Práticas alimentares de trabalhadores de um Restaurante Cidadão: fatores socioculturais e o ambiente de trabalho

Nathália César Nunes Shirley Donizete Prado Daniela Menezes Neiva Barcellos Fabiana Bom Kraemer Sobre os autores

Resumo

O estudo objetivou analisar como o ambiente do trabalho de um grupo de trabalhadores de baixa renda configura as práticas alimentares no meio urbano. Foram realizadas dez entrevistas com trabalhadores de uma empresa de prestação de serviços de alimentação para um Restaurante Cidadão. O comer fora de casa prevaleceu e o espaço do trabalho se mostrou como o principal para a realização das refeições. Identificou-se uma desestruturação das práticas alimentares, referente ao horário para realizar a refeição, ao tipo de comida e à divisão do almoço em dois momentos. Aproximadamente uma vez por mês, alguns trabalhadores se cotizavam para comprar ingredientes e elaborar uma preparação por eles mesmos escolhida. Era através da “comida feita por eles e para eles” que se criava uma relação ou se fortalecia a relação já existente. A discussão girou em torno de como determinado espaço social, entrelaçado por forças político-econômicas, necessidades biológicas e sistemas simbólicos, contribui na estruturação das práticas alimentares de determinado grupo social. O trabalho no contexto em que está inserido mostrou uma estreita relação com a modernidade alimentar, contribuindo na modificação da relação entre os seres humanos e sua rotina alimentar.

Palavras-chave:
Hábitos alimentares; Programas e políticas de nutrição e alimentação; Serviços de alimentação; Ambiente de trabalho; Pesquisa qualitativa.

Introdução

O aumento da prevalência da obesidade no Brasil ao longo dos anos decorridos entre a Pesquisa de Orçamento Familiar 2002-2003 e a Pesquisa Nacional de Saúde em 2019 (IBGE, 2020INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA . Pesquisa nacional de saúde: 2019: atenção primária à saúde e informações antropométricas: Brasil / IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. - Rio de Janeiro: IBGE, 2020.) tem gerado preocupação significativa entre pesquisadores e formuladores de políticas públicas de alimentação. Em 2019, 25,9% da população adulta, quando analisadas por grupos de idade, apresentaram obesidade, indicando prevalência maior entre os adultos do sexo feminino (29,5%) do que entre os do sexo masculino (21,8%) (IBGE, 2020INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA . Pesquisa nacional de saúde: 2019: atenção primária à saúde e informações antropométricas: Brasil / IBGE, Coordenação de Trabalho e Rendimento. - Rio de Janeiro: IBGE, 2020.).

A aceitação da obesidade como uma doença epidêmica decorrente de dietas não saudáveis e atividades físicas leves tem levado pesquisadores a identificar, em diferentes contextos, os fatores biopsicossociais como determinantes, nos quais as escolhas alimentares do indivíduo juntamente com o “ambiente” (político, econômico, social e cultural) assumem lugar estratégico nas propostas de intervenção do Estado na busca de soluções para reduzir seu impacto e carga econômica (GLANZ, 2005GLANZ, K. et al. Healthy Nutrition Environments: Concepts and Measures. Am. J. Health Promot., v. 19, n. 5, p. 330-33, 2005.; SCHWARTZ , 2017SCHWARTZ, M. et al. Appetite Self-Regulation: Environmental and Policy Influences on Eating Behaviors. Obesity, v. 25, n.1, p. S26-S38, 2017.; SWINBURN , 2019SWINBURN, B.A. et al. The Global Syndemic of Obesity, Undernutrition, and Climate Change: The Lancet Commission report. Lancet, v. 393, n.10173, p.791-846, 2019.). À vista disso, observa-se que a maioria das intervenções de saúde pública contra a obesidade tem se concentrado em uma abordagem socioecológica na qual argumenta que os comportamentos de saúde são influenciados pela interação entre comportamento individual, contexto social e condições ambientais (STOKOLS, 1996STOKOLS, D. Translating social ecological theory into guidelines for community health promotion. Am J Health Promot., v. 10, n. 4, p. 282-298, 1996.) e, assim, estratégias informativas e comportamentais para influenciar modificação de hábitos alimentares e atividade física são incentivadas nos diferentes ambientes clínicos, comunitários e de trabalho (ANDERSON , 2009ANDERSON, L. M. et al. Task Force on Community Preventive Services. Am J Prev Med., v. 37, n. 4, p. 340-357, 2009.).

Grande parte das pesquisas sobre espaço, saúde e alimentação privilegia investigações acerca da existência de infraestruturas e recursos presentes no entorno dos ambientes escolares (CARMO , 2018CARMO, A. S.; ASSIS, M. M.; CUNHA, C.F.; OLIVEIRA, T. R. P. R.; MENDES, L. M. The food environment of Brazilian public and private schools. Caderno de Saúde Pública, v. 34, n. 12, p. 1-11, 2018. ), do trabalho (MICHIMI; WIMBERLY, 2015MICHIMI, A.; WIMBERLY, M. C. The food environment and adult obesity in US metropolitan areas.Geospat Health, v. 10, n. 15, p. 368, 2015. ) e outros (CANELLA , 2014CANELLA, D. S. et al. Ultra-processed food products and obesity in Brazilian households (2008-2009). PLosOne, v. 9, n. 3, p.1-6, 2014. ; MONTEIRO , 2018MONTEIRO, C. A. et al. Household availability of ultra-processed foods and obesity in nineteen European countries. Public Health Nutrition, v. 21, n. 1, p. 18-26, 2018.) relacionados com a alimentação. No que se refere ao ambiente do trabalho, características físicas, psicossociais e socioeconômicas são condições importantes para saúde do trabalhador (NOBREGA , 2016NOBREGA, S. et al. Obesity/Overweight and the Role of Working Conditions: A Qualitative, Participatory Investigation. Health promotion practice, v. 17, n. 1, p. 127-136, 2016. https://doi.org/10.1177/1524839915602439
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). No entanto, estudos para explicar como o comportamento alimentar é afetado pelo local de trabalho ainda estão se movendo de um estágio nascente para um estágio maduro, em especial, no tocante as subjetividades em torno da comida e das práticas de comer. Sabemos que o ato de comer representa um complexo sistema simbólico, o qual permeia questões sociais, culturais, afetivas, políticas, religiosas, éticas, estéticas, entre outras. Assim, quando se pensa em comida, é preciso pensar também nas práticas e atribuições de significados que o indivíduo incorpora a si próprio e ao que come (FISCHLER, 1995FISCHLER C. El (h)omnívoro: El gusto, la cocina y el cuerpo. Editorial Anagrama: Barcelona,1995.) nos distintos contextos sociais.

Seguindo esta perspectiva, entende-se que a comida é capaz de determinar um grupo social, marcando identidades ligadas a certos sentidos. Ou seja: o que é colocado no prato alimenta o corpo e pode nutrir questões de pertencimento ou mesmo exclusão a uma comunidade, que podem funcionar como uma maneira de reconhecimento e de distinção social. Assim, a comida comunica e ainda classifica grupos e subgrupos sociais dentro das diversas sociedades, levando em consideração que uma mudança de lugar social pode implicar também em uma mudança de hábitos alimentares e naquilo que estes significam (ABONIZIO; JIMENEZ-JIMENEZ, 2018ABONIZIO, J.; JIMENEZ-JIMENEZ, M.L. Isso sim é comida de madame: um estudo sobre a relação entre práticas alimentares e mobilidade social ascendente. Repocs, Maranhão, v.15, n.29, p. 209-230, 2018.).

Sentimentos, emoções, memórias e desejos são fatores que fazem parte desse dinâmico processo alimentar. Essas questões podem influenciar diretamente as escolhas alimentares e aquelas referentes a com quem se escolhe ou não comer. Segundo Contreras e Gracia (2015CONTRERAS, J.; GRACIA, M. (Org). Alimentação, sociedade e cultura. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015.), o alimento tem papel importante como elemento primário da reciprocidade, sendo fundamental na sustentação das relações interpessoais. Assim, entende-se que com quem se come, onde e o que se come podem definir padrões socialmente estabelecidos e mudanças nos hábitos alimentares podem também sofrer variações quando estes padrões se alteram em relação a reformulações de comportamentos (FARIA; RINALDI; ABDALA, 2015FARIA, N. U.; RINALDI, A. E. M.; ABDALA, M. C. Hábitos alimentares e sociabilidade no horário de almoço de estudantes universitários. Demetra, v.10, n.3, p. 539-554, 2015.).

As relações estabelecidas no espaço do trabalho, desta forma, constituem importante ligação com o comportamento alimentar, uma vez que a escolha do que se vai comer não é construída unicamente pelo comedor, mas é uma responsabilidade do coletivo (POUILAIN, 2004POULAIN, J. P. Sociologias da alimentação: os comedores e o espaço social alimentar. Florianópolis: Ed. UFSC; 2004. ). Nas cidades, desde pelo menos a revolução industrial do século XIX, os costumes alimentares sofreram diretamente as coerções da vida laboral que limitam o tempo e a natureza das refeições, reduzindo-as, por vezes, a uma simples reposição de energia (FISCHLER, 1995FISCHLER C. El (h)omnívoro: El gusto, la cocina y el cuerpo. Editorial Anagrama: Barcelona,1995.). Altas demandas físicas, longas horas de trabalho em turnos, pouca oportunidade de influenciar como e quando o trabalho é realizado são características atribuídas aos empregos de baixa remuneração e associadas as escolhas alimentares dos trabalhadores de baixa renda (NOBREGA ., 2016NOBREGA, S. et al. Obesity/Overweight and the Role of Working Conditions: A Qualitative, Participatory Investigation. Health promotion practice, v. 17, n. 1, p. 127-136, 2016. https://doi.org/10.1177/1524839915602439
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).

O objetivo deste estudo, portanto, foi analisar como o ambiente do trabalho de um grupo de trabalhadores de baixa renda configura as práticas alimentares no meio urbano.11Pesquisa: Ambiente alimentar saudável: um estudo interpretativo sobre práticas alimentares, significados e implicações no espaço do trabalho com apoio financeiro da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (processo E-26/010.001824/2016). Se os organismos nacionais e internacionais de saúde reconhecem as interações complexas entre as escolhas alimentares, as normas sociais e os fatores econômicos e ambientais e a necessidade de considerar as circunstâncias culturais e socioeconômicas locais, explorar as manifestações locais dessa problemática com ênfase na compreensão das condições e da sociabilidade no trabalho pode contribuir nas discussões sobre os limites que os indivíduos enfrentam para modificar suas “escolhas” pessoais e no planejamento de propostas para transformar contextos adversos que contribuem com a obesidade.

À luz deste debate, entendemos ser oportuno e pertinente incluir os equipamentos públicos de alimentação e nutrição uma vez que inseridos em um rol de programas para garantir a Segurança Alimentar e Nutricional da população tem por princípio ofertar uma alimentação adequada e saudável aos seus usuários, sejam eles os beneficiários direto do equipamento ou os trabalhadores que contribuem na efetivação deste direito.

Metodologia

Esta pesquisa adota uma metodologia qualitativa com coleta de dados envolvendo entrevistas individuais semiestruturadas (DUARTE, 2004DUARTE, R. Entrevistas em pesquisas qualitativas. Educ. rev., n. 24, p. 213-225, 2004. ) e observação direta (FERNANDES, 2011FERNANDES, F.M.B. Considerações Metodológicas sobre a Técnica da Observação Participante. In MATTOS, R. A.; BAPTISTA, T. W. F. Caminhos para análise das políticas de saúde, p. 262-274, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://www.ims.uerj/ccaps >. Acesso em: 30 de ago. 2011.
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). Dez entrevistas semiestruturadas foram realizadas com trabalhadores de uma empresa de prestação de serviços de alimentação para um Restaurante Cidadão, localizado na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. Os entrevistados foram escolhidos pelo nutricionista responsável, que disponibilizava o funcionário de acordo com sua função naquele momento. Houve aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro / SR2 (número 1.514.655).

As entrevistas foram orientadas por um roteiro que abordava as temáticas relacionadas a comensalidade, lugares e horários, estrutura e conteúdo das refeições e à alimentação no local de trabalho. As informações oriundas da observação foram registradas em um diário de campo. As gravações das entrevistas foram transcritas e outros dois pesquisadores revisaram as transcrições quanto à precisão e finalmente analisamos os dados coletados a partir de uma abordagem conceitual fundamentada em autores da Sociologia e da Socioantropologia da Alimentação.

O Restaurante Cidadão

O Restaurante Cidadão22Em 2016, diante de uma crise fiscal e econômica, os Restaurantes Cidadão foram fechados pelo governo do Estado, devido à falta de recursos para a manutenção dos mesmos desde o ano anterior (SEASDH 2016). Posteriormente, alguns dos Restaurantes Cidadão foram reabertos sob gestão Municipal. fazia parte do conjunto de 16 equipamentos públicos que foram construídos pelo Governo Estadual, com apoio do Governo Federal, e eram geridos pela Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos. Todos eles, juntos, forneciam uma média de 51.325 almoços por dia, funcionando de segunda a sexta-feira, das 10 às 15 horas. Alguns, além do almoço, também forneciam café da manhã, das 6 às 9 horas, e a estimativa era de 19.875 cafés da manhã em todo o Estado do Rio de Janeiro. Essa refeição custava para o Cidadão R$ 0,35, e o almoço R$ 1,00. São espaços públicos destinados à produção e comercialização de refeições prontas nutricionalmente balanceadas, originadas de processos seguros, a preços acessíveis a um público formado, em sua maioria, por trabalhadores formais e informais de baixa renda, incluindo desempregados, estudantes, aposentados, moradores de rua e famílias em situação de risco de insegurança alimentar e nutricional, cuja principal e, muitas vezes, única refeição do dia é realizada nesses estabelecimentos (SEASDH, 2016SEASDH. Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos. Restaurante Popular. Disponível em: <Disponível em: http://200.156.42.162/webpopular/ > Acesso em: 25 out. 2016.
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).

Esses restaurantes possuíam em média um quadro de funcionários composto por 50 pessoas e contavam, em geral, com os cargos de copeiro, ajudante de cozinha, cozinheiro, magarefe, estoquista, auxiliar de serviços gerais, operador de caixa, seguranças, assistente administrativo, nutricionista.

O fornecimento das refeições nas unidades do Restaurante Cidadão era terceirizado e realizado por empresas prestadoras de serviços de alimentação, que as produziam e as distribuíam, sob a responsabilidade técnica de um nutricionista. O cardápio do almoço era composto de sopa, três tipos de salada, prato principal, opção proteica, guarnição, acompanhamento (arroz e feijão), sobremesa, que geralmente era uma fruta, e refresco de frutas.

No município do Rio de Janeiro, eles estavam localizados nos bairros de Bangu, Bonsucesso, Campo Grande, Centro, Irajá, Jacarepaguá, Madureira e Méier. Dentre esses restaurantes, um foi escolhido para a realização do trabalho de campo.

Caracterização dos trabalhadores do estudo

No momento do trabalho de campo, que foi realizado no período de setembro a dezembro de 2015, o total de trabalhadores do estabelecimento era de 62 funcionários (39 homens e 23 mulheres). Destes, foram entrevistados seis copeiros (quatro homens e duas mulheres), um magarefe e um auxiliar de magarefe, um auxiliar de cozinha e um auxiliar de estoque. Em média, os entrevistados trabalhavam em cozinhas há 9,3 anos, com uma variação de dois a 29 anos de trabalho. A média de idade deles era de 42 anos.

A média do rendimento bruto mensal dos trabalhadores entrevistados foi de R$ 1.006,80. Os entrevistados, em sua maioria, trabalhavam 44 horas semanais no Restaurante, distribuídas de segunda a sexta-feira. Dos 10 entrevistados, dois exerciam outra atividade laboral nos finais de semana para conseguir uma renda extra, como montador de móveis e ajudante de pedreiro na casa de vizinhos e amigos. Dois dos entrevistados também relataram receber o benefício do bolsa-família, pois seus filhos ainda eram pequenos.

Resultados

A dinâmica de trabalho nos centros urbanos da atual sociedade ocidental moderna faz com que muitas pessoas passem horas fora do seu domicílio. No caso dos trabalhadores do Restaurante Cidadão do estudo, três refeições são realizadas no local do trabalho e, com exceção da alimentação no trabalho, poucas são as vezes que comem fora de casa. Em casa, a maioria dos entrevistados faz um lanche como, por exemplo, um pão com manteiga. Apenas alguns relataram preferir jantar.

No Restaurante Cidadão, o café da manhã para os trabalhadores era o mesmo oferecido aos usuários do serviço e, geralmente, era composto pelo café puro ou com leite e um pão careca com uma “fina camada” de margarina, como é enfatizado por eles. Essa refeição, em sua maioria, acontecia às 6 horas, horário em que os trabalhadores chegavam ao Restaurante para iniciar seu dia laboral.

O almoço para a maioria dos trabalhadores do Restaurante era entre 9-10h da manhã, sendo que às 10 horas todos deveriam estar em seus postos de trabalho para a abertura do estabelecimento ao público. Nesta refeição, os trabalhadores podiam servir-se à vontade das preparações que já tinham sido colocadas no balcão de distribuição do refeitório no Restaurante. Geralmente, o almoço era servido em um prato sobre uma bandeja e composto, em sua maioria, por uma grande porção de arroz e feijão, um pedaço de carne ou a “proteína”, como eles chamavam, e a salada que alguns colocavam em uma cumbuca em separado para depois misturar com o restante da comida no prato. Acompanhando as preparações, bebiam um copo de refresco industrializado, sabor artificial de fruta, e para a sobremesa, a fruta do dia, geralmente banana, maçã ou laranja. Eles costumavam realizar suas refeições no próprio salão, reunidos em pequenos grupos, onde, posteriormente, os usuários do Restaurante iriam almoçar. Uns almoçavam rapidamente para conseguirem, no tempo restante, descansar um pouco, e outros utilizavam o seu horário de almoço para comer com calma e conversar com os colegas de trabalho.

Os trabalhadores podiam, ainda, realizar, rapidamente, um segundo almoço às 15 horas, quando o Restaurante fechava para o público, porém essa refeição era composta pelo que sobrou do almoço, podendo, novamente, servirem-se de acordo com a sua vontade. Como eles falavam, arroz e feijão sempre sobravam o suficiente para todos comerem, mas proteína e salada, geralmente, não sobravam muito. Assim, eles dividiam, alguns comiam o arroz com feijão, outros apenas um pedaço de carne com um copo de refresco e outros o pãozinho que sobrou do café da manhã com um cafezinho. Também sempre havia uma fruta para complementar o segundo almoço.

Em relação às “beliscadas”, ou seja, o que se comia entre essas três refeições, as respostas foram bem particulares e relacionavam-se ao cargo e função que desempenhavam. Aquele que trabalhava na linha de distribuição geralmente não tinha tempo para comer enquanto o almoço era servido. Eram, aproximadamente, mil refeições distribuídas nessas cinco horas e, segundo os entrevistados, muitos dos usuários eram exigentes e reclamavam se houvesse uma espera na fila de distribuição. Tomar uns goles de refresco acabava sendo a única possibilidade de ingerir alguma coisa durante o almoço dos usuários, pois conseguiam se servir dele quando davam uma parada para ir ao banheiro ou pegar alguma preparação para reposição no balcão de distribuição.

Alguns entrevistados relataram sobre a realização do “almoço comunitário” dentro do Restaurante. Apesar dos trabalhadores terem acesso aos alimentos durante a jornada de trabalho e possuírem escassos recursos econômicos, aproximadamente uma vez por mês, um grupo de trabalhadores se reunia e se cotizava para comprar ingredientes e elaborar uma preparação por eles mesmos escolhida. Assim, davam o dinheiro para uma das copeiras que, segundo eles, cozinhava muito bem, para trazer o “pratão”, como eles denominavam e, no dia, todos compartilhavam aquela preparação. Em um dia mais frio, pediam para ela fazer um “caldo verde”, por exemplo, ou uma “costelinha”, numa sexta-feira. Essas preparações eram comidas diferentes das que geralmente eram preparadas no Restaurante Cidadão. Algumas vezes, eram as mesmas preparações que eram servidas no Restaurante, mas que, de acordo com eles, preparadas de forma diferenciada, com carinho e tão gostosas quanto as que eles faziam em casa, conforme relatou um dos entrevistados: “Acho que a gente faz isso porque a comida de casa é mais gostosa e, assim, a gente ainda faz uma brincadeira, se reúne e tal’’ (Entrevistado FL).

Ainda foi relatado que alguns trabalhadores se revezavam na elaboração de uma “mega salada”, uma preparação em que cada dia um deles seria responsável pela sua elaboração e que era composta “com tudo que tem direito”, ou seja, com todos os ingredientes que eles encontravam disponíveis no estoque naquele dia. O cardápio do Restaurante Cidadão já oferecia em sua estrutura uma salada mas parece que na visão deles ela era uma salada ‘pobre’, uma vez que segundo o entrevistado, eles davam “uma incrementada” na preparação: “a daqui são três itens, normais como em qualquer Restaurante. A nossa não, a nossa a gente já bota tudo! O que tiver dentro do estoque, laranja, tomate, cebola, alface, cenoura, chuchu, o que tiver a gente vai colocando prá dar uma acrescentada.” (Entrevistado SLL).

Discussão

A organização social tem entre um dos seus fatores estruturantes a comensalidade, ou seja, a partilha do mesmo momento e local das refeições, estabelecendo e reforçando a sociabilidade. “É pela cozinha e pelas maneiras à mesa que se produzem as aprendizagens sociais mais fundamentais e que uma sociedade transmite e permite a interiorização de seus valores” (POULAIN, 2013POULAIN, J. P. (Org.). Sociologia da obesidade. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2013., p. 182). A alimentação e a comensalidade, nessa perspectiva, vão além do simples comer junto e revelam a estrutura da vida cotidiana e as práticas alimentares estão diretamente relacionadas ao sentido que conferimos nós mesmos e à nossa identidade social (MINTZ, 2001MINTZ, S. W. Comida e antropologia: uma breve revisão. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16, n. 47, p. 31-41, 2001.; BOUTAUD, 2011BOUTAUD, J-J. Comensalidade. Compartilhar a mesa. In: MONTANDON, A. O livro da hospitalidade. São Paulo: Senac, 2011. p. 1213-30.).

Nas formas modernas, a comensalidade lida com suas contradições à busca de novos sentidos ou para responder às pressões da vida atual. Entre os trabalhadores entrevistados, prevalece o comer fora de casa e o espaço do trabalho se mostra como o principal para a realização das refeições. Pode parecer naturalizado que o trabalhador de uma empresa que produz comida faça lá suas refeições. Consideramos razoável, contudo, supor que há mais em jogo: além da distância entre a casa e o trabalho, a questão econômica é também elemento importante nesse fenômeno socialmente construído. A empresa fornece a alimentação como um benefício ao trabalhador e, como descrito anteriormente, a renda bruta mensal é um pouco maior que um salário-mínimo. No Brasil, é sabido que não é suficiente para garantir com dignidade as necessidades vitais básicas do trabalhador e da sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuários, higiene, transporte.

O café da manhã era, para muitos, a primeira refeição do dia. Dos dez entrevistados, dois relataram que antes de sair de casa ainda tomavam uma xícara de café, mas deixavam para comer o pãozinho no trabalho. A ênfase na “fina camada” de margarina também é comumente descrita no Brasil por meio de dois movimentos operados com a faca sobre o pão: a primeira passada da faca que coloca a manteiga e a segunda passada que a retira. É a ideia da mesquinhez, da avareza do patrão ao servir seu empregado ou, neste caso, da empresa de fornecimento de comida nesses Restaurantes. Na equação do acúmulo de capital, do lucro construído à custa da pobreza, cada mínima parcela de alimento “economizada” na hora da elaboração das refeições ganha importância imensa, afinal, são milhares de refeições em muitos Restaurantes e, nessa escala industrial, o mínimo num ponto é o máximo resultado no conjunto das linhas de montagem, lucro planejado, alcançado e apresentado como justo. Afinal, essa comida é “para pobre” e aí reside a naturalização dessa prática alimentar e seu questionamento (des)velado na ênfase dada à “fina camada” de manteiga que leva o pão.

Sabemos que a comensalidade contemporânea no meio urbano é orientada a partir de novas demandas geradas pelo modus vivendi que impõe a grande parte da população brasileira a necessidade de reorganizar a vida segundo as condições das quais dispõe, como tempo, recursos financeiros, locais disponíveis para se alimentar, local e periodicidade das compras, entre outras (GARCIA, 2003GARCIA, R. W. D. Reflexos da globalização na cultura alimentar: considerações sobre as mudanças na alimentação urbana. Revista de Nutrição, Campinas, v. 16, n. 4, p. 483-492, out-dez., 2003. ). O gosto e preferências, o acesso e a disponibilidade dos alimentos também colaboram para a construção das práticas alimentares na sociedade (CARVALHO; LUZ, 2011CARVALHO, M. C. V. S.; LUZ, M. T. Simbolismo sobre “natural” na alimentação. Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, n. 1, p. 147-54, 2011.; LEONEL; MENASCHE, 2017LEONEL, A.; MENASCHE, R. Food, food practices and other reflections to be consumedContextos da Alimentação. - Revista de Comportamento, Cultura e Sociedade, São Paulo, v.5, n. 2, jul. p. 3-13, 2017. ).

O trabalho e suas condições, assim, influenciam nesse processo e mostram também sua estreita relação com a modernidade alimentar,33Como propõe Fischler (2010), usamos a noção de modernidade alimentar para designar os impactos que a alimentação vem sofrendo com as transformações na sociedade contemporânea e englobam, por exemplo, discussões sobre o grau de estabilidade-desestruturação alimentar (WARDE, 1997) e a diferenciação social como geradora de normas alimentares (MÉNDEZ; BENITO, 2005). Assumimos o termo para descrever uma realidade social complexa e frequentemente paradoxal como apresenta o autor. contribuindo na modificação da relação entre os seres humanos e sua alimentação. Se antes da revolução industrial as principais refeições eram feitas em casa, com o advento do trabalho especializado e o desenvolvimento das cidades, entre outros, as refeições fora de casa ganharam cada vez mais espaço. No caso desses trabalhadores, além das refeições serem feitas no local do trabalho durante a semana laboral, observamos também uma desestruturação referente ao horário e ao tipo de comida, uma vez que faziam a principal refeição do dia - o almoço, entre 9 e 10 horas da manhã. Esse horário de almoço não era comum para muitos dos brasileiros viventes na lida urbana, nem mesmo para os trabalhadores em questão que, aos finais de semana, em suas casas não repetiam essa prática. Isso ocorria pelo fato do Restaurante ser aberto ao público às 10h e de não poderem parar as suas atividades até às 15h, quando o Restaurante fechava. Durante esse período, não havia funcionários suficientes para fazerem um revezamento nas atividades de modo a permitir que sua cultura alimentar fosse não apenas respeitada, mas estimulada como cultura e identidade de um povo.

Como o processo de trabalho determinava um horário de almoço usualmente considerado cedo, muitos deles relatavam fazer o segundo almoço, pois, após cinco horas seguidas de pé servindo os usuários, saindo apenas para ir ao banheiro ou para resolver eventuais problemas, já estavam com muita fome. Essa fome que sentiam e que justificava a realização de outro almoço antes de terminarem sua jornada de trabalho era atribuída à pesada carga de trabalho até o término da distribuição do almoço aos usuários. Essa refeição era considerada por eles como um complemento do almoço e, geralmente, era realizada rapidamente, em uns 15 minutos, já que eles precisavam deixar tudo limpo e organizado antes de retornarem para suas casas.

A “flexibilização” dos horários das refeições desses trabalhadores configura-se como desorganização de práticas alimentares historicamente consolidadas e, ainda, diante da própria comida por eles produzida, o que torna mais aguda e sutil a desestruturação da cultura e da identidade dessas pessoas; também seu enfraquecimento enquanto grupo social. Tendo por objetivo último o acúmulo de capital pelos detentores dos meios de produção dessas empresas terceirizadas, remuneradas a partir do dinheiro público arrecadado através de impostos pelos governos estadual e federal, esse caminho - apresentado como política de segurança alimentar e nutricional e de alimentação equilibrada e adequada e sem demérito aos seus possíveis resultados, em face da fome presente nas camadas mais pobres da sociedade - representa forma cruel de esgarçamento do bem comer e do bem viver como cuidado de si e do outro.

Essa questão nos faz refletir também sobre o que as políticas públicas em alimentação e nutrição, no Brasil, designam como um comportamento alimentar saudável. De acordo com o recente Guia alimentar para população brasileira (BRASIL, 2014BRASIL. Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira2a ed. Brasília: MS, 2014.), comer com regularidade e com atenção, comer em ambientes apropriados e comer em companhia constituem as três orientações sobre o ato de comer e a comensalidade. A despeito da discussão sobre o caráter normalizador dos guias alimentares (MENEZES , 2015MENEZES, M. F. G. et al. Reflexões sobre alimentação saudável para idosos na agenda pública brasileira. Revista brasileira de geriatria e gerontologia, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p. 599-610, 2015.), ficamos nos perguntando , com indignação: como era possível que em um equipamento público que se colocava norteado por tais políticas impunha aos seus trabalhadores atividades que implicavam em ficar tantas horas de pé, sem o descanso mínimo e que não respeitava os hábitos alimentares referente aos horários culturalmente estabelecidos de fazer aquela que é considerada, entre os brasileiros, a principal refeição dia?

Por outro lado, em consonância com o discurso da necessidade do aumento do consumo de frutas, legumes e verduras, o acesso principalmente às frutas era observado, mesmo que a uma variedade limitada (banana, laranja ou maçã). Nesse caso, foi interessante observar certa distinção entre os próprios trabalhadores do Restaurante Cidadão e entre eles e os usuários. Foi observado durante as entrevistas que os que trabalhavam no estoque tinham mais acesso aos alimentos que ali estavam, o que incluía as frutas. “Fruta é o que a gente no estoque mais come. É o que a gente tem mais acesso”, disse o auxiliar de estoque.

Assim, algumas práticas de consumo podem contribuir para a construção de fronteiras entre grupos ou mesmo aflorar distinções dentro de um grupo já existente, podendo esse confronto acontecer de forma irreconhecível, sendo as diferenças ligadas à posição na estrutura da distribuição dos instrumentos de apropriação, transmutadas, assim, em distinções simbólicas (BOURDIEU; SAINT-MARTIN, 1976BOURDIEU, P.; SAINT-MARTIN, M. “Anatomie du gout”. Actes de la recherche en sciences sociales, v.2, n.5, p. 2-81, 1976. ; YACCOUB 2011YACCOUB, H. A chamada “nova classe média”: cultura material, inclusão e distinção social. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 17, n. 36, p. 197-231, 2011.).

Outro fato interessante foi a dimensão simbólica horizontal (unificante) da comensalidade (BOUTAUD, 2011BOUTAUD, J-J. Comensalidade. Compartilhar a mesa. In: MONTANDON, A. O livro da hospitalidade. São Paulo: Senac, 2011. p. 1213-30.), evidente quando os trabalhadores se reuniam para a realização do “almoço comunitário”. Mesmo tendo acesso aos alimentos disponíveis no Restaurante durante a jornada de trabalho e com escassos recursos econômicos, alguns trabalhadores se dividiam e organizavam um almoço composto por uma preparação escolhida por eles e feita por quem eles também escolhessem.

Essa ação em conjunto nos revela que apesar de os trabalhadores poderem comer juntos a comida do Restaurante Cidadão era através da ‘comida feita por eles e para eles’, daquilo que eles escolhiam para comer e com quem comer, que se criava uma relação ou se fortalecia a relação já existente. A comida ‘saborosa e caseira’ expressava o sentido das relações sociais em torno da mesa vinculada às experiências pessoais, o sinal de amizade, onde:

A prática da convivência no seu sentido próprio, a própria imagem da vida em comum (cum vivere), fortalece, desde sempre, a ideia de que comer e beber com o outro favorece a empatia, a compreensão mútua, a comunhão de sentimentos. (BOUTAUD, 2011BOUTAUD, J-J. Comensalidade. Compartilhar a mesa. In: MONTANDON, A. O livro da hospitalidade. São Paulo: Senac, 2011. p. 1213-30., p. 1215).

Além do tradicional sentido de partilha dos alimentos com um certo grau de envolvimento recíproco, a comensalidade tanto reúne quanto separa, pode ao mesmo tempo ser inclusiva ou exclusiva dentro de um grupo, bem como exclusiva daqueles que não fazem parte do grupo. Pode manifestar igualdade ou hierarquia entre os que compartilham a mesa (BOUTAUD, 2011BOUTAUD, J-J. Comensalidade. Compartilhar a mesa. In: MONTANDON, A. O livro da hospitalidade. São Paulo: Senac, 2011. p. 1213-30.; FISCHLER, 2011FISCHLER C. Commensality, society and culture. Social Science Information, v. 50, n. 3-4, p. 528-548, 2011.), provocando afastamentos identitários, entre os que se cotizam e aqueles que não fazem parte do grupo e que, provavelmente, não partilham a mesma maneira de viver. Os entrevistados não explicaram por que uns participavam e outros não, mas observamos que em sua maioria o grupo que fazia o “almoço comunitário” era composto de trabalhadores mais jovens em relação à idade, podendo supor que havia uma maior afinidade e aproximação. Assim, da mesma forma que por um lado a comensalidade, o comer na mesma mesa, pode criar laços, aproximar as pessoas, estabelecendo a sociabilidade, por outro isso não ocorrerá sem dor e, com certeza, tem seus efeitos de exclusão (FISCHLER, 2011FISCHLER C. Commensality, society and culture. Social Science Information, v. 50, n. 3-4, p. 528-548, 2011.).

A iniciativa de comprar ingredientes, elaborar uma preparação e compartilhar uma refeição distinta daquela que era servida no espaço do trabalho, reforça também a ideia de que a alimentação não cumpre somente a função biológica do nutrir-se. DaMatta (1986)DAMATTA, R. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 1986. , ao investir em estudos sobre identidade em sociedades, afirmou que a comida é, além de uma substância alimentar, um modo de alimentar-se e que a maneira de comer define aquilo que é ingerido, como também aquele que ingere.

O alimento, segundo o autor, é algo universal. Carreador de nutrientes, é algo que diz respeito a todos os seres humanos: amigos ou inimigos, gente de perto ou de longe, da rua ou de casa, do céu ou da terra. Mas a comida é algo que define um domínio e põe as coisas em foco. Assim, a comida corresponde ao antigo “decomer”, expressão equivalente à refeição, como também é a palavra comida. Por outro lado, comida se refere a algo costumeiro e sadio, alguma coisa que ajuda a estabelecer uma identidade, definindo, por isso mesmo, um grupo, classe ou pessoa. A comida é o alimento simbolizado; carregado de sentidos e de significados específicos de diferentes grupos da sociedade. A comida é mediadora de relações sociais singulares, antes de tudo.

É a partir dessa concepção que olhamos para o “pratão” e para a “mega-salada”, e não para a comida do dia a dia do Restaurante Cidadão como algo costumeiro e sadio, que ajuda a estabelecer uma identidade de um grupo.

Pode-se dizer que é na dimensão social e cultural da comida que são estabelecidos vínculos com quem se come e com as diversas dinâmicas que envolvem e constroem a comensalidade (FISCHLER, 2011FISCHLER C. Commensality, society and culture. Social Science Information, v. 50, n. 3-4, p. 528-548, 2011.).

O processo de escolha alimentar não se dá primeiramente pela opção nutricional, e sim é influenciado pelo convívio social cotidiano, que pode estar presente nas relações familiares, nos locais de trabalho, na escola e em outros espaços onde, na relação social, há trocas de experiência, que auxiliam na construção do sistema alimentar dos indivíduos, ou seja, do seu habitus (DELORMIER , 2009DELORMIER, T.; FROHLICH, K. L.; POTVIN, L. Food and eating as social practice - understanding eating patterns as social phenomena and implications for public health. Sociology of Health & Illness, v. 31 n. 2, p. 215-228, 2009.).

Entendemos que o conceito de habitus (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009.) pode auxiliar-nos na compreensão das práticas alimentares dos sujeitos nesse estudo, como um sistema de orientação que os trabalhadores podem ora ter consciência, ora não. Habitus é uma matriz mediadora que faz pensar a relação, a correspondência entre as práticas individuais, a subjetividade dos sujeitos e os condicionamentos sociais de existência, enfatizando o caráter de interdependência entre indivíduo e sociedade. É uma matriz cultural que predispõe os indivíduos a fazer suas escolhas perante suas posições no contexto social e que, “embora seja visto como um sistema engendrado no passado e orientando para uma ação no presente, ainda é um sistema em constante reformulação” (SETTON, 2009SETTON, M. G. J. Socialização como fato social total: notas introdutórias sobre a teoria habitus. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 41, p.296-394, 2009., p. 61).

Ao considerar a alimentação humana vinculada às experiências pessoais e exigências tradicionais é plausível considerar que a cultura influenciou diretamente a escolha dos alimentos desse grupo de trabalhadores. A escolha foi pelo “pratão” e pela “mega-salada”. Estas são questões que nos ajudam a problematizar o acesso aos alimentos saudáveis como fator para influenciar a mudança na alimentação das pessoas em busca de hábitos saudáveis, no sentido da construção de um habitus.

As ações dos trabalhadores tendem a se ajustar como um sentido prático às necessidades impostas por uma configuração social específica. Se a maior parte das ações dos agentes sociais é produto de um encontro entre um habitus e uma conjuntura, então, pode-se entender que as estratégias comportamentais, às vezes premeditadas e outras vezes não, são práticas estimuladas por uma certa situação ou um conjunto de situações históricas baseadas em todo um contexto social. Assim, pensar no aumento do acesso aos alimentos saudáveis como uma estratégia que pode mudar o comportamento nos parece insuficiente.

Ou seja, a teoria praxiológica, ao fugir dos determinismos das práticas, pressupõe uma relação dialética entre sujeito e sociedade, uma relação de mão dupla entre habitus individual e a estrutura de um campo, socialmente determinado. Segundo esse ponto de vista, as ações, comportamentos, escolhas ou aspirações individuais não derivam de cálculos ou planejamentos, são antes produtos da relação entre um habitus e as pressões e estímulos de uma conjuntura. (SETTON, 2009SETTON, M. G. J. Socialização como fato social total: notas introdutórias sobre a teoria habitus. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 41, p.296-394, 2009., p. 5).

De acordo com o meio social em que estão inseridos, os agentes podem comer uma preparação ou outra, degustar um petisco ou dar uma beliscada, com o objetivo de capitalizar símbolos e significados segundo propensões estruturadas e, com isso, (re)orientar sua vida, e, consequentemente, sua trajetória social.

Na sociedade contemporânea, a comida é tratada dinamicamente e incorporada ou rejeitada de forma a interligar normativas biomédicas e/ou de outras esferas e valores sociais. Klotz (2015KLOTZ, J. S. Hábitos alimentares e comportamento alimentar: do que estamos falando? 2015. Tese (Doutorado em Nutrição, Alimentação e Saúde)-Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.), fala que ora uns agentes, ora outros, ou vários, simultaneamente pensam, agem e sentem de modos específicos em cada situação e no conjunto delas. E é nessa relação entre o conjunto de situações que os agentes definem o que comer, onde comer, como comer e com quem comer, por meio de disposições duráveis ou de capacidades aprendidas previamente que as orientam na construção de respostas em face das demandas e das limitações próprias dos espaços sociais em que se inserem.

Outro relato interessante que corrobora com o que estamos discutindo se refere a preparação da “mega salada”.

O cardápio do Restaurante Cidadão já tem em sua estrutura uma salada, mas parece que na visão deles ela é uma salada “pobre”, uma vez que segundo o entrevistado, eles dão “uma incrementada” na preparação e isso vem chamando a atenção dos outros colegas de trabalho que também passaram a compartilhar da “mega salada”.

De acordo com Klotz (2015KLOTZ, J. S. Hábitos alimentares e comportamento alimentar: do que estamos falando? 2015. Tese (Doutorado em Nutrição, Alimentação e Saúde)-Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015., p. 24):

[...] a comida assume expressões distintas em cada situação, momento histórico ou grupo social, podendo as mesmas práticas alimentares e corporais ser mais ou menos valorizadas ou carrear distinções específicas de acordo com o contexto considerado.

E é essa entonação que a produção da “mega-salada” feita pelos trabalhadores pode levar. Mesmo havendo no cardápio do Restaurante uma opção de salada, eles viram a necessidade de incrementar e produzir uma salada considerada por eles como uma preparação “mega”, sendo, assim, uma maneira de diferenciar a comida deles do que é ofertado para os usuários do Restaurante.

Através do simbolismo da produção e consumo de alimentos, a sociedade costuma julgar e ser julgada, materializando, assim, valores sobre si e sobre os outros. Em relação à dinâmica entre os agentes marcados pela distinção social, Bourdieu exemplifica procedimentos pelos quais as classes mais abastadas tentam se distinguir das classes que lhes são subalternas, com itens como, por exemplo, vestimentas, artigos pessoais, alimentação etc. Essa busca pela diferenciação na acumulação de capitais simbólicos está relacionada às distinções entre as classes, caracterizando os seus habitus individuais e de classe (BOURDIEU, 2009BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2009.; KLOTZ, 2015KLOTZ, J. S. Hábitos alimentares e comportamento alimentar: do que estamos falando? 2015. Tese (Doutorado em Nutrição, Alimentação e Saúde)-Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015.).

Conclusão

Ao considerar esses trabalhadores, a discussão gira em torno de como um determinado espaço social entrelaçado por forças político-econômicas, necessidades biológicas e sistemas simbólicos estruturam as práticas alimentares de um determinado grupo social. Deste ponto de vista, o espaço do trabalho para este grupo se mostra como o principal para a realização das refeições, prevalecendo o comer fora de casa. Neste, os modos de comer revelam-se imbricados de interdependência de relações entre as pessoas quando a partilha do alimento se dá através do “almoço comunitário” para consumir o “pratão” e a “mega-salada”.

O “pratão” e a “mega-salada” consistem na escolha alimentar que unifica estes trabalhadores e os capitaliza simbolicamente, distinguindo-os através da comida dos demais usuários do Restaurante Cidadão. Vale ressaltar que a comida do cotidiano os remete também a quem come neste local, a saber, grupos populacionais menos favorecidos e que, em grande parte, não tem condições de suprir sua própria alimentação. O “pratão”, e não a comida “saudável” do Restaurante Cidadão, se apresenta como algo costumeiro e sadio e que ajuda a estabelecer a identidade de um grupo.

O trabalho no contexto em que está inserido mostra também uma estreita relação com a modernidade alimentar, contribuindo na modificação da relação entre os seres humanos e sua rotina alimentar neste espaço. Assim, as memórias alimentares e as experiências familiares, ou não, que estruturam nossos gostos, junto com nossos valores e relações sociais, entram na disputa para a construção dos sentidos e significados desse sujeito em relação à alimentação, impactada, negativamente, no cotidiano de trabalho, especialmente quando pensamos na estrutura da alimentação em seus aspectos identitários e suas subjetividades.

Por fim, parece-nos ser promissor assumir um olhar atento para as discussões existentes que possa dar conta do fenômeno das mudanças no padrão alimentar para transformar contextos adversos que contribuem com a obesidade. Deste modo, este trabalho contribuiu para desvendar os limites que os indivíduos enfrentam para modificar as “escolhas” alimentares pessoais diante das relações de força que imperam em uma sociedade contemporânea marcada por profundas transformações sociais. Se, o que se escolhe para comer é, por um lado, regido pelos afetos que operam no plano das subjetividades, por outro, poder escolher o que, quando, como e com quem se come se configura em uma prática resultante de um processo de interiorização das estruturas sociais; e contesta a ideia de liberdade de escolha mesmo quando os recursos materiais estão disponíveis nos diversos ambientes.44N. C. Nunes: coleta, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do artigo. F. B. Kraemer e S. D. Prado: concepção e delineamento da pesquisa, análise e interpretação dos dados; redação do artigo, revisão crítica. D. M. N. Barcellos: análise e interpretação dos dados; redação do artigo e a sua revisão crítica Todos os autores aprovaram a versão a ser publicada. Todos os autores aprovaram a versão a ser publicada.

Referências

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  • 1
    Pesquisa: Ambiente alimentar saudável: um estudo interpretativo sobre práticas alimentares, significados e implicações no espaço do trabalho com apoio financeiro da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (processo E-26/010.001824/2016).
  • 2
    Em 2016, diante de uma crise fiscal e econômica, os Restaurantes Cidadão foram fechados pelo governo do Estado, devido à falta de recursos para a manutenção dos mesmos desde o ano anterior (SEASDH 2016SEASDH. Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos. Restaurante Popular. Disponível em: <Disponível em: http://200.156.42.162/webpopular/ > Acesso em: 25 out. 2016.
    http://200.156.42.162/webpopular/...
    ). Posteriormente, alguns dos Restaurantes Cidadão foram reabertos sob gestão Municipal.
  • 3
    Como propõe Fischler (2010)FISCHLER C. Gastro-nomia and gastro-anomia. Sabiduría del cuerpo y crisis biocultural de la alimentación moderna. Gazeta de Antropología, v. 26, n. 1, 2010. Disponível em: <Disponível em: http://hdl.handle.net/10481/6789 > Acesso em: 20 de fev. 2014.
    http://hdl.handle.net/10481/6789...
    , usamos a noção de modernidade alimentar para designar os impactos que a alimentação vem sofrendo com as transformações na sociedade contemporânea e englobam, por exemplo, discussões sobre o grau de estabilidade-desestruturação alimentar (WARDE, 1997WARDE, A. Consumption, food and taste. Londres: Sage; 1997.) e a diferenciação social como geradora de normas alimentares (MÉNDEZ; BENITO, 2005MÉNDEZ, C. D.; BENITO, C. G. Sociologia y alimentación. Rev Int Sociol, Tercera Época, v. 40, p. 21-46, 2005.). Assumimos o termo para descrever uma realidade social complexa e frequentemente paradoxal como apresenta o autor.
  • 4
    N. C. Nunes: coleta, análise e interpretação dos dados; redação e revisão crítica do artigo. F. B. Kraemer e S. D. Prado: concepção e delineamento da pesquisa, análise e interpretação dos dados; redação do artigo, revisão crítica. D. M. N. Barcellos: análise e interpretação dos dados; redação do artigo e a sua revisão crítica Todos os autores aprovaram a versão a ser publicada. Todos os autores aprovaram a versão a ser publicada.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2020
  • Revisado
    08 Ago 2021
  • Aceito
    27 Set 2021
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