Exclusão, preconceito e invisibilidade de pessoas em situação de rua refutando o direito à saúde

Exclusion, prejudice and the invisibility of homeless people at odds with the right to health

Exclusión, prejuicios e invisibilidad de las personas sin hogar que refutan el derecho a la salud

Lucas Alves Gontijo Bruna Moreira da Silva Selma Maria da Fonseca Viegas Sobre os autores

Resumos

Objetivou-se discutir a exclusão, o preconceito e a invisibilidade de pessoas em situação de rua em desacordo ao direito à saúde. Trata-se de um estudo delineado pela Teoria Fundamentada nos Dados e Interacionismo Simbólico, com 36 participantes de municípios da região centro-oeste de Minas Gerais, Brasil, que evidencia a exclusão institucional das pessoas em situação de rua e preconceitos de usuários ao estar com essas pessoas no espaço da unidade de saúde. A falta de planejamento das ações da Atenção Primária inviabiliza o cuidado integral e oportuno e mantém a exclusão. A pesquisa também enfatiza a importância das redes de apoio social na superação das invisibilidades dessas pessoas e maior resolutividade com ações intersetoriais. Considera-se, como resultados deste estudo, que a atenção à saúde das pessoas em situação de rua ocorre mediante um agravo ou adoecimento, refutando a relevância das ações intersetoriais e comprometendo a garantia de acesso equânime à saúde, sem preconceitos.

Palavras-chave
Pessoas Mal Alojadas; Atenção Primária à Saúde; Direito à saúde


The aim of this article is to discuss exclusion, prejudice and the invisibility of homeless people at odds with the right to health. Using the grounded theory method and symbolic interactionism, the study was conducted with 36 participants living in municipalities in the midwest region of the state of Minas Gerais, Brazil. The findings reveal institutional exclusion of homeless people and patient prejudice against these people in health services. Furthermore, lack of planning of primary care actions jeopardizes timely comprehensive care and maintains exclusion. The study further underscores the critical role of social support networks in addressing the invisibility of these individuals and achieving greater resolution through intersectoral actions. It highlights that healthcare for people experiencing homelessness often arises from an exacerbation or illness, thus undermining the significance of intersectoral collaboration and jeopardizing the guarantee of equitable access to healthcare without prejudice.

Keywords
Ill-housed persons; Primary health care; Right to health


El objetivo fue discutir la exclusión, el prejuicio y la invisibilidad de personas sin hogar en desacuerdo al derecho a la salud. Estudio delineado por la Teoría Fundamentada en los Datos e Interaccionismo Simbólico, con 36 participantes de municipios de la región centro-oeste del Estado de Minas Gerais, Brasil. Pone en evidencia la exclusión institucional de las personas sin hogar, prejuicios de usuarios al estar con estas personas en el espacio de la unidad de salud, la falta de planificación de las acciones de la Atención Primaria inviabiliza el cuidado integral y oportuno y mantiene la exclusión. El estudio también resalta el papel crucial de las redes de apoyo social para superar la invisibilidad de estas personas y lograr una mayor resolución mediante acciones intersectoriales. Se considera, como resultado de este estudio, que la atención a la salud de las personas en situación de calle se produce principalmente en respuesta a una enfermedad o un empeoramiento de la salud, lo que refuta la relevancia de las acciones intersectoriales y compromete la garantía de acceso equitativo a la atención sanitaria, sin prejuicios.

Palabras clave
Personas mal alojadas; Atención primaria de la salud; Derecho a la salud


Introdução

O preconceito, a exclusão e a invisibilidade das pessoas em situação de rua caracterizam o movimento de expulsão gradativa da sociedade, privando-as do convívio social e de acesso aos direitos constitucionais à sobrevivência digna, como trabalho, saúde, educação, alimentação e moradia11 Sanchotene IP, Antoni C, Munhós AA. Maria, Maria: concepções sobre ser mulher em situação de rua. Textos Amp Contextos (Porto Alegre) [Internet]. 2019 [citado 23 Fev 2023]; 18(1):146-60. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/fass/article/view/29297
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A atenção à saúde de pessoas em situação de rua em um ambiente que exclui, segrega e invisibiliza é desafiador22 Gramajo CS, Maciazeki-Gomes RD, Silva PD, Paiva AMN. (Sobre)viver na rua: narrativas das pessoas em situação de rua sobre a rede de apoio. Psicol Cienc Prof. 2023; 43. doi: 10.1590/1982-3703003243764.
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. É preciso trabalhar incansavelmente para que essas pessoas sejam reconhecidas e visíveis nos serviços de saúde, considerando suas vulnerabilidades e potencialidades na sociedade33 Matoso LML, Silva JJS, Nascimento BM, Matoso MBL. Redução de riscos e danos: ações em saúde com pessoas em situação de rua no interior nordestino. Rev Cont Saude [Internet]. 2019 [citado 21 Fev 2023]; 19(37):183-8. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/contextoesaude/article/view/8109
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.Viver nas fronteiras do convívio social e criar mecanismos para (sobre)viver tornam essas pessoas privadas das relações sociais e determinadas a vivenciarem condições de precariedade em todos âmbitos. São vistas como empecilhos e subalternos, são desprendidas de sua dignidade própria e das regras que sustentam o convívio social44 Schweitzer L, Tolfo SR. Rualização: vivências de pessoas em situação de rua. Ecos [Internet]. 2022 [citado 16 Fev 2023]; 12(1):54-65. Disponível em: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/3069/1752
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Pessoas que vivem esse fenômeno social são frequentemente responsabilizadas pela situação que se encontram – “se perderam”. No entanto, elas não se perderam, elas perderam! Perderam seus direitos, famílias, casas, culturas, memórias, identidades e perspectivas sobre o mundo e sobre si mesmas, resultando na exclusão55 Souza KCD, Vieira MC. Pobreza e resiliência nas narrativas de educandos da EJA em situação de rua. Educ Real. 2022; 47. doi: 10.1590/2175-6236108942.
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Nas ruas, as pessoas que nela vivem e buscam o sustento carecem de acolhimento, amparo e abrigo. O adoecimento dessas pessoas quase sempre é um desfecho obrigatório em suas vidas, já que a rua é tanto a causa quanto a consequência dos problemas de saúde. A exclusão se intensifica pela falta de acesso a emprego formal, renda, educação e cuidados de saúde66 Prado MAR, Gonçalves M, Silva SS, Oliveira PS, Santos KS, Fortuna CM. Homeless people: health aspects and experiences with health services. Rev Bras Enferm. 2021; 74(1). doi: 10.1590/0034-7167-2019-0200.
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A exclusão, o preconceito e a invisibilidade são situações causadas pela interação de inúmeros eventos que segregam as pessoas e se manifestam de forma sequencial e interligada. As múltiplas determinações estão associadas à história da pessoa em situação de rua; à ruptura de seus vínculos familiares; ao adoecimento mental; ao consumo de substâncias psicoativas; a experiências de mortes de entes queridos; a roubos e fugas; e à ausência de abrigo, de trabalho e de renda. Para favorecer a inclusão e a superação de atitudes preconceituosas, conhecer a história de cada pessoa é fator determinante para assegurar o direito à saúde44 Schweitzer L, Tolfo SR. Rualização: vivências de pessoas em situação de rua. Ecos [Internet]. 2022 [citado 16 Fev 2023]; 12(1):54-65. Disponível em: http://www.periodicoshumanas.uff.br/ecos/article/view/3069/1752
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. Superar o contexto da exclusão envolve a articulação em rede intra e intersetorial; e a atuação multiprofissional, de modo a favorecer o cuidado integral, além de fortalecer o protagonismo e a autonomia dessas pessoas22 Gramajo CS, Maciazeki-Gomes RD, Silva PD, Paiva AMN. (Sobre)viver na rua: narrativas das pessoas em situação de rua sobre a rede de apoio. Psicol Cienc Prof. 2023; 43. doi: 10.1590/1982-3703003243764.
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,77 Viegas SMF, Nitschke RG, Bernardo LA, Tholl AD, Borrego MAR, Soto PJL, et al. Quotidiano de equipes de consultório na rua: tecendo redes para a promoção da saúde. Esc Anna Nery. 2021; 25(3). doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2020-0222.
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Buscar alternativas para garantir a essas pessoas os direitos fundamentais e a dignidade humana é imprescindível. Enquanto persistir a invisibilidade nos serviços de saúde, essas pessoas estarão fadadas ao abandono, à indiferença e à exclusão88 Pavia AMSP. Pessoas em situação de rua: avanços e dificuldades na consolidação das premissas constitucionais de 1988. Rev Fapad [Internet]. 2021 [citado 25 Fev 2023]; 1(2). Disponível em: https://periodicosfapad.emnuvens.com.br/gtp/article/view/48
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Destarte, o direito à saúde é uma garantia fundamental e um direito humano99 Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Geneva: ONU; 1948., sendo, no cenário brasileiro, universal e público; e reafirmado na Constituição da República Federativa do Brasil de 19881010 Brasil. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal; 1988. como um direito social sem restrições preconceituosas.

Desse modo, este artigo vem discutir a exclusão, o preconceito e a invisibilidade de pessoas em situação de rua em desacordo ao direito à saúde.

Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, delineada pela Teoria Fundamentada nos Dados (TFD)1111 Strauss A, Corbin J. Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. e pelo Interacionismo Simbólico (IS)1212 Blumer H. Symbolic interactionism: perspective and method. Englewood Cliffs: Prentice-Hall; 1969., oriunda de uma dissertação de mestrado. A TFD viabiliza descobertas em contexto real e a compreensão de fenômenos perante uma estratégia para análise dos dados em quatro etapas1111 Strauss A, Corbin J. Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2008.. O IS possibilita compreender como cada um interpreta os objetos e percebe um ao outro, por meio de suas ações e interações sociais1212 Blumer H. Symbolic interactionism: perspective and method. Englewood Cliffs: Prentice-Hall; 1969..

O estudo foi realizado em dois municípios da macrorregião oeste do estado de Minas Gerais, Brasil, selecionados em virtude do significativo progresso econômico, derivado do notável avanço industrial, contexto que contribui para os fluxos migratórios, culminando em um crescimento populacional exponencial, e que ampliou a propensão à presença de pessoas em situação de rua. Ambos os municípios não possuíam equipes de Consultório na Rua (eCR) na ocasião da coleta de dados. Participaram deste estudo trinta profissionais da Atenção Primária à Saúde (APS) e da Estratégia Saúde da Família (ESF) e seis da Rede Socioassistencial, atuantes na Casa de Acolhimento e no Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP). As unidades de APS dos municípios foram sorteadas aleatoriamente, com exceção daquelas que se faziam referência para a atenção às pessoas em situação de rua. As entrevistas foram realizadas por dois pesquisadores treinados, após contato prévio com os profissionais da unidade.

O parâmetro para a inclusão do participante da pesquisa foi a experiência mínima de um ano na APS, e o de exclusão foi estar de férias ou afastado de suas atividades laborais. O número de participantes foi determinado pela saturação teórica dos dados1111 Strauss A, Corbin J. Técnicas e procedimentos para o desenvolvimento de teoria fundamentada. 2a ed. Porto Alegre: Artmed; 2008., e a coleta de dados foi encerrada na 36a entrevista, quando os conceitos/significados foram suficientes para compreensão do objeto deste estudo.

A entrevista ocorreu de forma agendada, presencial e no local de trabalho, em ambiente privado das unidades de APS/ESF ou das instituições da Rede Socioassistencial, de forma a garantir o anonimato do participante e a preservação do sigilo das informações coletadas. O anonimato se deu pelo uso de código alfanumérico (E1, E2, E3...) – “E” de entrevistado – e o número arábico seguiu a sequência na qual as entrevistas ocorreram, no período de janeiro a novembro de 2022. A entrevista partiu de um roteiro semiestruturado com perguntas abertas acerca da Atenção à Saúde de pessoas em situação de rua, de modo a estimular o pensamento do participante e promover sua interação com a temática e vivências, permitindo ao pesquisador abranger a profundidade dos significados oriundos. As entrevistas tiveram duração média de vinte minutos, foram gravadas em meio digital, transcritas na íntegra e validadas pelo participante da pesquisa. Fez-se registro em memorandos como outra fonte de evidência na TFD.

Como parte integrante do processo analítico, procedeu-se a correlação e análise dos dados mediante a utilização do software computacional Word®. Destaca-se que a execução da análise de dados foi conduzida de forma colaborativa pelos autores deste artigo, garantindo uma abordagem coletiva e plural na interpretação e discussão dos resultados obtidos.

Os dados foram analisados concomitantemente à entrevista, em conformidade com a primeira etapa das quatro indicadas pela TFD: a) codificação aberta; b) codificação axial; c) codificação seletiva; e d) codificação para o processo. Essa técnica de análise permite ao pesquisador maior flexibilidade na interpretação e significação a partir das realidades encontradas. Na fase de codificação aberta, os dados foram classificados em 35 códigos in vivo e cinco propriedades. Na codificação axial, códigos in vivo e propriedades foram agrupados em subcategorias e, posteriormente, emergiram cinco categorias: 1) Exclusão, preconceito e invisibilidade de pessoas em situação de rua refutando o direito à saúde; 2) Na Atenção Primária, o encontro com pessoas em situação de rua: como são e por que saíram de casa?; 3) Dificuldades na implementação de estratégias de autocuidado para pessoas em situação de rua; 4) Demanda espontânea, complexidade da atenção e proatividade profissional em municípios sem Consultório na Rua; e 5) Equidade no enfrentamento das iniquidades: acolhimento de pessoas em situação de rua. Essas categorias possibilitaram o desenvolvimento da categoria central – a ser explicitada a seguir – na codificação seletiva, de modo a representar com precisão todos os resultados da pesquisa. A codificação para o processo consistiu em ir e vir nos dados até o momento da construção da categoria central “Atenção às pessoas em situação de rua em municípios sem Consultório na Rua: do acesso ao enfrentamento das iniquidades”. Destarte, os dados foram repetidamente contestados e analisados durante todo processo de análise.

A pesquisa obedeceu aos padrões éticos da Resolução n. 510, de 7 de abril de 20161313 Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de Abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Brasil: Ministério da Saúde, CNS; 2016.. O projeto de pesquisa foi aprovado sob o Parecer n. 5.173.172. Após apresentação do objetivo do estudo e preceitos éticos, os participantes aceitaram participar voluntariamente da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O estudo seguiu as diretrizes do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ). Os resultados da pesquisa foram devolvidos aos municípios cenários deste estudo, desempenhando um papel crucial na garantia da utilidade prática e transparência do estudo.

Resultados

A caracterização dos participantes é apresentada na figura 1.

Figura 1
Características dos participantes da pesquisa de dois municípios da região centro-oeste de Minas Gerais, Brasil, 2022.

O presente artigo refere-se à categoria “Exclusão, preconceito e invisibilidade de pessoas em situação de rua refutando o direito à saúde”, com duas subcategorias e oito códigos in vivo, apresentados na figura 2.

Figura 2
Categoria “Exclusão, preconceito e invisibilidade de pessoas em situação de rua refutando o direito à saúde”, subcategorias e códigos in vivo da pesquisa realizada em dois municípios da região centro-oeste de Minas Gerais, Brasil, 2022.

Exclusão de pessoas em situação de rua: preconceito, invisibilidade, poderia ter feito mais na atenção à saúde

As pessoas em situação de rua carregam consigo o estigma que valida os preconceitos que enfrentam na sociedade. Fica perceptível, na voz de alguns participantes deste estudo, a invisibilidade da população em situação de rua na comunidade e nos serviços de saúde (memorando).

Dizeres como “a demanda é a da área”, “a gente já tem o costume de fazer a visita em casa do paciente”,“eu sigo andando porque ele não tem residência”, “eles não vão estar dentro da rede”, “eles têm que ter minimamente o CPF [Cadastro de Pessoas Físicas]” evidenciam que as pessoas em situação de rua vivem a exclusão institucional e do sistema:

A demanda em si da ESF já chega ao patamar que não tem nem como fugir, não tem como misturar as coisas, sendo que já tem essa casa de apoio, que faz esse trabalho. (E6)

Não costuma ter muito contato com eles, a gente vê as pessoas e tudo mais, mas não tem contato. [...] porque a gente já tem o costume de fazer a visita em casa do paciente, aí passa o morador de rua por mim, eu sigo andando porque ele não tem uma residência. (E10)

Já teve de a pessoa chegar e os outros não quererem que ela sentasse ali. Às vezes, ele tinha feito xixi na roupa, ele estava sujo de cocô, então acontece. (E18)

Os ACS [agentes comunitários de saúde] trabalham focados nos moradores que têm residência, endereço. [...] o sistema é muito centrado nos padrões biomédicos, tanto da Enfermagem quanto da Medicina. [...] por isso o nosso cuidado é muito biomédico, eles vão receber curativo no dente, atendimento emergencial da saúde mental, psicofármaco, cuidado de câncer. Isso tudo eu já vi, mas eles não vão estar dentro da rede. Eles não estarão inscritos, porque não tem um planejamento para eles. [...] não por causa dos profissionais, é porque o sistema está subfinanciado, vive dificuldades e a estrutura do país é excludente. (E22)

Para consultar eles têm que ter minimamente um CPF para buscar o cartão SUS [Sistema Único de Saúde] deles. A gente faz o cadastro com o endereço da Casa de Acolhimento, porque eles não têm endereço fixo para usarem a rede do SUS. [...] atendimentos na rua e tudo, isso não é a gente, é mais a secretaria de desenvolvimento social que faz, não é a secretaria de saúde. (E33)

Não há ação programática para a atenção às pessoas em situação de rua:

Não vi nada direcionado para população em situação de rua. Curioso, não é? Eles têm grupo de tabagismo, diabéticos e hipertensos; eu tenho que trabalhar com as gestantes fazendo o pré-natal odontológico, mas com a população de rua, um trabalho iniciado na Atenção Primária, eu não vi nada a respeito; se tem, eu desconheço até o momento. (E24)

Dessa forma, o preconceito e a exclusão institucional das pessoas em situação de rua são ratificados pelo rótulo de inferioridade que o restante da população atribui a elas. Os profissionais da saúde também reforçam o estigma e, assim, a assistência à saúde é comprometida (Memorando).

Nos serviços de saúde, os profissionais participantes deste estudo destacam a rejeição dos usuários ao se depararem, na unidade da APS, com pessoas que vivem nas ruas e o preconceito vivenciado por elas:

O pessoal rejeita, não é? Vinha aqui na unidade, o pessoal já sentava um pouco mais longe e eles percebiam isso também. Assim, não pelos funcionários, mas usuários aqui da ESF viam que estava um pouco alterado pelas drogas, alcoolizado. Chegava e perturbava todo mundo, conversava demais e o pessoal ia afastando. (E2)

E o preconceito continua...

Ai [risos], tão difícil, não é? [risos] Tratar os diferentes de forma igual então, assim, é muito complicado, porque a população em situação de rua, ela chega já muito, não só aqui na assistência social, mas também na saúde. Então, uma palavra que a pessoa fala, um questionamento, às vezes, ele chega e não tem lugar para sentar... tudo isso já dificulta o acesso dele e, quando a gente consegue com dificuldade sensibilizar para ele ir fazer o tratamento, chega lá eles barram numa questão dessa. Se tiver um comentário de ele não ter tomado banho ou estar com a roupa suja, já serve para ele ir embora, então é um grande dificultador! Mas a gente já teve questões assim “Ah, ele vai passar pelo dentista, fala para ele não beber”; “Ah, leva ele primeiro e dá banho”, a gente ouve muito! A gente não obriga ninguém a tomar banho, banho é uma questão cultural, cada um cuida de si, cada um sabe de si e isso é uma questão muito difícil! Não é porque ele está na rua que ele não quer tomar banho, tem muita gente que tem casa que não gosta de tomar banho, não é? A gente tenta que eles tenham a maior facilidade no acesso, mas esbarra em algumas questões. (E18)

Há também o autopreconceito:

Bastante preconceito que tem com essas pessoas, não só dentro do POP, mas também fora, questão de saúde, educação, emprego e renda. Quando chegam em qualquer estabelecimento, já têm um prejulgamento com elas: que está sujo, fedido, não tem direito a isso, não tem direito àquilo. Eu observo bastante eles mesmos com preconceito e com receio da situação que eles estão. (E19)

Também são observadas outras formas de preconceito e discriminação:

Tinha um paciente aqui negro – para variar, negro! Muito mau cheiro, ele foi atendido pela dentista. Até achei que eles o encaminhariam para mim, pois ele estava delirando. Não! Não foi encaminhado, e foi devolvido. [...] ele deitou ali, os pacientes foram embora, ficaram lá para frente, e ele ali, nesse banco. (E22)

Não há planejamento de ações que assegurem a inclusão com assistência qualificada. Fica a desejar, pois, como falta tempo para as pessoas em situação de rua, sem estratégias prévias, há desassistência:

Fica um pouco a desejar, não foi feito tanta coisa que a gente gostaria. Por quê? Por causa de tempo [...] então, poderia ter feito mais ações, é... promoção da saúde para eles! Requer tempo e planejamento. [...] pode ser falha até nossa, minha, enquanto agente de saúde de sentar mais com a equipe e falar: “Vamos fazer alguma coisa para eles?” [...] o município, não digo só a ESF, com a secretaria de saúde, desenvolver uma ação melhor para a promoção da saúde deles [...] mas, poderia ter abraçado mais. (E2)

A gente está com grande dificuldade de ter um aumento da demanda, a nossa equipe é mínima, então a gente não consegue atender a todos e ainda fazer grupos e buscar um monte de coisas para eles. (E18)

Direito à saúde e agir integralmente na atenção às pessoas em situação de rua

Torna-se fundamental estabelecer mecanismos de atenção integral às pessoas em situação de rua como direito instituído. As demandas dessas pessoas incluem fatores de responsabilidade do Estado que vão além da atenção à saúde, afetando diretamente a captação desses serviços; portanto, sem a integralidade na rede de atenção, as ações de saúde não contemplam essas pessoas:

Alguns só vinham quando era o dia do projeto, vinham todos, parecia festa, tinha uma alimentação para eles, tinha o banho, o acompanhamento do médico, do enfermeiro, fazia aqueles exames do teste rápido. Então quando eles chegavam para nós, eles já tinham passado por várias etapas de atendimento, então eles gostavam. [...] não devia ser tratado o morador de rua só, também a família dele, as pessoas que convivem, não vou falar a esposa, os filhos, o pai e mãe não, porque, às vezes, a família não são esses. A família, agora, são outros, é o amigo, aquele que dorme junto lá no chão, eu vejo nesse sentido: do respeito, do amor, do cuidado, da transparência, da verdade nesses atendimentos. (E5)

A efetivação do trabalho em rede ainda é uma dificuldade a ser vencida:

Muito interessante é o trabalho em rede, porque todas as políticas públicas são orientadas naquela ideia do atendimento integral às pessoas e eu vejo esse serviço muito falho, os profissionais ainda não entenderam. [...] A população em situação de rua está crescendo, são várias questões econômicas, são muitas coisas! Mas estamos aí para correr atrás do fortalecimento da rede, manter articulação entre os serviços, mas ainda o atendimento não é integral, tem essa dificuldade. (E17)

Nesse sentido, tem-se a seguinte visão da integralidade do ser e do agir sobre os determinantes do processo saúde-doença:

O POP auxilia em um banho, dormir fora do vento, fora do frio, mas não é o suficiente. Porque deveria ter um local onde trouxesse um treinamento para essas pessoas, para elas poderem entrar no mercado de trabalho, porque não é só por conta do vício que eles estão ali na rua, talvez também por falta de oportunidades [...] talvez por falta de experiência, falta de higiene, então, mais do que dormir, deveria ter oficinas para poder ensiná-los a ter uma meta de novo trabalho. (E14)

Os doentes mentais devem ser medicados, eles não têm um cuidado que considere a vida deles como algo que tem que ser protegido. É o que acontece: “bebeu demais... usou drogas demais...”, cuida, depois não faz mais nada, porque o sistema não está implicado na vida do usuário. Apesar que eles têm ganhos fantástico com o SUS, com a Reforma Psiquiátrica brasileira. (E22)

Tem que saber conversar muito bem com essas pessoas. Abordar de uma maneira que elas vão se sentir acolhidas, para tentar reintegrá-las ao meio com mais condição. Muitas delas não têm emprego, está sem condições de trabalho, de um ambiente para tomar um banho. Precisa ter um olhar muito apurado e também ouvir deles se estão precisando de ajuda porque, às vezes, a gente oferece uma coisa que eles não desejam. É saber lidar, saber orientar: “Está usando seu remedinho? Você tem receita?”. Acaba que, nessa saída de casa, perdem medicações, não tomam café da manhã, não almoçam e, consequentemente, perdem a sequência do tratamento, e aí é muito prejudicial, acabam sofrendo muito! (E32)

Mesmo diante de tanto estigma e barreiras sociais, três dos participantes deste estudo denotam que o acesso aos sistemas de saúde é um direito constitucional garantido a toda a população, sem restrições:

É direito de todos, o indivíduo chega no estabelecimento, independentemente de ter moradia fixa ou não, ele tem que ser atendido. (E7)

Não pode negar o atendimento, a gente sabe que o SUS é para todos! (E16)

A gente tem trazido para a saúde a Resolução 40, que trata especificamente da população em situação de rua, ela busca garantir não ter que apresentar um documento para ser atendida, porque a documentação civil é direito, não é dever do usuário, ele tem o direito de portar esses documentos, e isso era um dificultador de acesso. [...] a pessoa em situação de rua também é usuária da saúde, tem que ter os mesmos acessos e as mesmas garantias de qualquer cidadão comum, porque ela é um cidadão comum, por mais que ele está passando pelo fenômeno da rua [...] tem que analisar toda essa trajetória dele para poder facilitar o acesso dele, se ele já foi maltratado ou se sentiu humilhado no equipamento da saúde, ele vai ter dificuldade de acesso, ele não vai conseguir ir facilmente. [...] ele não precisa de caridade, ele precisa de acesso aos seus direitos, precisa conseguir garantia de direito e o acesso à saúde é garantia de direito, ele não tem que solicitar um favor [...] a gente precisa repensar as formas de acesso e não acontece só na saúde, a gente vem lutando muito com isso, questão do Cadastro Único [...] então, assim, é uma guerra constante, mas a gente não desiste não. (E18)

Ainda que o direito à saúde seja de todos, existem lacunas sociais que levam à marginalização das populações vulneráveis. Nos cenários deste estudo, quem tem acesso ao serviço de acolhimento às pessoas em situação de rua assegura a assistência à saúde, mas quem não tem flutua pelo sistema:

As pessoas que não têm cadastro no núcleo POP estão meio que perdidos no sistema, não têm acesso à unidade de saúde, até porque fica difícil de ter o vínculo, cadastramento. Aqui, da mesma forma, os que não têm cadastramento no núcleo POP acabam não sendo cadastrados na nossa unidade. A estratégia basicamente é essa: quem é do núcleo POP é reconhecidamente morador de rua e tem acesso à unidade de saúde nossa; quem não é está perdido no sistema. (E8)

Quando eu atendo, geralmente, é paciente vindo do POP mesmo, não chega aqui procurando “Ah, eu sou morador de rua”. Ou ele já vai lá ou vai na UPA [Unidade de Pronto Atendimento]. (E11)

Torna-se preciso e urgente a intersetorialidade e a integralização dos serviços socioassistenciais, já que a demanda das pessoas em situação de rua vai além das necessidades de saúde:

Aqui tem o CRAS, agora eles estão procurando mais porque o CRAS está aqui do lado. (E23)

Quando as pessoas chegam aqui para o acolhimento, nós fazemos uma avaliação para entender um pouco do histórico. Primeiro, a gente faz uma escuta e, a partir disso, levanta as demandas junto a ele [...]. Os usuários querem auxílio, documento que se perde muito, têm outras prioridades... só que, quando nós enxergamos e vemos a possibilidade de uma avaliação médica [...] a gente já encaminha para a Unidade de Saúde. (E35)

Discussão

A manifestação da exclusão, do preconceito e da invisibilidade das pessoas em situação de rua se faz realidade nos dois cenários desta pesquisa. Esse fato refuta o direito universal, equitativo e integral à saúde. Percebe-se nas falas dos entrevistados deste estudo o impacto da exclusão das pessoas em situação de rua pelo Estado e pela sociedade.

Uma das muitas exclusões que essas pessoas encontram diariamente é a dificuldade de acesso aos serviços de saúde1414 Camargo BP. Vivência em Consultório na Rua do Rio de Janeiro: a situação de rua sob uma nova perspectiva. Rev Bras Med Fam Comunidade [Internet]. 2016 [citado 17 Fev 2023]; 11(38):1-3. Disponível em: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/1269
https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/...
,1515 Vale AR, Vecchia MD. “UPA é nós aqui mesmo”: as redes de apoio social no cuidado à saúde da população em situação de rua em um município de pequeno porte. Saude Soc. 2019; 28(1):222-34. doi: 10.1590/S0104-12902019180601.
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201918...
. Elas convivem recorrentemente com representações sociais pejorativas, histórias de perdas, subalternização e desqualificação, levando-as ao processo de autoexclusão e a ser pessoas desprendidas da sociedade e sem direitos, que internalizam sua imagem desqualificada, estigmatizada e sem esperança11 Sanchotene IP, Antoni C, Munhós AA. Maria, Maria: concepções sobre ser mulher em situação de rua. Textos Amp Contextos (Porto Alegre) [Internet]. 2019 [citado 23 Fev 2023]; 18(1):146-60. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/fass/article/view/29297
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As pessoas em situação de rua compõem um grupo heterogêneo e, por isso, a exclusão desses indivíduos não é linear. Apesar de os paradigmas sociais perpassarem por efeitos deletérios, algumas pessoas que vivem nas ruas, como mulheres e pessoas com transtornos mentais, sofrem um processo discriminatório potencializado1616 Brito C, Silva LN. População em situação de rua: estigmas, preconceitos e estratégias de cuidado em saúde. Cienc Saude Colet. 2022; 27(1):151-60. doi: 10.1590/1413-81232022271.19662021.
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. Assim, nas realidades pesquisadas, percebe-se que diversos fatores – como a higienização precária, a dependência química e não portar os próprios documentos – constituem barreiras sociais e de assistência, além de corroborar com uma estrutura social discriminatória preconcebida que marginaliza ainda mais essas pessoas.

A estigmatização é resultado da exclusão social, que confere depreciação e coloca as pessoas em desvantagem em relação à população em geral e mais vulneráveis às violências e violações1717 Esmeraldo AFL, Ximenes VM. Mulheres em situação de rua: implicações psicossociais de estigmas e preconceitos. Psicol Cienc Prof. 2022; 42. doi: 10.1590/1982-3703003235503.
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O processo de ida para as ruas está frequentemente associado ao rompimento do vínculo familiar. A falta de proteção social torna esse fator central para o processo de exclusão. Assim, a pessoa excluída é tomada pela solidão, pelo isolamento e pelo estigma55 Souza KCD, Vieira MC. Pobreza e resiliência nas narrativas de educandos da EJA em situação de rua. Educ Real. 2022; 47. doi: 10.1590/2175-6236108942.
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A abordagem com acolhimento nos serviços de saúde é ferramenta crucial para o enfrentamento da exclusão, visto que a presença da pessoa em situação de rua torna-se um incomodo no ambiente, dificultando o acesso à atenção integral à saúde como direito66 Prado MAR, Gonçalves M, Silva SS, Oliveira PS, Santos KS, Fortuna CM. Homeless people: health aspects and experiences with health services. Rev Bras Enferm. 2021; 74(1). doi: 10.1590/0034-7167-2019-0200.
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,77 Viegas SMF, Nitschke RG, Bernardo LA, Tholl AD, Borrego MAR, Soto PJL, et al. Quotidiano de equipes de consultório na rua: tecendo redes para a promoção da saúde. Esc Anna Nery. 2021; 25(3). doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2020-0222.
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. Essas pessoas são estigmatizadas pelo cheiro, pela aparência e pelo comportamento, tornando-se reféns das suas próprias histórias88 Pavia AMSP. Pessoas em situação de rua: avanços e dificuldades na consolidação das premissas constitucionais de 1988. Rev Fapad [Internet]. 2021 [citado 25 Fev 2023]; 1(2). Disponível em: https://periodicosfapad.emnuvens.com.br/gtp/article/view/48
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, fatos corroborados pelos resultados deste estudo.

Na APS, o processo de exclusão tem sido produzido pela falta de empatia e de compreensão das singularidades dessas pessoas; pela exigência de documentação de identificação; pelas atitudes preconceituosas e estigmatizantes de profissionais; e pela própria estrutura de trabalho, que está centrada no atendimento de usuários adscritos com referência de endereço domiciliar1818 Melo LJ, Aragão FB, Cunha JHS, Carneiro TG, Fiorati RC. Acessibilidade e qualidade de vida de pessoas em situação de rua e a atenção primária. REFACS [Internet]. 2021 [citado 23 Fev 2023]; 10(1):49-56. Disponível em: https://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/view/5051/5836
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, realidade também evidenciada neste estudo, já que essas pessoas sem domicílio vivenciam a exclusão institucional, pois não há para elas o planejamento da atenção no cotidiano da APS.

Em ambos os cenários desta pesquisa, observou-se que a garantia da assistência à saúde está associada ao vínculo com alguma instituição da Rede Socioassistencial. Evidencia-se a ineficiência de estratégias e de planejamento para a organização das ações, dos serviços e de políticas mais inclusivas, o que reforça a condição de vulneração dos que vivem nas ruas. Há diversas necessidades defasadas, sobrepostas e extremamente complexas; por isso, é fundamental oferecer serviços de atendimento integral relacionados à saúde, moradia, alimentação, à higiene, ao vestuário, ao fortalecimento das relações interpessoais e ao direito ao registro civil, ou seja, a sua identidade1414 Camargo BP. Vivência em Consultório na Rua do Rio de Janeiro: a situação de rua sob uma nova perspectiva. Rev Bras Med Fam Comunidade [Internet]. 2016 [citado 17 Fev 2023]; 11(38):1-3. Disponível em: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/1269
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. Assim, evidencia-se neste estudo que, sem dimensionar a integralidade do ser, a reinserção social da pessoa em situação de rua se compromete. Ações isoladas, sem planejamento intersetorial, surtirão pouco ou nenhum efeito.

Neste contexto, é imprescindível desenvolver métodos e ações assistenciais que valorizem a vida e as experiências de cada um que vive nas ruas, pois sua invisibilidade é marcada pela ausência de políticas públicas efetivas que contemplem suas reais necessidades1919 Alecrim TFA, Palha PF, Ballestero JGA, Protti-Zanatta ST. Advisory teams on the streets: a nurse’s experience report. Rev Esc Enferm USP. 2022; 56. doi: 10.1590/1980-220X-REEUSP-2022-0026en.
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No Brasil, o direito universal à saúde foi conquistado após a instauração do SUS pela Constituição da República Federativa do Brasil de 19881010 Brasil. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal; 1988., cabendo ao poder público prover, por meio de políticas sociais e econômicas, ações que favoreçam a redução do risco de doenças e outros agravos, além de proporcionar o acesso universal a programas e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde1919 Alecrim TFA, Palha PF, Ballestero JGA, Protti-Zanatta ST. Advisory teams on the streets: a nurse’s experience report. Rev Esc Enferm USP. 2022; 56. doi: 10.1590/1980-220X-REEUSP-2022-0026en.
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. Apesar dessa garantia, as pessoas em situação de rua continuam enfrentando situações excludentes, estigmatizantes e segregadoras, distanciando-as do direito aos cuidados de saúde mais básicos.

Nesse sentido, destaca-se a importância de profissionais de saúde serem acolhedores, empáticos, dinâmicos, estratégicos e criativos para desenvolver práticas inclusivas e que estimulem a atenção integral1919 Alecrim TFA, Palha PF, Ballestero JGA, Protti-Zanatta ST. Advisory teams on the streets: a nurse’s experience report. Rev Esc Enferm USP. 2022; 56. doi: 10.1590/1980-220X-REEUSP-2022-0026en.
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, a fim de contemplar melhorias na experiência empírica na atenção às pessoas em situação de rua.

Desenvolver ambientes relacionais entre o profissional de saúde e a pessoa cuidada exige que o profissional ultrapasse os muros da unidade de saúde e entre em contato face a face com o ambiente no qual vivem as pessoas, com busca ativa efetiva. Dessa forma, a integralidade pode ser fortalecida por meio da abertura à diferença e às singularidades das pessoas em situação de rua em direção ao rompimento do estigma e preconceito, contemplando a produção do cuidado sobre os pilares do SUS2020 Silva DV Jr, Belloc MM. Habitar invisível: produção de vida e cuidado na experiência urbana. Interface (Botucatu). 2018; 22(67):1065-75. doi: 10.1590/1807-57622017.0452.
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A atenção às pessoas em situação de rua necessita estar alicerçada em atitudes que contemplem o acolhimento, a escuta e o vínculo. Para tal fim, um desfecho positivo contempla a empatia, a compreensão das diferentes trajetórias de vida, o diálogo horizontalizado, os projetos de vida, as redes de apoio já constituídas e a singularidade da pessoa cuidada22 Gramajo CS, Maciazeki-Gomes RD, Silva PD, Paiva AMN. (Sobre)viver na rua: narrativas das pessoas em situação de rua sobre a rede de apoio. Psicol Cienc Prof. 2023; 43. doi: 10.1590/1982-3703003243764.
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Apesar de se constituir em um equipamento norteador para as práticas de cuidado em saúde no SUS, a Rede de Atenção à Saúde (RAS) ainda enfrenta fragilidades e desafios no atendimento das pessoas em situação de rua. De modo a superar a fragmentação, segmentação, exclusão e violência institucional no atendimento dessas pessoas, é necessária a implementação de estratégias de cuidado específicas para elas, principalmente no cotidiano da APS, que deve prezar pelas ações programáticas. Promover a universalidade de acesso, a integralidade, a qualidade da assistência, a eficiência e a equidade para as pessoas em situação de rua é cumprir todos os marcos legais, constitucionais e o direito à saúde como fundamental ao ser humano2121 Sousa MF, Prado EAJ, Leles FAG, Andrade NF, Marzola RF, Barros FPC, et al. Potencialidades da Atenção Básica à Saúde na consolidação dos sistemas universais. Saude Debate. 2019; 43(5 Spec No):82-93. doi: 10.1590/0103-11042019S507.
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O trabalho proativo e amparado em estratégias de cuidado diferenciado conduz a atenção à saúde daqueles que vivem nas ruas, estabelecendo diagnósticos precoces, tratamentos flexíveis e olhar para as singularidades, além de viabilizar atendimentos in loco, nos quais a vida acontece, o que se faz essencial em localidades desprovidas de equipes específicas para atenção à saúde de pessoas em situação de rua. Estudos conduzidos em Ribeirão Preto, SP, e São Paulo, SP, e, em âmbito nacional, no Brasil e na Bélgica, evidenciaram que as pessoas em situação de rua dificilmente recorrem à APS para assistência e cuidado, visto que as rotinas de atendimento não incluem ações programáticas para essas pessoas. No cotidiano, profissionais e usuários dos serviços estigmatizam, excluem e as afastam ainda mais dos cuidados primários1818 Melo LJ, Aragão FB, Cunha JHS, Carneiro TG, Fiorati RC. Acessibilidade e qualidade de vida de pessoas em situação de rua e a atenção primária. REFACS [Internet]. 2021 [citado 23 Fev 2023]; 10(1):49-56. Disponível em: https://seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/refacs/article/view/5051/5836
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. Para superar essas situações, é preciso compreender a complexidade do fenômeno viver na rua, considerando as especificidades das pessoas que o experenciam e como elas compreendem o processo saúde-doença1515 Vale AR, Vecchia MD. “UPA é nós aqui mesmo”: as redes de apoio social no cuidado à saúde da população em situação de rua em um município de pequeno porte. Saude Soc. 2019; 28(1):222-34. doi: 10.1590/S0104-12902019180601.
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O planejamento do cuidado intersetorial e em rede possibilita a construção de articulações que visem superar os desafios na prestação do cuidado, com influência sobre os fatores determinantes e condicionantes da saúde-doença, como um sono reparador em um ambiente com teto e seguro; alimentação de qualidade; higiene corporal; e prática de atividade física e de lazer, possibilitando uma rede social/familiar/comunitária fortalecida77 Viegas SMF, Nitschke RG, Bernardo LA, Tholl AD, Borrego MAR, Soto PJL, et al. Quotidiano de equipes de consultório na rua: tecendo redes para a promoção da saúde. Esc Anna Nery. 2021; 25(3). doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2020-0222.
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,2222 Nardes S, Giongo CR. Mulheres em situação de rua: memórias, cotidiano e acesso às políticas públicas. Rev Estud Fem. 2021; 29(1). doi: 10.1590/1806-9584-2021v29n166011.
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A intersetorialidade em cooperação entre as diversas iniciativas em prol dessas pessoas possibilita o fortalecimento do vínculo, a garantia de direitos e a oferta de cuidados efetivos e afetivos22 Gramajo CS, Maciazeki-Gomes RD, Silva PD, Paiva AMN. (Sobre)viver na rua: narrativas das pessoas em situação de rua sobre a rede de apoio. Psicol Cienc Prof. 2023; 43. doi: 10.1590/1982-3703003243764.
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. Um dos municípios deste estudo experienciou a estratégia de coordenar os esforços de vários serviços e de profissionais para melhor atender essas pessoas em suas necessidades, o que foi considerado exitoso.

Os serviços de saúde têm a responsabilidade de pensar caminhos de mudança a partir de uma perspectiva ampla que valorize a vida e o vínculo com as pessoas em situação de rua e que possibilite novos olhares e dispositivos de cuidado articulados para uma atenção integral33 Matoso LML, Silva JJS, Nascimento BM, Matoso MBL. Redução de riscos e danos: ações em saúde com pessoas em situação de rua no interior nordestino. Rev Cont Saude [Internet]. 2019 [citado 21 Fev 2023]; 19(37):183-8. Disponível em: https://www.revistas.unijui.edu.br/index.php/contextoesaude/article/view/8109
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Na perspectiva do IS1212 Blumer H. Symbolic interactionism: perspective and method. Englewood Cliffs: Prentice-Hall; 1969., o contexto vivido e replicado coletivamente – que ressignifica a exclusão em suas diferentes formas de manifestação – precisa ser analisado por meio das ações, dos significados e dos sentimentos que reforçam a segregação e a invisibilidade das pessoas privadas de moradia e direitos fundamentais à vida com dignidade. Transformações no ambiente de trabalho da APS para atendimento dessas pessoas possibilitarão que os profissionais se defrontem com situações que precisem refletir e interpretar para, então, agir. Nesse sentido, é preciso trabalhar o fenômeno da rua por meio de um processo interativo entre as pessoas que o vivenciam e os profissionais que as assistem, já que os comportamentos das pessoas são influenciados por seus valores, crenças, cultura e construção social.

O delineamento metodológico pela TFD centrada na saturação teórica possibilita o entendimento profundo da realidade perante o fenômeno estudado. Considera-se, assim, que os conceitos advindos deste estudo podem ser generalizados teoricamente em realidades similares, o que enfatiza a robustez e a transferibilidade dos resultados, fortalecendo sua validade e a aplicabilidade. Como limitação desse delineamento, apresenta-se a escolha intencional dos cenários do presente estudo por serem municípios de médio porte populacional e sem eCR, porém, tal escolha se justifica por serem locais onde as pessoas em situação de rua transitam, acomodam-se, vivem e precisam de atenção à saúde.

Considerações finais

A falta de moradia é uma questão multifacetada que, inevitavelmente, coloca aqueles que a vivenciam em maior risco de danos e de exclusão social, estando ligada a vários fatores que implicam a ação do Estado com políticas inclusivas e garantia dos direitos fundamentais à vida com dignidade.

Este estudo aponta a exclusão institucional de pessoas em situação de rua e permite compreender como a falta de planejamento da atenção à saúde para essas pessoas afeta diretamente no acesso e na integralidade da atenção. O cenário deste estudo é a APS, considerada a porta de entrada preferencial do SUS, que deve garantir atenção e cuidado de forma equânime. Contudo, a despeito dos avanços de políticas públicas voltadas às populações em condição de vulnerabilidade, as pessoas em situação de rua permanecem sujeitas a um sistema que as marginaliza e isola. Nesse contexto, a busca por assistência culmina em insensibilidade, preconceito – ao invés de coibi-lo – e até em negativas de atenção.

As complexas necessidades de saúde das pessoas em situação de rua reforçam que o efetivo trabalho em rede intra e intersetorial pode superar a exclusão institucional vivenciada por elas. Foi demonstrado que a Rede Socioassistencial viabiliza o acesso à saúde, conforme as demandas urgentes de cada um, e que a invisibilidade e o preconceito dependem de atitudes éticas, empáticas e solidárias dos profissionais da APS, das redes e da sociedade, em respeito à dignidade dessas pessoas.

  • Financiamento

    A pesquisa recebeu fomento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) – Edital 006/2021/PROPE/UFSJ/FAPEMIG.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2023
  • Aceito
    22 Abr 2024
UNESP Botucatu - SP - Brazil
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