Fatores individuais e contextuais associados à sobrevida de pacientes com síndrome respiratória aguda grave por COVID-19 no Brasil

Carlos Martins Neto Fábio Nogueira da Silva José de Jesus Dias Júnior Maria dos Remédios Freitas Carvalho Branco Alcione Miranda dos Santos Bruno Luciano Carneiro Alves de Oliveira Sobre os autores

RESUMO

Objetivo:

Analisar a influência dos fatores individuais e contextuais do hospital e do município de assistência sobre a sobrevida de pacientes com Síndrome Respiratória Aguda Grave por COVID-19.

Métodos:

Estudo de coorte hospitalar com dados de 159.948 adultos e idosos com Síndrome Respiratória Aguda Grave por COVID-19 internados de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2022 e notificados no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Influenza. As variáveis contextuais foram relacionadas à estrutura, aos profissionais e equipamentos dos estabelecimentos hospitalares e indicadores socioeconômicos e de saúde dos municípios. O desfecho foi a sobrevida hospitalar em até 90 dias. Árvore de sobrevida e curvas de Kaplan-Meier foram utilizados para analisar a sobrevida.

Resultados:

A letalidade hospitalar foi de 30,4%. Idosos submetidos à ventilação mecânica invasiva e internados em cidades com baixo percentual de arrecadação de impostos apresentaram menor sobrevida quando comparados aos demais grupos identificados na árvore de sobrevida (p<0,001).

Conclusão:

O estudo indicou a interação de fatores contextuais com os individuais, e evidencia que características hospitalares e dos municípios aumentam o risco de óbito, destacando a atenção à organização, ao funcionamento e desempenho da rede hospitalar.

Palavras-chave:
COVID-19; Sobrevida; Assistência hospitalar; Contexto social

INTRODUÇÃO

A Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) pode ser causada por vários agentes infecciosos, incluindo o vírus SARS-CoV-2. É uma condição grave que se caracteriza por dispneia, frequência respiratória acima de 30 rpm e saturação de oxigênio abaixo de 93%, necessitando de internação hospitalar11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica: emergência de saúde pública de importância nacional pela doença pelo coronavírus 2019 – covid-19. Brasília: Ministério da Saúde; 2022..

Fatores individuais como idade avançada, sexo masculino, presença de comorbidades e necessidade de ventilação mecânica invasiva estão associados ao óbito22. Gupta S, Hayek SS, Wang W, Chan L, Mathews KS, Melamed ML, et al. Factors associated with death in critically ill patients with coronavirus disease 2019 in the US. JAMA Intern Med 2020; 180(11): 1436-47. https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2020.3596
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3. Ñamendys-Silva SA, Gutiérrez-Villaseñor A, Romero-González JP. Hospital mortality in mechanically ventilated COVID-19 patients in Mexico. Intensive Care Med 2020; 46(11): 2086-8. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06256-3
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-44. Ferreira JC, Ho Y-L, Besen BAMP, Malbouisson LMS, Taniguchi LU, Mendes PV, et al. Protective ventilation and outcomes of critically ill patients with COVID-19: a cohort study. Ann Intensive Care 2021; 11(1): 92. https://doi.org/10.1186/s13613-021-00882-w
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. Além disso, fatores contextuais relacionados ao serviço de saúde ou à cidade onde o indivíduo foi internado também podem influenciar. No entanto, poucos estudos exploraram essa associação33. Ñamendys-Silva SA, Gutiérrez-Villaseñor A, Romero-González JP. Hospital mortality in mechanically ventilated COVID-19 patients in Mexico. Intensive Care Med 2020; 46(11): 2086-8. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06256-3
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,55. Meng Y. COVID-19 death rates and county subdivision level contextual characteristics: a connecticut case study. Cybergeo: European Journal of Geography 2021. https://doi.org/10.4000/cybergeo.36057
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6. Demenech LM, Dumith SC, Vieira MECD, Neiva-Silva L. Desigualdade econômica e risco de infecção e morte por COVID-19 no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2020; 23: e200095. https://doi.org/10.1590/1980-549720200095.
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-77. Santana JM, Lana CNA, Souza GB, Souza LMS. Determinantes sociais da saúde e óbitos por COVID-19 nos estados da região Nordeste do Brasil. RBRASF 2020; 11(1): 18-29. https://doi.org/10.25194/rebrasf.v8i2.1305
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.

Os fatores contextuais envolvem as condições e o ambiente de acesso aos cuidados de saúde, a estrutura do sistema, aspectos financeiros e características da comunidade; dessa forma, a sua avaliação se dá de forma agregada e não individuada88. Andersen RM, Davidson PL. Improving access to care in America: individual and contextual indicators. In: Andersen RM, Rice TH, Kominski GF, eds. Changing the U.S. health care system: key issues in health services, policy, and management. San Francisco: Jossey-Bass, 2001. p. 3-30.. No nível hospitalar, a disponibilidade de recursos financeiros, humanos e equipamentos podem afetar o acesso aos serviços de saúde99. Travassos C, Castro MSM. Determinantes e desigualdades sociais no acesso e na utilização de serviços de saúde. In: Giovanella L, Escorel S, Lobato LVC, Noronha JC, Carvalho AI, eds. Políticas e sistema de saúde no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2012. p. 183-208.. No nível municipal, indicadores socioeconômicos, de saúde, educação, crescimento econômico, desigualdade social, investimento e arrecadação de impostos podem ser considerados88. Andersen RM, Davidson PL. Improving access to care in America: individual and contextual indicators. In: Andersen RM, Rice TH, Kominski GF, eds. Changing the U.S. health care system: key issues in health services, policy, and management. San Francisco: Jossey-Bass, 2001. p. 3-30..

Estudos que analisaram a relação de fatores contextuais com a mortalidade por COVID-19 mostraram que no México, em 2020, o atendimento em serviço público comparado ao privado esteve associado a maior mortalidade33. Ñamendys-Silva SA, Gutiérrez-Villaseñor A, Romero-González JP. Hospital mortality in mechanically ventilated COVID-19 patients in Mexico. Intensive Care Med 2020; 46(11): 2086-8. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06256-3
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, enquanto nos Estados Unidos, em 2021, a associação ocorreu com a renda mediana municipal mais elevada55. Meng Y. COVID-19 death rates and county subdivision level contextual characteristics: a connecticut case study. Cybergeo: European Journal of Geography 2021. https://doi.org/10.4000/cybergeo.36057
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. No Brasil, em 2020, a maior desigualdade de renda, medida pelo coeficiente de Gini, e a menor quantidade de leitos nos municípios estiveram associadas a maior mortalidade66. Demenech LM, Dumith SC, Vieira MECD, Neiva-Silva L. Desigualdade econômica e risco de infecção e morte por COVID-19 no Brasil. Rev Bras Epidemiol 2020; 23: e200095. https://doi.org/10.1590/1980-549720200095.
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,77. Santana JM, Lana CNA, Souza GB, Souza LMS. Determinantes sociais da saúde e óbitos por COVID-19 nos estados da região Nordeste do Brasil. RBRASF 2020; 11(1): 18-29. https://doi.org/10.25194/rebrasf.v8i2.1305
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. No entanto, além da pequena quantidade de estudos, os desenvolvidos anteriormente não analisaram a sobrevida desses casos, mas somente a relação dessas variáveis com o óbito77. Santana JM, Lana CNA, Souza GB, Souza LMS. Determinantes sociais da saúde e óbitos por COVID-19 nos estados da região Nordeste do Brasil. RBRASF 2020; 11(1): 18-29. https://doi.org/10.25194/rebrasf.v8i2.1305
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.

A vantagem de analisar a sobrevida, em vez de apenas o óbito, é a capacidade de analisar o tempo entre exposição e evento e lidar com dados censurados. A árvore de sobrevivência, em particular, permite lidar com esses dados usando uma estrutura em forma de árvore, com regras de decisão precisas, parcimoniosas, robustas estatisticamente e fáceis de interpretar visualmente1010. Wang P, Li Y, Reddy CK. Machine learning for survival analysis: a survey. ACM Comput Surv 2019; 51: 1-36. https://doi.org/10.48550/arXiv.1708.04649
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,1111. Linden A, Yarnold PR. Modeling time-to-event (survival) data using classification tree analysis. J Eval Clin Pract 2017; 23(6): 1299-308. https://doi.org/10.1111/jep.12779
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. Assim, a utilização da análise de sobrevivência, especialmente de modelos estruturados em árvores, pode fornecer resultados que permitem uma melhor análise dos fatores que contribuem para o aumento do risco de óbito entre os pacientes com SRAG por COVID-19.

Tendo em vista que os estudos anteriores focaram apenas nos fatores de risco de óbito do indivíduo e poucos analisaram como os fatores contextuais estão envolvidos na dinâmica do COVID-19, e em especial à sobrevida dos indivíduos infectados, este estudo tem como objetivo analisar a associação de fatores individuais e contextuais do hospital e município de assistência com a sobrevida de pacientes internados com SRAG por COVID-19.

MÉTODOS

Realizou-se um estudo de coorte com casos notificados de SRAG devido à COVID-19, utilizando o Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Influenza (SIVEP-Gripe). O SIVEP-Gripe é um sistema de informação criado pelo Ministério da Saúde para o registro dos casos e óbitos de SRAG e por COVID-19 no Brasil. As notificações de COVID-19 são compulsórias e recebem informações de hospitais públicos e privados. Os dados foram retirados do site OpenDataSUS (https://opendatasus.saude.gov.br/), considerando a base atualizada no dia 30 de março de 2023.

Este estudo incluiu os casos notificados no SIVEP-Gripe internados no período de 01 de janeiro de 2022 a 31 de dezembro de 2022. Optou-se apenas pelos casos notificados em 2022, pois a vacinação em todo o país já havia iniciado, fato que evitou a saturação do sistema de saúde nesse ano, tornando possível captar a influência das variáveis contextuais na sobrevida de pacientes com COVID-19 em situações de maior controle da epidemia.

As informações do estabelecimento no qual os casos foram internados foram obtidas no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), por meio do pacote Microdatasus1212. Saldanha RF, Bastos RR, Barcellos C. Microdatasus: pacote para download e pré-processamento de microdados do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Cad Saúde Pública 2019; 35(9): e00032419. https://doi.org/10.1590/0102-311x00032419
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do software R. Após a obtenção dos dados do CNES, foi realizado linkage com os dados do SIVEP-Gripe com o mesmo software. Para isto, foram usados os seguintes campos: identificação do estabelecimento (CNES e SIVEP-Gripe), competência (mês e ano de atualização do estabelecimento, contida apenas no CNES) e mês e ano de internação do indivíduo (SIVEP-Gripe). Após o processo de linkage, para cada caso notificado no SIVEP-Gripe foram incluídas informações do estabelecimento que o mesmo foi internado.

Também foram obtidas variáveis dos municípios, tais como indicadores que compõem o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades — Brasil de 2020, que auxilia as cidades a acompanhar o desempenho de acordo com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas1313. Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades. Brasil 2023. [acessado em 28 abr. 2022]. Disponível em: https://www.cidadessustentaveis.org.br/paginas/idsc-br
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, e o Índice de Desigualdades Sociais para COVID-19 2022 (IDS-COVID-19)1414. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Índice de desigualdades sociais para covid-19. [cited on Apr 28, 2022]. Available at: https://cidacs.bahia.fiocruz.br/idscovid19/ids-covid-19/
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. O linkage desses dados foi realizado pelo código do município. Os indicadores selecionados foram aqueles que poderiam ter alguma relação com condições de saúde e desigualdade dos municípios, em especial com a dinâmica da COVID-19 nessas regiões.

Foram incluídos no estudo apenas casos com idade maior ou igual a 20 anos (adultos e idosos), que apresentaram classificação final de SRAG por COVID-19 e internados em estabelecimento hospitalar. Foram excluídos puérperas, gestantes e aqueles que apresentaram ausência de informação ou erro de digitação na data de internação hospitalar, data da alta, informação sobre a evolução do caso (óbito ou alta), além de estabelecimentos com menos de cinco leitos cadastrados e que não tinham nenhuma informação sobre o estabelecimento de internação após o linkage.

Variáveis em estudo

As variáveis individuais representam características dos casos internados com SRAG por COVID-19 dividindo-se em: sociodemográficas — sexo (masculino, feminino), idade (20 a 39, 40 a 59, 60 a 79, ≥80 anos), raça/cor (Branca, Preta, Amarela, Parda, Indígena); clínicas - Internação em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) (Sim, Não), Ventilação Mecânica (Invasiva, Não Invasiva, Nenhuma), Multimorbidade (Sim, Não), Esquema vacinal contra a COVID-19 (Não Imunizado - não vacinado ou com esquema de vacinação incompleto, duas doses, dose de reforço).

A variável multimorbidade refere-se à quantidade de comorbidades notificadas pelo paciente no momento da internação, a qual incluiu os seguintes fatores de risco: Doença Cardiovascular Crônica, Doença Hematológica Crônica, Doença Hepática Crônica, Asma, Diabetes Mellitus, Doença Neurológica Crônica, Pneumopatia Crônica, Imunodepressão, Doença Renal Crônica e Obesidade.

As variáveis contextuais em nível hospitalar obtidas no CNES compreendem: gestão e estrutura do hospital - Atividade de Ensino (Sim, Não), Tipo de Gestão (Mista, Estadual, Municipal), Vínculo com o SUS (Sim, Não), Porte do Hospital (Pequeno – 5 a 49 leitos, Médio – 50 a 149 leitos, Grande – 150 ou mais leitos) e os indicadores hospitalares: Razão Médicos/leito, Enfermeiros/leito, Fisioterapeutas/leito, Técnicos de Enfermagem/leito, Bomba de Infusão/leito, Monitor de Eletrocardiograma/leito, Ventilador Mecânico/leito e Desfibrilador/leito. Os indicadores foram calculados conforme o estudo de Botega et al.1515. Botega LA, Andrade MV, Guedes GR. Profile of general hospitals in the Unified Health System. Rev Saúde Pública 2020; 54: 81. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2020054001982
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.

As variáveis contextuais em nível municipal utilizadas foram: Famílias inscritas no Cadastro Único para programas sociais (%), Esperança de vida ao nascer (anos), Orçamento municipal para a saúde (em reais, per capita), População atendida por equipes de saúde da família (%), PIB per capita (R$ per capita), Coeficiente de Gini, Acesso a equipamentos da atenção básica à saúde (%), Investimento público (R$ per capita), Total de receitas arrecadadas (%), IDS-COVID-19. Maiores detalhes dos indicadores analisadas podem ser visualizados no Quadro 1.

Quadro 1.
Indicadores hospitalares e municipais analisados e método de cálculo.

O desfecho primário de interesse foi o tempo de sobrevivência (em dias) até a ocorrência do óbito hospitalar por COVID-19. O tempo de sobrevivência dos casos que evoluíram a óbito foi considerado como o tempo desde a sua admissão no hospital até a data do óbito. Já o tempo de sobrevivência daqueles que não evoluíram a óbito foi determinado a partir da data da hospitalização até a alta hospitalar. O tempo de sobrevida foi observado até 90 dias após a internação; casos com tempo de sobrevivência superior a 90 dias ou alta antes dos 90 dias foram considerados censurados. A censura foi definida em 90 dias, pois após esse período os casos apresentaram probabilidade de sobrevivência semelhante.

Análise de dados

Os dados foram analisados através do software R 4.2.3 (http://www.r-project.org/). Para as variáveis raça/cor (16,5%), Internação em UTI (8,1%), Ventilação Mecânica (12,1%), Profissionais de Saúde (9,5%), Equipamentos (4,8%) e Total de Receitas Arrecadadas (2,7%) que apresentaram valores ausentes, optou-se pela imputação única com o método Fully Conditional Specification (FCS) implementado no pacote MICE do R1616. van Buuren S, Groothuis-Oudshoorn K. mice : Multivariate Imputation by Chained Equations in R. J Stat Softw 2011; 45(3): 1-67. https://doi.org/10.18637/jss.v045.i03
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. Após o procedimento de imputação, foi realizada análise descritiva (proporção, média, desvio-padrão, mediana, intervalo interquartil, valor mínimo e máximo) das variáveis em estudo.

Análise de sobrevivência foi realizada para avaliar os fatores associados com a mortalidade por COVID-19 nos 90 dias de internação hospitalar. Para isto, foram construídas árvores de sobrevivência, técnica não paramétrica que incorpora modelos de regressão estruturados em árvores e que analisa o tempo de sobrevivência1717. Bou-Hamad I, Larocque D, Ben-Ameur H. A review of survival trees. Statist Surv 2011; 5: 44-71. https://doi.org/10.1214/09-SS047
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. Essa técnica possui flexibilidade, pois não necessita de especificação da distribuição das variáveis e detecta automaticamente como a interação de duas variáveis explicativas ou mais influenciam o desfecho de interesse1717. Bou-Hamad I, Larocque D, Ben-Ameur H. A review of survival trees. Statist Surv 2011; 5: 44-71. https://doi.org/10.1214/09-SS047
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. A interação é o efeito de uma variável explicativa sobre outras variáveis explicativas e representadas pelas subdivisões dos nós da árvore. Além disso, em contraste com os modelos de regressão lineares, não é necessário fazer quaisquer pressupostos sobre a independência das variáveis explicativas (colinearidade). Se duas variáveis explicativas são correlacionadas, a árvore de decisão escolhe a variável que fornece melhor divisão para determinado nó, neste caso, baseado em uma medida de desvio de nó entre um modelo saturado de log-verossimilhança e um log-verossimilhança maximizado1818. LeBlanc M, Crowley J. Relative risk trees for censored survival data. Biometrics 1992; 48(2): 411-25. PMID: 1637970.. Os nós terminais, grupos de risco identificados pela árvore, apresentam as curvas de sobrevida estimadas utilizando o método de Kaplan-Meier. As árvores foram implementadas via pacotes Survival, LTRCtrees e Party.kit1919. Hothorn T, Zeileis A. partykit: A Modular Toolkit for Recursive Partytioning in R. J Mach Learn Res 2015; 16(118): 3905-9.

20. Fu W, Simonoff J, Jing W. LTRCtrees: survival trees to fit left-truncated and right-censored and interval-censored survival data. R package version 1.1.1; 2021. [cited on Jun 19, 2023]. Available at: https://CRAN.R-project.org/package=LTRCtrees
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-2121. Therneau TM. A package for survival analysis in R. R package version 3.5-5; 2023. [cited on Jun 19, 2023]. Available at: https://CRAN.R-project.org/package=survival
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Primeiramente, foi gerada uma árvore contendo apenas variáveis individuais (sexo, idade, raça/cor, internação em UTI, ventilação mecânica e multimorbidades) para estimação do risco proporcional de cada paciente. Em seguida, três grupos foram criados segundo os tercis do risco proporcional estimado pela árvore: baixo, moderado e alto.

Após elaboração da árvore com as variáveis individuais, foi gerada uma nova árvore considerando o risco identificado a partir das variáveis individuais e as variáveis dos estabelecimentos e municípios com objetivo de identificar a influência da estrutura hospitalar e municipal no tempo de sobrevida dos indivíduos.

A comparação da curva de sobrevida dos casos de cada nó terminal foi realizada pelo método de Kaplan-Meier com teste de logrank para verificar diferenças entre os grupos com nível de significância de 5%.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), CAAE no 32206620.0.0000.5086, em 19 de junho de 2020, conforme as resoluções no 466/12 e no 510/16 do Conselho Nacional de Saúde2222. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução no 510, de 7 de abril de 2016. O Plenário do Conselho Nacional de Saúde em sua Quinquagésima Nona Reunião Extraordinária, realizada nos dias 06 e 07 de abril de 2016, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei n o 8.080, de 19 de setembro de 1990, pela Lei n o 8.142, de 28 de dezembro de 1990, pelo Decreto n o 5.839, de 11 de julho de 2006, e. Brasília: Diário Oficial República Federativa do Brasil de 24 maio de 2016 [cited on Jun 17, 2023]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2016/res0510_07_04_2016.html
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,2323. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012. diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos. Brasília: Diário Oficial República Federativa do Brasil de 12 de dezembro de 2012 [cited on Jun 17, 2023]. Available at: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
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RESULTADOS

Dos 200.626 casos notificados por SRAG que atenderam aos critérios de inclusão, 40.678 (20,3%) foram excluídos compondo uma amostra final de 159.948 casos (Figura 1). Desses, 30,4% (n = 48.688) evoluíram para óbito. Foi encontrado, ainda, um tempo mediano de internação hospitalar de 6 dias entre os censurados e 8 dias entre os que foram a óbito (Tabela 1).

Figura 1
Fluxograma da amostra selecionada para a pesquisa, Brasil, 2022.
Tabela 1
Características sociodemográficas de adultos e idosos hospitalizados com SRAG por COVID-19 no Brasil em 2022.

Observou-se letalidade em 90 dias superior entre homens (32,1%), com 80 anos ou mais (39%), da cor/raça preta (35,6%), da região Nordeste (35,6%), com multimorbidades (36,4%), que internaram em UTI (50,1%) e fizeram uso de ventilação mecânica invasiva (77,9%) (Tabela 1).

O óbito foi mais prevalente entre os casos internados em hospitais de pequeno porte (31,2%), com vínculo com o SUS (32,7%), sem atividade de ensino (34,2%) e municípios com IDS COVID de 2 a 5 (33,2%). A razão média de desfibrilador/leitos nos hospitais e coeficiente de Gini nos municípios das pessoas que vieram a óbito foi de 0,09 (±0,0) e 0,54 (±0,06), respectivamente, enquanto a proporção média de arrecadação foi de 24,83% (±12,44%) (Tabela 2).

Tabela 2
Características dos hospitais e municípios em que os pacientes foram hospitalizados com SRAG por COVID-19 no Brasil em 2022.

A primeira árvore de sobrevida criada a partir das variáveis individuais gerou nove nós terminais e utilizou a ventilação mecânica, internação em UTI e idade como variáveis decisórias (Figura 2). A estratificação dos grupos em uma variável categórica denominada risco individual ocorreu da seguinte forma: no primeiro tercil (risco baixo), estão contidos os casos pertencentes aos nós 5, 6, 8 e 11 e casos que não foram submetidos à ventilação mecânica ou adultos que receberam ventilação não-invasiva; o segundo tercil (risco moderado) inclui os casos pertencentes aos nós 9 e 12, os quais são idosos submetidos à ventilação mecânica não invasiva; por fim, compuseram o terceiro tercil (alto risco) os casos submetidos à ventilação invasiva: nós 15, 16 e 17. Quanto maior o risco, menor a sobrevida desses pacientes.

Figura 2
Árvore de sobrevida com fatores individuais para eventos de óbitos em adultos e idosos hospitalizados por COVID-19, Brasil, 2022.

A árvore de sobrevivência gerada com o risco identificado a partir das características individuais, características hospitalares e municipais incluiu as seguintes variáveis: vínculo com SUS, razão de desfibrilador/leitos, coeficiente de Gini, receitas arrecadas, IDS COVID e o risco individual (Figura 3). O nó raiz (nó que executa a primeira divisão) da árvore apresentou o risco individual como variável decisória, e 8 (oito) nós terminais foram identificados.

Figura 3
Árvore de sobrevida com fatores contextuais para eventos de óbitos em adultos e idosos hospitalizados por COVID-19, Brasil, 2022.

Os casos classificados como risco individual leve e internados em hospitais não vinculados ao SUS (nó 3) apresentaram menor risco de óbito e tempo mediano de sobrevida de 90 dias. Já os casos com risco individual alto que residiam em cidades com receitas arrecadadas menor que 19,5% (nó 17) apresentaram maior risco de óbito e tempo mediano de sobrevida de 10 dias. A curva de sobrevida hospitalar em 90 dias mostrou diferença estatística entre os casos dos nós terminais gerados pela árvore (p<0,001) (Figura 4).

Figura 4
Curva de sobrevida de Kaplan-Meier dos nós terminais identificados pela árvore de sobrevida, Brasil, 2022.

DISCUSSÃO

Os resultados indicaram que fatores individuais e relacionados à estrutura hospitalar e dos municípios de assistência influenciaram a sobrevida dos pacientes internados com SRAG por COVID-19. Sua interação definiu desiguais riscos de óbito, sendo maior esse risco entre aqueles que necessitaram de ventilação mecânica e idosos, internados em hospital vinculado ao SUS, com menor disponibilidade de desfibriladores, residentes em municípios com menores coeficientes de Gini e percentual de receitas arrecadas e maior IDS-COVID.

Com base nas variáveis individuais, o uso de ventilação mecânica invasiva e a idade avançada foram identificados como fatores que reduzem a sobrevida no grupo em estudo, conforme documentado na literatura22. Gupta S, Hayek SS, Wang W, Chan L, Mathews KS, Melamed ML, et al. Factors associated with death in critically ill patients with coronavirus disease 2019 in the US. JAMA Intern Med 2020; 180(11): 1436-47. https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2020.3596
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3. Ñamendys-Silva SA, Gutiérrez-Villaseñor A, Romero-González JP. Hospital mortality in mechanically ventilated COVID-19 patients in Mexico. Intensive Care Med 2020; 46(11): 2086-8. https://doi.org/10.1007/s00134-020-06256-3
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-44. Ferreira JC, Ho Y-L, Besen BAMP, Malbouisson LMS, Taniguchi LU, Mendes PV, et al. Protective ventilation and outcomes of critically ill patients with COVID-19: a cohort study. Ann Intensive Care 2021; 11(1): 92. https://doi.org/10.1186/s13613-021-00882-w
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.

Aqueles internados em hospitais do SUS apresentaram menor sobrevida, possivelmente devido a menor disponibilidade de equipamentos. Antes da pandemia, 72% das regiões já tinham menos de 10 leitos de UTI por 100 mil habitantes, o que representa pouca disponibilidade de leitos para 61% da população brasileira sem cobertura de planos de saúde privados2424. Rache B, Rocha R, Nunes L, Spinola P, Malik AM, Massuda A. Necessidades de infraestrutura do SUS em preparo ao COVID-19: leitos de UTI, respiradores e ocupação hospitalar. Instituto de Estudos para Políticas de Saúde 2020; 1-5. [cited on Apr 29, 2023]. Available at: https://observatoriohospitalar.fiocruz.br/sites/default/files/biblioteca/ESTUDO%20ANA%20MALIK%20NT3-vFinal.pdf_0.pdf
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. Apesar do SUS receber o maior número de pessoas com condições que necessitam de internação hospitalar, o sistema detém apenas 48% dos leitos de UTI no Brasil2525. Noronha KVMS, Guedes GR, Turra CM, Andrade MV, Botega L, Nogueira D, et al. Pandemia por COVID-19 no Brasil: análise da demanda e da oferta de leitos hospitalares e equipamentos de ventilação assistida segundo diferentes cenários. Cad Saúde Pública 2020; 36(6): e00115320. https://doi.org/10.1590/0102-311X00115320
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Embora em 2020 apenas 0,2% dos locais não tenham desfibriladores, a maioria das regiões tem até 5 equipamentos por 10 mil habitantes2626. Portela MC, Pereira CCA, Andrade CLT, Lima SML, Braga Neto FC, Soares FRG, et al. As regiões de saúde e a capacidade instalada de leitos de UTI e alguns equipamentos para o enfrentamento dos casos graves de Covid-19. Rio de Janeiro: Fiocruz/ENSP, 2020., o que pode comprometer o cuidado aos pacientes. Além disso, aqueles internados em hospitais com razão de desfibriladores menor que 0,123 estão na região Norte do país, que historicamente tem menor disponibilidade de equipamentos2424. Rache B, Rocha R, Nunes L, Spinola P, Malik AM, Massuda A. Necessidades de infraestrutura do SUS em preparo ao COVID-19: leitos de UTI, respiradores e ocupação hospitalar. Instituto de Estudos para Políticas de Saúde 2020; 1-5. [cited on Apr 29, 2023]. Available at: https://observatoriohospitalar.fiocruz.br/sites/default/files/biblioteca/ESTUDO%20ANA%20MALIK%20NT3-vFinal.pdf_0.pdf
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Os usuários do SUS possuem piores condições socioeconômicas, o que dificulta o acesso aos serviços de saúde e piora sua avaliação do estado de saúde2727. Ribeiro MCSA, Barata RB, Almeida MF, Silva ZP. Perfil sociodemográfico e padrão de utilização de serviços de saúde para usuários e não-usuários do SUS-PNAD 2003. Ciên Saúde Coletiva 2006; 11(4): 1011-22. https://doi.org/10.1590/S1413-81232006000400022
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. Ademais, pessoas sem plano de saúde privado possuem maior prevalência de doenças crônicas não transmissíveis, o que pode aumentar o risco de desenvolver a forma grave da COVID-192828. Malta DC, Bernal RTI, Lima MG, Silva AG, Szwarcwald CL, Barros MBA. Socioeconomic inequalities related to noncommunicable diseases and their limitations: National Health Survey, 2019. Rev Bras Epidemiol 2021; 24(suppl 2): e210011. https://doi.org/10.1590/1980-549720210011.supl.2
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Casos internados em municípios com Gini inferior a 0,575 apresentaram menor sobrevida. Esse coeficiente faz parte do ODS 10 (Redução das Desigualdades) e mede a concentração de renda em cada município2929. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Redução da desigualdades. [cited on Apr 28, 2023]. Available at: https://www.ipea.gov.br/ods/ods10.html
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. Embora estudo anterior tenha mostrado que a desigualdade de renda está relacionada a um maior risco de óbito por COVID-193030. Elgar FJ, Stefaniak A, Wohl MJA. The trouble with trust: time-series analysis of social capital, income inequality, and COVID-19 deaths in 84 countries. Soc Sci Med 2020; 263: 113365. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2020.113365
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, nossos resultados podem indicar que apesar desses pacientes viverem em locais com menor concentração de renda, foram internados em hospitais com menos profissionais de saúde e equipamentos, e em municípios com grande percentual de pessoas com baixa renda. Portanto, mesmo com menor desigualdade de renda, a falta de recursos hospitalares e sociais pode reduzir sua sobrevida. Essas desigualdades resultam em grupos de pessoas com menor acesso a testes diagnósticos e maior risco de infecção, hospitalização e morte3131. Ahmed F, Ahmed N, Pissarides C, Stiglitz J. Why inequality could spread COVID-19. Lancet Public Health 2020; 5(5): e240. https://doi.org/10.1016/S2468-2667(20)30085-2
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O mesmo ocorreu com aqueles em municípios que não cumpriram a meta e estão abaixo do limiar verde de 19,7% do total de receitas arrecadadas. Esse indicador faz parte do ODS 17 (Parcerias e Meios de Implementação) e indica a capacidade de arrecadação de impostos do município, ou seja, quanto ele depende de recursos do Estado ou da União3232. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Parcerias e meios de implementação. [cited on Apr 28, 2023]. Available at: https://www.ipea.gov.br/ods/ods17.html
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. As receitas arrecadadas pelos municípios afetam diretamente a saúde das pessoas. Um estudo que descreve a evolução do financiamento municipal do Sistema Único de Saúde, de 2004 a 2019, mostra crescimento de despesas não-próprias em saúde após a crise de 2015, indicando uma maior dependência fiscal para o custeio da saúde. Isso significa que os municípios, especialmente os de menor porte, tornaram-se mais dependentes dos repasses estaduais para a saúde3333. Cruz WGN, Barros RD, Souza LEPF. Financiamento da saúde e dependência fiscal dos municípios brasileiros entre 2004 e 2019. Ciên Saúde Coletiva 2022; 27(6): 2459-69. https://doi.org/10.1590/1413-81232022276.15062021
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. Essa situação se torna mais desafiadora devido à insuficiência de recursos para cobrir as despesas com a saúde3333. Cruz WGN, Barros RD, Souza LEPF. Financiamento da saúde e dependência fiscal dos municípios brasileiros entre 2004 e 2019. Ciên Saúde Coletiva 2022; 27(6): 2459-69. https://doi.org/10.1590/1413-81232022276.15062021
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A pandemia de COVID-19 agravou as dificuldades com os gastos relacionados à saúde. Estudo anterior mostrou que a maioria dos estados da região Sudeste do Brasil não estava preparada para uma queda na arrecadação, pois já estavam no limite da saúde fiscal. De fato, em abril de 2020, período de pico da pandemia, houve impacto na arrecadação entre os estados analisados3434. Borges MGB. Impactos da covid-19 nas receitas tributárias e na condição financeira dos estados do sudeste do Brasil. In: XX USP International Conference in Accounting; 2020 jul 29-31: São Paulo, Brasil. São Paulo: USP; 2020. Available at: https://congressousp.fipecafi.org/anais/20UspInternational/ArtigosDownload/3010.pdf
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. Isso resultou em uma maior necessidade de repasse de recursos da União para os estados e municípios. No entanto, até o final de junho de 2020, apenas 39,5% e 33,9% dos recursos previstos foram transferidos para os estados e municípios, respectivamente. Os recursos só foram transferidos em maior volume a partir de julho, quando já havia 100 mil óbitos decorrentes da COVID-193535. Servo LMS, Santos MAB, Vieira FS, Benevides RPS. Financiamento do SUS e Covid-19: histórico, participações federativas e respostas à pandemia. Saúde Debate 2020; 44: 114-29. https://doi.org/10.1590/0103-11042020E407
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. Portanto, houve um descompasso entre as necessidades locais e o repasse da União, e o atraso na transferência de recursos evidencia o despreparo da União em um momento de crise no sistema de saúde.

O IDS-COVID é outro indicador que destaca as desigualdades sociais em saúde relacionadas à COVID-191414. Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Índice de desigualdades sociais para covid-19. [cited on Apr 28, 2022]. Available at: https://cidacs.bahia.fiocruz.br/idscovid19/ids-covid-19/
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e se apresentou como preditor de risco de óbito pela doença. Casos de municípios que apresentam IDS-COVID superior ou igual a 2, ou seja, maior desigualdade, possuem uma sobrevida menor. Dessa forma, esses resultados apontam para um ponto de corte que possibilita maior atenção com os municípios com essa característica.

As limitações deste estudo estão relacionadas ao uso de um banco de dados secundários, que, portanto, pode conter erros de digitação e incompletude de algumas informações. Além disso, por se tratar de pacientes internados, esses resultados não podem ser extrapolados para todos os casos com COVID-19, mas somente aqueles que possuem a forma grave da doença. Contudo, para essa análise foram utilizados critérios de exclusão de dados inconsistentes e imputação de dados faltantes. Por se tratar do maior banco de dados nacional com informações sobre a COVID-19, é possível inferir sobre o curso da doença na população brasileira.

Outra limitação se deve aos dados obtidos a partir do CNES, no qual 5% dos casos estavam internados em hospitais com menos de cinco leitos ou sem correspondência com os dados do SIVEP-Gripe, o que fez necessário sua exclusão do estudo. As demais variáveis com dados faltantes passaram pelo processo de imputação. Apesar dessas limitações, esse é um dos primeiros estudos que utiliza os dados referentes aos estabelecimentos de saúde, bem como indicadores sociais na intenção de verificar a sobrevida nesse grupo.

Este estudo destaca a construção de modelos a partir de árvores de sobrevida que permitem incorporar estruturas hierárquicas. O algoritmo utilizado na construção da árvore identifica automaticamente essas estruturas, sem a necessidade de especificação dos níveis hierárquicos de cada variável incluída no modelo. Além disso, permite uma visualização clara das relações entre as variáveis e a hierarquia das variáveis que compuseram o modelo final.

Por fim, este estudo indicou a interação de fatores individuais e contextuais, e evidenciou que características hospitalares e dos municípios aumentam o risco de óbito, mesmo em um contexto de vacinação plena que possibilitou um menor número de casos internados. Esses resultados, interpretados à luz dos indicadores hospitalares e municipais, demonstram que o financiamento do SUS e, portanto, a disponibilidade de equipamentos e profissionais continuam sendo um grande desafio. Esse desafio se torna ainda maior em municípios com um percentual menor de receitas arrecadadas e desigualdades históricas. Dessa forma, esses fatores combinados podem contribuir para uma maior vulnerabilidade desses pacientes. Assim, deve haver mais atenção à organização, ao funcionamento e desempenho da rede hospitalar de pequeno porte que recebe menos equipamentos, e, ainda, aos municípios com maior desigualdade em indicadores relacionados à COVID-19 e com menos recursos próprios para o atendimento das demandas sociais e de saúde.

AGRADECIMENTOS:

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA) pelo programa de apoio à publicação de artigos e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) [Código de financiamento Nº: 001].

  • Fonte de financiamento: Chamada Pública do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e seu Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, com base no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, e do Ministério da Saúde e sua Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde, via Departamento de Ciência e Tecnologia (MCTIC/CNPq/FNDCT/MS/SCTIE/Decit no 07/2020), denominada Pesquisas para enfrentamento da COVID-19, suas consequências e outras síndromes respiratórias agudas graves (Termo de Outorga 401734/2020-0); ao Edital da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema no 06/2020), denominada Fomento à pesquisa no enfrentamento à pandemia e pós-pandemia do COVID-19 (Termo de Outorga 003299/2020); à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Maranhão (Processo BEPP-01717/21).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2023
  • Revisado
    22 Jan 2024
  • Aceito
    30 Jan 2024
Associação Brasileira de Pós -Graduação em Saúde Coletiva São Paulo - SP - Brazil
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