Conhecimento de diagnóstico prévio de hipertensão arterial tem impacto sobre o cotidiano do indivíduo? Estudo Pró-Saúde

Gilberto Senechal de Goffredo Filho Claudia de Souza Lopes Eduardo Faerstein Sobre os autores

Resumo

Além de lesões em vários órgãos-alvo, a hipertensão arterial pode determinar outras consequências negativas no cotidiano do portador, mas os mecanismos biológicos e comportamentais possivelmente envolvidos ainda não foram esclarecidos. Os objetivos deste estudo foram investigar se o histórico autorrelatado de hipertensão associa-se com freqüência e duração de incapacidade temporária para atividades habituais, e se esta relação modifica-se de acordo com sexo, idade ou posição socioeconômica. Analisamos dados seccionais relativos a 2666 participantes (56% mulheres; 55% ensino médio ou menos) da linha de base (1999 - 2001) de uma investigação longitudinal de funcionários de universidade no Rio de Janeiro (Estudo Pró-Saúde): se o indivíduo alguma vez havia sido informado por profissional de saúde que tinha hipertensão, se nas duas semanas anteriores havia ficado impedido de realizar alguma de suas atividades habituais por problema de saúde, e por quantos dias isso ocorrera. Modelos de regressão logística multinomial foram utilizados para a população total e em estratos de sexo, idade, renda e escolaridade. Não observamos associação entre histórico autorrelatado de hipertensão e ocorrência de incapacidade temporária na população total e em estratos de sexo, escolaridade e renda. Entretanto, essa associação foi evidenciada entre os participantes com 55 ou mais anos de idade (OR ajustada = 9,5; IC95% 1,5 - 58,6), independentemente dos níveis de pressão arterial e do uso de medicação anti-hipertensiva, o que pode expressar uma atitude de maior vigilância desses indivíduos mais idosos em relação a sintomas que possam representar piora de seu estado de saúde.

Hipertensão; Comportamento de doença; Qualidade de vida; Envelhecimento


Introdução

A hipertensão arterial (HA) desempenha papel plenamente reconhecido na gênese de agravos à saúde resultantes de lesões a órgãos-alvo, com grande impacto individual e coletivo, como doença coronariana, acidente vascular encefálico (AVE) e doença renal crônica11. Whelton PK, Beevers DG, Sonkodi S. Strategies for improvement of awareness, treatment and control of hypertension: results of a panel discussion. J Hum Hypertens 2004; 18: 563-5.. Há outras possíveis consequências da doença, com potencial repercussão no cotidiano do portador. Além da possibilidade de ocorrência de sintomas clínicos diretamente relacionados aos valores elevados da pressão arterial (PA), o próprio uso de terapia farmacológica anti-hipertensiva pode piorar a qualidade de vida do usuário22. Lawrence WF, Fryback DG, Martin PA, Klein R, Klein BEK. Health status and hypertension: a population based-study. J Clin Epidemiol 1996; 49: 1239-45. em decorrência de efeitos induzidos pelas drogas utilizadas.

Outro mecanismo por meio do qual o indivíduo portador de HA pode sofrer repercussões em seu cotidiano é a adoção de comportamentos específicos ou diferentes percepções sobre seu estado de saúde simplesmente pelo fato de saber-se portador desta condição. Dentre estes comportamentos, podemos citar: amplificação de sintomas, absenteísmo no trabalho, deterioração de relações sociais, e maior utilização de serviços de saúde33. Barsky AJ, Borus JF. Functional somatic syndromes. Ann Intern Med 1999; 130: 910-21.. O primeiro estudo desenhado especificamente para abordar este fenômeno em relação à HA foi conduzido por Haynes et al.44. Haynes RB, Sackett DL, Taylor W, Gibson ES, Johnson AL. Increased absenteeism from work after detection and labeling of hypertensive patients. New Engl J Med 1978; 299: 741-4., que observaram um aumento de 80% do absenteísmo no trabalho em operários após serem rotulados como hipertensos em programa de rastreamento, sem que isso se relacionasse a terapia medicamentosa ou aos níveis da PA. Mena-Martin et al.55. Mena-Martin FJ, Martin-Escudero JC, Simal-Blanco F, Carretero-Ares JL, Arzua-Mouronte D, Herreros-Fernandez V. Health-related quality of life of subjects with known and unknown hypertension: results from the population-based Hortega study. J Hypertens 2003; 21: 1283-9., em estudo avaliando qualidade de vida, observaram melhores escores de percepção geral de saúde, capacidade funcional, vitalidade e saúde mental em indivíduos normotensos do que em hipertensos cientes de sua condição, mas não houve diferença nestes parâmetros entre normotensos e hipertensos que não se sabiam doentes.

Há poucos estudos verificando se as conseqüências desse reconhecimento como portador da doença são homogêneas nos vários estratos sociodemográficos populacionais. As reações dos indivíduos à presença de sintomas físicos ou ao fato de se reconhecerem como doentes podem sofrer influências, por exemplo, de atributos como sexo66. Van Wijk CMTG, Huisman H, Kolk A. Gender differences in physical symptoms and illness behavior. A health diary study. Soc Sci Med 1999; 49: 1061-74., idade e posição socioeconômica. Indivíduos mais velhos, em resposta a condições físicas agudas ou crônicas, podem se tornar mais vigilantes na observação de mudanças em seu estado de saúde77. Stein EM. When is hypochondriasis not hypochondriasis? Emotional and behavioral adaptations to aging and illness. Geriatrics 2003; 58: 41-2.. Barger e Muldoon88. Barger SD, Muldoon MF. Hypertension labelling was associated with poorer self-rated health in the Third US National Health and Nutrition Examination Survey. J Hum Hypertens 2006; 20: 117-23., utilizando dados do NHANES, encontraram relação entre reconhecimento de HA e pior saúde autorreferida entre participantes do NHANES, porém não detectaram modificação de efeito segundo sexo ou grupo étnico.

No Brasil, não foi possível localizar na literatura trabalhos direcionados especificamente para este fenômeno. Um estudo realizado em São Paulo identificou comportamentos e reações nos indivíduos após diagnóstico de HA que variaram desde ausência de qualquer modificação em sua vida, até a sensação de "uma tragédia... muito sofrimento... eu não conseguia fazer tudo o que eu costumava fazer"99. Castro VD, Car MR. O cotidiano da vida de hipertensos: mudanças, restrições e reações. Rev Esc Enferm USP 2000; 34: 145-53.. Firmo et al.1010. Firmo JOA, Lima-Costa MF, Uchoa E. Projeto Bambuí: maneiras de pensar e agir de idosos hipertensos. Cad Saúde Pública 2004; 20: 1029-40., investigando as maneiras de pensar de idosos classificados como hipertensos, identificaram que "de uma maneira geral, os entrevistados dizem que o fato de ter problema de pressão não traz grandes transtornos para suas vidas"; porém, vários dos entrevistados relataram que são obrigados a mudar sua rotina por não conseguirem realizar suas tarefas habituais "quando a pressão sobe".

A incapacidade temporária para a realização de atividades habituais (ITAH), definida como uma restrição temporária na capacidade funcional habitual do indivíduo1111. World Health Organization. Health interview surveys: towards international harmonization of methods and instruments. Copenhagen; 1996. (WHO Regional Publications, European Series, 58. ., é um indicador do estado de saúde recomendado pela Organização Mundial da Saúde para estudos populacionais, e pode ser útil para avaliar o impacto de uma doença ou condição no cotidiano de um indivíduo. Pode ser inquirida em relação a diferentes períodos de tempo, sendo sugerido que não ultrapasse duas semanas, por se considerar, que o indivíduo poderia não se recordar de um episódio ocorrido há mais tempo1111. World Health Organization. Health interview surveys: towards international harmonization of methods and instruments. Copenhagen; 1996. (WHO Regional Publications, European Series, 58. .. A ITAH já foi usada em nosso contexto em investigações sobre condições de saúde na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), e pode ser considerado como um indicador de saúde no sentido mais amplo. O número de dias com atividade restrita é considerado uma medida importante do estado funcional e do bem-estar do indivíduo1212. Kosorok MR, Omenn GS, Diehr P, Koepsell TD, Patrick DL. Restricted activity days among older adults. Am J Public Health 1992; 82: 1263-7.. O comprometimento das atividades cotidianas por problemas de saúde é indicador mais proeminente da qualidade de vida do que doenças específicas1313. Lima-Costa MF, Barreto S, Giatti L, Uchoa E. Desigualdade social e saúde entre idosos brasileiros: um estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Cad Saúde Pública 2003; 19: 745-57.. Considerando os outros possíveis mecanismos mediadores de consequências da HA no cotidiano do portador, verificamos em estudo prévio14 14. Goffredo Filho GS, Faerstein E. Incapacidade para atividades habituais: relação com pressão arterial e terapêutica anti-hipertensiva. Arq Bras Cardiol 2010; 94: 472-6.associação entre o uso de medicação anti-hipertensiva e a ocorrência de incapacidade temporária por 8 a 14 dias, provavelmente devido a efeitos adversos das drogas. Por outro lado, observamos associação inversa entre o valor aferido da PA sistólica e a ocorrência de ITAH por período de até 7 dias, e atribuímos este achado possivelmente a um mecanismo de hipoalgesia associado à HA1515. Zamir N, Shuber E. Altered pain perception in hypertensive humans. Brain Res 1980; 201: 471-4. , 1616. Hagen K, Zwart JA, Holmen J, Svebak S, Bovim G, Stovner LJ. Does hypertension protect against chronic musculoskeletal complaints? The Nord-Trøndelag Health Study. Arch Intern Med 2005; 165: 916-2..

Neste trabalho, investigamos se o histórico autorrelatado referente a diagnóstico prévio de HA está associado com a frequência e duração de incapacidade temporária para atividades habituais, e se esta relação modifica-se de acordo com sexo, idade ou posição socioeconômica.

Métodos

Desenho e população de estudo

Analisamos dados do Estudo Pró-Saúde, uma investigação longitudinal de funcionários tecnicoadministrativos efetivos de uma universidade localizada no estado do Rio de Janeiro. A população alvo foi identificada através da combinação de listagens fornecidas pelo órgão de recursos humanos da instituição, pelo setor responsável pela elaboração da folha de pagamento e diretamente por suas unidades e setores. Foram excluídos funcionários cedidos a outras instituições e licenciados por motivos não relacionados à saúde. Todo o processo de coleta de dados foi realizado por equipes treinadas de pesquisadores, supervisores e coordenadores de campo. Diariamente, os questionários eram revisados e digitados de maneira duplicada e independente.

Em nosso estudo, de natureza seccional, utilizamos dados relativos aos funcionários que participaram das duas primeiras fases de coleta de dados (1999 e 2001). Dos 4177 servidores elegíveis para participação na coorte, foram obtidas informações sobre 3253 funcionários. Após exclusão de dois servidores com idade acima de 80 anos e de participantes com dados faltantes ou inconsistentes em relação a ter recebido diagnóstico prévio de HA ou quanto à ITAH, nossa população de estudo consistiu de 2666 participantes (63,8% dos elegíveis).

Medidas

O conhecimento de diagnóstico prévio de HA, nossa variável de exposição, foi avaliado através de seguinte pergunta: "Alguma vez um MÉDICO ou outro PROFISSIONAL DE SAÚDE lhe informou que você tinha ou tem hipertensão, isto é, pressão alta ?" As opções de resposta foram: "não"; "sim, apenas uma vez" e "sim, mais de uma vez" cujos participantes foram agrupados; e "sim, apenas durante a gravidez", com exclusão desses indivíduos da população de estudo. Uma avaliação da confiabilidade teste-reteste desta informação foi obtida em estudo adicional a esta investigação, conduzido em 1999 entre 192 participantes1717. Faerstein E, Chor D, Lopes CS. Reliability of the information about the history of diagnosis and treatment of hypertension. Differences in regard to sex, age, and educational level. The Pró-Saúde study. Arq Bras Cardiol 2001; 76: 301-4., quando foi estimado um coeficiente kappa de 0,75 (IC95% 0,73 - 0,77) após repetição da aplicação do questionário com intervalo de duas semanas.

Como desfecho, foram considerados a ocorrência e a duração dos episódios de incapacidade temporária para realização das atividades habituais nos 14 dias anteriores. Essa informação foi obtida por meio das perguntas: "Nas ÚLTIMAS DUAS SEMANAS, você ficou impedido(a) de realizar alguma de suas atividades habituais (por exemplo, trabalho, estudo, lazer ou tarefas domésticas) por algum problema de saúde que você teve ou tem?". Os participantes que relatassem incapacidade temporária eram em seguida inquiridos: "Nessas ÚLTIMAS DUAS SEMANAS, por QUANTOS DIAS, no total, você ficou impedido(a) de realizar alguma de suas atividades habituais (por exemplo, trabalho, estudo, lazer ou tarefas domésticas) devido a este(s) problema(s) de saúde que você teve ou tem?". Um estudo de confiabilidade teste-reteste do questionário foi realizado com 94 funcionários não efetivos da universidade. O resultado deste estudo estimou a confiabilidade da resposta sobre interrupção de atividades habituais em 0,73 (IC95% 0,71 - 0,75) (coeficiente kappa). Com base na distribuição observada, nossa variável de desfecho foi construída com categorização dos participantes em três estratos: aqueles que não relataram incapacidade, os que a relataram por até 7 dias, e os que relataram incapacidade entre 8 a 14 dias.

Algumas variáveis foram consideradas potenciais confundidores. A idade, o índice de massa corporal (IMC, em kg/m2), o valor aferido da PA sistólica e diastólica no momento da coleta dos dados e a renda domiciliar per capita (em salários mínimos vigentes na época) foram tratadas como variáveis contínuas, e aplicamos a esta última uma transformação logarítmica, em função de sua distribuição apresentar grande assimetria à direita. Especificamente em relação à aferição da PA, os pesquisadores de campo foram treinados por meio de material produzido pelo British Medical Journal1818. Beevers G, Lip GYH, O'Brien E. ABC of hypertension. Blood pressure measurement. Part II - Conventional sphygmomanometry: technique of auscultatory blood pressure measurement. Brit Med J 2001; 322: 1043-7.. Várias estratégias foram usadas no controle de qualidade das medidas da pressão arterial: observação por dois supervisores das medidas efetuadas no campo, aleatoriamente, abrangendo todos os aferidores; manutenção dos equipamentos usados nas medidas; avaliação mensal dos relatórios de PA com registros individuais dos aferidores, à procura da ocorrência do viés de dígitos terminais; avaliação quinzenal da proporção de dados faltantes e de medidas idênticas de pressão arterial.

Tratamos como variáveis categóricas: sexo; a presença de comorbidades (foi considerado portador de comorbidades o participante que declarou já ter sido informado por médico ser portador de "diabetes" e/ou "colesterol alto"); o uso de medicação anti-hipertensiva e a escolaridade, com estratificação em três categorias: participantes com ensino fundamental completo, nível médio completo, e nível universitário.

Procedimento estatístico

Após a avaliação descritiva dos dados, realizamos uma análise bivariada inicial entre exposição e desfecho. Posteriormente, conduzimos a análise multivariada por meio de regressão logística multinomial para a apreciação da influência de potenciais fatores de confusão, usando a odds ratio como medida da magnitude da associação. A utilização deste modelo baseou-se na ausência de ordinalidade intrínseca entre as categorias do desfecho1919. Ananth CV, Kleinbaum DG. Regression models for ordinal responses: a review of methods and applications. Int J Epidemiol 1997; 26: 1323-33..

Os modelos de regressão foram conduzidos inicialmente na população de estudo como um todo, englobando todas as covariáveis citadas, e posteriormente nos estratos de sexo, idade, renda domiciliar per capita e escolaridade. Na medida em que a população não apresentava grande número de indivíduos com idade avançada, dividimos os participantes em 2 grupos, a saber, até 54 anos, e de 55 em diante. Em relação à renda per capita, os participantes foram agrupados em: menos de 3, entre 3 e 6, ou mais de 6 salários mínimos à época. Quanto à escolaridade, os estratos foram definidos por: participantes com até ensino fundamental completo, aqueles com nível médio completo, e os que têm nível universitário ou mais. Nos subgrupos de sexo, renda domiciliar per capita e escolaridade, os modelos excluíram apenas a covariável cujos estratos estavam sendo investigados, enquanto que nos diferentes grupos etários, a idade foi mantida como covariável no modelo, como estratégia contra possível confundimento residual.

Todos os procedimentos de regressão foram realizados somente com as observações que não apresentassem valores ausentes em nenhuma das covariáveis, e as análises citadas foram repetidas após exclusão dos entrevistados que relataram diagnóstico prévio de infarto do miocárdio (IM), angina ou AVE. Os procedimentos estatísticos foram realizados usando o programa Stata 9.1.

Esses protocolos foram submetidos e aprovados pelo Comitê de Ética na Pesquisa da universidade onde o estudo foi conduzido. Os participantes foram informados sobre o Estudo Pró-Saúde e seus objetivos, e assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

Resultados

A Tabela 1 mostra a distribuição das covariáveis nos 2666 participantes, havendo pequeno predomínio de indivíduos do sexo feminino, do grupo com renda domiciliar per capita de até 3 salários mínimos e de indivíduos com maior grau de escolaridade. As freqüências de relatos de diagnóstico prévio de comorbidades (diabetes mellitus ou dislipidemia), e de angina, IM ou AVE se encontram na mesma tabela. A idade média dos participantes foi de 41,6 anos (variando entre 24 e 69 anos), sendo que 196 indivíduos tinham 55 anos ou mais (7,4%), e o IMC variou entre 15 e 64, com média de 26,2 (dados não mostrados na tabela). O valor médio da pressão sistólica foi de 116,8, e da diastólica de 73,5 mmHg.

Tabela 1
Características demográficas, socioeconômicas e clínicas dos participantes. Estudo Pró-Saúde 1999 - 2001.

Nesta população, 828 indivíduos (31,1%) já tinham sido informados serem portadores de HA por profissionais de saúde. Incapacidade temporária para atividades habituais nas 2 semanas anteriores foi relatada por 623 participantes (23,4%), com duração média de 3,9 dias e mediana de 2 dias. Dentre aqueles que relataram o tempo de incapacidade, esta durou até 7 dias em 488 (83%) participantes, e em 99 (16,9%), de 8 a 14 dias.

A Tabela 2 mostra a proporção de participantes que relatou ITAH nos subgrupos de indivíduos que já receberam ou não o diagnóstico de HA. Observa-se em ambos os grupos grande predominância de participantes que não referiram ITAH, e pequena proporção de indivíduos relatando ITAH por mais de 7 dias.

Tabela 2
Proporção (%) de participantes que relatou incapacidade temporária, de acordo com conhecimento prévio de diagnóstico de hipertensão arterial. Estudo Pró-Saúde 1999 - 2001 (n = 2666).

Na análise de regressão, considerando as razões de chances ajustadas para as covariáveis, não se observou associação entre conhecimento de diagnóstico prévio de HA e a ocorrência de ITAH, seja na população em geral, em homens e mulheres, ou nos estratos de renda domiciliar per capita e escolaridade (Tabela 3). Evidenciamos uma modificação de efeito conforme o grupo etário: nos indivíduos acima de 54 anos, verificamos uma maior chance de ITAH entre os participantes com conhecimento de diagnóstico prévio de HA, com razão de chances ajustada de 9,5 (Tabela 3).

Tabela 3
Odds ratio brutas e ajustadas para incapacidade temporária para atividades habituais entre participantes com conhecimento prévio de diagnóstico de hipertensão, segundo sexo, idade, renda domiciliar per capita e escolaridade.

Os resultados permaneceram praticamente inalterados quando as análises foram repetidas com a exclusão dos indivíduos que relataram angina, IM ou AVE prévios (dados não apresentados).

Discussão

Nossos resultados, após ajuste por sexo, idade, renda domiciliar per capita, escolaridade, IMC, PA sistólica e diastólica, relato de comorbidades e uso de medicação anti-hipertensiva, não sugerem a presença de associação entre conhecimento de diagnóstico prévio de HA e a ocorrência de incapacidade temporária para atividades habituais (ITAH) em quase todos os grupos estudados (população total, homens e mulheres, diferentes níveis de renda per capita e escolaridade) e nos dois períodos de duração da incapacidade avaliados (até 7 dias, e 8 a 14 dias). Entretanto, entre indivíduos com mais de 54 anos de idade, a associação entre informação prévia de HA e ITAH até 7 dias apresentou magnitude notável e estatisticamente significante, mesmo após o ajuste pelas variáveis descritas (OR = 9,50).

A ITAH pode ser encarada como uma modalidade específica do chamado illness behavior, traduzido como "comportamento de doença"2020. Alves PC. A experiência da enfermidade: considerações teóricas. Cad Saúde Pública 1993; 9: 263-71.. Este conceito parte das descrições iniciais de Sigerist (1929) sobre a "posição especial do doente", e principalmente da construção teórica de Talcott Parsons (1951) sobre o "papel do enfermo" (sick role)2121. Mechanic D. Sociological dimensions of illness behavior. Soc Sci Med 1995; 41: 1207-16., na qual são descritos determinadas atitudes e desejos considerados socialmente adequados ao indivíduo considerado doente2222. Segall A. The sick role concept: understanding illness behavior. J Health Soc Behav 1976; 17: 163-70.. Mechanic e Volkart utilizaram o termo illness behavior pela primeira vez em 19612323. Mechanic D, Volkart EH. Stress, illness behavior, and the sick role. Am Sociol Rev 1961; 26: 51-8., para abordar a grande variabilidade de reações existente em relação à presença de sintomas ou à percepção de doença, e identificar componentes socioculturais, ambientais e psicológicos que pudessem influenciar essas reações2121. Mechanic D. Sociological dimensions of illness behavior. Soc Sci Med 1995; 41: 1207-16.. Esta elaboração conceitual indica uma mudança de foco: passa-se de uma análise "macrossociológica" global para um enfoque voltado para comportamentos de grupos sociais específicos2020. Alves PC. A experiência da enfermidade: considerações teóricas. Cad Saúde Pública 1993; 9: 263-71.. Posteriormente, Mechanic define o comportamento do enfermo de forma mais abrangente, como "as diversas formas pelas quais os indivíduos reagem a sinais físicos, como monitoram seu estado interno, definem e interpretam sintomas, atribuem valor a estes, adotam atitudes com objetivo terapêutico, e procuram assistência à saúde formal ou informal"2121. Mechanic D. Sociological dimensions of illness behavior. Soc Sci Med 1995; 41: 1207-16..

A partir desta ampliação do campo conceitual, encontramos várias investigações abordando diferentes modalidades de comportamento de doença , e seus determinantes. Young cita exemplos de diferentes comportamentos associados a fatores etnicoculturais: em Nova York, indivíduos de ascendência italiana expressaram maior preocupação em resposta a sintomas dolorosos, enquanto os de ascendência irlandesa mostraram-se mais otimistas e mais satisfeitos em sua relação com seu médico assistente2424. Young JT. Illness behavior: a selective review and synthesis. Sociol Health Ill 2004; 26: 1-31.. Avaliando pacientes portadores de doença celíaca em período de remissão da doença, Rosa et al. detectaram atitudes consideradas de medo desproporcional em relação à doença em 24% dos indivíduos2525. Rosa A, Troncone A, Vacca M, Ciacci C. Characteristics and quality of illness behavior in celiac disease. Psychosomatics 2004; 45: 336-42..

Outros estudos observaram mudanças de comportamento e de valorização de sintomas em indivíduos com diagnóstico de HA. Mold et al. observaram que o tempo estimado pelos pacientes para recuperação do estado de saúde a partir de uma infecção respiratória alta era praticamente o dobro em hipertensos quando comparados com indivíduos normotensos2626. Mold JW, Hamm RM, Jafri B. The effect of labeling on perceived ability to recover from acute illnesses and injuries. J Fam Practice 2000; 49: 437-40.. Bloom e Monterossa observaram que indivíduos que se julgavam hipertensos, porém que, após nova avaliação, apresentavam valores pressóricos normais sem tratamento específico, relatavam mais sintomas depressivos e pior percepção de saúde que normotensos2727. Bloom JR, Monterossa S. Hypertension labeling and sense of well-being. Am J Public Health 1981; 71: 1228-32.. Leynen et al. observaram maior número de dias perdidos no trabalho entre indivíduos hipertensos ou dislipidêmicos cientes quanto a serem portadores destas condições quando comparados com trabalhadores não cientes2828. Leynen F, Backer G, Pelfrene E, Clays E, Kittel F, Moreau M, et al. Increased absenteeism from work among aware and treated hypertensive and hypercholesterolaemic patients. Eur J Cardiov Prev R 2006; 13: 261-7..

Não detectamos associação entre conhecimento de diagnóstico prévio de HA e a ocorrência de ITAH no conjunto de nossa população de estudo. É possível especular que a população estudada, por alguma característica demográfica específica, não estaria propensa a adotar este comportamento. Poderia ser cogitado que determinados indivíduos teriam tendência a subestimar ou omitir voluntariamente a ocorrência de incapacidade temporária, por se tratar de uma coleta de informações em ambiente de trabalho. Mesmo que não seja possível descartar completamente as situações acima, acreditamos que sua ocorrência tenha sido bastante rara, pela ênfase manifestada pelas equipes de coleta quanto ao sigilo dos dados, pela explicitação na questão de que se tratava de qualquer das atividades habituais do entrevistado, e por um certo efeito de "diluição" pelo fato da pergunta estar disposta no questionário em meio a outras informações sem relação direta com a mesma. Outra possibilidade é a de que esta modalidade específica de comportamento de doença não seja comumente adotada pelos indivíduos. Não temos condições de confirmar ou refutar esta hipótese, na medida em que este desfecho (ITAH) foi mais utilizado em investigações prévias como indicador de saúde, e não no contexto de investigação de comportamento de doença. Por fim, podemos especular quanto a não haver uma correspondência direta entre o indivíduo já ter sido informado ser portador de HA, e, em última análise, considerar-se realmente portador desta condição. É possível que parte dos entrevistados que já tenham recebido esta informação não a tenham valorizado, e não se reconheçam como hipertensos, o que faria com que suas percepções e atitudes na verdade fossem as de um indivíduo que não a tenha recebido.

Não observamos influência do sexo na relação entre o conhecimento de diagnóstico prévio de HA e a ocorrência de ITAH. É notória a diferença entre os sexos na sua forma de reação à presença de sensações possivelmente interpretadas como sintomas ou doenças. Mulheres adultas tendem a relatar sintomas físicos mais frequentemente e de maior intensidade do que homens2929. Van Wijk CMTG, Kolk AM. Sex differences in physical symptoms: the contribution of symptom perception theory. Soc Sci Med 1997; 45: 231-46., assim como também procuram serviços de assistência à saúde com mais freqüência3030. Macintyre S, Ford G, Hunt K. Do women 'over-report' morbidity? Men's and women's responses to structured prompting on a standard question on long standing illness. Soc Sci Med 1999; 48: 89-98.. Banegas et al. observaram que o fato de saber-se hipertenso associou-se, em mulheres, com redução da qualidade de vida em várias de suas dimensões, enquanto que, em homens, tal fato foi detectado em número mais restrito de domínios3131. Banegas JR, Guallar-Castillón P, Rodríguez-Artalejo F, Graciani A, Lopéz-García E, Ruilope LM. Association between awareness, treatment, and control of hypertension, and quality of life among older adults in Spain. Am J Hypertens 2006; 19: 686-93.. Entretanto, esta maior percepção de sintomas não necessariamente se reflete em adoção mais freqüente de algumas modalidades de comportamento de doença. Na investigação de Van Wijk et al.66. Van Wijk CMTG, Huisman H, Kolk A. Gender differences in physical symptoms and illness behavior. A health diary study. Soc Sci Med 1999; 49: 1061-74., mulheres relataram sintomas físicos em maior número e mais intensos do que homens; porém, não houve diferença entre os sexos quanto à restrição de suas atividades e uso de medicamentos. Por outro lado, Reis et al.3232. Reis JR, Rocca PF, Silveira AM, Bonilla IML, Giné AN, Martin M. Fatores relacionados ao absenteísmo por doença em profissionais de enfermagem. Rev Saúde Públ 2003; 37: 616-23., detectaram maior proporção de afastamento do trabalho de curta duração em mulheres, entre profissionais de enfermagem. É importante notar que as pesquisas citadas acima abordam desfechos que, ainda que possam ser caracterizados como comportamento de doença , guardam diferenças entre si.

Não detectamos diferenças na associação entre conhecimento de diagnóstico prévio de HA e a ocorrência de ITAH nos diferentes estratos de posição socioeconômica. Uma vez que nosso estudo é de natureza basicamente exploratória, optamos pelo uso de mais de um indicador (escolaridade e renda domiciliar per capita), de modo a abranger diferentes dimensões daquele constructo3333. Braveman PA, Cubbin C, Egerter S, Chideya S, Marchi KS, Metzler M, et al. Socioeconomic status in health research. One size does not fit at all. J Am Med Assoc 2005; 294: 2879-88., as quais poderiam modificar a relação investigada através de diferentes vias. A associação direta entre ITAH e pior condição socioeconômica já foi observada em nosso meio por algumas investigações1313. Lima-Costa MF, Barreto S, Giatti L, Uchoa E. Desigualdade social e saúde entre idosos brasileiros: um estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Cad Saúde Pública 2003; 19: 745-57. , 3434. Lima-Costa MF, Guerra HL, Firmo JOA, Vidigal PG, Uchoa E, Barreto SM. The Bambuí Health and Aging Study (BHAS): private health plan and medical care utilization by older adults. Cad Saúde Pública 2002; 18: 177-86.. No entanto, não encontramos outros estudos que abordassem especificamente a ocorrência de ITAH de acordo com a condição social, associada a outros fatores. Abordando desfechos de certa forma análogos, Alexopoulos et al. observaram que baixo nível educacional associou-se com maior taxa de ausência ao trabalho em indivíduos com lombalgia3535. Alexopoulos EC, Konstantinou EC, Bakoyannis G, Tanagra D, Burdorf A. Risk factors for sickness absence due to low back pain and prognostic factors for return to work in a cohort of shipyard workers. Eur Spine J 2008; 17: 1185-92.. Por outro lado, no trabalho já citado de Barger e Muldoon88. Barger SD, Muldoon MF. Hypertension labelling was associated with poorer self-rated health in the Third US National Health and Nutrition Examination Survey. J Hum Hypertens 2006; 20: 117-23., a relação entre reconhecimento de HA e saúde autorreferida não se modificou de acordo com o grupo étnico (branco, negro ou hispânico). Na análise mais detalhada de Boltanski da cultura somática nas diferentes classes sociais, o autor descreve a forma pela qual o interesse e a atenção que os indivíduos concedem ao próprio corpo cresce quando eles se elevam na hierarquia social3636. Boltanski, L. As classes sociais e o corpo. 2ª edição. Rio de Janeiro: Edições Graal; 1984.. Assim, indivíduos mais pobres tenderiam a fazer do corpo um uso mais "instrumental", de "máxima utilização", adotando atitudes de maior resistência a percepções que implicassem no abandono de tarefas cotidianas; é como se esses indivíduos, na citação do autor, "aceitassem menos facilmente assumir o papel de doente".

Há dois fatores que implicam prudência quando da generalização de nossos resultados em relação à posição socioeconômica, ambos ligados às características da população pesquisada. Por ser composta de funcionários efetivos de uma universidade, certamente não inclui indivíduos de todo o espectro de estratos sociais, particularmente aqueles muito pobres; além disso, sendo trabalhadores de uma instituição específica, sua relação com o trabalho, e possivelmente também com outros aspectos de sua vida, pode estar revestida de peculiaridades, comprometendo sua representatividade em relação a outros grupos populacionais.

Em nosso estudo, foi detectada forte associação entre conhecimento prévio de diagnóstico de HA e incapacidade por até 7 dias apenas no população de 55 ou mais anos. Este grupo tem média de idade de 59 anos, sendo 33,5% do sexo masculino, e 8,1% relataram angina, IM ou AVE prévios. Em relação às variáveis principais do estudo, 64,4% destes já tinham sido informados serem portadores de HA por profissionais de saúde, e incapacidade temporária foi relatada por 22,3% dos participantes. Este achado difere do resultado observado no único trabalho encontrado com foco nesta questão específica. Na investigação de Firmo et al., a associação encontrada na análise bivariada entre o conhecimento da condição de hipertenso e a ocorrência de incapacidade temporária em população com idade > 60 anos não se confirmou após ajuste para variáveis de confundimento3737. Firmo JOA, Uchoa E, Lima-Costa MF. Projeto Bambuí: fatores associados ao conhecimento da condição de hipertenso entre idosos. Cad Saúde Pública 2004; 20: 512-21.. Alguns fatores podem ter contribuído para esta diferença. Nosso estudo, ao contrário do citado, utilizou não somente o fato de ter ocorrido incapacidade temporária, mas também o tempo de incapacidade. Usamos esta abordagem em função de trabalho prévio que sugeriu que diferentes tempos de incapacidade podem estar relacionados a fatores diversos1414. Goffredo Filho GS, Faerstein E. Incapacidade para atividades habituais: relação com pressão arterial e terapêutica anti-hipertensiva. Arq Bras Cardiol 2010; 94: 472-6., aumentando portanto a especificidade de nosso desfecho.

Além disso, há diferenças importantes entre as populações dos dois estudos. No nosso caso, trata-se de população ainda em atividade laboral, residente em uma cidade de grande porte, enquanto que o trabalho de Firmo et al. utiliza uma coorte de base populacional de uma localidade de pequeno porte no estado de Minas Gerais, em que, possivelmente, parte significativa de seus participantes já não exerce mais atividade profissional. Considerando que o comportamento de doença , de forma global, sofre grande influência de fatores socioculturais, é possível que estes diferentes perfis populacionais justifiquem os diferentes resultados encontrados. Por exemplo, podemos especular que uma população economicamente ativa desempenhe maior número de atividades cotidianas, estando, portanto, mais suscetível a não ser capaz de realizar alguma dessas atividades.

É plausível que a maior ocorrência de ITAH nos trabalhadores acima de 54 anos que já tenham recebido diagnóstico de HA seja a expressão de uma atitude de maior sensibilidade e vigilância destes indivíduos em relação a mudanças que possam representar uma piora de sua condição de saúde77. Stein EM. When is hypochondriasis not hypochondriasis? Emotional and behavioral adaptations to aging and illness. Geriatrics 2003; 58: 41-2.. Dentro do processo de ajustamento a uma nova condição, um fator considerado relevante para a motivação em se adotar determinado comportamento é uma percepção de maior susceptibilidade3838. Sharpe L, Curran L. Understanding the process of adjustment to illness. Soc Sci Med 2006; 62: 1153-66.. Em função das mudanças conhecidas na condição física nesta faixa etária, e da maior probabilidade de desenvolvimento de agravos à saúde em geral, é possível que esses indivíduos adotem tal padrão de comportamento em resposta a uma informação que seja interpretada como uma ameaça à saúde mais frequentemente do que os mais jovens. Uma explicação alternativa poderia se basear na ocorrência de ITAH em função de lesões a órgãos-alvo pelo fato de a maioria destes indivíduos serem portadores de HA, possivelmente com mais tempo de evolução da doença do que os mais jovens. Entretanto, os resultados foram essencialmente os mesmos quando as análises foram conduzidas após exclusão dos participantes que relataram história de angina, IM ou AVE prévios.

De modo geral, nossos resultados são inconsistentes com aqueles de Taimela et al., ao observarem menor propensão a ausentar-se do trabalho em indivíduos acima dos 45 anos, quando comparados com aqueles abaixo dos 40 anos3939. Taimela S, Llara E, Malmivaara A, Tiekso J, Sintonen H, Justén S, et al. Self-reported health problems and sickness absence in different age groups predominantly engaged in physical work. Occup Environ Med 2007; 64: 739-46.. Entretanto, Adamson et al. observaram que a tendência a procurar assistência à saúde na vigência de uma dor torácica, principalmente em mulheres, aumentou com a idade4040. Adamson J, Donovan J, Ben-Shlomo Y, Chaturvedi N, Bowling A. Age and sex interaction in reported help seeking in response to chest pain. Brit J Gen Pract 2008; 58: 318-23., o que pode ser interpretado como uma atitude análoga àquela abordada em nossa investigação.

Assim como na situação em que a informação quanto a ser portador de HA pode não levar indivíduos a se considerarem efetivamente hipertensos, é necessário frisar também a relação possivelmente ambígua existente entre os dados acima e o uso de medicação anti-hipertensiva. Podemos especular se aqueles indivíduos que usam esta terapia tenham maior propensão a realmente considerarem-se hipertensos, e, portanto, a adotarem comportamentos específicos em função disso. Na medida em que o uso de medicação mostrou, em outra investigação, associação com ITAH por 8 a 14 dias1414. Goffredo Filho GS, Faerstein E. Incapacidade para atividades habituais: relação com pressão arterial e terapêutica anti-hipertensiva. Arq Bras Cardiol 2010; 94: 472-6., foi mandatória sua inclusão na análise estatística como possível variável de confusão. No entanto, esse procedimento pode ter levado a um hiper-ajustamento, o que, se por um lado, pode ter atenuado a associação pesquisada na população como um todo ou em alguns subgrupos desta, torna ainda mais robusta a associação encontrada no subgrupo com idade acima de 54 anos.

Considerações finais

Caracterizamos a ITAH como uma modalidade de comportamento de doença , tanto com o objetivo de contextualizá-la dentro de um amplo espectro de reações dos indivíduos em relação à questão saúde-doença, quanto para podermos confrontar nossos achados com outros dados da literatura. Sob outro ponto de vista, ressaltamos que a ITAH tem importância por si, sendo um indicador relevante de saúde e de qualidade de vida. Entendemos que o simples fato de um indivíduo ter um diagnóstico de uma determinada condição, no caso HA, possa acarretar consequências no seu cotidiano. A avaliação desse processo pode, além de contribuir para uma melhor compreensão da ampla gama de reações humanas ao processo de adoecimento, permitir que o cuidado ao indivíduo que procura assistência à saúde inclua orientações mais adequadas, com repercussão positiva em seu estado de saúde, principalmente se considerarmos a maior vulnerabilidade das pessoas mais idosas, entre as quais detectamos a possível conseqüência de uma simples informação. Próximas investigações sobre o tema deverão contemplar, adicionalmente, as causas referidas de incapacidade temporária.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2013

Histórico

  • Recebido
    24 Set 2012
  • Aceito
    05 Fev 2013
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revbrepi@usp.br