Hanseníase e carência social: definição de áreas prioritárias em estado endêmico do Nordeste brasileiro

Carlos Dornels Freire de Souza Mônica Avelar Figueiredo Mafra Magalhães Carlos Feitosa Luna Sobre os autores

RESUMO:

Introdução:

A hanseníase é uma doença que guarda estreita relação com as condições sociais e econômicas. O Brasil é o único país que ainda não alcançou a meta de eliminação da doença como problema de saúde pública.

Objetivo:

Este trabalho teve como objetivo analisar a associação entre a carência social dos municípios baianos e a detecção de casos novos de hanseníase na população, como instrumento para a definição de áreas prioritárias para intervenção.

Metodologia:

Trata-se de um estudo ecológico realizado no estado da Bahia, no período de 2001 a 2015. Variáveis analisadas: coeficiente de detecção casos novos, índice de carência social (ICS) e hanseníase em menores de 15 anos. O ICS foi construído com base em quatro variáveis: índice de performance socioeconômica, renda per capita, proporção de extremamente pobres e densidade domiciliar. Na análise espacial, foram utilizadas modelagem bayesiana empírica local e estatística de Moran global e local. Na análise estatística, foram empregados regressão multivariada, espacial e logística, cálculo do odds ratio e análise de variância.

Resultados:

A hanseníase apresentou distribuição heterogênea no estado, com concentração no eixo norte-oeste e sul. Dos municípios, 60,4% (n = 252) apresentaram muito baixa condição de vida. Observou-se associação entre as condições de vida e a detecção da hanseníase, com maiores coeficientes no grupo de município com melhor condição de vida (p < 0,001).

Conclusão:

As piores condições atuaram como um impeditivo ao diagnóstico, ao mesmo tempo que ampliaram o risco de adoecimento. As boas condições possuem efeito inverso.

Palavras-chave:
Hanseníase; Pobreza; Condições Sociais

INTRODUÇÃO

No mundo, apenas o Brasil ainda não alcançou a meta de eliminação da hanseníase como problema de saúde pública, convencionada em menos de um caso para cada 10 mil habitantes. Atualmente, o país possui o segundo maior número de novos diagnósticos da doença, ficando atrás apenas da Índia. Já nas Américas, concentra mais de 90% de todas as ocorrências11. Organização Mundial da Saúde. Estratégia mundial de eliminação da lepra 2016-2020: Acelerar a ação para um mundo sem lepra. Genebra: Organização Mundial da Saúde; 2016.,22. Brasil. Ministério da Saúde. Registro ativo: número e percentual, casos novos de hanseníase: número, coeficiente e percentual, faixa etária, classificação operacional, sexo, grau de incapacidade, contatos examinados, por estado e regiões, Brasil, 2016. Brasília: Secretaria de Vigilância em Saúde; 2016.,33. Silva CLM, Fonseca SC, Kawa H, Palmer DOQ. Spatial distribution of leprosy in Brazil: a literature review. Rev Soc Bras Med Trop 2017; 50(4): 439-49. http://dx.doi.org/10.1590/0037-8682-0170-2016
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.

No cenário epidemiológico da hanseníase no Nordeste, considerando o ano de 2016, o estado da Bahia ocupou a segunda posição em número absoluto de casos novos (2.077 diagnósticos) e no registro ativo (2.143 doentes em tratamento) e a sexta posição nos coeficientes de detecção na população geral e em menores de 15 anos e de prevalência. A endemia foi classificada como alta tanto na população geral (13,6/100 mil habitantes) quanto em menores de 15 anos (3,16/100 mil habitantes). A prevalência observada foi de 1,4/10 mil22. Brasil. Ministério da Saúde. Registro ativo: número e percentual, casos novos de hanseníase: número, coeficiente e percentual, faixa etária, classificação operacional, sexo, grau de incapacidade, contatos examinados, por estado e regiões, Brasil, 2016. Brasília: Secretaria de Vigilância em Saúde; 2016..

Nas últimas décadas, com a discussão em torno da influência das condições socioeconômicas e culturais no perfil de morbimortalidade da população, as pesquisas abordando a temática ganharam espaço no universo científico global44. Antunes JLF. Desigualdades em saúde: Entrevista com Nancy Krieger. Tempo Social 2015; 27(1): 177-94. http://dx.doi.org/10.1590/0103-20702015014
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,55. Barreto ML. Desigualdades em Saúde: uma perspectiva global. Ciênc Saúde Coletiva 2017; 22(7): 2097-108. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017227.02742017
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. Embora a associação entre a transmissão da hanseníase e as condições sociais e econômicas nas quais as pessoas vivem não seja um tema recente na ciência, os estudos ainda divergem quanto aos achados encontrados66. Krawinkel MB. Interaction of Nutrition and Infections Globally: An Overview. Ann Nutr Metab 2012; 61(Supl. 1): 39-45. https://doi.org/10.1159/000345162
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,77. Chaves EC, Costa SV, Flores RLR, Neves EOS. Índice de carência social e hanseníase no estado do Pará em 2013: análise espacial. Epidemiol Serv Saúde 2017; 26(4): 807-16. http://dx.doi.org/10.5123/s1679-49742017000400012
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,88. Souza CDF. Hanseníase e determinantes sociais da saúde: Uma abordagem a partir de métodos quantitativos - Bahia, 2001-2015 [tese]. Recife: Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2018.. Esse cenário legitima a realização de investigações regionais, que permitam a identificação de municípios prioritários para intervenção, sobretudo em áreas endêmicas99. Rangel MES. Dinâmica espacial e contingências socioambientais da hanseníase no estado do Maranhão: avaliação de riscos e vulnerabilidades em área hiperendêmica [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2016..

Em 1994, O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) elaborou o índice de condições de sobrevivência (ICS)1010. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Municípios brasileiros: crianças e suas condições de sobrevivência. Brasília: IBGE; 1994., para identificar grupos de crianças em condições mais precárias de sobrevivência, de modo a contribuir para a elaboração de estratégias de intervenção. Desde então, muitos pesquisadores adaptaram a metodologia proposta para compreender a dinâmica social de diferentes problemas sanitários88. Souza CDF. Hanseníase e determinantes sociais da saúde: Uma abordagem a partir de métodos quantitativos - Bahia, 2001-2015 [tese]. Recife: Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2018., adotando uma nova interpretação para a sigla ICS, que passou a ser reconhecida como índice de carência social.

Este estudo parte da premissa de que a relação entre a hanseníase e o nível de carência social da população não é de natureza linear nem de causa e efeito. A hipótese inicial é de que esse contexto socioeconômico atua como determinante tanto do diagnóstico da doença quanto do risco de adoecimento em si, embora em conjunturas e interpretações diferentes.

Desse modo, este trabalho teve como objetivo analisar a associação entre a carência social dos municípios baianos e a detecção de casos novos de hanseníase na população, como instrumento para a definição de áreas prioritárias para intervenção.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo ecológico realizado na Bahia, entre 2001 e 2015. Composto de 417 municípios, o estado é o maior da Região Nordeste e o quinto maior do país em extensão territorial, representando 36,33% da área do Nordeste e 6,63% do território brasileiro. Do seu território, 69,31% situa-se no semiárido. Configura-se ainda como a quarta maior população do Brasil e a primeira do Nordeste, superando 15,2 milhões de habitantes1111. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Características da população e dos domicílios: resultados do universo [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE, 2010 [acessado em 14 fev. 2018]. Disponível em: Disponível em: https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm
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(Figura 1).

Três variáveis foram selecionadas para o estudo:

  • coeficiente de detecção de casos novos de hanseníase na população geral/100 mil habitantes,

  • ICS;

  • número de casos de hanseníase em menores de 15 anos.

Figura 1.
Mapa de localização geográfica da área de estudo.

A variável dependente foi o coeficiente de detecção de casos novos de hanseníase na população geral no período. Os dados referentes aos casos da doença foram obtidos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), e os dados populacionais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Adotou-se a seguinte equação: média de casos novos de hanseníase no período / população do meio do período no lugar × 100 mil.

A variável independente foi o ICS. Para a sua construção, adotou-se a metodologia proposta pelo Unicef1010. Fundo das Nações Unidas para a Infância. Municípios brasileiros: crianças e suas condições de sobrevivência. Brasília: IBGE; 1994.. Inicialmente os municípios foram ranqueados conforme cada variável selecionada para sua composição, estabelecendo o escore de cada um (Si). Ao município com maior valor (Vmáx), atribuiu-se Si = 1 e ao com menor valor (Vmín) Si = 0. Para os demais municípios, o Si foi definido pela equação Si = (Vobservado - Vmín)/(Vmáx - Vmín). O ICS de cada município foi então determinado pela média aritmética simples dos Si.

Quatro variáveis foram selecionadas para a composição do ICS:

  • índice de performance socioeconômica - economia e finanças (IPESE-EF);

  • valor médio mensal da renda per capita (RENDAPERCAPIT);

  • proporção de extremamente pobres (%EXTRPOBRES);

  • número de domicílios com densidade maior que três pessoas por dormitório (DOM3PPDOR).

Para as variáveis RENDAPERCAPIT e IPESE-EF, aplicou-se uma fórmula para a inversão dos valores (1-Si), a fim de manter o mesmo sentido das demais variáveis (quanto maior o valor, maior a carência social). O IPESE-EF foi obtido da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, e as demais variáveis, do censo do IBGE de 2010.

Após o cálculo do ICS, adotaram-se como critério de classificação dos municípios em quartis os valores:

ICS = 0,142 a 0,259: baixa carência social;

ICS = 0,260 a 0,369: média carência social;

ICS = 0,370 a 0,479: alta carência social;

ICS = 0,480 a 0,699: muito alta carência social.

Importante salientar que tais variáveis foram selecionadas após exaustiva análise da literatura e elaboração de modelos, que se deram em três etapas.

A etapa I caracterizou-se pela seleção das variáveis que pudessem ter associação com a detecção de hanseníase. Com base em ampla revisão da literatura99. Rangel MES. Dinâmica espacial e contingências socioambientais da hanseníase no estado do Maranhão: avaliação de riscos e vulnerabilidades em área hiperendêmica [tese]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2016.,1212. Andrade VLG, Sabroza PC, Araújo AJG. Fatores associados ao domicílio e à família na determinação da hanseníase, Rio de Janeiro, Brasil. Cad Saúde Pública 1994; 10(Supl. 2): S281-92. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X1994000800006
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,1313. Lapa T, Ximenes R, Silva NN, Souza W, Albuquerque MFM, Compozana G. Vigilância da hanseníase em Olinda, Brasil, utilizando técnicas de análise espacial. Cad Saúde Pública 2001; 17(5): 1153-62. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2001000500016
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,1414. Mencaroni DA. Análise espacial da endemia hansênica no município de Fernandópolis/SP [tese]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem da USP; 2003.,1515. Kerr-Pontes LRS, Barreto ML, Evangelista CMN, Rodrigues LC, Heukelbach J, Feldmeier H. Socioeconomic, environment, and behavioural risk factors for leprosy in North-east Brazil: results of a case-control study. Int J Epidemiol 2006; 35(4): 994-1000. https://doi.org/10.1093/ije/dyl072
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,1616. Santos AS, Castro DS, Falqueto A. Fatores de risco para transmissão da Hanseníase. Rev Bras Enferm 2008; 61(Núm. Esp.): 738-43. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672008000700014
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,2323. Gracie R, Peixoto JNB, Soares FBR, Hacker MAVB. Análise da distribuição geográfica dos casos de hanseníase- Rio de Janeiro, 2001 a 2012. Ciênc Saúde Coletiva 2017; 22(5): 1695-704. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017225.24422015
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, foram selecionadas as seguintes variáveis: índice de desenvolvimento humano municipal e suas dimensões (longevidade, educação e renda), índices de Gini e Theil-L (desigualdade de renda), índice de vulnerabilidade social e suas dimensões (infraestrutura urbana, capital humano e renda e trabalho), índice Firjan de desenvolvimento municipal e suas dimensões (educação, saúde e emprego e renda) e índice de performance socioeconômica e suas dimensões (educação, saúde, economia e finanças, densidade demográfica, proporção da população urbana, domicílio coletivo com morador, proporção de indivíduos com 60 anos ou mais na população, proporção de indivíduos analfabetos com 15 anos ou mais, proporção de domicílios com saneamento inadequado, valor médio mensal da renda per capita, proporção de extremamente pobres, número de domicílios com densidade maior do que três pessoas por dormitório, nível de ocupação de indivíduos com 10 anos ou mais, domicílios sem rendimento, família composta de seis ou mais conviventes no domicílio, pessoa responsável e cônjuge sem rendimento, proporção de unidades domésticas unipessoais, número de domicílios particulares permanentes ligados à rede geral de abastecimento de água, número de domicílios particulares permanentes sem banheiro de uso exclusivo do domicílio e número de domicílios particulares permanentes com lixo coletado).

Na etapa II, essas variáveis foram submetidas à regressão multivariada, a fim de identificar aquelas que possuíam associação com coeficiente de detecção de hanseníase. Não foi observada a existência de multicolinearidade entre as variáveis independentes, que foi avaliada segundo a tolerância e o fator de inflação da variância. O método backward foi utilizado.

A etapa III consistiu na aplicação de regressão espacial com efeitos globais (modelo autorregressivo misto e modelo de erro espacial). Essa última etapa foi necessária, pois os resíduos dos dois modelos de regressão clássica apresentaram dependência espacial, verificada pela estatística de Moran. A escolha entre o modelo autorregressivo misto ou o modelo de erro espacial deu-se com base na aplicação dos testes multiplicadores de Lagrange.

Após a elaboração do banco de dados contendo as variáveis estudadas, seguiu-se para o tratamento estatístico dos dados, realizado em três etapas:

  • análise exploratória espacial;

  • estudo de associação;

  • identificação dos municípios prioritários.

ANÁLISE EXPLORATÓRIA ESPACIAL

Inicialmente, o coeficiente de detecção foi suavizado pelo modelo bayesiano empírico local, com a finalidade de reduzir a flutuação aleatória dos dados2424. Santos SM, Souza WV. Introdução à Estatística Espacial para a Saúde Pública. Rio de Janeiro: Fiocruz; Brasília: Ministério da Saúde; 2007.. Em seguida, tanto o coeficiente de detecção suavizado quanto o ICS foram submetidos à análise espacial exploratória, utilizando a estatística global e local de Moran, para a avaliação da dependência espacial e a identificação de aglomerados espaciais. A validação do modelo deu-se com a aplicação do teste de pseudossignificância2424. Santos SM, Souza WV. Introdução à Estatística Espacial para a Saúde Pública. Rio de Janeiro: Fiocruz; Brasília: Ministério da Saúde; 2007.,2525. Druck S, Carvalho MS, Câmara G, Monteiro AVM, editores. Análise espacial de dados geográficos. Brasília: EMBRAPA; 2004..

Uma vez constatada a autocorrelação espacial global, foi aplicada a análise espacial local (local index of spatial association). Cada área recebeu um valor de significância e foi alocada em um quadrante do diagrama de espalhamento de Moran:

  • Q1: alto/alto;

  • Q2: baixo/baixo;

  • Q3: alto/baixo;

  • Q4: baixo/alto.

Em seguida, foram gerados mapas do tipo Moran para os dois indicadores2424. Santos SM, Souza WV. Introdução à Estatística Espacial para a Saúde Pública. Rio de Janeiro: Fiocruz; Brasília: Ministério da Saúde; 2007.,2525. Druck S, Carvalho MS, Câmara G, Monteiro AVM, editores. Análise espacial de dados geográficos. Brasília: EMBRAPA; 2004..

ESTUDO DE ASSOCIAÇÃO

Na segunda etapa da modelagem, buscou-se associação entre o coeficiente de detecção e o ICS. Para tal, os indicadores foram dicotomizados: para o coeficiente de detecção de hanseníase, adotou-se 0 para as categorias baixa e média endemicidade e 1 para as categorias alta, muito alta e hiperendemia. Para o ICS, adotou-se 0 para baixa e média carência social e 1 para alta e muito alta carência social. A associação foi testada utilizando regressão logística e cálculo do odds ratio (OR). Além disso, a análise de variância foi aplicada para se comparar as médias do coeficiente geral entre os estratos do ICS. Adotou-se significância de 5%.

IDENTIFICAÇÃO DOS MUNICÍPIOS PRIORITÁRIOS

Por fim, buscou-se identificar as áreas consideradas prioritárias para intervenção. Para a definição dessas áreas, adotou-se ainda uma variável de gravidade: o número de casos em menores de 15 anos no período estudado, com valor estabelecido em 5. Esse valor foi definido por caracterizar a média de um caso para cada três anos da série e por sua capacidade de evidenciar a manutenção da cadeia de transmissão da doença.

Então, três grupos de prioridades foram estabelecidos:

  • grupo I: municípios com ICS alto e muito alto e, no mínimo, cinco casos em menores de 15 anos no período estudado;

  • grupo II: municípios com ICS alto e muito alto, coeficiente de detecção alto/muito alto/hiperendêmico (10 ou mais casos/100 mil habitantes) e nenhum caso em menores de 15 anos registrado no período;

  • grupo III: municípios com ICS alto e muito alto, nenhum caso em menores de 15 anos e endemia baixa na população geral (< 2 casos/100 mil habitantes).

O grupo I coloca em evidência a necessidade de intervenções destinadas à população geral (adultos e crianças), o grupo II inclui os municípios silenciosos para menores de 15 anos e reforça a necessidade de busca ativa nessa população, e o grupo III identifica os municípios totalmente silenciosos.

Para as análises foram utilizados os softwares TerraView 4.2.2, QGIS 2.14.11, GeoDa 1.8.10 e Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) 22.0. As malhas territoriais necessárias para a confecção dos mapas foram obtidas do IBGE.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Alagoas, certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) nº 70943617.5.0000.5013, e parecer de aprovação nº 2.212.723, de 10 de agosto de 2017.

RESULTADOS

No período de 2001 a 2015, 42.227 casos novos de hanseníase foram diagnosticados em residentes no estado da Bahia, sendo 3.430 (8,1%) em indivíduos com idade inferior a 15 anos. Dos 417 municípios, 15 (3,6%) foram classificados como silenciosos, 27 (6,5%) como de baixa endemicidade, 182 (43,6%) como de média, 119 (28,5%) como de alta, 35 (8,4%) como muito alta endemicidade e 39 (9,4%) como hiperendêmicos, conforme mostra a Figura 2. ­Observou-se ainda que os maiores coeficientes se situaram no eixo norte-oeste do estado e na região sul.

Figura 2.
Análise espacial do coeficiente de detecção de casos novos de hanseníase na população geral, índice de carência social e ocorrência de hanseníase em menores de 15 anos. Bahia, Brasil, 2001-2015.

No que se refere ao ICS, viu-se que apenas 12 municípios apresentaram baixa carência social (ICS 0,142 a 0,259). O coeficiente de detecção de hanseníase nesse grupo foi bastante heterogêneo, variando entre 8,26/100 mil em Pojuca e 103,3/100 mil em Barreiras. Os municípios de Barreiras, Eunápolis, Teixeira de Freitas e Luís Eduardo Magalhães foram classificados como hiperendêmicos (Figura 2).

No outro extremo estão os municípios com muito alta carência social, que representaram 60,4% (n = 252) (Figura 2). Desse total, 26 (10,3%) foram classificados como de endemicidade baixa, sendo 11 deles totalmente silenciosos no período, e 18 (7,1%) ccomo hiperendêmicos. Dos 10 municípios com maior ICS, quatro deles foram classificados como hiperendêmicos para a hanseníase.

Adicionalmente, a estatística de Moran mostrou dependência espacial do ICS (I = 0,589; p = 0,01), com grande área com alta e muito alta carência social. Os municípios com maior ICS situaram-se no eixo do nordeste ao centro-norte do estado, totalizando 77 municípios. Desse total, apenas três (3,9%) possuíam endemicidade baixa, 41 (53,2%) endemicidade média, 16 (20,8%) alta, cinco (6,5%) muito alta, e 12 (15,6%) eram hiperendêmicos. Os três municípios com maior ICS são também hiperendêmicos para hanseníase: Pilão Arcado (ICS = 0,669 e coeficiente de detecção de 65,38 casos/100 mil), Barra (ICS = 0,671 e coeficiente igual a 64,49/100 mil) e Buritirama (ICS = 0,699 e coeficiente igual a 48,96/100 mil).

A comparação dos mapas do coeficiente de detecção com os do ICS (Figura 2) mostrou que as regiões oeste e sul, prioritárias para hanseníase, apresentam menor carência social. Paralelamente, parte dos municípios do norte e centro-norte apresenta ICS alto e muito alto ao mesmo tempo que são hiperendêmicos, havendo superposição espacial de 12 municípios no Moran map.

Ainda conforme a Figura 2, a distribuição espacial do número de casos em menores de 15 anos mostrou que 164 (39,3%) municípios não diagnosticaram nenhum indivíduo no período, e apenas 15 (3,6%) notificaram 51 ou mais casos. Esses 15 municípios juntos foram responsáveis por 1.994 casos, o que correspondeu a 58,1% de todos os diagnósticos. Além disso, nove deles possuíam ICS baixo e médio e seis ICS alto e muito alto.

A análise por meio de regressão logística (Tabela 1) mostrou que o menor ICS atuou como fator de risco (OR = 0,129 e p < 0,001). Ao repetir a análise considerando os municípios prioritários, de acordo com a sua posição no diagrama de espalhamento de Moran, essa mesma associação não foi observada (OR = 0,844 e p = 0,446).

Tabela 1.
Regressão logística tendo como variável dependente o grau de endemicidade. Bahia, Brasil, 2001-2015.

Adicionalmente, segundo a Tabela 2, a média do coeficiente de detecção geral elevou-se à medida que o ICS diminuiu, sendo evidenciada diferença estatisticamente significativa entre os coeficientes de detecção médios dos municípios classificados como ICS baixo e médio, quando comparados com aqueles com ICS alto e muito alto.

Tabela 2.
ANOVA do coeficiente de detecção geral de hanseníase conforme estrato de carência social. Bahia, Brasil, 2001-2015.

O grupo I de prioridade foi composto de 56 municípios, com maior destaque para o eixo norte-oeste, o grupo II englobava 100 municípios e o grupo III 37 municípios (Figura 3).

Figura 3.
Espacialização dos municípios segundo grupo de prioridade para hanseníase. Bahia, Brasil, 2001-2015.

DISCUSSÃO

Este estudo analisou a associação entre a carência social dos municípios baianos e a detecção de casos novos de hanseníase na população, como instrumento para a definição de áreas prioritárias para intervenção. Os achados apresentados mostram a complexidade da relação entre a hanseníase e o ICS dos municípios.

Os baixos coeficientes de detecção em parcela significativa dos municípios com maior carência pode ser uma evidência da subnotificação da hanseníase nessas áreas, resultado da interação de diferentes fatores, como: pouca disponibilidade de serviços de saúde, frágil acesso por parte da população, incapacidade dos serviços em diagnosticar novos casos e falhas nos sistemas de vigilância, com maior prejuízo para os municípios menores2626. Ribeiro GC, Fabri ACOC, Amaral EP, Machado IE, Lana FCF. Estimativa da prevalência oculta da hanseníase na microrregião de Diamantina - Minas Gerais. Rev Eletr Enf 2014; 16(4): 728-35.,2727. Lanza FM, Vieira NF, Oliveira MMC, Lana FCF. Avaliação da atenção primária no controle da hanseníase: proposta de uma ferramenta destinada aos usuários. Rev Esc Enferm USP 2014; 48(6): 1054-61. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420140000700013
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,2929. Salgado CG, Barreto JG, Silva MB, Goulart IMB, Barreto JA, Medeiros Junior NF, et al. Are leprosy case numbers reliable? Lancet Infect Dis 2018; 18(2): 135-7. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(18)30012-4
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
. Todas essas razões ampliam a prevalência oculta da doença e mantêm muitos municípios silenciosos ou com poucos casos diagnosticados2626. Ribeiro GC, Fabri ACOC, Amaral EP, Machado IE, Lana FCF. Estimativa da prevalência oculta da hanseníase na microrregião de Diamantina - Minas Gerais. Rev Eletr Enf 2014; 16(4): 728-35.,2727. Lanza FM, Vieira NF, Oliveira MMC, Lana FCF. Avaliação da atenção primária no controle da hanseníase: proposta de uma ferramenta destinada aos usuários. Rev Esc Enferm USP 2014; 48(6): 1054-61. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420140000700013
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,2828. Salgado CG, Barreto JG, da Silva MB, Frade MA, Spencer JS. What do we actually know about leprosy worldwide? Lancet Infect Dis 2016; 16(7): 778. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(16)30090-1
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
,2929. Salgado CG, Barreto JG, Silva MB, Goulart IMB, Barreto JA, Medeiros Junior NF, et al. Are leprosy case numbers reliable? Lancet Infect Dis 2018; 18(2): 135-7. https://doi.org/10.1016/S1473-3099(18)30012-4
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
, tornando a hanseníase invisível nesses locais.

Por outro lado, a organização dos serviços de saúde, caracterizada por descentralização da rede, oferta de exames auxiliares, vigilância de contatos, ações de promoção da saúde e rastreamento ativo de casos3030. Henry M, Galan N, Teasdale K, Prado R, Amar H, Rays MS, et al. Factors contributing to the Delay in Diagnosis and Continued Transmission of Leprosy in Brazil - An explorative, Quantitative, Questionnaire Based Study. PLoS Negl Trop Dis 2016; 10(3): e0004542. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0004542
https://doi.org/https://doi.org/10.1371/...
,3131. Barreto JG, Bisanzio D, Frade MAC, Moraes TMP, Gobbo AR, Guimarães LS, et al. Spatial epidemiology and serologic cohorts increase the early detection of leprosy. BMC Infect Dis 2015; 15: 527. https://dx.doi.org/10.1186%2Fs12879-015-1254-8
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,3232. Schreuder PA, Noto S, Richardus JH. Epidemiologic trends of leprosy for the 21st century. Clin Dermatol 2016; 34(1): 24-31. https://doi.org/10.1016/j.clindermatol.2015.11.001
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, é apontada por muitos estudos como um determinante do diagnóstico e, por conseguinte, do aumento dos coeficientes, pelo menos em curto prazo. Em longo prazo, espera-se redução real e sustentável da endemia3333. Nery JS, Pereira SM, Rasella D, Penna MLF, Aquino R, Rodrigues LC, et al. Effect of the Brazilian conditional cash transfer and primary health care programs on the new case detection rate of leprosy. PLoS Negl Trop Dis 2014; 8(11): e3357. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0003357
https://doi.org/https://doi.org/10.1371/...
. Nenhum dos 12 municípios baianos com baixa carência social foi classificado como silencioso no período estudado, podendo refletir o impacto das melhores condições sociais municipais na detecção de novos casos de hanseníase.

A literatura científica tem apontado que a disponibilidade e a qualidade dos serviços de saúde municipais são influenciadas pelas condições econômicas e gerenciais locais. Municípios mais desenvolvidos e com maior volume de riquezas são aqueles com maior possibilidade de ofertar à sua população uma rede de saúde mais qualificada3434. Bahia. Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais. Pobreza na Bahia em 2010: dimensões, territórios e dinâmicas regionais. Salvador: SEI; 2014.,3535. Raposo MT, Nemes MIB. Assessment of integration of the leprosy program into primary health care in Aracaju, state of Sergipe, Brazil. Rev Soc Bras Med Trop 2012; 45(2): 203-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0037-86822012000200013
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. Em nosso estudo, os coeficientes de detecção da doença elevaram-se no sentido da menor carência social, reforçando a importância dessas melhores condições sociais no diagnóstico da doença em áreas endêmicas, o que resulta em elevação do coeficiente de detecção.

Há que se ressaltar que o acesso aos serviços de saúde engloba compreensão multidimensional, o que inclui aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais3636. Assis MMA, Jesus WLA. Acesso aos serviços de saúde: abordagens, conceitos, políticas e modelo de análise. Ciênc Saúde Coletiva 2012; 17(11): 2865-75. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232012001100002
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, razão pela qual apenas suscitamos a ideia neste texto. Além disso, o arcabouço metodológico adotado no estudo não é capaz de dar conta de tal questão, sendo necessária a realização de pesquisas que analisem a influência do acesso na taxa de detecção de hanseníase nas áreas endêmicas.

Em razão dessa complexa teia de mediação em torno da dinâmica de transmissão da hanseníase, introduzimos o termo pseudorrisco para definir os resultados da regressão logística, em que a menor carência social estava associada à maior carga da doença. Pseudorrisco porque não se trata de um risco real de o indivíduo adoecer, mas sim por facilitar o diagnóstico da doença, sobretudo em áreas endêmicas. Essa condição, que Nsagha et al.3737. Nsagha DS, Bamgboye EA, Assob JCN, Njunda AL, Kamga HL, Bissek A-CZ, et al. Elimination of leprosy as a public health problem by 2000 AD: an epidemiological perspective. Pan Afr Med J 2011; 9: 4. https://dx.doi.org/10.4314%2Fpamj.v9i1.71176
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chamaram de ambiguidade na relação entre a hanseníase e as condições socioeconômicas, tornou-se menos imprecisa segundo nossa interpretação.

Além disso, apresentamos evidências importantes de que o risco de adoecer está associado à maior carência social, não aparecendo no modelo de regressão possivelmente em razão da subnotificação nessas áreas. Entre as evidências, destacam-se a superposição espacial de 12 municípios situados no quadrante Q1 do diagrama de Moran do ICS e do coeficiente de detecção, o fato de muitos municípios com maior carência social serem também hiperendêmicos e a distribuição heterogênea tanto da doença quanto da pobreza, embora esta última ocupe grande extensão territorial.

Estudo de Cabral-Miranda et al.1919. Cabral-Miranda W, Chiaravalloti Neto F, Barrozo LV. Socioeconomic and environmental effects in fluencing the development of leprosy in Bahia, nort-east Brazil. Trop Med Int Health 2014; 19(12): 1504-14. https://doi.org/10.1111/tmi.12389
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realizado no próprio estado da Bahia reforça esses achados. Segundo os autores, as condições socioeconômicas e ambientais estão ligadas à permanência da cadeia de transmissão da hanseníase. Desse modo, a presença de áreas geográficas com elevada carência social e que também possuem altos coeficientes de detecção de hanseníase tem como explicação a influência das frágeis condições socioeconômicas da população na manutenção da cadeia de transmissão do Mycobacterium leprae3838. Cunha MD. Estatística espacial na investigação epidemiológica de fatores associados à detecção de casos de hanseníase no Rio de Janeiro [tese]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2012.,3939. Cury MRCO, Paschoal VD, Nardi SMT, Chierotti AP, Rodrigues Júnior AL, Chiaravalloti-Neto F. Spatial analysis of leprosy incidence and associated socioeconomic factors. Rev Saúde Pública 2012; 46(1): 110-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102011005000086
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,4040. Monteiro LD, Martins-Melo FR, Brito AL, Alencar CH, Heukelbah J. Padrões espaciais da hanseníase em um estado hiperendêmico no Norte do Brasil, 2001-2012. Rev Saúde Pública 2015; 49: 1-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-8910.2015049005866
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.159...
,4141. Souza CDF, Luna CF, Magalhães MAFM. Modelagem espacial da hanseníase no estado da Bahia e seus determinantes sociais: Um estudo das iniquidades em saúde. An Bras Dermatol 2019; 94(2): 182-91.,4242. Barbieri RR, Sales AN, Hacker MA, Nery JAC, Dupre ND, Machado AM, et al. Impact of a reference center on leprosy control under a decentralized public health care policy in Brazil. PLoS Negl Trop Dis 2016; 10(10): e0005059. https://doi.org/10.1371/journal.pntd.0005059
https://doi.org/https://doi.org/10.1371/...
.

Em decorrência de todas as investigações aqui conduzidas, o elemento central escolhido para a definição de áreas prioritárias foi carência social alta/muito alta. Com base nesse elemento, três grupos de prioridade para intervenção foram elencados, cada um exigindo intervenções específicas. Para o grupo I, recomendamos a intensificação das ações para a interrupção da cadeia epidemiológica de transmissão; para o grupo II, sugerimos intensificar a busca ativa de casos nessa população infantil; e para o grupo III, a realização de estudos que possam explicar se de fato essas áreas estão livres da hanseníase ou se correspondem a bolsões de subnotificação.

Por fim, mesmo considerando a robustez dos métodos estatísticos adotados neste estudo, é pertinente destacar que ele possui limitações importantes88. Souza CDF. Hanseníase e determinantes sociais da saúde: Uma abordagem a partir de métodos quantitativos - Bahia, 2001-2015 [tese]. Recife: Instituto Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz; 2018.,2424. Santos SM, Souza WV. Introdução à Estatística Espacial para a Saúde Pública. Rio de Janeiro: Fiocruz; Brasília: Ministério da Saúde; 2007.,2525. Druck S, Carvalho MS, Câmara G, Monteiro AVM, editores. Análise espacial de dados geográficos. Brasília: EMBRAPA; 2004.:

  • utilização de dados secundários provenientes de sistemas de informações, que podem não expressar a realidade sanitária;

  • influência da flutuação aleatória dos dados, em decorrência da existência de muitos municípios com populações pequenas;

  • influência do tamanho das unidades geográficas analisadas, uma vez que ao averiguar indicadores municipais não conseguimos captar as diferenças existentes intralocalmente.

CONCLUSÃO

Três conclusões foram extraídas. A primeira diz respeito ao fato de a doença não ocorrer ao acaso no território baiano, estando concentrada tanto em importantes áreas de desenvolvimento quanto em áreas de pobreza. Nas áreas mais desenvolvidas, sugere-se que a menor carência social atua como um determinante do diagnóstico.

A segunda conclusão refere-se aos determinantes do adoecimento em si. Nesse caso, a carência social influencia no processo de adoecimento. Com o negligenciamento da doença, mantém-se a cadeia epidemiológica de transmissão e amplia-se a prevalência oculta. Todo esse contexto coloca sobre essas áreas um véu que acaba mascarando a realidade.

A terceira explicita a importância de definir áreas prioritárias para intervenção segundo diferentes aspectos epidemiológicos, principalmente num estado tão desigual, reforçando o desafio que é estudar a hanseníase e colocando em pauta a necessidade de particularizar cada região.

Para além, foi possível mostrar que refletir o processo de eliminação da doença é mais do que pensar a situação econômica dos indivíduos e famílias, mas ponderar sobre a necessidade de um desenvolvimento mais amplo, que consiga alcançar, ao mesmo tempo, os determinantes distais e os proximais do adoecimento e do diagnóstico.

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  • Fonte de financiamento: nenhuma

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2018
  • Revisado
    18 Dez 2018
  • Aceito
    09 Jan 2019
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