Resumos
INTRODUÇÃO:
O modelo demanda-controle de Karasek tem sido utilizado para investigar associação entre estresse no trabalho e desfechos de saúde. Entretanto, diferentes instrumentos e definições têm sido adotados para aferir a exposição "alta exigência no trabalho", o que dificulta a comparação de resultados entre estudos.
OBJETIVO:
Descrever os instrumentos e as definições adotadas para a variável de exposição "estresse no trabalho", avaliada segundo o modelo demanda-controle, nos estudos observacionais publicados até 2010.
MÉTODOS:
Revisão sistemática de estudos observacionais publicados até dezembro de 2010, que avaliaram a exposição "estresse no trabalho", aferido segundo o modelo demanda-controle de Karasek e utilizaram o JCQ ou seus derivados, desde que explicitado nos textos.
RESULTADOS:
Entre 877 resumos selecionados, 496 (57%) preencheram os critérios de inclusão. Identificou-se tendência à produção bibliográfica crescente no tema. A maioria dos estudos foi de natureza seccional; não encontramos diferenças relevantes entre as populações de estudo masculinas e femininas. Suécia, EUA, Japão e Canadá concentraram 57% das publicações, em sua maioria incluindo mais de 1.000 participantes e ocupações diversificadas. Desfechos cardiovasculares e seus fatores de risco foram os mais estudados (45%), seguidos por aqueles relacionados à saúde mental (25%). Em 71% dos estudos foi utilizado o Job Content Questionnaire (com 2 a 49 itens) e, em 19% do total, a versão sueca (Demand Control Swedish Questionnaire). Quadrantes de exposição demanda-controle foram utilizados em 51% dos trabalhos, mas com variados pontos de corte; escores das duas dimensões foram analisados em separado em 27%, e sua razão em 14% do total. Apoio social no trabalho foi avaliado em 44% dos estudos.
CONCLUSÃO:
O modelo Karasek deverá continuar a suscitar pesquisas epidemiológicas e esperamos que os pesquisadores enfrentem essas questões teóricas e metodológicas ainda pendentes.
Estresse psicossocial; Modelo demanda-controle; Ambiente de trabalho; Determinantes sociais da saúde; Saúde do trabalhador; Revisão sistemática
Introdução
Estresse no trabalho tem sido apontado como uma importante exposição no desenvolvimento de desfechos negativos à saúde do trabalhador. Um dos modelos teóricos existentes, apresentado por Robert Karasek em 19791 e desenvolvido durante as décadas seguintes, já foi testado em diversos países com diferentes conformações econômicas e sociais. Sua principal hipótese é que reações adversas à saúde acontecem devido ao desgaste psicológico decorrente da exposição simultânea por parte dos trabalhadores, a elevadas demandas psicológicas e escassa amplitude de decisão sobre o seu processo de trabalho (controle) - trabalhos de alta exigência (job strain)1-4. Uma terceira dimensão - o apoio social de colegas e chefes no trabalho - foi acrescentada ao modelo5,6. Sua escassez seria negativa para a saúde; além disso, aumentaria o efeito negativo da exposição aos trabalhos de alta exigência no ambiente de trabalho (isostrain)6. Uma segunda hipótese do modelo decorre do que viria a ser um "efeito positivo" do estresse: segundo o autor, poderia advir um comportamento ativo com motivação, novas aprendizagens e um padrão de enfrentamento positivo sob condições simultâneas de demandas psicológicas e amplitude de decisão elevadas (trabalhos ativos). De forma inversa, a escassez simultânea de demandas psicológicas e de amplitude de decisão levaria a um estado de desmotivação, diminuição de aprendizagem ou até mesmo perda gradual de habilidades adquiridas (trabalhos passivos)1-4. O instrumento originalmente elaborado para avaliar características sociais e psicológicas do trabalho foi o "Job Content Questionnaire" (JCQ)1-4, com 49 questões, distribuídas em cinco dimensões, três das quais pertencentes ao modelo demanda-controle: 9 itens sobre demandas psicológicas, 18 itens sobre controle no processo de trabalho (7 sobre uso de habilidades; 3 sobre autonomia para decisão; e 8 sobre autoridade para decisão a nível macro) e apoio social de colegas (5 itens) e chefes (6 itens) no trabalho. As outras dimensões estão relacionadas a outros constructos do ambiente de trabalho como demandas físicas (5 itens) e insegurança no trabalho (6 itens). Esse instrumento vem sendo utilizado e reavaliado por pesquisadores de vários países do mundo, de forma colaborativa7. Existem outros questionários com escalas teoricamente consistentes com o modelo téorico, ainda que possuam pequenas diferenças no número de itens, no conteúdo dos itens e em seus formatos de resposta, tais como o questionário usado por Theorell na Suécia (17 itens)8,9, o Estudo Whitehall na Inglaterra (10 itens)9,10, o Estudo MONICA usado na Dinamarca9 e o Copenhagen Psychosocial Questionnaire (COPSOQ)9, que têm sido utilizados pela facilidade de aplicação em estudos multidimensionais e em grandes amostras de população trabalhadora11. Segundo Kristensen et al.12 e Pejtersen et al.13, o COPSOQ foi elaborado com o objetivo de avaliar o ambiente psicossocial do trabalho sem, entretanto, se limitar a um único modelo teórico.
As definições empíricas da "alta exigência no trabalho" têm sido bastante variadas. O primeiro passo consiste no cálculo dos escores das dimensões do modelo que podem ser obtidos pelo uso de algoritmos4,9,14 ou pelo somatório simples das pontuações obtidas em cada item componente da dimensão8,10,14. Os escores são calculados separadamente para as dimensões demanda psicológica e controle. Esses escores podem ser usados como variáveis contínuas14-16 ou pela divisão das escalas demanda, controle e apoio social no trabalho em quantis (tercil, quartil ou quintil)16. Para a definição dos quadrantes são utilizados variados pontos de corte para as dimensões (mediana, tercis, quartis), de modo a classificar os trabalhos dos indivíduos em alta exigência (alta demanda e baixo controle), passivos (baixa demanda e baixo controle), ativos (alta demanda e alto controle) e baixa exigência (baixa demanda e alto controle), que comporiam um gradiente da maior para a menor exposição1-3. Outra forma frequente de definição dessa exposição consiste no cálculo da razão entre os dois escores8,14; da mesma forma, esse quociente pode ser avaliado de forma contínua ou categorizada em quantis14,16. Outros autores ainda destacam um termo de interação multiplicativo (demanda x controle, controlado por demanda e controle)14,15; subtração (demanda-controle)14,15; logarítmico (logaritmo da razão)14-16; pela definição de um limiar arbitrário14,15,17; pela exclusão do segmento da população mais próximo da média e consideração dos quatro quadrantes formados pelo restante da população9,14.
Apesar da sua crescente utilização em vários países, os resultados dos estudos de revisão têm se mostrado inconclusivos, principalmente para doença cardiovascular18-20. Um estudo de revisão sistemática (33 artigos) mostrou moderada evidência entre altas demandas psicológicas e falta de apoio social, isolado ou em combinação com alta exigência no trabalho (isostrain), na associação com doença isquêmica do coração19. Um estudo de meta-análise com 14 estudos prospectivos identificou associação entre alta exigência no trabalho e doença coronariana, quando ajustada para idade e sexo (risco relativo sumário RRs 1,4; IC 95% 1,2 - 1,8), o que não foi confirmado em modelos múltiplos (RRs 1,2; 0,9 - 1,4)20. Entretanto, quanto à doença mental, os achados para o modelo demanda controle têm-se mostrado mais consistentes, mesmo na presença de heterogeneidade entre os estudos. A meta-análise conduzida por Stansfeld & Candy21 mostrou evidência para associação, principalmente, entre alta exigência (ORcombinado ORc 1,8; IC 95% 1,1 - 3,1) e baixo apoio social no trabalho (ORc 1,3; IC 95% 1,2 - 1,4) e transtornos mentais comuns.
Sultan-Taïeb et al.22 estimaram a prevalência de doenças cardiovasculares, transtornos mentais e músculo-esqueléticos e sua associação com trabalhos de alta exigência, a partir de uma revisão da literatura (1990-2008) sobre o modelo demanda-controle, numa amostra de 24.486 trabalhadores franceses. Foram revistos 13 estudos de doença cardiovascular (o Risco Relativo variou de RR 0,63 - 2,45 para morbimortalidade), 7 sobre transtornos mentais (RR de 1,2 - 3,3) e 11 sobre desordens músculoesqueléticas (RR de 0,94 - 2,3). As prevalências estimadas para os três agravos combinados foram 19,6% para os homens, 28,2% para as mulheres, e 23,2% para homens e mulheres combinados. As frações atribuíveis à morbidade por doenças cardiovasculares foi 4,9 - 21,5% para homens, 0 - 15,9% para mulheres e 6,5 - 25,2 para homens e mulheres combinados; para a mortalidade cardiovascular, 7,9 - 21,5% para os homens, 2,5% para as mulheres, e 6,5 - 25,2% para homens e mulheres combinados; para os transtornos mentais, 10,2 - 31,1% para os homens, 5,3 - 33,6% para as mulheres, e 6,5% para homens e mulheres combinados; e para os transtornos musculoesqueléticos, 0 - 19,6% para os homens, 0 - 26,8% para as mulheres, e 3,4 - 19,9% para homens e mulheres combinados. Em comum, estas revisões evidenciaram heterogeneidade entre os métodos, cuja fonte não foi adequadamente investigada.
Ao que sabemos, apenas dois estudos investigaram as diferentes formas de operacionalização da variável de exposição alta exigência no trabalho na associação com desfechos em saúde. O primeiro estudo identificou que, independente do ponto de corte ou da forma de combinação de demanda com controle, a alta exigência no trabalho esteve associada a níveis de pressão arterial sistólica, mas não diastólica, ainda que a magnitude da associação tenha variado de acordo com o método empregado15. Outro estudo avaliou a validade de construto das diferentes formas de operacionalizar a variável alta exigência no trabalho e identificou que, entre trabalhadores de hospital, a variável mais associada ao perfil ocupacional e melhor preditora de desfechos em saúde (e. g., saúde física e mental) foi a subtração entre os escores de demanda pelos de controle2,16.
Neste trabalho efetuamos uma revisão sistemática dos estudos publicados até dezembro de 2010 para descrever os instrumentos e as definições utilizadas para a variável de exposição "estresse no trabalho", quando aferida segundo o modelo demanda-controle. Além disto, pretendemos avaliar a frequência de utilização da dimensão "apoio social no trabalho", seja como variável de exposição, confundimento ou modificadora de efeito, denominada isostrain, como postulado teoricamente.
Métodos
Trata-se de uma revisão sistemática dos artigos indexados na base eletrônica de dados PubMed até dezembro de 2010. A estratégia de busca incluiu os seguintes termos, restritos aos campos "título" ou "resumo", além de descritores do artigo ("mesh terms"): ("job stress" OR "work stress" OR "work-stress" OR "job strain" OR Karasek) AND (demand OR control OR "social support") AND "Case-Control Studies"[Mesh] OR "Cohort Studies"[Mesh] OR "Cross-Sectional Studies"[Mesh] OR "Health Surveys"[Mesh] OR "Longitudinal Studies"[Mesh] OR "Epidemiologic Studies"[Mesh] OR "Retrospective Studies"[Mesh] OR "Prospective Studies"[Mesh] OR Surveys or survey). Os resumos obtidos foram avaliados de modo independente por dois dos autores (MGMA e YHMH) e as discordâncias foram resolvidas por consenso. Os critérios de inclusão foram: a) artigos publicados de forma completa em inglês, francês, espanhol ou português; b) estudos observacionais descritivos ou analíticos que avaliaram a associação entre estresse no trabalho (como fator de exposição) e desfechos em saúde; c) explicitação no texto (resumo ou artigo completo) sobre o uso do modelo demanda-controle de Karasek para a análise da exposição; d) explicitação no texto (resumo ou artigo completo) sobre o instrumento de coleta para a variável "estresse no trabalho" segundo o "Job Content Questionnaire" (JCQ) ou versões deste instrumento. Foram incluídos todos os artigos que atenderam a esses critérios, independente do número de itens analisados por dimensão ou da avaliação de apenas uma das dimensões. Quando os resumos não continham todas as informações requeridas, era realizada a leitura completa dos artigos para decidir sobre sua inclusão. Os critérios de exclusão foram: a) "estresse no trabalho" como variável de desfecho, de confusão ou interveniente; b) estudos em que não estava claramente definido o modelo ou o instrumento utilizado para aferir a variável "estresse no trabalho", nem no resumo nem no artigo completo; c) estudos qualitativos; e d) estudos realizados em animais.
As seguintes variáveis foram extraídas dos artigos selecionados: período e local de publicação; desenho de estudo; características sociodemográficas da população de estudo (sexo, faixa etária e ocupação); desfechos avaliados; instrumento de aferição (tipo: JCQ, DCSQ, outros; tamanho: nº de itens); dimensões avaliadas (demandas, controle ou apoio social no trabalho) e os métodos de definição das variáveis do modelo demanda-controle (dimensões isoladas ou combinadas; pontos de corte utilizados). A extração de dados dos artigos foi feita pelos mesmos autores (MGMA e YHMH) e consolidados em um banco de dados, no programa SPSS, versão 13.023. As referências foram armazenadas no programa Endnote, versão X24.
No tocante aos aspectos éticos não houve conflito de interesses para a realização desse estudo. Por se tratar de pesquisa bibliográfica com uso exclusivo de bases de dados públicos e, portanto, de não se tratar de pesquisa envolvendo seres humanos nos termos da Resolução 196/9625, essa pesquisa não foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa.
Resultados
A estratégia de busca selecionou 877 artigos, dos quais 381 (43,4%) não preencheram os critérios de inclusão, 165 não avaliaram estresse no trabalho ou estavam publicados em outros idiomas, 144 não eram estudos de associação e 72 estudos analisaram "estresse no trabalho" como variável de desfecho ou de confundimento. Dos 496 estudos restantes (56,6% da seleção inicial), 319 (64,3%) avaliaram o modelo demanda-controle conforme proposto por Karasek (Figura 1), compondo a amostra final de artigos incluídos nesta revisão.
Em relação ao período de publicação, observamos que, a partir da década de 1980, período subsequente à proposição do modelo teórico de Karasek, a produção de artigos foi crescente: 2% até 1989, 18% na década de 1990 e 80% na década de 2000. A maior parte dos estudos foi publicada em países europeus (51%). Independente do continente, destacam-se os seguintes países: Suécia (20%), Estados Unidos da América (17%), Japão (12%) e Canadá (8%). O Brasil contribuiu com 2% dos estudos analisados (dados não apresentados). Os desenhos de estudo mais frequentes foram os seccionais (62%) e os desfechos cardiovasculares predominaram nas publicações (40%), incluindo seus fatores de risco, como a hipertensão arterial (8%; dados não apresentados) (Tabela 1).
Os tamanhos amostrais variaram de 31 a 48.066 indivíduos, sendo que cerca de 1/3 dos artigos foram baseados em amostras de tamanho menor que 500 indivíduos. A maioria das amostras incluiu indivíduos ambos os sexos (65% dos artigos) e com idade inferior a 50 anos (73%) e 15,4% dos estudos não informaram a idade dos trabalhadores. Apenas 1/5 dos estudos restringiu-se a um único grupo ocupacional, porém foi mais comum encontrar estudos baseados em amostras da população geral de trabalhadores (categoria ocupacional sem restrição) (44%) (Tabela 2).
Características sociodemográficas dos estudos publicados (n = 319) no Pubmed até dezembro de 2010.
Em relação ao instrumento de coleta da variável "estresse no trabalho", o mais frequente foi o "Job Content Questionnaire" (73%); entretanto, o número de itens utilizados variou bastante (2 a 49 itens; dados não apresentados).
Dos artigos analisados, 49% utilizaram uma única forma de definir a exposição (dados não apresentados). A categoria de exposição principal foi definida na maior parte dos estudos (46%) segundo os quadrantes propostos por Karasek, sendo a diagonal de interesse a correspondente ao quadrante de "alta exigência" - "high strain", onde coexiste 'alta demanda e baixo controle', em comparação ao de "baixa exigência" - "low strain" ou 'baixa demanda e alto controle'. A segunda forma mais frequente de definir a exposição foram os escores contínuos das dimensões (32%), seguido da razão entre demanda e controle (16%). Nos estudos que avaliaram mais de uma forma de definir a exposição, 18% avaliaram quadrantes e dimensões isoladas e 6% razão e dimensões isoladas. O ponto de corte mais frequentemente utilizado para a definição dos quadrantes de Karasek (47%) e dimensões (18%) foi a mediana. Apoio social no trabalho foi avaliado em 49% dos estudos, seja como variável modificadora de efeito, de exposição ou de confundimento, mas o efeito combinado de alta exigência e baixo apoio social no trabalho - "isostrain" (portanto, como modificadora de efeito, como proposto por Johnson) - foi avaliado em apenas 10% dos estudos (Tabela 3). Alguns estudos que avaliaram apoio social como variável de exposição, o fizeram com instrumentos diferentes do JCQ (dados não apresentados).
Variáveis de exposição utilizadas nos estudos publicados (n = 319) no Pubmed até dezembro de 2010.
Quando comparamos o uso dos dois principais instrumentos - o JCQ e o DCSQ - , observamos que o primeiro tem sido principalmente utilizado nos Estados Unidos (21%), no Japão (15%) e no Canadá (9,9%), enquanto o segundo tem sido principalmente utilizado na Suécia (75%).
Em relação ao desenho do estudo, para ambos os instrumentos foram mais encontrados estudos seccionais (67%, JCQ; 50%, DCSQ). Os estudos de caso-controle usaram mais frequentemente o DCSQ (27%) em relação ao JCQ (7%).
Com ambos os instrumentos predominaram, ligeiramente, estudos com populações masculinas, isoladamente ou em conjunto com a população feminina. Quanto às ocupações, observamos que o JCQ tem sido mais utilizado para investigar grupos com duas ou mais ocupações, como servidores públicos (39%), enquanto o DCSQ estudou com maior frequência amostras sem restrição quanto à ocupação (59%). Em relação aos grupos com apenas uma ocupação, o JCQ foi usado mais frequentemente (23%) do que o DCSQ (17%). Os principais desfechos estudados foram concordantes com o conjunto dos estudos: doenças cardiovasculares, seguidas pelos transtornos mentais e avaliações do estado geral de saúde.
Com ambos os instrumentos, a forma mais frequente de avaliar a exposição principal foram os quadrantes; porém, no caso do JCQ seguido de dimensões como variáveis contínuas ou em quantis (32%) e a razão (12%). Com o DCSQ, a segunda forma mais frequente foi a razão (31%) e, em seguida, as dimensões como variáveis contínuas ou em quantis (22%). Em relação ao número de itens, o JCQ apresentou variação de 2 a 49 itens, considerando todas as 5 dimensões do instrumento, enquanto o DCSQ apresentou principalmente 11 itens (52%) ou 17 itens (34%), quando incluiu a dimensão apoio social no trabalho.
Para definir os quadrantes como exposição principal com o uso do JCQ, os principais pontos de corte foram a mediana (34%), os tercis (26%) e os quartis (15%). Quando as dimensões isoladas foram usadas como exposição principal, sobressaíram igualmente os tercis e a mediana (35%). Por falta de informação suficiente (mais de 50%), não foi possível definir pontos de corte utilizados com o uso do DCSQ.
Discussão
Já existem evidências fundamentadas de que a maior prevalência de doenças crônicas - tais como doenças cardiovasculares, transtornos mentais e distúrbios osteomusculares, dentre outros - está potencialmente relacionada ao estresse26. Este, por sua vez, se apresenta cada vez mais associado às formas contemporâneas de desenvolvimento econômico e social envolvendo organizações e a sociedade, em geral.
Neste trabalho foi possível identificar uma crescente produção científica relacionada às exposições psicossociais no trabalho, com envolvimento de maior número de países, bem como uma busca de solucionar lacunas no conhecimento do campo, como, por exemplo, a opção de investigar populações trabalhadoras, tanto femininas quanto masculinas, e grupos ocupacionais específicos. A produção se concentra em dois instrumentos - o JCQ e o DCSQ. Entretanto, permanece o desafio de enfrentar questões metodológicas importantes, tais como a multiplicidade de formas de utilização dos instrumentos e de definição e análise da exposição.
Diversos pesquisadores têm recorrido ao Job Content Questionnaire, após adaptação e validação transcultural ou não, o que demonstra que o reconhecem como um instrumento mais consolidado27,28 para avaliar características sociais e psicológicas do trabalho.
A produção acadêmica sobre essa temática tem sido maior em países considerados desenvolvidos (e.g. Estados Unidos, Canadá, Suécia, Reino Unido e Japão), caracterizados por importante processo de desindustrialização e intensificação do setor de serviços das suas economias, desde a década de 1990, mas essas publicações também começam a estar presentes em países em etapas diversas de industrialização. A observação longitudinal dos estudos evidencia que, na década inicial (anos 1980), apenas Suécia, EUA e Japão (este com apenas 1 estudo) debruçavam-se sobre o tema, enquanto na última década estudada (anos 2000) todos os continentes o faziam, com predomínio dos mesmos países, além do Canadá (dados não apresentados).
Não foi corroborada a afirmativa frequente na literatura especializada sobre a escassez de estudos em populações femininas27-30, na medida em que se encontra uma proporção semelhante de estudos em populações exclusivamente femininas (15%) e masculinas (17%). No tocante aos estudos que estudaram tanto homens quanto mulheres, os homens foram ligeiramente mais estudados (55%). Observa-se, também, que a proporção de estudos incluindo mulheres vem aumentando ao longo das décadas: 9% na década de 1980, 35% nos anos 1990 e 56% na última década. A superação de tal limitação é especialmente importante, tendo em vista as interações complexas entre gênero e classe social, e também em face da marcante divisão sexual do trabalho existente em muitos países, gerando carga de trabalho diferenciada para as mulheres, particularmente pelo acúmulo com tarefas domésticas27,28,30.
Observou-se ainda escassa abordagem de grupos ocupacionais específicos, talvez por seu direcionamento ao ambiente psicossocial do trabalho e, portanto, pela potencialidade de sua aplicação a todas as ocupações28. Entretanto, a observação longitudinal dos estudos aponta para a superação dessa fragilidade, na medida em que se evidencia um aumento no número de investigações com grupos ocupacionais únicos, ao longo das décadas.
Apesar de os estudos selecionados para esta revisão terem como propósito avaliar o constructo "estresse no trabalho" de acordo com o modelo proposto por Karasek1-4, foram observadas grandes variações em relação ao instrumento utilizado (mesmo quando se tratou do JCQ ou seus sucedâneos), o número de itens incluídos, os pontos de corte utilizados para definir as categorias de exposição e a sua operacionalização analítica, o que pode explicar a dificuldade em identificar um padrão relacionado a determinados desfechos. Essa multiplicidade dificulta a síntese de resultados, tanto dos estudos que usaram o DSCQ, mas especialmente o JCQ, que apresenta maior variabilidade em sua utilização.
Observamos também a ausência de referências em muitos textos quanto à padronização dos instrumentos de aferição na medida em que poucos estudos publicados informam sobre as avaliações das propriedades psicométricas desses instrumentos.
Preocupa-nos que o caminho investigativo passe a ser a tentativa de "harmonizar" diferenças conceituais como se fossem apenas diferenças entre instrumentos, como parece ter sido a tentativa de Fransson et al.31 ao compararem, após "harmonização" (palavra do autor) com cinco itens da escala de demanda psicológica e seis itens da escala de controle do JCQ e DCSQ (que ele chamou de escala completa), os dados de 70.751 participantes de 6 coortes (envolvendo 17 estudos de um consórcio europeu). Foram utilizados 14 instrumentos diferentes e geradas escalas completas e parciais (com a retirada de itens). O objetivo foi avaliar a comparabilidade das diferentes medidas de demanda psicológica, de controle e alta exigência no trabalho (em função da variação de itens de cada escala) em relação à escala completa. Segundo os autores, foram encontrados altos coeficientes de correlação entre as escalas completas e parciais de demanda psicológica e controle, que deviam incluir um número mínimo de 3 itens.
Como a dimensão "apoio social" ainda tem sido pouco estudada como modificadora do efeito da exposição combinada entre trabalhos de "alta exigência" (isostrain), conforme salientado pelo próprio formulador do modelo29, será importante que novas investigações sejam feitas nessa direção, dada a importância que o ambiente psicossocial tem apresentado nas investigações epidemiológicas e que possui na manutenção da saúde e no enfrentamento de suas desigualdades32.
Nossa opção por realizar uma revisão mais abrangente permitiu obter um panorama sobre a produção científica a partir da utilização do modelo demanda-controle, em detrimento da síntese dos achados por desfechos avaliados.
Outra limitação dessa revisão é que a busca se restringiu à base eletrônica PUBMED. Entretanto, devido ao grande número de publicações que utilizaram o modelo demanda-controle para aferição da variável de exposição na associação com diversos desfechos em saúde, foi possível avaliar a diversidade e a falta de padronização nessa avaliação.
Os resultados dessa revisão confirmam, em certa medida, o interesse dos pesquisadores em todos os continentes num conjunto expressivo de doenças crônicas e na pertinência da utilização do modelo demanda-controle para sua investigação. É possível que contribua para esse interesse, nas condições adversas do ambiente de trabalho com repercussão na saúde dos trabalhadores33, as profundas mudanças no mundo do trabalho (natureza do trabalho; substituição crescente de processos orientados pela informatização; maior oferta de empregos no setor de serviços; a mudança nas relações de emprego) que vêm ocorrendo em todo o mundo3,26, impulsionadas pela economia global. O próprio formulador do modelo demanda-controle tem atualizado seus pressupostos teóricos relacionados aos constructos, ampliando a idéia sobre o controle em relação ao processo de trabalho e sobre a vida em geral, e atualizando a própria teoria do estresse em que se baseia.
Entretanto, apesar das limitações desse estudo e daquelas identificadas na literatura sobre o tema, espera-se com o resultado desse estudo estimular outros pesquisadores para o enfrentamento dessas novas questões teóricas e metodológicas encontradas no uso do modelo teórico proposto por Karasek, bem como o seu instrumento de medidas, o JCQ, já em sua versão 2.026. Como sugestão, a explicitação dos resultados segundo diferentes formas de avaliar a variável job strain e respectivas dimensões poderiam contribuir para um melhor entendimento de quais dimensões do estresse no trabalho estão associadas a diferentes desfechos e, desta forma, poder identificar intervenções mais adequadas à prevenção dos diferentes desfechos.
A FAPERJ financiou parcialmente esse projeto (Proc. Nº E-26/151.355/2007) por meio de bolsa de pós-doutorado de uma das autoras, motivo pelo qual agradecemos.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Mar 2013
Histórico
- Recebido
26 Nov 2011 - Revisado
1 Jun 2012 - Aceito
31 Out 2012