Consumo de antioxidantes em participantes do ELSA-Brasil: resultados da linha de base

Marina Galvão Teixeira José Geraldo Mill Alexandre Costa Pereira Maria del Carmen Bisi Molina Sobre os autores

RESUMO:

Objetivo:

Avaliar o consumo habitual de antioxidantes (vitaminas A, E e C, selênio e zinco) e identificar fatores associados ao baixo consumo em adultos.

Métodos:

Estudo transversal com 14.660 participantes (35 a 74 anos) da linha de base do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil). O consumo de antioxidantes e energia total foi determinado por Questionário de Frequência Alimentar e analisado com auxílio do software NDSR. O consumo dos antioxidantes foi ajustado pela energia total e dividido em quintis. Variáveis socioeconômicas foram analisadas e incluídas no modelo de regressão logística para identificar fatores associados ao baixo consumo.

Resultados:

O consumo energético (kcal/dia) foi maior em homens (3.152 ± 1.026 versus 2.613 ± 905; p < 0,001) enquanto que o consumo de todos os antioxidantes (principalmente as vitaminas A e C e o selênio) foi maior em mulheres. O baixo consumo de antioxidantes se associou significativamente ao sexo masculino (OR = 3,5; IC95% 3,11 - 4,0), à menor escolaridade (OR = 3,1; IC95% 2,42 - 3,87), à menor renda (OR = 4,4; IC95% 3,67 - 5,36), à menor faixa etária (OR = 5,5; IC95% 4,27 - 7,16), ao estado de magreza (OR = 2,7; IC95% 1,36 - 5,18), ao relato do não uso de suplemento (OR = 1,95; IC95% 1,6 - 2,38) como polivitamínicos e minerais e a não alteração de hábitos alimentares nos últimos seis meses (OR = 2,0; IC95% 1,75 - 2,29).

Conclusão:

O maior consumo de frutas e legumes está envolvido no maior consumo de antioxidantes em mulheres. As políticas para aumento do consumo desses nutrientes precisam ser dirigidas para os segmentos de menores renda, escolaridade e faixa etária.

Palavras-chave:
Antioxidantes; Nutrientes; Consumo alimentar; Fatores socioeconômicos; Estudos longitudinais; Modelos logísticos.

INTRODUÇÃO

Os radicais livres são continuamente produzidos no organismo, sendo mantidos dentro de limites normais por processos de inativação e remoção. Desequilíbrios nesse processo podem ser gerados tanto pelo aumento da produção como por uma remoção insuficiente. Um desequilíbrio no balanço pró-oxidante/antioxidante gera aumento do estresse oxidativo, no qual o excesso de espécies reativas de oxigênio pode determinar dano celular11. Ferrari CK, Torres EA. Biochemical pharmacology of functional foods and prevention of chronic diseases of aging. Biomed Pharmacother 2003; 57(5-6): 251-60.. Por sua vez, o aumento do estresse oxidativo está relacionado ao desenvolvimento e agravamento de várias doenças crônicas, como diabetes, doenças cardiovasculares, obesidade e câncer22. Valko M, Leibfritz D, Moncol J, Cronin MT, Mazur M, Telser J. Free radicals and antioxidants in normal physiological functions and human disease. Int J Biochem Cell Biol 2007; 39(1): 44-84., as quais têm grande impacto no atual padrão de morbimortalidade brasileiro33. Schmidt MI, Duncan BB, Silva GA, Menezes AM, Monteiro CA, Barreto SM, et al. Doenças crônicas não transmissíveis no Brasil: carga e desafios atuais. Lancet 2011; 377(9781): 1949-61..

O consumo dietético de nutrientes antioxidantes, principalmente por meio da ingestão de frutas e vegetais, pode reduzir o estresse oxidativo, pois são capazes de eliminar os radicais livres de forma direta, como no caso das vitaminas, ou de forma indireta, pelos minerais que atuam como cofatores de enzimas antioxidantes44. Alissa EM, Ferns GA. Functional foods and nutraceuticals in the primary prevention of cardiovascular diseases. J Nutr Metab 2012; article ID 569486.,55. Vasconcelos SML, Goulart MOF, Silva MAM, Gomes ACM. Hipótese oxidativa da hipertensão arterial: uma minirrevisão. Rev Bras Hipertens 2007; 14(4): 269-74..

Uma dieta rica em frutas e hortaliças e, consequentemente, em nutrientes antioxidantes é recomendada como parte de uma alimentação saudável, porém mais de 90% da população brasileira apresenta consumo inferior à porção diária recomendada desses alimentos. Além disso, a frequência de consumo de frutas e hortaliças está associada positivamente à renda, e a escolaridade influencia positivamente no percentual de indivíduos que atingem o consumo recomendado desses alimentos66. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: análise do consumo alimentar pessoal no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2011..

O Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) tem como objetivo identificar os determinantes da incidência das doenças crônicas na população brasileira, com enfoque principal no diabetes e nas doenças cardiovasculares77. Aquino EM, Barreto SM, Bensenor IM, Carvalho MS, Chor D, Duncan BB, et al. Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil): objectives and design. Am J Epidemiol 2012; 175(4): 315-24.. Considerando que o padrão alimentar exerce forte influência no desenvolvimento de várias doenças crônicas88. Millen BE, Quatromoni PA, Pencina M, Kimokoti R, Nam BHO, Kozak W, et al. Unique dietary patterns and chronic disease risk profiles of adult men: the Framingham Nutrition Studies. J Am Diet Assoc 2005; 105(11): 1723-34.,99. Neumann AICP, Martins IS, Marcopito LF, Araujo EAC. Padrões alimentares associados a fatores de risco para doenças cardiovasculares entre residentes de um município brasileiro. Rev Panam Salud Publica 2007; 22(5): 329-39. e o estresse oxidativo parece mediar parte dessa influência, nosso objetivo foi quantificar o consumo dos nutrientes antioxidantes (vitamina A, E e C e os minerais selênio e zinco) e identificar os fatores associados a esse consumo na linha de base do ELSA-Brasil.

MÉTODOS

Trata-se da análise de dados de participantes incluídos na linha de base do ELSA-Brasil, no período de 2008 a 2010. A coorte é formada por 15.105 adultos de ambos os sexos com idade entre 35 e 74 anos, todos trabalhadores ativos ou aposentados de 6 instituições de ensino superior e pesquisa situadas em 6 estados brasileiros (Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia). Os dados gerais da coleta de dados e da descrição geral da coorte foram publicados previamente77. Aquino EM, Barreto SM, Bensenor IM, Carvalho MS, Chor D, Duncan BB, et al. Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil): objectives and design. Am J Epidemiol 2012; 175(4): 315-24.,1010. Schmidt MI, Duncan BB, Mill JG, Lotufo PA, Chor D, Barreto SM, et al Cohort profile: Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Int J Epidemiol 2015; 44(1): 68-75.. Os dados referentes à escolaridade, renda, uso de suplementos e mudanças de hábitos alimentares nos últimos 12 meses foram obtidos em entrevista. A renda per capita foi estimada pela informação da renda familiar líquida aproximada do mês anterior à entrevista e o número de pessoas que dependem da mesma. O peso e estatura foram aferidos durante os exames clínicos77. Aquino EM, Barreto SM, Bensenor IM, Carvalho MS, Chor D, Duncan BB, et al. Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil): objectives and design. Am J Epidemiol 2012; 175(4): 315-24. e o estado nutricional do participante foi determinado pelo índice de massa corporal (kg/m2) e classificado de acordo com o recomendado pela Organização Mundial da Saúde1111. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. WHO Technical Report Series 854. Geneva: WHO; 1995. Disponível em: Disponível em: http://whqlibdoc.who.int/trs/WHO_TRS_854.pdf (Acessado em: 11 de dezembro de 2013).
http://whqlibdoc.who.int/trs/WHO_TRS_854...
. Foram agrupadas as categorias sobrepeso e obesidade (excesso de peso).

O consumo alimentar habitual dos participantes foi obtido por meio de Questionário de Frequência Alimentar (QFA), desenvolvido e validado para esse fim1212. Molina MCB, Faria CP, Cardoso LO, Drehmer M, Velasquez-Meléndez JG, Gomes ALC, et al. Avaliação da dieta no Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil): desenvolvimento do Questionário de Frequência Alimentar. Rev Nutr 2013; 26(2): 167-76.,1313. Molina MCB, Bonseñor IM, Cardoso LO, Velasquez-Melendez G, Drehmer M, Pereira TSS, et al. Reprodutibilidade e validade relativa do questionário de frequência alimentar do ELSA-Brasil. Cad Saúde Pública 2013: 29(2): 379-89.. O QFA ELSA-Brasil é um questionário semiquantitativo composto por 114 itens, cujo objetivo é avaliar o consumo habitual nos últimos 12 meses. O consumo diário dos nutrientes e de calorias foi estimado com auxilio do software Nutrition Data System for Research (NDSR). Os valores extremos de consumo (acima do percentil 99) foram substituídos pelo valor exato do percentil 99. Além disso, quando o participante referiu, voluntariamente, o consumo sazonal de algum item/alimento ou bebida, o valor total do consumo diário desse alimento foi multiplicado por 0,25.

Foram excluídos deste estudo os indivíduos que não apresentavam todos os dados dietéticos ou que apresentaram consumo calórico diário não plausível (< 500 ou > 6.000 kcal)1414. Andrade RG, Pereira RA, Sichieri R. Consumo alimentar de adolescentes com e sem sobrepeso do município do Rio de Janeiro. Cad Saúde Pública 2003; 19(5): 1485-95.. O consumo diário de nutrientes antioxidantes foi ajustado por energia segundo método proposto por Willett1515. Willett WC, Howe GR, Kushi LH. Adjustment for total energy intake in epidemiologic studies. Am J Clin Nutr 1997; 65(Suppl 4): 1220S-8S. e categorizado em quintis. Foi criada ainda uma variável que representa o consumo total dos antioxidantes, dada pela soma dos quintis de consumo dos cinco nutrientes (Consumo total de antioxidantes = Quintil Vit A + Quintil Vit C + Quintil Vit E + Quintil Zn + Quintil Se). Assim, essa variável assumiu valores entre 5 e 25, sendo também analisada segundo a distribuição dos quintis.

As análises estatísticas foram realizadas pelo software SPSS 19.0. O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para verificar a normalidade das variáveis quantitativas. Testes bicaudais paramétricos ou não paramétricos foram aplicados quando necessário. O nível de significância foi estabelecido para p < 0,05. O teste do χ2 foi usado para comparação de variáveis categóricas. O teste não paramétrico de Mann-Whitney foi usado na comparação de duas médias e a ANOVA de Kruskal-Wallis na comparação de médias de três ou mais grupos. A regressão logística foi utilizada para testar a hipótese de associação entre o consumo de antioxidantes com as variáveis socioeconômicas e Índice de Massa Corporal (IMC).

O ELSA-Brasil foi aprovado nos Comitês de Ética em Pesquisa de cada instituição onde o projeto está sendo realizado. Todos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes da coleta de dados.

RESULTADOS

Foram excluídos da análise 445 participantes (2,9% da amostra) pela ausência de dados completos. Na Tabela 1 são apresentadas as variáveis sociodemográficas e IMC, segundo o sexo. A amostra foi constituída por 44,8% de homens e 55,2% de mulheres (média de idade = 52 ± 9 anos). Em relação à raça/cor, 53% se autorreferiram como brancos; 8,1% dos participantes encontravam-se aposentados no momento da coleta (dados não apresentados em tabela). Em relação à escolaridade, 12,3% tinham até o ensino fundamental completo, 34,1% até o ensino médio completo e 53,6% apresentavam ensino superior completo. A renda per capita média foi de R$ 1.768 ± 1.448. Na amostra estudada, o sexo masculino apresentou maior percentual na categoria de menor escolaridade, menor percentual entre os eutróficos, os que relataram uso de suplementos e entre os que relataram mudança de hábitos alimentares.

Tabela 1:
Distribuição da amostra de acordo com as variáveis socioeconômicas e de saúde segundo sexo (ELSA-Brasil, 2008-2010).

Referiram mudança de hábito alimentar nos últimos seis meses 31% da população estudada, desses, 61% eram do sexo feminino, aproximadamente 72% apresentavam excesso de peso e 55% tinham ensino superior completo. A mudança de hábitos apresentou relação com a renda per capita (p = 0,029) (dados não apresentados em tabela).

Apesar de os dados de consumo dos nutrientes utilizados no presente estudo se referirem apenas ao consumo alimentar, é importante destacar que houve referência sobre o uso de suplementos polivitamínicos ou minerais, o que pode interferir na quantidade orgânica disponível dos nutrientes. O uso regular foi relatado por 13,1% e o uso não regular por 9,7% da amostra, totalizando 3.302 participantes (22,5% da amostra).

O consumo calórico médio diário da amostra foi de 2.855 ± 998 kcal, com diferença significativa entre os sexos. Quando comparado o consumo energético e de nutrientes antioxidantes entre homens e mulheres, foi encontrado maior consumo energético e as menores médias de consumo dos nutrientes antioxidantes entre os indivíduos do sexo masculino (Tabela 2). O consumo de todos os antioxidantes foi maior em mulheres do que em homens, sendo que as maiores diferenças foram verificadas para as vitaminas A e C, 18 e 25% a mais em mulheres, respectivamente.

Tabela 2:
Média e desvio padrão de energia e nutrientes antioxidantes ajustados pela energia, segundo sexo (ELSA-Brasil, 2008-2010).

A Tab ela 3 apresenta as características sociodemográficas e IMC segundo os quintis de consumo de cada um dos antioxidantes. As variáveis que apresentaram relação direta foram: idade, renda, alta escolaridade e uso de suplementos, e a variável que apresentou relação indireta foi o percentual de homens. Esse resultado foi semelhante para o consumo total de antioxidantes (Tabela 4). Para as vitaminas A, C e E e zinco, observou-se associação significativa com escolaridade (Tab ela 3). No entanto, essa tendência é contínua até o quarto quintil, tornando-se inconstante ao se comparar o penúltimo e último quintil para cada um dos antioxidantes. Com relação à idade, a variação percentual não foi crescente quando comparado cada quintil com anterior no caso do selênio, e não houve influência em relação ao consumo de zinco.

Tabela 3:
Quintis de consumo de nutrientes antioxidantes, ajustados por energia, segundo variáveis socioeconômicas e de saúde em participantes do ELSA-Brasil (ELSA-Brasil, 2008-2010).

Tabela 3:
Continuação.
Tabela 4:
Variáveis socioeconômicas e de saúde de acordo com os quintis de consumo dos nutrientes antioxidantes (ELSA-Brasil, 2008-2010).

A Tabela 4 apresenta as variáveis socioeconômicas e de saúde de acordo com os quintis da variável "consumo total de antioxidantes". Observa-se que o consumo aumenta nitidamente com a idade, a renda, a escolaridade, o uso de suplementos e o relato de mudança de hábito alimentar. A participação de homens diminui à medida que aumenta o quintil de consumo. A Tabela 5 mostra os resultados da regressão logística, em que o quinto quintil de consumo de antioxidantes foi a categoria de referência, e os resultados apresentados são relativos ao primeiro quintil (baixo consumo). Os homens apresentam 3,5 vezes mais chance de pertencer à categoria de menor consumo antioxidantes, semelhante a indivíduos com baixa escolaridade (3,1 vezes) e aos classificados no primeiro tercil de renda (4,4 vezes). O menor consumo de antioxidantes também se associou às faixas etárias mais jovens e ao baixo peso. Os que não relataram uso de suplementos nem mudança de hábitos alimentares também apresentaram maior chance de pertencerem ao grupo com o consumo mais baixo de antioxidantes.

Tabela 5:
Razão de chance e intervalos de confiança de fatores associados ao baixo consumo de antioxidantes (ELSA-Brasil, 2008 - 2010).

DISCUSSÃO

O consumo de nutrientes antioxidantes foi maior em mulheres, nos indivíduos de maior faixa etária e também naqueles de maior escolaridade e renda. Além disso, apresentou relação positiva com o uso de suplementos e com mudanças nos hábitos alimentares.

Xun et al.1616. Xun P, Bujnowski D, Liu K, Morris JS, Guo Z, He K. Distribution of toenail selenium levels in young adult Caucasians and African Americans in the United States: the CARDIA Trace Element Study. Environ Res 2011; 111(4): 514-9. encontraram relação positiva entre escolaridade e a concentração de selênio em unhas de afro-americanos, resultado semelhante foi encontrado no presente estudo com relação à ingestão de selênio, para uma população miscigenada. Com relação ao consumo de zinco, a população ELSA-Brasil apresenta média acima do verificado por Sun et al.1717. Sun Q, van Dam RMV, Willett WC, Hu FB. Prospective study of zinc intake and risk of type 2 diabetes in women. Diabetes Care 2009; 32(4): 629-34. em um estudo longitudinal (dados do Nurse's Health Study ). Nesse, o primeiro quintil apresentou média de consumo dietético de zinco de 2,7 mg/dia e o quinto quintil de 10,7 mg/dia, enquanto no presente estudo as médias do primeiro e do quinto quintil foram 12 e 22 mg/dia, respectivamente.

Em um estudo que investigou a ingestão de antioxidantes na população americana1818. Chun OK, Floegel A, Chung SJ, Chung CE, Song WO, Koo SI. Estimation of antioxidant intakes from diet and supplements in U.S. Adults. J Nutr 2010; 140(2): 317-24., os pesquisadores encontraram médias de ingestão dietética diária das vitaminas C e E e de selênio inferiores às encontradas no presente estudo. No mesmo estudo, o estado nutricional (IMC) teve relação direta com consumo de selênio e inversa com consumo dietético das vitaminas C e E. No presente estudo, a categoria de IMC "magreza" apresentou associação inversa com o consumo total de antioxidantes, no entanto o "excesso de peso" (sobrepeso e obesidade) apresentou associação positiva com o consumo total de antioxidantes. Semelhante aos achados na coorte ELSA-Brasil, o maior consumo de antioxidantes provenientes da dieta foi encontrado em indivíduos pertencentes às categorias de maior faixa etária e maior renda.

A diferença encontrada entre o estudo brasileiro e o americano pode estar relacionada à composição alimentar das culturas investigadas, uma vez que o instrumento utilizado nos estudos foi o mesmo (QFA), mas cada um adaptado aos hábitos alimentares de cada grupo. Além disso, as características próprias das populações escolhidas em cada estudo podem justificar essas diferenças, incluindo a faixa etária, escolaridade e renda, uma vez que, como mostramos neste trabalho, essas características se associam a uma ampla variação de consumo de antioxidantes. O ELSA-Brasil apresenta uma faixa etária ampla, que se inicia com adultos a partir de 35 anos, já no estudo de Chun et al.1818. Chun OK, Floegel A, Chung SJ, Chung CE, Song WO, Koo SI. Estimation of antioxidant intakes from diet and supplements in U.S. Adults. J Nutr 2010; 140(2): 317-24. a menor idade foi de 19 anos.

Associação entre o baixo consumo de antioxidantes e as categorias de IMC (magreza e excesso de peso) ocorreu, possivelmente, devido à associação com o consumo calórico característico desses grupos. A relação positiva do uso de suplementos e o relato de mudança de hábitos alimentares com o consumo de antioxidantes pode refletir um comportamento de maior cuidado com a saúde.

Alguns estudos que investigaram consumo de frutas e vegetais, principais fontes de antioxidantes, identificaram associação direta do consumo desses grupos de alimentos com escolaridade, pela variável isolada1919. Estaquio C, Druesne-Pecollo N, Latino-Martel P, Dauchet L, Hercberg S, Bertrais S. Socioeconomic differences in fruit and vegetable consumption among middle-aged French adults: adherence to the 5 A Day recommendation. J Am Diet Assoc 2008; 108(12): 2021-30. ou por meio de variáveis compostas, como status socioeconômico2020. Hulshof KFAM, Brussaard JH, Kruizinga AG, Telman J, Löwik MRH. Socio-economic status, dietary intake and 10 y trends: the Dutch National Food Consumption Survey. Eur J Clin Nutr. 2003; 57(1): 128-37.; e também a relação do consumo desses alimentos com renda2121. Giskes K, Turrell G, Patterson C, Newman B. Socioeconomic differences among Australian adults in consumption of fruit and vegetables and intakes of vitamins A, C and folateJ Hum Nutr Diet 2002; 15(5): 375-85. e idade2222. Strain JJ, Elwood PC, Davis A, Kennedy O, Coulter J, Fehily A, et al. Frequency of fruit and vegetable consumption and blood antioxidants in the Caerphilly cohort of older men. Eur J Clin Nutr 2000; 54(11): 828-33.. Wyndels et al.2323. Wyndels K, Dallangeville J, Simon C, Bongard V, Wagner A, Ruidavets JB, et al. Regional factors interact with educational and income tax levels to influence food intake in France. Eur J Clin Nutr 2011; 65(9): 1067-75. encontraram em uma amostra da população francesa relação direta da taxa de imposto de renda com a adesão à diretriz do programa nacional de nutrição do país, independente dos fatores geográficos.

Em uma revisão de literatura sobre status socioeconômico (que considerou educação, renda e ocupação) e consumo e/ou estado nutricional de micronutrientes na população europeia foi encontrado que os valores mais baixos de consumo encontram-se na categoria de baixo nível socioeconômico. A educação apresentou maior efeito na relação status socioeconômico e consumo, que pode ser devido ao nível educacional determinar renda e ocupação e, além disso, poder interferir na compreensão e realização dos comportamentos alimentares de redução risco2424. Navakovic R, Cavelaars A, Geelen A, Nikolic M, Altaba II, Viñas BR, et al. Socio-economic determinants of micronutrient intake and status in Europe: a systematic review. Public Health Nutr 2014; 17(5): 1031-45..

O delineamento utilizado no presente trabalho apresenta limitações próprias de estudos transversais, decorrentes do não acompanhamento temporal do indivíduo, limitando o controle das variáveis comportamentais2525. Klein CH, Bloch KV. Estudos seccionais. In: Medronho RA, Bloch KV, Luiz RR, Werneck GL. Epidemiologia. São Paulo: Atheneu; 2004. p. 125-9.. O uso do instrumento de coleta de dados dietéticos (QFA) também apresenta limitações, desde a coleta, que incluem a compreensão do que o pesquisador deseja mensurar e o tempo de coleta, até a conversão em "ingestão de nutrientes" por gramas, que pode superestimar o consumo individual2626. Pereira RA, Sichieri R. Métodos de avaliação do consumo de alimentos. In: Kac G, Sichieri R, Gigante DP. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/Atheneu; 2007. p. 181-200.,2727. Willett WC. Nutritional epidemiology. 2 ed. Oxford: OUP; 1998. p. 74-147..

No entanto, alguns procedimentos foram realizados para minimizar os possíveis erros de resposta: foram realizados treinamentos prévios e periódicos dos entrevistadores para correta abordagem; durante a entrevista foi utilizado um kit de utensílios para facilitar a identificação das medidas caseiras; e um cartão de resposta com as opções sobre as frequências de consumo foi entregue aos participantes para facilitar a escolha, sem necessidade de memorização.

No presente estudo o baixo consumo de antioxidantes foi associado às seguintes condições: sexo masculino, baixa escolaridade, menor renda, faixas etárias mais jovens, categoria de IMC magreza, ausência de uso de suplementos ou alteração de hábitos alimentares nos últimos seis meses. Pode-se concluir que as ações de educação nutricional voltadas para o aumento do consumo de de alimentos mais ricos em nutrientes antioxidantes devem ser direcionadas especificamente para os grupos com as características específicas dos baixos consumidores.

CONCLUSÃO

O consumo total de antioxidantes associou-se positivamente com sexo feminino, maior faixa etária, renda e escolaridade, bem como com maior prevalência de excesso de peso, uso de suplementos e mudança de hábitos alimentares nos últimos seis meses.

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  • Fonte de financiamento: Ministério da Saúde (Decit - Departamento de Ciência e Tecnologia) e Ministério de Ciência e Tecnologia (Finep - Financiadora de Estudos e Projetos e CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Processos Nºs 01 06 0010.00 RS, 01 06 0212.00 BA, 01 06 0300.00 ES, 01 06 0278.00 MG, 01 06 0115.00 SP, 01 06 0071.00 RJ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2015
  • Aceito
    15 Set 2015
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