..
Outro conceito é o de implicação, que se refere ao conjunto de atividades que realizamos como atividade acadêmica, com nosso campo epistemológico e com as demandas sociais subjacentes1010 L’Abbate S. Análise institucional e intervenção: breve referência à gênese social e histórica de uma articulação e sua aplicação na saúde coletiva. Mnemosine. 2012; 8(1):194-219.,1111 Mourão LC, Martins RCB, Rossin CMVE, L’Abbate S. Análise institucional e educação: reforma curricular nas universidades pública e privada. Educ Soc. 2007; 28(98):181-210.. Barbier1212 Barbier R. O conceito de implicação na pesquisa-ação em ciências humanas. In: Barbier R. Pesquisa-ação na instituição educativa. Rio de Janeiro: Zahar; 1985. definiu as três dimensões da implicação: a afetivo-libidinal, a existencial e a estruturo-profissional. Ou seja, somos o tempo todo movidos pelas nossas escolhas afetivas, ideológicas e profissionais referentes à nossa prática de pesquisa e/ou de intervenção com as instituições às quais pertencemos, com nosso campo teórico-metodológico e com a sociedade da qual fazemos parte99 Lourau R. Objeto e método da análise institucional. In: Altoé S, organizador. Analista institucional em tempo integral. São Paulo: Hucitec; 2004. p. 66-86..
A identificação dos analisadores também é tarefa primordial. Os analisadores constituem-se nos acontecimentos que possibilitam realizar a análise, permitindo a apreensão da instituição “invisível”1313 Lourau R. Análise institucional e práticas de pesquisa. Rio de Janeiro: UERJ; 1993.. Lourau99 Lourau R. Objeto e método da análise institucional. In: Altoé S, organizador. Analista institucional em tempo integral. São Paulo: Hucitec; 2004. p. 66-86. diz que “[...] é o analisador que realiza a análise” (p. 69). Assim, os analisadores podem ser construídos durante o processo ou surgir de modo espontâneo. Com base na sua identificação, podem se conhecer aspectos não verbalizados sobre grupos e organizações, bem como sobre o seu funcionamento. Os analisadores ajudam a desvendar o que permanecia escondido, a desorganizar o que estava de certa forma organizado e a dar um sentido diferente a fatos já conhecidos88 L’abbate S. Análise institucional e intervenção: breve referência à gênese social e histórica de uma articulação e sua aplicação na saúde coletiva. Mnemosine. 2012; 8(1):194-219..
O estudo concretizou-se nas UBS de um serviço que é orientado pelos valores, princípios e atributos da APS. As UBS atuam em territórios ou áreas de abrangência geograficamente delimitadas com uma população total de cerca de 108.000 moradores das zonas leste e norte de Porto Alegre. O serviço possui três finalidades principais: Atenção à Saúde, formação de profissionais e produção de conhecimento/tecnologias em Atenção Primária à Saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).
Para a realização da pesquisa-intervenção, foi feito contato com integrantes da gerência que são coordenadores do processo de mudança do modelo de atenção desenvolvido nesse serviço. Foram indicadas quatro UBS, tendo como critério de seleção a maior familiaridade com o uso e a compreensão das práticas de atenção às condições crônicas.
Inicialmente, utilizou-se a observação participante como uma ferramenta para as intervenções. A pesquisadora acompanhou os trabalhadores das UBS na realização das novas práticas de Saúde, buscando observar como as práticas eram executadas. Em seguida, foram realizados quatro grupos, um em cada unidade, momento que contou com a presença de uma observadora. Tais grupos buscavam fazer a restituição do que foi analisado durante as observações e realizar novas discussões sobre as práticas de atenção às condições crônicas. Eles serviram como dispositivos importantes na construção de uma análise coletiva sobre as práticas e o processo de trabalho vivenciado.
Por fim, após a análise dos grupos, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com três integrantes da gerência desse serviço.
No decorrer do estudo, a pesquisadora também manteve um diário de pesquisa para registrar as suas observações do campo. Lourau1313 Lourau R. Análise institucional e práticas de pesquisa. Rio de Janeiro: UERJ; 1993. alega que a técnica do diário não se refere especificamente à pesquisa, mas ao processo de pesquisar. O autor menciona que tal dispositivo possibilita “[...] o conhecimento da vivência cotidiana de campo (não o ‘como fazer’ das normas, mas o ‘como foi feito’ da prática) [...]” (p. 77).
Para a análise dos dados produzidos com base nas transcrições, análises e reflexões ocorridas nos grupos, entrevistas e registros dos diários, buscou-se identificar as falas que se repetiam e que contribuíam para a construção do entendimento das práticas de atenção às CC e da gestão do cuidado desse serviço.
Foram cumpridas as exigências da Resolução CNS n. 466/2014 e cada sujeito confirmou sua participação via leitura e assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Grupo Hospitalar sob o número 18.090. Para garantir a confidencialidade, os participantes foram identificados por nomes de flores.
A construção e a discussão de alguns analisadores
As transformações vivenciadas exigem tempo para sedimentar-se e o mesmo acontece com as práticas de atenção às CC, que têm tido dificuldade para sua realização, pois “toda nova disciplina ou novo espaço de saber entra em contradição com o saber então instituído”. Lourau1313 Lourau R. Análise institucional e práticas de pesquisa. Rio de Janeiro: UERJ; 1993. ressalta: “creio ser mais fácil reconhecer e identificar o já conhecido ou o instituído”. Quanto ao “novo”, o “estranho”, o “desconhecido”, sempre temos podido isolá-lo como incoerente (e assim, ainda hoje, o fazemos).
Vale observar que a inclusão de novas práticas de atenção às CC nesse serviço propiciou importantes mudanças nos processos de trabalho das equipes e nos resultados em Saúde: acesso ampliado, avaliado por meio do aumento nas coberturas de hipertensos e diabéticos (68 e 67% respectivamente); melhoria na qualidade da atenção, avaliada por meio do controle clínico das doenças (77% dos hipertensos e 59% apresentam estabilização clínica); e redução das internações hospitalares por condições sensíveis à Atenção Primária e a estratificação de risco passou a ser amplamente realizada (88% dos pacientes). Rotinizou-se a consulta odontológica aos usuários diabéticos (37% desses pacientes fizeram avaliação odontológica) e a investigação de depressão em pacientes com CC33 Mendonça CS, Takeda SMP, Diercks Ml, Flores R. Mudanças na atenção à saúde em condições crônicas em serviços de atenção primária. Porto Alegre: Hospital Nossa Senhora da Conceição S.A.; 2016.,1414 Brasil. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Gerência de Saúde Comunitária. Apoio Técnico em Monitoramento e Avaliação. Indicadores de saúde: relatório anual 2019. Porto Alegre: Hospital Nossa Senhora S.A.; 2019..
Contudo, passados nove anos desde que se instituiu o MACC e com todos os avanços citados, observou-se que as equipes se envolvem em diferentes graus e tempos, que algumas práticas propostas não estão mais ocorrendo e em outras há pouca participação dos usuários. Foi possível perceber esse fato nos relatos dos profissionais, apontando dificuldade de modificar o modelo fortemente instituído para o modelo de atenção à saúde em CC.
A análise identificou dois pontos principais com seus analisadores, expressando o movimento de tensão existente na dinâmica instituído-instituinte-institucionalização, afetando os processos de trabalho no cotidiano das unidades de saúde. Destacamos, entre as tensões encontradas, o cumprimento individual de tarefas x engajamento da equipe e a produtividade x novas propostas de cuidado.
Implicação dos profissionais: conflito entre cumprimento individual de tarefas e engajamento da equipe
Considerando o trabalho em Saúde como instituição, por possuir normas e regras preestabelecidas, a implicação profissional nada mais seria que a relação que os profissionais estabelecem com o trabalho em Saúde. O profissional possui uma relação com o trabalho a ser desenvolvido. Ele pode gostar, não gostar, ser indiferente (implicação libidinal), acreditar nas práticas de atenção às CC realizadas por ele e por sua equipe, não acreditar que o MACC seja um bom modelo (implicação ideológica), ter respaldo da gestão para o bom desenvolvimento de suas funções, conseguir desenvolver o trabalho pactuado com a equipe (implicação organizacional). Portanto, ele permanece sempre implicado, quer queira quer não1515 Lourau R. The institutional analysis. Petrópolis: Vozes; 2014..
A gestão do cuidado às CC exige uma equipe que atue em conjunto, já que a integralidade do cuidado evidencia melhores resultados no cuidado da Saúde. Um estudo realizado em Curitiba, para identificar a percepção de usuários e equipes de saúde sobre inovações na atenção às CC, demonstrou a importância da valorização da participação e do fortalecimento dos grupos diretamente envolvidos no processo de intervenção por meio de ação reflexiva, incluindo a gestão, as equipes locais e as pessoas usuárias1616 Schwab GL, Moysés ST, Kusma SZ, Ignácio AS, Moysés GM. Percepção de inovações na atenção às Doenças/Condições Crônicas: uma pesquisa avaliativa em Curitiba. Saude Debate. 2014; 38 Esp:307-18..
Uma experiência sobre a atenção compartilhada no SUS foi realizada no Laboratório de Inovações de Atenção às CC em Santo Antônio do Monte/MG, tendo a integração da prestação de cuidados crônicos como uma das principais estratégias para minimizar a carga dessas condições. Esse laboratório de inovações utilizou o MACC; a estratificação de risco das CC; as novas tecnologias de saúde; e o trabalho multiprofissional e interdisciplinar. Os principais resultados do laboratório foram: satisfação das equipes de Saúde e dos usuários; melhoria no controle de glicemia em diabéticos; e aumento de cerca de 50% na avaliação da capacidade institucional para a atenção às CC1717 Mendes EV, Cataneli RCV, Nicoletti RHA, Kemper ES, Quintino ND, Matos MAB, et al. Integrated care in the unified health system of Brazil: the laboratory for innovation in chronic conditions in Santo Antônio do Monte. Int J Healthc Manag. 2018; 12(2):116-22.. Yeoh et al.1818 Yeoh EK, Wong MCS, Wong ELY, Chan CH, Zee B, Coats AJS, et al. Benefits and limitations of implementing Chronic Care Model (CCM) in primary care programs: a systematic review. Int J Cardiol. 2018; 258:279-88., por meio de uma revisão sistemática, também verificaram que os pacientes estavam mais satisfeitos com a implementação do modelo em comparação com os cuidados usuais.
Em 2012, o serviço em questão acompanhou 89 crianças com asma por meio de consultas sequenciais, ou seja, quando o indivíduo compartilha suas experiências com profissionais de diferentes formações, que dividem as informações a serem dadas ao indivíduo1919 Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária à saúde: o imperativo da consolidação da estratégia da saúde da família. Brasília: Organização Pan-americana da Saúde; 2012.. Observou-se ótima adesão ao modelo, melhor conhecimento da família sobre a doença e seu manejo e maior integralidade no cuidado. Além disso, um maior número de crianças teve a sua doença controlada e foi significativa a redução de idas à emergência e de internações por asma2020 Lenz MLM, Camillo EG, Siva DDF, Pires NBV, Flores R. Atendimento sequencial multiprofissional de crianças e adolescentes com asma em um serviço de atenção primária à saúde. Rev APS. 2014; 17(4):438-49.. Mesmo com o impacto positivo desse modelo, ele foi desenvolvido somente por três anos e não ocorria no momento da pesquisa, como relatou a profissional:
A gente já teve consulta sequencial, mas exige muita modificação, acho que é difícil de manter, por mais que os resultados sejam bons e que a gente veja melhoras de índices, adesão e outras coisas no cuidado, pra gente é uma coisa fora da rotina habitual, a gente organiza uma atividade e aquilo ali então sai da rotina [...] e a equipe mudou muito, as pessoas se aposentaram, entraram novos e isso meio que quebrou a nossa continuidade, mas a gente ficou fazendo uns três anos a sequencial, depois meio que acabou desmobilizando.
(Enfermeira Rosa)
Nesse sentido, podemos afirmar que os profissionais se encontram presos no segmento da reprodução, no querer “fazer igual”, denotando um plano de organização cristalizado e endurecido, que tende a se perpetuar exatamente pela força e pela conservação do instituído. Salci et al.2121 Salci MA, Meirelles BHS, Silva DMG. Atenção primária às pessoas com diabetes mellitus na perspectiva do modelo de atenção às condições crônicas. Rev Lat Am Enfermagem. 2017; 25:e2882., em estudo, avaliaram a Atenção à Saúde desenvolvida pelos integrantes da APS às pessoas com diabetes mellitus na perspectiva do MACC e encontraram situação semelhante. Os profissionais não se envolviam no atendimento e no acompanhamento sistematizado para a prevenção e a redução de complicações crônicas do diabetes, e as atividades educativas eram realizadas de forma parcial ou não eram realizadas.
Outra questão relevante é que as práticas de atenção às CC não acontecem por um pensar coletivo, e sim pelo desejo individual de alguns profissionais, como mostra o discurso da enfermeira Flor de Lótus:
E tem uma questão do desejo. Tem pessoas na nossa equipe que são muito mobilizadas para realizar as práticas inovadoras, de promoção da saúde e tem outras que não, então acaba ficando na ordem de um desejo individual, do que de fato um entendimento que é de todo um coletivo de equipe.
(Enfermeira Flor de Lótus)
Uma pesquisa realizada por Heidemann et al.2222 Heidemann ITSB, Cypriano CC, Gastaldo D, Jackson S, Rocha CG, Fagundes E. Estudo comparativo de práticas de promoção da saúde na atenção primária em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil e Toronto, Ontário, Canadá. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):1-13., em Florianópolis e Toronto, também identificou pouco envolvimento e articulação da equipe, falta de organização para a realização de grupos e outras atividades de promoção da Saúde. O estudo de Raupp2323 Raupp LM, Dhein G, Medeiros CRG, Grave MTQG, Saldanha OMFL, Santos MV, et al. Doenças crônicas e trajetórias assistenciais: avaliação do sistema de saúde de pequenos municípios. Physis. 2015; 25(2):615-34. realizado em pequenos municípios do RS também apontou como fator preocupante as poucas ações de prevenção ou promoção de Saúde, mesmo nos casos de usuários que já apresentavam complicações oriundas de CC.
Outro aspecto encontrado é a dedicação às práticas de atenção às CC que ocupa boa parte do tempo e exige planejamento, provocando nos profissionais um sentimento de “mais uma coisa a fazer”. Muitas vezes eles revelam estar sobrecarregados, dificultando assim o envolvimento com algumas dessas propostas inovadoras. A enfermeira Flor de Lótus explica da seguinte forma:
As práticas, os grupos, não se dão somente no momento do encontro, têm todo um preparo, uma pré-organização de conhecimento, de organização de processo, de metodologia, a gente tem que pensar como vai acontecer [...] Tem pessoas que devido ao trabalho e à sobrecarga, acabam não se envolvendo, às vezes porque estão sobrecarregadas.
(Enfermeira Flor de Lótus)
O tempo destinado ao desenvolvimento das práticas de atenção às CC pode indicar parte da dimensão organizacional da implicação profissional. Essa afirmação é possível de ser realizada quando se constata, por meio da fala, a maneira com que o tempo tem sido utilizado pelo profissional de Saúde no exercício de suas funções. A fala acima, apreendida por meio de um grupo, demonstra aquilo que se encontra instituído e presente no cotidiano dos profissionais de Saúde em geral: a falta de tempo para a realização das práticas inovadoras.
É preciso considerar que, se as mudanças atualmente desejadas e impressas nos processos de trabalho em Saúde qualificam a organização e a prestação de serviços, por outro lado trazem novas exigências para os trabalhadores, na medida em que abalam as formas tradicionais de exercício de funções, papéis, responsabilidades, desempenho e principalmente a forma de interação com seus pares e com usuários2424 Santos-Filho SB. Um olhar sobre o trabalho em saúde nos marcos teórico-políticos da saúde do trabalhador e do humaniza SUS: o contexto do trabalho no cotidiano dos serviços de saúde. In: Santos-Filho SB, Barros MEB, organizadores. Trabalhador da saúde: muito prazer! Protagonismo dos trabalhadores na gestão do trabalho em saúde. Ijuí: Ed. Unijuí; 2007. p. 73-96.. Portanto, os profissionais sentem-se sobrecarregados, exigidos por uma demanda, digamos, quase infinita. Então, o novo (que seriam as práticas inovadoras) provoca de forma inicial esse sentimento de “resistência, não fazer, não se envolver”. Ou seja, apesar de a proposta ser inovadora, a sua concretização é atravessada por esse campo de forças contrárias, conforme nos lembra a AI. Ambas as forças, tanto a revolucionária do instituinte quanto a conservadora do instituído, integram a realidade pesquisada de maneira conflitiva.
Também se notou que para alguns profissionais esse novo modelo assistencial mais pareceu externo a eles, com pouca ou nenhuma interlocução com a realidade concreta. A enfermeira de uma unidade explicou do seguinte modo:
É muito bonito mesmo no papel a questão destas práticas inovadoras, mas espaço e profissionais todos no mesmo dia não temos. Então eu acho assim, é bonito, é bom se a gente conseguisse aqui, mas frente a nossa realidade tu vê que é uma coisa que eu não diria impossível, mas é difícil. Essa estruturação do MACC é difícil, é uma mudança muito grande.
(Enfermeira Rosa)
Vale lembrar que, na cultura organizacional em saúde, se verifica frequentemente o distanciamento dos trabalhadores das unidades na elaboração das práticas adequadas às necessidades dos usuários e compatíveis com as condições locais. Quando os trabalhadores não participam dessa construção, pode ocorrer resistência, principalmente às novas práticas de trabalho.
O serviço de APS em questão, por sua vez, também encontra dificuldades em reformular a forma de atendimento esperada no modelo de cuidado das pessoas em CC, sendo ainda que se estrutura e se organiza para atender às suas próprias prioridades, realizando as práticas mais adequadas ao trabalho dos profissionais. No nosso entender, a persistência nessa forma de funcionamento estabelecida impede a participação do usuário, pois ele é obrigado a se submeter às ofertas e aos horários disponíveis sem levar em consideração sua disponibilidade. Durante um grupo, o agente comunitário Lírio comenta as dificuldades que os usuários encontram em participar de algumas práticas oferecidas, porque elas são realizadas no horário comercial, uma dificuldade para as pessoas que trabalham. Nesse caso, não é a UBS que se adapta ao horário dos usuários e sim o contrário.
Na nossa Unidade de Saúde, estas práticas acontecem no horário que as pessoas trabalham, então isso também é um limitador, porque a gente oferta no horário que a pessoa não pode vir.
(Agente Comunitário Lírio)
No entanto, encontramos alguns profissionais que acreditam que as novas modalidades de atendimento são importantes e, com planejamento e engajamento, elas são passíveis de ser introduzidas. Ou seja, de acordo com um dos princípios básicos da AI, a implicação altamente positiva dos sujeitos envolvidos é fundamental para construir e institucionalizar as práticas de atenção às CC. Nesse sentido, os grupos de cessação do tabagismo e grupos voltados para alimentação saudável, denominada Saúde no Prato, podem ser considerados instituídos na prática assistencial das UBS desse serviço.
O Projeto Saúde no Prato foi criado por profissionais de Nutrição e de Odontologia e, com base na consulta coletiva, orienta as pessoas sobre hábitos alimentares adequados. Em 2012, recebeu o prêmio “Destaque em Saúde”, concedido pelo Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre, na categoria Inovação em Saúde. O Grupo do Tabagismo também utiliza o método da consulta coletiva, além de abordagens motivacionais para cessação do tabaco. Esse serviço tem como meta que cada unidade realize três grupos de tabagismo por ano. Dados desse serviço indicam que 36% dos tabagistas participariam dos grupos ofertados pelas UBS, com um índice de 48% de cessação de tabaco1414 Brasil. Ministério da Saúde. Grupo Hospitalar Conceição. Gerência de Saúde Comunitária. Apoio Técnico em Monitoramento e Avaliação. Indicadores de saúde: relatório anual 2019. Porto Alegre: Hospital Nossa Senhora S.A.; 2019..
Em uma das unidades, os grupos iniciaram em 2011, sendo desde então já realizados 12 grupos, desses participaram 109 pessoas das quais 46 haviam parado de fumar no quarto encontro, o que representa 42,2% de cessação2525 Krinsk BM, Faustino SDD, Schenider M. Grupo de cessação de tabagismo na atenção primária à saúde: experiência de uma unidade de saúde de Porto Alegre/RS. Rev APS. 2018; 21(1):66-76..
Para Esmeraldo2626 Esmeraldo GROV, Oliveira LC, Esmeraldo Filho CE, Queiroz DM. Tensão entre o modelo biomédico e a estratégia saúde da família: a visão dos trabalhadores de saúde. Rev APS. 2017; 20(1):98-106., a construção dos modelos de Atenção à Saúde constitui um processo inacabado, dinâmico e permanente, em consonância com as particularidades de cada realidade. Mas por meio de cada território e das suas especificidades é possível que cada serviço construa o “seu modelo”. O autor ainda ressalta: os modelos devem ser construídos com base nas realidades concretas, nas suas especificidades. De outro modo, é impossível consolidá-los.
As mudanças na gestão e nos processos de trabalho das equipes participantes deste estudo foram fundamentadas pelo MACC de Mendes2727 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde; 2011.. Contudo, apesar desse modelo ter sido adaptado para ser aplicado no SUS, é importante refletir que “não existe uma receita” de transição de um modelo voltado para as condições agudas para um modelo que atenda às CC, de maneira que essa transição precisa ser singular para garantir a particularidade do cuidado, na perspectiva de considerar o contexto de cada sistema local de Saúde. Na visão de Salci2121 Salci MA, Meirelles BHS, Silva DMG. Atenção primária às pessoas com diabetes mellitus na perspectiva do modelo de atenção às condições crônicas. Rev Lat Am Enfermagem. 2017; 25:e2882., para que o MACC possa ser uma realidade na rede de Atenção Primária e ser efetivo, é imprescindível que ocorram mudanças em vários âmbitos de abrangência do modelo de atenção, incluindo um preparo mais específico, além de mudanças na estrutura da Atenção à Saúde.
Um novo modelo de atenção, voltado para responder às condições crônicas e que vise provocar mudanças no processo de trabalho em Saúde em sua micropolítica, é sempre complexo e se encontra em um cenário de disputa entre forças instituídas. Micropolítica refere-se aos efeitos da subjetivação, conjunto de fenômenos e práticas capazes de alterar conceitos, percepções e modos de pensar2828 Merhy EE. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec; 2002..
A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde (PNEPS) opera na micropolítica do processo de trabalho. Segundo Lemos2929 Lemos CLS. Educação Permanente em Saúde no Brasil: educação ou gerenciamento permanente? Cienc Saude Colet. 2016; 21(3):913-22., na lógica da PNEPS, é na criação de uma nova subjetividade que a problematização pode contribuir para educar os trabalhadores a assumir um compromisso ético-político e os tornar capazes de atuar criticamente nos microespaços da Saúde, essenciais para a mudança institucional.
Embora a proposta da Educação Permanente, advinda da PNEPS, já esteja bem consolidada, observa-se que ela tem muito a contribuir com as reflexões que estamos propondo. Valorizar as escutas e as formas com que os profissionais realizam as práticas de atenção às condições crônicas pode ser um caminho, além de ir ao encontro dessas experiências como forma de rastrear a potência de cada uma delas.
Políticas de gestão: tensão entre produtividade e novas propostas de cuidado
Destacaram-se nos discursos elementos que sinalizam uma política de gestão por resultados, que oprime e desestimula a potência dos coletivos para a transformação das práticas. A análise dos relatos dos profissionais evidenciou que a cobrança por produtividade não se ajusta à realidade do novo modelo de atenção. Além disso, a lógica quantitativa de produção de consultas impossibilita a participação de toda a equipe, seja pela falta de tempo seja pela não disponibilidade para a realização das práticas.
Tem uma cultura que realmente cobra bastante em termos de produtividade de consultas e cobra bastante em termos de metas, às vezes até de uma forma, como é que eu vou te dizer...? Um pouco dissociada dessa mudança do modelo de atenção.
(Enfermeira Flor de Lótus)
A exigência e a cobrança que existe por indicadores e o número de consultas burocratizam o atendimento nem sempre correspondendo à qualidade dos serviços. Ademais, essas dificuldades vivenciadas pelas equipes podem ser explicadas pela falta do diálogo entre profissionais de Saúde e gestores sobre a implantação dessas práticas nas unidades. É o que pode ser observado no relato da psicóloga Estrelita.
A gente recebe da instituição mensagens que são contraditórias, ao mesmo tempo que dizem ah que legal que vocês renovem, a produtividade de consultas não pode baixar e se baixar vai ter que justificar [...] Não existe dentro da gestão a compreensão que somos um serviço de APS e que na verdade o nosso indicador não é só produtividade e o número de consultas produzidas. Falta preparo na argumentação dos nossos gestores em falar sobre o que é produzir saúde.
(Psicóloga Estrelita)
A atuação das equipes voltadas para dar conta da demanda de consultas também indica um cumprimento apenas parcial da política de atenção às pessoas com CC. Situações semelhantes também foram encontradas em outros estudos realizados na APS, mostrando que essa situação se repete em diferentes locais. Pesquisa realizada por Heidemann et al.2222 Heidemann ITSB, Cypriano CC, Gastaldo D, Jackson S, Rocha CG, Fagundes E. Estudo comparativo de práticas de promoção da saúde na atenção primária em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil e Toronto, Ontário, Canadá. Cad Saude Publica. 2018; 34(4):1-13. identificou que o processo de trabalho dos profissionais também tem o seu foco baseado na produtividade do cuidado. Há uma cobrança dos gestores para que o atendimento da população ocorra por meio das consultas individuais, com pouca realização das práticas promotoras articuladas aos determinantes sociais da Saúde, ocorrendo um desequilíbrio dessas atividades de Saúde.
Galavote et al.3030 Galavote HS, Franco TB, Freitas PSS, Limab EFA, Garcia ACP, Andrade MAC, et al. A gestão do trabalho na estratégia saúde da família: (des)potencialidades no cotidiano do trabalho em saúde. Saude Soc. 2016; 25(4):988-1002., em estudo sobre gestão de trabalho na Estratégia Saúde da Família (ESF), também identificaram elementos que sinalizam uma prática de gestão por disciplinamento e controle das práticas dos trabalhadores por meio da obtenção de resultados, fundamentada em atos mandatórios e normalizadores do trabalho dito prescrito, trabalho morto, instituído, que amputa o trabalhador da sua autonomia e inventividade, ou seja, do instituinte.
Buscou-se, com os integrantes da gerência desse serviço, compreender essa política de gestão por resultados apontada pelas equipes. Segundo uma das entrevistadas, essas exigências e cobranças relatadas pelos trabalhadores podem se dar pela formação/experiência dos profissionais, mantendo as equipes inundadas na assistência à Saúde e deixando em segundo plano alguns aspectos das inovações na Atenção à Saúde das pessoas com CC.
As mudanças propostas pelo serviço são claras, mas são claras somente para as pessoas que coordenam isso, às vezes não chega nas equipes, não chega em todos os profissionais, alguns têm dificuldades de compreensão pela formação deles, pela experiência, por exemplo, tem vários que são funcionários administrativos, então é difícil de se apropriar dessas inovações, dessas mudanças no processo de trabalho que o serviço propõem a fazer. Então, eu acho que realmente existem essas contradições.
(Entrevistada Begônia)
Donnangelo3131 Donnangelo MCF. Medicina e sociedade. 2a ed. São Paulo: Hucitec; 2011. observa que, de fato, é comum os profissionais se queixarem das regras impostas pela gestão, a que a autora denomina interferências externas. As mudanças levam tempo, não se abandonam rapidamente hábitos adquiridos. Para que ocorra essa mudança, deve haver a (des)construção do conhecimento instituído, estar aberto ao novo, abandonando concepções rígidas. Apesar de instituído e implantado um novo modelo de cuidado, o tempo para que mudanças no comportamento dos trabalhadores se deem é diferente do tempo em que as mudanças se instituem.
Nesse sentido, estimular processos cogestivos seria uma alternativa interessante. No âmbito da Atenção Primária é necessário que a gestão esteja mais próxima dos serviços, que os trabalhadores e gestores analisem as suas implicações, cogerindo as práticas de atenção das CC. Por uma gestão participativa, é possível promover melhorias como a democratização do planejamento e a tomada de decisões, sob a perspectiva e a visão dos sujeitos diretamente envolvidos, o que possibilitará uma produção de Saúde que responda às necessidades da população e dos trabalhadores3232 Campos GWS, Figueiredo MD, Pereira JN, Castro CP. A aplicação da metodologia Paideia no apoio institucional, no apoio matricial e na clínica ampliada. Interface (Botucatu). 2014; 18 Suppl 1:983-95. Doi: https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0324.
https://doi.org/10.1590/1807-57622013.03... .
O estudo de Penedo, Gonçalo e Queluz3333 Penedo RM, Gonçalo CS, Queluz DP. Gestão compartilhada: percepções de profissionais no contexto de Saúde da Família. Interface (Botucatu). 2019; 23:e170451. Doi: https://doi.org/10.1590/Interface.170451.
https://doi.org/10.1590/Interface.170451... aponta que compartilhar a gestão favorece o processo de trabalho e fortalece as relações entre o líder e os trabalhadores. Quando todos podem expor suas opiniões e têm a oportunidade de discutir juntos para compor consensos coletivamente, os trabalhadores podem superar suas dificuldades, encontrando a melhor solução para o grupo, mesmo diante de opiniões divergentes.
Alargando um pouco mais essa discussão, é importante pontuar que a gestão não é apenas a organização do processo de trabalho, há também o problema da descontinuidade político-administrativa. Esse fenômeno pode ser definido pela interrupção de iniciativas, projetos, programas, mudanças radicais de prioridades e engavetamento de planos futuros, sempre em função de um viés político, desprezando-se considerações sobre possíveis qualidades ou méritos que tenham as ações descontinuadas. Como consequência, tem-se a perda de memória do saber institucional e um desânimo das equipes de trabalho por conta de gestores que vêm e vão3434 Machado JC, Mitre Cotta RM, Soares JB. Reflexões sobre o processo de municipalização das políticas de saúde: a questão da descontinuidade político-administrativa. Interface (Botucatu). 2015; 19(52):159-70..
Por isso, a qualificação e a educação permanentes do gestor, tanto no campo da técnica quanto da política, são fundamentais, permitindo a aquisição de conhecimentos e habilidades que superem a descontinuidade que vem marcando a gestão na política de Saúde. Para Paim3535 Paim JS. SUS - Sistema Único de Saúde: tudo o que você precisa saber. São Paulo: Atheneu; 2019., a qualificação, não só dos profissionais diretamente inseridos na assistência, mas também dos gestores, constitui um dos pontos críticos da gestão nos serviços públicos de Saúde.
Considerações finais
A institucionalização das práticas de atenção às CC exige a reorganização dos processos de trabalho. A inclusão da análise das implicações foi relevante no contexto estudado, pois significou compreender os pertencimentos institucionais, possibilitando ampliar o olhar sobre os processos de trabalho dos profissionais diante da institucionalização do MACC.
No que se refere à implicação dos profissionais, observaram-se conflitos entre o cumprimento individual de tarefas e o engajamento coletivo. Presos no plano de organização do individualismo, a maioria dos profissionais insiste em um tipo de atendimento dominante e curativo. Poucos foram os profissionais com disposição-implicação com as práticas de atenção às CC, o que demonstra a falta de planejamento e integração entre os membros da equipe.
Em relação à política de gestão, revelou-se uma tensão entre as metas exigidas com base na produtividade e na incorporação das novas propostas, isto é, o ritmo de trabalho e a pressão em termos de prazos foram considerados fatores críticos e revelaram um enfoque da gestão por resultados, o que tem dificultado a construção das novas alternativas de cuidado.
Compreendendo as políticas públicas de saúde em um cenário de projetos em disputa na sociedade, a percepção dos entraves mencionados pelos trabalhadores deve ser analisada à luz de fatos que influenciam o processo de implementação dessa política, pois é nesse cenário que se encontram os indivíduos inseridos no processo de implementação das práticas de atenção às CC: gestores, trabalhadores e usuários.
Vale lembrar também que esta pesquisa não teve como objetivo realizar julgamentos, culpabilizando as equipes ou a gestão pelas dificuldades encontradas nas unidades. Na verdade, analisou as “tensões” que ali se encontram e que poderão servir de apoio para os gestores, coordenadores e equipes na reflexão das práticas de atenção às CC e suas implicações nos processos de trabalho. Além disso, esta pesquisa poderá inspirar análises semelhantes em outros locais, que certamente podem estar vivenciando situações similares às do serviço estudado.
Agradecimentos
Ao Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unisinos e ao Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Conceição, por todo o apoio nesta trajetória.
- Silocchi C, Junges JR, Moehleck V, Diercks MS. Institucionalização das práticas de atenção às condições crônicas e gestão do cuidado na Atenção Primária. Interface (Botucatu). 2021; 25: e200506 https://doi.org/10.1590/interface.200506
- *Este artigo é fruto da uma tese de doutorado em Saúde Coletiva na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Financiamento
A presente pesquisa foi realizada com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (Capes).
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
19 Nov 2021 - Data do Fascículo
2021
Histórico
- Recebido
27 Jul 2020 - Aceito
27 Ago 2021