Resumo
Saúde bucal deficiente pode interferir na saúde geral do indivíduo acamado, prolongando o tempo de recuperação ou agravando a enfermidade. Nesse contexto, esse estudo teve o objetivo de identificar os problemas de saúde bucal percebidos por cuidadores e pacientes acamados domiciliados cadastrados em unidades da ESF no município de Teresópolis, região serrana do Estado do Rio de janeiro. Realizou-se um estudo exploratório baseado em entrevistas. Os principais problemas de saúde bucal referidos foram a dor de dente, a cárie dental, os dentes permanentes perdidos, as lesões na mucosa e a doença periodontal. Esses resultados ajudam a compreender a real demanda de serviços odontológicos possibilitando oferecer um atendimento que respeite as prioridades dos indivíduos. Tais achados apontam para a necessidade de um maior suporte por parte da equipe de saúde para essas famílias. Existe a necessidade de atividades de educação em saúde bucal para o paciente e seu cuidador, orientação quanto a higiene oral, identificação de lesões orais e tratamento clínico.
Palavras-chave:
Odontologia em Saúde Pública; Saúde Bucal; Estratégia Saúde da Família; Pessoas Acamadas
Abstract
Poor oral health may interfere with the general health of the bedridden subject, prolonging recovery time or aggravating the disease. In this context, this study aimed to identify oral health problems perceived by caregivers and home care bedridden patients registered in ESF units in the city of Teresópolis, located in the mountainous region of the state of Rio de Janeiro. An exploratory study based on interviews was conducted. The main referred oral health problems were toothache, dental caries, lost permanent teeth, mucosal lesions and periodontal disease. These results help to understand the demand for dental services, making it possible to provide a service that respects the individual’s priorities. These findings point to the need for greater support from the health team for these families. There is a need for oral health education activities for the patient and their caregiver, guidance on oral hygiene, identification of oral lesions and clinical treatment.
Keywords:
Public Health Dentistry; Oral health; Family HealthStrategy; Bedridden Persons
Introdução
Os serviços de cuidado domiciliar tendem a expandir-se atualmente. No Brasil, notou-se o crescimento desses serviços principalmente a partir da década de 1990. A demanda pela atenção em domicílio aumentou devido ao processo de envelhecimento populacional brasileiro, que tem provocado um incremento no número de pessoas idosas que sofrem de doenças crônico-degenerativas (BRAGA et al, 2016BRAGA, Patrícia Pinto et al. Supply and demand in home health care. Ciencia & saude coletiva, v. 21, n. 3, p. 903-912, 2016.). Além do envelhecimento da população, a atenção domiciliar é um setor que vem crescendo em países ocidentais em razão do aumento da incidência de patologias crônicas, da introdução de novas tecnologias e da pressão dos governos para conter os custos dos cuidados de saúde (CARELLO & LANZARONE, 2014).
Apesar de os idosos representarem maioria da população acamada, essa condição atinge todas as faixas etárias, em decorrência de doenças degenerativas ou acidentes. O Censo Demográfico de 2010 aponta que 3,6 milhões de pessoas no Brasil possuem grande dificuldade de locomoção. Esses números indicam a necessidade de os profissionais da Atenção Básica realizarem o cuidado domiciliar em suas rotinas de trabalho, de forma a garantir o acesso universal, equânime e integral a pessoas cujas deficiências dificultam o acesso a Unidade de Saúde (DE-CARLI, 2015DE-CARLI, Alessandro Diogo et al. Visita domiciliar e cuidado domiciliar na Atenção Básica: um olhar sobre a saúde bucal. Saúde em Debate, v. 39, p. 441-450, 2015.).
De acordo com um relatório da OMS sobre envelhecimento e saúde, publicado recentemente, a saúde bucal é uma área decisiva e muitas vezes negligenciada do envelhecimento saudável. As informações sobre o comportamento de saúde bucal e o nível de higiene bucal entre os pacientes idosos de atendimento domiciliar são limitadas. A maioria dos estudos de intervenção preventiva se concentrou nos idosos institucionalizados ou idosos que vivem de forma independente em casa (NIHTILÄ, 2017NIHTILÄ, Annamari et al. Preventive oral health intervention among old home care clients. Age and ageing, v. 46, n. 5, p. 846-851, 2017.). São necessárias, assim, ações interdisciplinares específicas voltadas para essa população no âmbito de políticas de saúde pública.
Há uma crescente crise de saúde bucal para idosos. Muitos não são capazes ou não estão dispostos a receber cuidados preventivos de rotina devido a condições de saúde, deficiências, questões de acesso, recursos financeiros limitados e/ou sua crença de que eles não precisam de cuidados ou que isso não tem valor para eles. Idosos acamados possuem maior risco de doença bucal e frequentemente apresentam extensas necessidades de saúde oral, complicadas por fatores médicos, funcionais, comportamentais e situacionais (YELLOWITZ & SCHNEIDERMAN, 2014YELLOWITZ, Janet A.; SCHNEIDERMAN, MaryAnn T. Elder's oral health crisis. Journal of Evidence Based Dental Practice, v. 14, p. 191-200, 2014).
A saúde bucal deficiente pode afetar o bem-estar geral do indivíduo. Infecções orais podem ter consequências biológicas que se manifestam em problemas de saúde mais tarde. O estado oral também pode contribuir para mudanças na dieta, peso e função física (TÔRRES, 2015TÔRRES, Luísa Helena do Nascimento et al. Frailty, frailty components, and oral health: a systematic review. Journal of the American Geriatrics Society, v. 63, n. 12, p. 2555-2562, 2015.). A saúde bucal pode ser afetada por várias formas de doenças, principalmente cárie dentária e doença periodontal, e ocasionalmente por câncer oral, lesões causadas por HIV/AIDS, doenças das mucosas, glândulas salivares e fissuras orofaciais (JIN et al, 2016JIN, L. J. et al. Global burden of oral diseases: emerging concepts, management and interplay with systemic health. Oral diseases, v. 22, n. 7, p. 609-619, 2016.). E essas doenças causam dor, desconforto e comprometem a saúde geral do indivíduo. Apesar da gravidade das doenças bucais, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013, 16% a 18% da população brasileira nunca foi ao consultório de um dentista, o equivalente a 28 milhões de pessoas. A PNS revelou ainda que entre as pessoas de 18 anos ou mais, 11% perderam todos os dentes; entre os brasileiros que estão acima dos 60 anos, o índice é de 45% (IBGE, 2010).
Surge, assim, uma maior preocupação com a parcela da população que se encontra incapacitada de se deslocar até as unidades de saúde. Poucos são os achados bibliográficos sobre o tema. A carência de literatura e trabalhos de pesquisa e dados epidemiológicos sobre a saúde bucal de pacientes com necessidades especiais constitui uma dificuldade na elaboração de estratégias de intervenção e de elaboração de políticas públicas para esse grupo populacional.
A inserção da odontologia na Estratégia Saúde da Família (ESF) no ano 2000, por meio da Portaria Ministerial nº 1.444, teve o objetivo de reorganizar o modelo de atenção e ampliar o acesso da população aos serviços de saúde bucal (BRASIL, 2000). A partir dessa data, a oferta de cuidados odontológicos deixou de ser realizada apenas nas unidades de saúde e passou a incluir ações em domicílios, atendendo pacientes acamados.
Assim, este estudo teve como objetivo identificar os problemas de saúde bucal autopercebidos por pacientes acamados domiciliados e observados por seus cuidadores. Todos os pacientes participantes desse estudo estavam cadastrados em unidades da ESF no município de Teresópolis, região serrana do Estado do Rio de Janeiro. A autopercepção em saúde engloba o entendimento que o indivíduo possui sobre a sua saúde, fundamentado em suas experiências anteriores seu contexto social e seu conhecimento sobre o processo saúde-doença. Essa concepção individual de saúde determina o comportamento individual e os cuidados em saúde (SANTOS et al, 2016SANTOS, Letícia Mendes et al. Autopercepção sobre saúde bucal e sua relação com utilização de serviços e prevalência de dor de dente. Revista Ciência Plural, v. 2, n. 2, p. 14-27, 2016..).
Optou-se por pesquisar acamados cadastrados em unidades da ESF, pois esta apresenta características operacionais como: adscrição da população sob a responsabilidade da unidade básica de saúde; integralidade da assistência prestada à população adscrita e definição da família como núcleo central de abordagem. E os usuários acamados representam parcela da população que vivem em situação de vulnerabilidade. Espera-se que os resultados deste estudo contribuam para o planejamento e implementação de políticas públicas de formação e inserção do odontólogo nas equipes de Saúde da Família.
Material e Métodos
Quanto aos objetivos, este estudo possui caráter exploratório e descritivo. Exploratório, pois a saúde bucal dos pacientes acamados cadastrados em Unidades de Saúde da Família precisa ser melhor estudada, visto que existem poucos estudos sobre o tema. E descritivo, pois houve um esforço no sentido de detalhar os problemas de saúde oral autopercebidos pelos pacientes. Foi realizada uma pesquisa básica aplicada e utilizada uma abordagem qualitativa.
A população de estudo foi constituída pelos pacientes cadastrados nas unidades de ESF em Teresópolis que se encontravam acamados no momento da pesquisa, totalizando 238 pacientes, de acordo com os formulários preenchidos pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS).
Foram selecionados, de forma aleatória, uma amostra de 149 sujeitos que participaram de uma etapa preliminar a esse estudo. Essa etapa inicial teve a finalidade de, através de um estudo quantitativo, traçar o perfil sociodemográfico do paciente acamado cadastrado em Estratégia Saúde da Família, no município de Teresópolis e será objeto de outro artigo.
Considerando a heterogeneidade das características socioeconômico culturais e de saúde da população estudada e a riqueza de detalhes dos depoimentos dos entrevistados, optou-se por adotar o critério da exaustão para definir o tamanho da amostra. Dessa forma, todos os sujeitos que participaram da etapa que investigou o perfil do paciente acamado foram entrevistados nessa pesquisa. Assim, participaram do estudo 149 pacientes.
A coleta de dados consistiu-se através de uma entrevista semiestruturada realizada no domicílio do paciente. A entrevista foi realizada com o paciente ou com o cuidador principal e teve o objetivo de ajudar a compreender as representações e significados que a saúde bucal tem para essa população e identificar as doenças bucais autopercebidas pelos pacientes acamados e observadas por seus cuidadores. O tempo de entrevista foi livre e ficou situado no intervalo de 10 a 30 minutos, com uma duração média de 20 minutos.
Os dados foram coletados entre fevereiro e agosto de 2018. O período de coleta de dados foi de 07 meses devido à dificuldade de agendamento e dificuldade de acesso à residência do paciente acamados.
Para análise dos dados, as entrevistas foram transcritas e realizou-se uma análise de conteúdo material, onde a unidade de análise foi o tema, com a finalidade de descobrir os núcleos de sentido que revelam o significado dos depoimentos. Esse processo envolveu três etapas: 1) pré-análise: leitura exaustiva dos depoimentos; 2) categorização do conteúdo do material, com o objetivo de identificar as categorias de análise relativas ao tema da pesquisa e 3) interpretação dos significados dos dados categorizados, a partir dos objetivos do estudo e da revisão bibliográfica.
Analisando as respostas dos entrevistados foram criadas duas categorias de análise: definição de Saúde Bucal segundo os pacientes acamados e seus cuidadores e problemas de saúde bucal percebidos pelos pacientes acamados e seus cuidadores. Essas categorias, por sua vez, foram divididas em subcategorias. Para a apresentação dos resultados, foi elaborado um quadro de categorias. Esse quadro foi preenchido com trechos de cada entrevista que continha conceitos ou enunciados centrais que estivessem relacionados àquela categoria. Cada entrevistado foi identificado com um código de maneira a garantir o anonimato nos resultados: E-01, E-02, E-03, ......E-149.
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da ENSP/FIOCRUZ, sendo aprovado com o Número do Parecer: 2.466.042 e registrado no Sistema Nacional de Ética em Pesquisa (SINESP) sob o número CAAE 78657417.3.0000.5240.
A pesquisa é parte integrante da tese de doutorado intitulada “Pacientes acamados: cuidados e práticas cotidianas em saúde bucal”, aprovada em 11 de julho de 2019, com vistas à obtenção do título de Doutor em Saúde Pública, na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - Fiocruz.
Resultados e Discussão
Participaram do estudo 149 pacientes acamados. A idade média foi igual a 58,26 anos, variando entre 6 e 89 anos. A maioria (55,03%) era do sexo feminino. Os pacientes encontravam-se acamados devido aos seguintes problemas de saúde: Acidente Vascular Cerebral ou suas sequelas; Diabetes ou suas complicações; Câncer/neoplasia; Doença pulmonar obstrutiva crônica; Alzeimer; Insuficiência cardíaca; Fratura de fêmur; Artrose articular; Paraplegia/hemiplegia; Paralisia cerebral; transtorno mental; Amputação de membro inferior; Obesidade; Parkinson; Sequelas de poliomielite; Traumatismo craniano e AIDS.
Os dados foram colhidos através de entrevistas na residência do paciente. Os cuidadores foram entrevistados quando o paciente não conseguia se expressar devido a alguma deficiência motora ou psicológica.
Definição de Saúde Bucal segundo os pacientes acamados e seus cuidadores
No Quadro 1 é apresentada a categoria conceito de saúde bucal, que foi desenvolvida a partir dos relatos dos pacientes e seus cuidadores sobre o que é ter saúde bucal. Esta categoria foi dividida em duas subcategorias: condições objetivas e condições subjetivas. Foram incluídas na categoria “condições objetivas” as definições que relacionam a saúde bucal a ausência de doenças; e nas “condições subjetivas”, conceitos mais amplos que incluíam os fatores sociais e psicológicos dos entrevistados.
A definição de saúde bucal como ausência de doença esteve muito presente no discurso dos entrevistados. Vários entrevistados associaram saúde bucal à ausência de cáries: “Saúde bucal é não ter nenhuma doença na boca, não ter infecção, não estar sentindo dor” (E.04). “É não ter dente estragado na boca.” (E.12)
Porém, ser saudável pode ser definido de várias maneiras. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a saúde com “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”. E, seguindo essa linha de pensamento, alguns entrevistados apresentaram definições mais abrangentes e mais subjetivas para saúde bucal: “É poder falar de pertinho sem sentir vergonha, sem as pessoas ficarem com nojo.” (E.05).
Outro entrevistado exemplificou o que acontece quando não se está com a boca saudável: “Eu fico com vergonha de rir, de falar com as pessoas. Aí a gente vai ficando triste, triste e se afasta das pessoas” (E.02).
Alguns entrevistados associaram saúde bucal com higiene oral. Essas associações também estão presentes nos estudos de Unfer e Saliba (2000UNFER, Beatriz; SALIBA, Orlando. Avaliação do conhecimento popular e práticas cotidianas em saúde bucal. Revista de Saúde Pública, v. 34, p. 190-195, 2000.) e Abreu et al (2005ABREU, Mauro Henrique Nogueira Guimarães de; PORDEUS, Isabela Almeida; MODENA, Celina Maria. Representações sociais de saúde bucal entre mães no meio rural de Itaúna (MG), 2002. Ciencia & Saúde Coletiva, v. 10, p. 245-259, 2005.).
“Ter saúde bucal é fazer uma boa higiene, escovar os dentes direitinho. No momento eu não tenho.... Porque eu estou dessa forma e não tenho como fazer limpeza nos dentes, que é certo fazer. Isso aí é necessário fazer. Escovar os dentes três vezes por dia. Eu hoje estou escovando uma só. Porque eu escovo no banho, dependo de alguém para me colocar na cadeira. Aí só tomo banho de noite. Aí escovo o dente. Porque durante o dia não tem como escovar o dente.” (E-01)
Esse conceito de saúde bucal associado a determinadas condutas individuais está ancorado em uma odontologia tradicional e prescritiva fruto do paradigma biomédico. Nesse paradigma o indivíduo é culpabilizado pelo seu estado de saúde (BUSS, 2003BUSS, Paulo Marchiori. Uma introdução ao conceito de Promoção da Saúde. In: Czeresnia D, Freitas CM, Organizadores. Promoção da Saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003. p.15-38.).
Nenhum entrevistado relacionou saúde bucal aos fatores relacionados a determinação social da saúde. Narvai e Frazão (2008NARVAI PC e FRAZÃO P. Saúde bucal no Brasil: muito além do céu da boca. Editora Fiocruz, 2008.) apontam que saúde bucal deficiente expressa “desigualdade social e representa um dos mais significativos sinais de exclusão social. Aspectos como renda familiar baixa e escolaridade deficiente se refletem em saúde bucal deficiente ocasionando dor, infecções e sofrimento físico e psicológico”.
Assim, a Equipe de Saúde Bucal, em seu processo de trabalho na Atenção Primária em Saúde, precisa superar o modelo tradicional de assistência, que privilegia a abordagem individual e curativa, compreender os condicionantes que afetam a vida das pessoas e implementar um modelo de cuidado que valorize a produção social do processo saúde-doença (BATISTA, ROCHA e BONFANTE, 2018BATISTA, Nayara Maia; ROCHA, Isadora Tolentino Fernandes; BONFANTE, Gisele Macedo da Silva. Visita domiciliar como estratégia de construção do valor saúde bucal. Arquivo Brasileiro de Odontologia, v. 14, n. 2, p. 12-25, 2018.).
Problemas de saúde bucal percebidos pelos pacientes acamados e seus cuidadores
No Quadro 2 está representada a distribuição dos problemas bucais percebidos pelos pacientes acamados e seus cuidadores. De acordo com as falas dos entrevistados, a categoria problemas bucais foi dividida em subcategorias: dor de dente, cárie dental, halitose, dente permanente perdido, lesões na mucosa e problema periodontal.
Os problemas de saúde bucal aqui citados foram autopercebidos pelos pacientes acamados e/ou observados por seus cuidadores. A análise dos problemas de saúde bucal autopercebidos é importante para compreender a real demanda de serviços odontológicos desse grupo de pacientes. Dessa forma, é possível oferecer um cuidado em saúde bucal de caráter subjetivo, menos padronizado e respeitando as prioridades dos indivíduos. Os agravos na saúde bucal não estão isolados de outras enfermidades e necessitam de atuação integrada na Estratégia Saúde da Família. Assim, a abordagem integral depende da atuação de uma equipe interdisciplinar (SANTOS & HUGO, 2018SANTOS, Nathália Maria Lopes dos; HUGO, Fernando Neves. Formação em Saúde da Família e sua associação com processos de trabalho das Equipes de Saúde Bucal da Atenção Básica. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, p. 4319-4329, 2018.).
Porém, o trabalho em equipe ainda representa uma dificuldade a ser superada. A formação acadêmica do cirurgião-dentista ainda privilegia o modelo de atenção biomédico individualizado e com ênfase em tecnologias (DE-CARLI et al, 2015DE-CARLI, Alessandro Diogo et al. Visita domiciliar e cuidado domiciliar na Atenção Básica: um olhar sobre a saúde bucal. Saúde em Debate, v. 39, p. 441-450, 2015.). Santos e Hugo (2018SANTOS, Nathália Maria Lopes dos; HUGO, Fernando Neves. Formação em Saúde da Família e sua associação com processos de trabalho das Equipes de Saúde Bucal da Atenção Básica. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, p. 4319-4329, 2018.) apontam a importância de investir na qualificação dos profissionais de saúde bucal para atuar no SUS, de forma a superar os efeitos da fragmentação do ensino em saúde.
O presente estudo identificou a dor de dente, a cárie, a halitose, a perda de dentes permanente, as lesões na mucosa e a doença periodontal como os principais problemas de saúde bucal autorreferidos. A dor de dente é considerada um problema de saúde pública devido a sua alta prevalência, ser prevenível e causar forte impacto na qualidade de vida das pessoas, constituindo um dos principais motivos de procura por serviços de saúde devido ao potencial de sofrimento que ocasiona aos indivíduos (SANTOS et al, 2016SANTOS, Letícia Mendes et al. Autopercepção sobre saúde bucal e sua relação com utilização de serviços e prevalência de dor de dente. Revista Ciência Plural, v. 2, n. 2, p. 14-27, 2016..).
Esse sofrimento causado pela dor de dente nem sempre pode ser expresso em palavras. Comportamento, expressões faciais, gestos às vezes são necessários para indicar e localizar a dor. Muitos pacientes acamados possuem dificuldades de fonação e a dor precisa ser expressa de outra forma, com é possível identificar na fala abaixo:
Quando ela dá uns gritos a gente desconfia de dor de dente. Porque ela não fala, né. Então a gente tem que ficar atento. Quando ela grita é porque está sentindo alguma coisa. (E.11)
Lucas et al (2014LUCAS, Simone Dutra et al. Uso de metáforas para expressar a dor de dente: um estudo na área de antropologia da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, p. 1933-1942, 2014.) apontam que a dor de dente é subjetiva, por isso os indivíduos utilizam metáforas para defini-la e expressar sua intensidade comparando-a muitas vezes com as piores sensações já experimentadas como a dor do parto. As metáforas também estiveram presentes nas falas dos entrevistados.
Dói tudo. Parece que tem uma agulha enfiada na carne.! Não tem nada pior do que dor de dente. Nem quando tive minha filha, doeu tanto!! Dá vontade de pegar um alicate e arrancar todos os dentes. (E.09)
A dor de dente reflete a necessidade de cuidado com a saúde bucal como forma de impedir o sofrimento. De acordo com dados do SB Brasil 2010, um dos maiores levantamentos epidemiológicos sobre saúde bucal, realizado pelo Ministério da Saúde, a dor de dente representa um dos principais motivos para busca de atendimento odontológico (BRASIL, 2010), também sendo a consequência mais comum de agravos bucais, como cárie dentária e doença periodontal. No Brasil, a prevalência da dor dentária varia entre 11% e 39% em indivíduos de 5-60 anos (SOUZA, 2016SOUZA, João Gabriel Silva et al. Dor dentária e fatores associados em pré-escolares brasileiros. Revista Paulista de Pediatria, v. 34, n. 3, p. 336-342, 2016.).
Alguns fatores podem aumentar a propensão dos pacientes acamados desenvolver a cárie dentária: dificuldade motora para realizar a higiene oral, alimentação pastosa, diminuição do fluxo salivar ocasionado por alguns medicamentos e dificuldade de acesso a serviços de saúde odontológico. Quando não tratada, a cárie pode ocasionar dor e, em casos mais graves, a perda do elemento dentário.
A visita domiciliar realizada pela equipe de saúde bucal tem a finalidade de reduzir índices epidemiológicos e ampliar o acesso da população aos sérvios de saúde bucal, especialmente das populações menos favorecidas (DE OLIVEIRA et al, 2017DE OLIVEIRA, Simone Gomes et al. A versatilidade das ações realizadas pela equipe de saúde bucal na visita domiciliar: relato de caso. Academus Revista Científica da Saúde, v. 2, n. 1, 2017.). Dessa forma, a visita domiciliar pode ser um importante instrumento para diminuir os índices de cárie na população acamada.
Porém, Santos e Hugo (2018SANTOS, Nathália Maria Lopes dos; HUGO, Fernando Neves. Formação em Saúde da Família e sua associação com processos de trabalho das Equipes de Saúde Bucal da Atenção Básica. Ciência & Saúde Coletiva, v. 23, p. 4319-4329, 2018.) apontam que a visita domiciliar não é realizada por todas as equipes de saúde bucal e que profissionais com formação em saúde da família realizam mais visitas domiciliares do que aqueles que só possuem graduação. Dessa forma, investir em formação em Saúde da Família pode contribuir para a mudança no processo de trabalho, favorecendo o cuidado integral.
A perda da dentição influencia vários aspectos do organismo, dentre eles o aspecto estético, a fonação, a mastigação e a digestão. Mas a grande quantidade de dentes extraídos ainda é aceita como inerente ao processo de envelhecimento (ROSENDO, 2017ROSENDO, R. A. et al. Autopercepção de saúde bucal e seu impacto na qualidade de vida em idosos: uma revisão de literatura. Revista Saúde & Ciência Online, v. 6, n. 1, p. 89-102, 2017.). Porém, a extração do elemento dentário faz com que o osso alveolar residual perca o estímulo funcional ocasionando um progressivo e irreversível processo de reabsorção óssea. Para prevenir ou reduzir essa reabsorção é recomendado o tratamento reabilitador através de próteses dentárias.
A reabilitação protética nem sempre é realizada, pois alguns municípios, como Teresópolis, ainda não oferecem esse tratamento pelo SUS. E, quando a reabilitação é realizada, não há acompanhamento do dentista após a colocação da prótese. A falta de assistência odontológica posterior à colocação da prótese é um fator que justifica a elevada incidência de lesões bucais associadas à prótese mal adaptada, como aponta a fala a seguir:
O céu da boca vive machucado. Em baixo, a prótese machuca bastante, dependendo da comida que eu como. A dentadura de cima também está larga. Fica saindo quando eu falo. E tudo que eu como entra dentro dela. Preciso fazer uma nova, mas é muito caro... (E.10)
A cárie dentária, outro problema de saúde bucal autopercebido pelos entrevistados, é a condição crônica mais prevalente no mundo, afetando pouco mais de um terço da população mundial. Apesar dos acentuados declínios recentes nas cáries entre crianças em países industrializados, os níveis de cárie crescem com o aumento da idade e continuam a ser um grande problema em adultos (BERNABÉ & SHEIHAM, 2014BERNABÉ, Eduardo; SHEIHAM, Aubrey. Age, period and cohort trends in caries of permanent teeth in four developed countries. American journal of public health, v. 104, n. 7, p. e115-e121, 2014.).
No Brasil, a cárie dentária representa o problema de saúde bucal mais prevalente. Aproximadamente 99% dos adultos brasileiros já tiveram alguma experiência de cárie (HAIKAL , 2017HAIKAL, Desirée Sant’Ana et al. Validade da autopercepção da presença de cárie dentária como teste diagnóstico e fatores associados entre adultos. Cadernos de saude publica, v. 33, p. e00053716, 2017.). É uma patologia evitável, entretanto, muitos cuidadores não sabem como prevenir esta doença ou entender o seu papel em fazê-lo. Seu conhecimento, compreensão e práticas influenciam a saúde e as práticas orais dos pacientes (HOROWITZ , 2015HOROWITZ, Alice M. et al. Perspectives of Maryland adults regarding caries prevention. American journal of public health, v. 105, n. 5, p. e58-e64, 2015.).
Vários pacientes entrevistados relataram ter dificuldades para se alimentar devido a presença de cáries, como é possível perceber na fala seguinte. “Os alimentos agarram no buraco do dente.” (E-14)
A cárie atinge tanto a coroa do dente quanto a raiz. Quando afeta a raiz recebe a denominação de cárie radicular, uma doença dentária prevalente, que é mais comum entre os idosos. Evidências sugerem que essa é uma das principais causas de perda dentária nesse grupo. A cárie radicular aumenta com a idade, à medida que as superfícies radiculares expostas se tornam mais comuns, seja por motivos fisiológicos ou patológicos (BIDINOTTO, 2018BIDINOTTO, Augusto B. et al. Four-year incidence rate and predictors of root caries among community-dwelling south Brazilian older adults. Community dentistry and oral epidemiology, v. 46, n. 2, p. 125-131, 2018.).
Prevalência de cárie radicular varia entre 39% e 47% entre idosos (D’AVILLA, 2017). Em uma pesquisa realizada com idosos no Brasil, 47,3% dos indivíduos desenvolveram pelo menos uma lesão de cárie radicular dentro de um período de quatro anos. Esse estudo mostra que a incidência de cárie radicular ocorreu em quase metade dos participantes, o que significa que a cárie é um problema substancial (BIDINOTTO, 2018BIDINOTTO, Augusto B. et al. Four-year incidence rate and predictors of root caries among community-dwelling south Brazilian older adults. Community dentistry and oral epidemiology, v. 46, n. 2, p. 125-131, 2018.).
É esperado que idosos tenham maior taxa de problemas bucais devido a um possível declínio concomitante na capacidade física e na função cognitiva, o que pode afetar sua habilidade de manter uma higiene oral satisfatória, bem como restringir seu acesso a atendimento odontológico necessário (BIDINOTTO, 2018BIDINOTTO, Augusto B. et al. Four-year incidence rate and predictors of root caries among community-dwelling south Brazilian older adults. Community dentistry and oral epidemiology, v. 46, n. 2, p. 125-131, 2018.).
Outro problema de saúde bucal percebido pelos entrevistados foi a halitose. Também conhecida como hálito fétido, mau hálito, mau odor oral, a halitose é uma condição não patológica, mas que indica um desequilíbrio local e/ou sistêmico. Sua incidência é elevada na população idosa, sendo uma condição que causa constrangimento e significativo impacto social (GUIOTTI et al, 2014GUIOTTI, Aimée Maria et al. Halitose na geriatria: diagnóstico, causas e prevalência. Revista Odontológica de Araçatuba, p. 9-13, 2014.).
Na fala seguinte, é possível compreender que a halitose causa constrangimento e dificulta as relações sociais: “Às vezes, acho que estou com cheiro ruim na boca. Aí fico com vergonha de chegar perto das pessoas, de falar de perto. Tenho medo que elas sintam o cheiro ruim da minha boca.” (E.6)
Um estudo realizado em 2016 na Suécia demonstrou que a halitose era uma condição frequente em idosos que viviam em instituições de longa permanência. Os indivíduos com halitose tenderam a ter maior gravidade da doença periodontal, níveis mais altos de cálculo dental e eram mais propensos a apresentar xerostomia, demência e próteses fixas do que aqueles sem halitose. Uma possível explicação poderia ser que os indivíduos que sofrem de demência podem ter dificuldades para administrar suas medidas de higiene bucal devido à redução das funções motoras orais, resultando na retenção de restos alimentares na boca. (ZELLMER, GAHNBERG & RAMBERG, 2016ZELLMER, M.; GAHNBERG, L.; RAMBERG, P. Prevalence of halitosis in elderly living in nursing homes. International journal of dental hygiene, v. 14, n. 4, p. 295-300, 2016.).
Além disso, a escovação requer capacidades físicas e mentais que podem ser limitadas em alguns idosos. O estado de saúde bucal dessa população é frequentemente ruim, especialmente entre aqueles com comprometimentos cognitivos ou funcionais graves que, teoricamente, comprometem sua capacidade de manter práticas de higiene bucal sem assistência (GIL-MONTOYA, 2017GIL-MONTOYA, José Antonio et al. Oral hygiene in the elderly with different degrees of cognitive impairment and dementia. Journal of the American Geriatrics Society, v. 65, n. 3, p. 642-647, 2017.). Essa situação está bem caracterizada na fala abaixo.
Como não consigo escovar o dente com muita frequência. Sabe, só escovo no banho, uma vez. Uma vez, durante o banho. É muito difícil escovar os dentes deitado. Preciso de ajuda e não gosto de incomodar. Durante o banho é mais fácil. Acho que tenho mau hálito. Não gosto de falar perto das pessoas. Sabe, as pessoas ficam com nojo. (E-01)
A higiene oral, incluindo remoção mecânica da saburra lingual e limpeza das próteses é capaz de reduzir a gravidade da halitose, na maioria dos casos (GUIOTTI et al, 2014GUIOTTI, Aimée Maria et al. Halitose na geriatria: diagnóstico, causas e prevalência. Revista Odontológica de Araçatuba, p. 9-13, 2014.). Dessa forma, cabe a equipe de saúde instruir o paciente e seu cuidador quanto a necessidade de realizar a higiene da cavidade bucal, assim como a melhor técnica para realizá-la, de acordo com as limitações apresentadas pelo paciente acamado.
Além de instruções de higiene, é fundamental que a equipe de saúde, principalmente a equipe de saúde bucal, preste atenção as lesões na cavidade oral. Muitos foram os relatos, entre os entrevistados, de presença de lesões na boca.
Eu vivo com ferida na boca. Não sei se alguma comida ácida que eu como... Não sei se é a escova de dente que machuca... Ou alguma comida muito dura que machuca a gengiva... algum remédio que eu tomo e me faz mal... Minha boca está sempre machucada... (E.14)
É importante examinar essas lesões, pois, na maioria das vezes, o câncer de boca é precedido por lesões pré-malignas, facilmente detectáveis em exame clínico de rotina. Além disso, no Brasil, o câncer bucal tem maior incidência em pessoas com baixa renda, carentes de recurso e de informação (DA SILVA et al 2017DA SILVA, Bruna Lorrany Rodrigues et al. Perfil dos participantes do programa permanente de prevenção e diagnóstico precoce das doenças bucais, com ênfase no câncer de boca, no município de Cuiabá-MT. Archives of Health Investigation, v. 6, n. 3, 2017.).
O câncer de boca é o 11º câncer mais comum no mundo. Estima-se que 300.373 novos casos e 145.353 mortes por câncer de cavidade oral (incluindo o câncer de lábio) ocorreram em todo o mundo em 2012 (CHEN, 2015CHEN, Lin et al. Extensive description and comparison of human supra-gingival microbiome in root caries and health. PLoS One, v. 10, n. 2, p. e0117064, 2015.). Além da alta mortalidade, o câncer de boca avançado é uma doença desfigurante e debilitante, devido à localização e às opções de tratamento, muitas vezes resultando em uma qualidade de vida ruim para os sobreviventes (POSORSKI, 2014POSORSKI, Ewa et al. Oral cancer awareness among community-dwelling senior citizens in Illinois. Journal of community health, v. 39, n. 6, p. 1109-1116, 2014.).
Entretanto, o câncer de boca é extremamente tratável, se detectado precocemente. Infelizmente, o diagnóstico tardio é muito comum. Embora vários fatores estejam associados ao diagnóstico tardio, o principal é a falta de realização de exames para a detecção de câncer bucal. Pesquisas sugerem que pessoas que são examinadas mais cedo tem maior probabilidade de detectar a doença em estágio anterior, o que está associado à redução da mortalidade (SHEPPERD, 2014SHEPPERD, James A.; HOWELL, Jennifer L.; LOGAN, Henrietta. A survey of barriers to screening for oral cancer among rural Black Americans. Psycho-Oncology, v. 23, n. 3, p. 276-282, 2014.).
O uso de tabaco e o consumo de álcool são os principais fatores de risco estabelecidos para o câncer bucal (ANANTHARAMAN, 2014ANANTHARAMAN, Devasena et al. Genetic variants in nicotine addiction and alcohol metabolism genes, oral cancer risk and the propensity to smoke and drink alcohol: a replication study in India. PLoS One, v. 9, n. 2, p. e88240, 2014.). Além desses fatores, há vários outros determinantes associados a altas taxas de mortalidade, o baixo status socioeconômico, definido pelos baixos níveis de escolaridade e renda, é um dos principais determinantes do câncer de boca devido a fatores associados, como acesso limitado aos cuidados, maior exposição a carcinógenos ambientais, má nutrição e maior consumo de tabaco e álcool. Além disso, indivíduos socioeconomicamente desfavorecidos são confrontados com dificuldades em obter cuidados regulares e muitas vezes possuem compreensão mínima do seu papel na gestão da sua saúde. Portanto, os idosos representam um grupo-alvo para a conscientização a respeito do câncer bucal e a intervenção preventiva (POSORSKI, 2014POSORSKI, Ewa et al. Oral cancer awareness among community-dwelling senior citizens in Illinois. Journal of community health, v. 39, n. 6, p. 1109-1116, 2014.).
O câncer é uma doença progressiva e crônica que afeta profundamente o bem-estar físico e psicossocial do paciente e da família. O câncer oral difere de outros tipos dessa doença, porque o tratamento agressivo pode levar a problemas nas funções orais vitais. Os cuidadores muitas vezes enfrentam tarefas complexas de cuidado após a cirurgia de seus familiares. Falta de suporte ao cuidador pode ter consequências negativas para o mesmo, incluindo sofrimento emocional, declínio no bem-estar físico e redução da qualidade de vida, podendo interferir na maneira como o cuidador familiar lida com o cuidado (CHEN, 2014CHEN, Shu-Ching et al. Unmet supportive care needs and characteristics of family caregivers of patients with oral cancer after surgery. Psycho-Oncology, v. 23, n. 5, p. 569-577, 2014.).
Outro problema de saúde bucal identificado pelos pacientes acamados foi a doença periodontal. Trata-se de uma infecção crônica, ocasionada por bactérias, e representa a maior causa de patologia dentária na população mundial. O processo inflamatório se inicia na gengiva, em resposta aos antígenos bacterianos do biofilme dental em contato com o tecido gengival, e evolui para a destruição dos tecidos de sustentação do elemento dentário, ocasionando perda do osso alveolar e formação de bolsa periodontal (BRANDÃO, SILVA E PENTEADO, 2011BRANDÃO, Dayse Francis LMO; SILVA, Ana Paula Guimarães; PENTEADO, Luiz Alexandre Moura. Relação bidirecional entre a doença periodontal e a diabetes mellitus. Odontologia Clínico-Científica (Online), v. 10, n. 2, p. 117-120, 2011.).
Esses estágios da doença periodontal aparecem nas falas dos entrevistados. Um paciente com gengivite relata: “A gengiva vive inchada, vermelha, sangrando.” (E.09). Já outo paciente, com doença periodontal avançada afirma: “Tenho uns dentes moles que me incomodam para comer.” (E.07)
A doença periodontal sofre influência e influencia o quadro de várias doenças sistêmicas. A periodontite é um fator de risco para o desenvolvimento de doença cardiovascular. Além disso, há uma relação entre diabetes e doença periodontal. Indivíduos diabéticos com doença periodontal grave possuem maior risco de mortalidade por doença cardíaca isquêmica. A literatura científica também suporta consistentemente uma relação entre periodontite e resistência à insulina, sendo argumentado que a doença periodontal exacerba a resistência à insulina. Tem sido sugerido que a intervenção periodontal pode reduzir a resistência à insulina em pacientes diabéticos (NAZIR, 2017NAZIR, Muhammad Ashraf. Prevalence of periodontal disease, its association with systemic diseases and prevention. International journal of health sciences, v. 11, n. 2, p. 72, 2017.).
A prevalência global de doença periodontal é de 20% a 50% da população total. É provável que a variação dentro dessa faixa seja atribuível a utilização de diferentes técnicas de diagnóstico como índice de sondagem, índice de sangramento, nível de aderência e grau de mobilidade dentária (LEE , 2017LEE, Ya-Ling et al. Periodontal Disease Associated with Higher Risk of Dementia: Population-Based Cohort Study in Taiwan. Journal of the American Geriatrics Society, v. 65, n. 9, p. 1975-1980, 2017.).
No Brasil, o número de estudos relacionados à saúde periodontal é limitado e são utilizadas várias metodologias para classificação de casos, o que dificulta a comparação dos resultados. Em estudos internacionais, percebe-se que a gengivite e a periodontite são mais prevalentes em populações com indicadores socioeconômicos mais baixos, como renda e escolaridade (PALMA & LEITE, 2014PALMA, Pamella V.; LEITE, Isabel Cristina G. Epidemiology and social inequalities of periodontal disease in Brazil. Frontiers in public health, v. 2, p. 203, 2014.).
Considerações Finais
Os principais problemas de saúde bucal autorreferidos pelos pacientes acamados e apontados pelos cuidadores ajudam a compreender a real demanda de serviços odontológicos possibilitando oferecer um atendimento que respeite as prioridades dos indivíduos. É importante acrescentar que uma saúde bucal deficiente pode interferir na saúde geral do indivíduo, prolongando o tempo de recuperação ou agravando a enfermidade.
Tais achados apontam para a necessidade de um maior suporte por parte da equipe de saúde para essas famílias. Existe a necessidade de atividades de educação em saúde bucal para o paciente e seu cuidador, orientação quanto a higiene oral, identificação de lesões orais e tratamento clínico.
Porém, apenas a abordagem individual e curativa não é suficiente. Além disso, é necessário enfatizar a importância dos condicionantes sociais que afetam a vida desses indivíduos, colocando-os em situação de extrema vulnerabilidade. Dessa forma, é preciso substituir o modelo tradicional de atenção à saúde por um modelo que incorpore a produção social do processo saúde-doença.
Este estudo não teve o objetivo de esgotar o tema, e sim estimular novas pesquisas na área. Devido à importância de se conhecer os problemas de saúde bucal que afetam os indivíduos acamados para a elaboração de políticas públicas e a escassez dessas informações, espera-se que os resultados aqui apresentados contribuam para auxiliar no cuidado em saúde bucal do paciente acamado e para subsidiar a Estratégia da Saúde da Família e a Política de Atenção Básica em Saúde.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
16 Jul 2021 - Data do Fascículo
2021
Histórico
- Recebido
24 Jul 2019 - Aceito
16 Dez 2019 - Revisado
21 Maio 2021