Desigualdades raciais na vacinação infantil e nos obstáculos à vacinação no Brasil entre nascidos vivos em 2017 e 2018: análise de uma coorte retrospectiva dos dois primeiros anos de vida

Antonio Fernando Boing Alexandra Crispim Boing Ana Paula França José Cássio de Moraes Grupo ICV 2020Sobre os autores Adriana Ilha da Silva Alberto Novaes Ramos Jr. Ana Paula França Andrea de Nazaré Marvão Oliveira Antonio Fernando Boing Carla Magda Allan Santos Domingues Consuelo Silva de Oliveira Ethel Leonor Noia Maciel Ione Aquemi Guibu Isabelle Ribeiro Barbosa Mirabal Jaqueline Caracas Barbosa Jaqueline Costa Lima José Cássio de Moraes Karin Regina Luhm Karlla Antonieta Amorim Caetano Luisa Helena de Oliveira Lima Maria Bernadete de Cerqueira Antunes Maria da Gloria Teixeira Maria Denise de Castro Teixeira Maria Fernanda de Sousa Oliveira Borges Rejane Christine de Sousa Queiroz Ricardo Queiroz Gurgel Rita Barradas Barata Roberta Nogueira Calandrini de Azevedo Sandra Maria do Valle Leone de Oliveira Sheila Araújo Teles Silvana Granado Nogueira da Gama Sotero Serrate Mengue Taynãna César Simões Valdir Nascimento Wildo Navegantes de Araújo Sobre os autores

RESUMO

Objetivo

Descrever a completude vacinal em tempo oportuno nos primeiros 24 meses de vida no Brasil e os obstáculos para vacinação, testando-se associações com raça/cor da pele materna.

Métodos

Fez-se coleta de informações sobre os nascidos em 2017 e 2018, constantes no Inquérito Nacional de Cobertura Vacinal. Foram calculados prevalência e intervalos de confiança de 95% de obstáculos à vacinação e completude vacinal em tempo oportuno aos 5 meses, primeiro e segundo ano, segundo raça/cor da pele materna. Empregou-se regressão logística para análise de associações.

Resultados

Analisaram-se dados de 37.801 crianças. Do total, 7,2% (IC95% 6,3;8,2) dos responsáveis enfrentaram dificuldades para levar seus filhos para vacinação e 23,4% (IC95% 21,7;25,1) das crianças não foram vacinadas, mesmo sendo levadas. Essas proporções foram 75% (IC95% 1,25;2,45) e 97% (IC95% 1,57;2,48) mais elevadas, respectivamente, entre pretas; e 49,9% (IC95% 47,8;51,9) e 61,1% (IC95% 59,2;63,0) das crianças tiveram atraso em alguma vacina até os 5 meses e o primeiro ano, respectivamente. Tais valores foram maiores entre pardas/pretas.

Conclusão

Há desigualdades raciais nos obstáculos enfrentados e na vacinação no Brasil.

Palavras-chave
Cobertura Vacinal; Criança; Iniquidades em Saúde; Inquéritos Epidemiológicos; Brasil

Contribuições do estudo

Principais resultados

Observaram-se marcantes desigualdades raciais nos obstáculos à vacinação de crianças menores de 24 meses no Brasil e à vacinação em tempo oportuno aos 5 meses e no primeiro ano de vida.

Implicações para os serviços

As desigualdades raciais na ocorrência de falhas nos serviços de saúde para vacinação, nas restrições objetivas das famílias para levar a criança ao posto de vacinação e na incompletude vacinal em tempo oportuno precisam ser enfrentadas pelo SUS.

Perspectivas

Políticas públicas equânimes para enfrentamento às barreiras à vacinação e qualificação dos serviços de saúde precisam ser implementadas. Estudos devem aprofundar a compreensão dos determinantes estruturais que levam às disparidades raciais.

Palavras-chave
Cobertura Vacinal; Criança; Iniquidades em Saúde; Inquéritos Epidemiológicos; Brasil

INTRODUÇÃO

A imunização desempenha papel fundamental na prevenção de doenças infecciosas e na redução da mortalidade infantil, mas sua distribuição efetiva é desigual tanto entre países quanto dentro deles.11 United Nations Children’s Fund (UNICEF). The State of the World’s Children 2023: For every child, vaccination. Florence: UNICEF; 2023. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que, na década de 2010, mais de 20 milhões de bebês não completavam o esquema básico de vacinação no mundo a cada ano e, desses, mais de 13 milhões não recebiam qualquer vacina por meio dos programas de imunização.22 World Health Organization. Immunization Agenda 2030: A global strategy to leave no one behind. Disponível em: https://cdn.who.int/media/docs/default-source/immunization/strategy/ia2030/ia2030-draft-4-wha_b8850379-1fce-4847-bfd1-5d2c9d9e32f8.pdf?sfvrsn=5389656e_69&download=true. Acesso em: 3 nov. 2023.
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A OMS também estabeleceu como um de seus objetivos fornecer serviços de vacinação acessíveis a todas as pessoas em todos os lugares até 2030, com o intuito de salvar mais de 50 milhões de vidas.22 World Health Organization. Immunization Agenda 2030: A global strategy to leave no one behind. Disponível em: https://cdn.who.int/media/docs/default-source/immunization/strategy/ia2030/ia2030-draft-4-wha_b8850379-1fce-4847-bfd1-5d2c9d9e32f8.pdf?sfvrsn=5389656e_69&download=true. Acesso em: 3 nov. 2023.
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No entanto, um dos desafios cruciais que se apresentam é superar as disparidades existentes nos países. Entre as múltiplas desigualdades que desafiam o pleno desenvolvimento humano estão aquelas relacionadas às características étnico-raciais. Assim, pesquisas que lancem luz sobre elas são essenciais para aprimorar políticas públicas em busca da equidade,33 Mesenburg MA, Restrepo-Mendez MC, Amigo H, et al. Ethnic group inequalities in coverage with reproductive, maternal and child health interventions: cross-sectional analyses of national surveys in 16 Latin American and Caribbean countries. Lancet Glob Health 2018;6:e902–13. doi: 10.1016/S2214-109X(18)30300-0.
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sendo as disparidades raciais na vacinação infantil influenciadas pela cor da pele e por uma miríade de fatores sociais, econômicos e de saúde.

Uma investigação que abrangeu 64 países de baixa e média renda observou disparidades significativas na imunização infantil relacionadas à etnia em mais da metade desses países.44 Cata-Preta BO, Santos TM, Wendt A, Hogan DR, Mengistu R, Barros AJD, Victora CG. Ethnic disparities in immunisation: analyses of zero-dose prevalence in 64 countries. BMJ Glob Health. 2022 May;7(5):e008833. Diversos estudos apontam que negros enfrentam barreiras significativas no acesso a vacinas, levando a uma menor taxa de imunização quando comparadas a outros grupos raciais.55 Huang Y, Shallcross D, Pi L, Tian F, Pan J, Ronsmans C. Ethnicity and maternal and child health outcomes and service coverage in Western China: a systematic review and meta-analysis. Lancet Glob Health 2018;6:e39–56. doi: 10.1016/S2214-109X(17)30445-X
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,66 Yokokura AV, Silva AA, Bernardes AC, Lamy Filho F, Alves MT, Cabra NA, Alves RF. Cobertura vacinal e fatores associados ao esquema vacinal básico incompleto aos 12 meses de idade, São Luís, Maranhão, Brazil, 2006. Cad Saude Publica. 2013 mar;29(3):522-34. Análises do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (Center for Disease Control and Prevention – CDC) indicam que nos Estados Unidos a cobertura da vacina contra covid-19 foi menor entre crianças afro-americanas de 5 a 11 anos.77 Valier MR, Elam-Evans LD, Um Y, Santibanez TA, Yankey D, Zhou T, Pingali C, Singleton JÁ. Racial and Ethnic Differences in COVID-19 Vaccination Coverage Among Children and Adolescents Aged 5-17 Years and Parental Intent to Vaccinate Their Children - National Immunization Survey-Child COVID Module, United States, December 2020-September 2022. MMWR. Morbidity and Mortality Weekly Report 2023 Jan 6;72(1):1-8. Outros estudos também mostram piores coberturas entre pretos e/ou grupos minoritários88 Singh GK, Lee H, Azuine RE. Marked Disparities in COVID-19 Vaccination among US Children and Adolescents by Racial/Ethnic, Socioeconomic, Geographic, and Health Characteristics, United States, December 2021 - April 2022. Int J MCH AIDS. 2022;11(2):e598. tanto na vacinação quanto na intenção de vacinar.99 Fenton AT, Elliott MN, Schwebel DC, Berkowitz Z, Liddon NC, Tortolero SR, Cuccaro PM, Davies SL, Schuster MA. Unequal interactions: Examining the role of patient-centered care in reducing inequitable diffusion of a medical innovation, the human papillomavirus (HPV) vaccine. Soc Sci Med. 2018 Mar:200:238-248.

Essa desigualdade pode resultar em maiores taxas de doenças preveníveis por vacinação e contribuir para perpetuar as disparidades na saúde.11 United Nations Children’s Fund (UNICEF). The State of the World’s Children 2023: For every child, vaccination. Florence: UNICEF; 2023.,22 World Health Organization. Immunization Agenda 2030: A global strategy to leave no one behind. Disponível em: https://cdn.who.int/media/docs/default-source/immunization/strategy/ia2030/ia2030-draft-4-wha_b8850379-1fce-4847-bfd1-5d2c9d9e32f8.pdf?sfvrsn=5389656e_69&download=true. Acesso em: 3 nov. 2023.
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O Brasil é marcado por profundas desigualdades raciais, sociais e econômicas, com reflexos profundos nos níveis de saúde de sua população. Assim, ampliar o conhecimento sobre diferenças de raça/cor da pele no acesso à vacinação e na completude vacinal em tempo oportuno entre crianças é necessário para avaliar e qualificar políticas públicas, em especial diante de um sistema de saúde com o princípio da equidade.

O objetivo do estudo foi descrever a magnitude da completude vacinal em tempo oportuno ao longo dos primeiros 24 meses de vida no Brasil e os obstáculos enfrentados para vacinação, testando-se suas associações com a raça/cor da pele das mães.

MÉTODOS

Origem dos dados

Analisaram-se os dados do Inquérito Nacional de Cobertura Vacinal (INCV), uma coorte retrospectiva realizada no Brasil entre setembro de 2020 e março de 2022. Incluíram-se no estudo todas as crianças nascidas em 2017 e 2018 e foram coletados os dados das vacinas recebidas nos primeiros 24 meses de vida. Por meio da análise das cadernetas vacinais das crianças, verificou-se a evolução de suas exposições às vacinas recomendadas em cada idade ao longo desses dois anos iniciais de vida. Foram analisadas as coberturas vacinais no quinto, no décimo segundo e no vigésimo quarto mês de vida. O estudo foi realizado em todas as 26 capitais do Brasil, no Distrito Federal (DF) e em outras 12 cidades com mais de 100 mil habitantes distribuídas em todas as regiões do país, à exceção da região Norte, em áreas não metropolitanas.

Cálculo da amostra

O cálculo do tamanho amostral seguiu como parâmetros uma prevalência estimada de cobertura vacinal de 70%, erro de estimativa igual a 5%, intervalo de confiança de 95% e efeito do desenho pelo uso de conglomerados igual a 1,4, obtendo-se amostra de 452 crianças por inquérito. Em cada município, realizaram-se de um a quatro inquéritos, a depender do número de nascidos vivos observados em 2017 e 2018, totalizando 89 inquéritos. Foram considerados quatro estratos socioeconômicos dos municípios segundo características de renda e escolaridade dos setores censitários. Mais detalhes do procedimento amostral estão apresentados em publicação prévia.1010 Barata RB, França AP, Guibu IA, Vasconcellos MTL, Moraes JC, Grupo ICV 2020. National Vaccine Coverage Survey 2020: methods and operational aspects. Rev Bras Epidemiol. 2023;26:e230031. doi: 10.1590/1980-549720230031.
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Coleta dos dados

Os endereços das crianças foram obtidos no Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), que congrega informações de todos os nascimentos ocorridos no Brasil. Aos entrevistados foi aplicado, por meio de dispositivo eletrônico, questionário estruturado fechado com questões sobre o perfil socioeconômico do domicílio e sociodemográfico da mãe e do responsável pela criança, caso não fosse a mãe. Também foram solicitadas informações sobre percepções quanto às vacinas e barreiras para a vacinação. Adicionalmente, foi solicitada a caderneta de vacinação da criança para registro fotográfico. Todos os dados observados nas fotos foram digitados por profissionais com conhecimento do calendário nacional de imunização, de modo a serem registradas as vacinas aplicadas e as respectivas datas de aplicação. A coordenação nacional do estudo realizou análise de consistência dos dados.

Desfechos

Inicialmente analisaram-se dois desfechos relacionados a dificuldades objetivas de se vacinar a criança. No primeiro, indagou-se o respondente se já houve alguma dificuldade para levar a criança ao posto de vacinação. No segundo, a pergunta foi se alguma vez a criança deixou de ser vacinada, mesmo tendo sido levada ao posto de vacinação. As opções de resposta, em ambos os casos, foram “sim”, “não” e “não sabe/não quis informar”. Para as pessoas que responderam afirmativamente à primeira pergunta, seguiu-se o questionamento se a dificuldade se deu porque (1) não se tinha a caderneta de vacinação, (2) havia falta de tempo para levar a criança, (3) o horário de funcionamento do posto era inadequado, (4) o posto ficava longe de casa ou do trabalho, (5) o patrão não liberava para ir ao posto de vacinação, (6) não tinha meios de transporte para ir ao posto de vacinação, (7) não tinha dinheiro para ir ao posto, (8) tinha deficiência física ou problema de saúde que dificultava a locomoção do responsável pela criança, (9) não sabia quando a criança devia tomar as vacinas, (10) a criança estava doente, (11) outro motivo.

De forma semelhante, foram perguntados os motivos àqueles que relataram episódios de não vacinação da criança mesmo levando-a ao posto de vacinação: (1) faltou vacina, (2) faltou material para aplicar a vacina, (3) faltou profissional na sala de vacina, (4) acabou a senha, (5) a sala de vacina estava fechada, (6) não era dia da vacina desejada, (7) tinha muita gente na fila e não pôde esperar, (8) não vacinaram a criança porque não tinha documento (como comprovante de residência, cartão SUS, ou caderneta de vacinação), (9) o profissional de saúde não recomendou aplicar várias vacinas no mesmo dia e mandou voltar outro dia, (10) outro motivo. A cada uma dessas indagações a pessoa respondia “sim”, “não” ou “não sabe/não deseja responder”.

Em relação à vacinação, foram analisados três desfechos. Cada um considerou um recorte de tempo ao longo dos primeiros dois anos de vida da criança, conforme explicitado a seguir:

Atraso ou não acesso às vacinas que deveriam ser tomadas nos primeiros cinco meses de vida em tempo oportuno: atraso na vacinação das vacinas BCG e/ou hepatite B e/ou pentavalente (1ª ou 2ª dose) e/ou VIP (1ª ou 2ª dose) e/ou rotavírus (1ª ou 2ª dose) e/ou pneumocócica (1ª ou 2ª dose) e/ou meningo C (1ª ou 2ª dose).

Esquema vacinal incompleto no tempo oportuno no 1º ano de vida: bacilo de Calmette-Guérin (BCG), hepatite B, três doses de vacina pentavalente (tríplice bacteriana + Haemophilus influenzae tipo B + hepatite B) e de vacina inativada de poliovírus (VIP), duas doses de vacina contra rotavírus, duas doses de vacina contra meningococo C e pneumococo.

Esquema vacinal incompleto no tempo oportuno no 2º ano de vida: duas doses de tríplice viral (sarampo, rubéola e parotidite), uma dose de hepatite A, varicela e vacina oral de poliovírus atenuados (VOP); e uma dose de reforço com tríplice bacteriana (difteria, tétano e pertússis), meningococo C e pneumococo.

A definição se as doses foram oportunas e se houve atraso ou não se deu de acordo com o momento em que foram aplicadas, assumindo-se como base a data de nascimento e considerando-se o intervalo entre as doses. A sistematização dos intervalos considerados em cada vacina e dose pode ser encontrada em Barata et al.1010 Barata RB, França AP, Guibu IA, Vasconcellos MTL, Moraes JC, Grupo ICV 2020. National Vaccine Coverage Survey 2020: methods and operational aspects. Rev Bras Epidemiol. 2023;26:e230031. doi: 10.1590/1980-549720230031.
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Covariáveis

A variável de principal interesse foi a raça/cor da pele autorreferida da mãe da criança. As opções de resposta seguiram o utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nas pesquisas conduzidas no Brasil: branca, parda, preta, indígena e amarela. As pessoas que referiram raça/cor da pele indígena ou amarela não foram analisadas no presente estudo em função do reduzido número de observações. Adicionalmente, como variáveis de ajuste, foram incluídas no estudo a escolaridade materna (até 8 anos de estudo, 9 a 12 e 13 ou mais), o trabalho ou estágio materno durante pelo menos uma hora por semana, no último mês, em alguma atividade remunerada em dinheiro (sim ou não), e a idade materna (até 21 anos de idade, 22 a 29 anos, 30 a 39 anos e 40 ou mais anos).

Análise dos dados

Inicialmente foi descrita a composição da amostra segundo as covariáveis e estimadas as prevalências, com respectivos intervalos de confiança de 95% (IC95%), dos cinco desfechos para toda a amostra e segundo cada categoria das variáveis incluídas no estudo. Em seguida, foram calculadas as frequências relativas de cada uma das 11 dificuldades incluídas no estudo para levar a criança ao posto de vacinação e de cada uma das dez razões explicativas para a não vacinação da criança, mesmo levando-a ao posto de vacinação. Por fim, por meio de regressão logística, foram estimadas razões de chances (odds ratio) brutas e ajustadas, com respectivos IC95%, entre os desfechos e as covariáveis. Todas as análises consideraram os pesos amostrais e o delineamento do estudo, tendo sido realizadas no programa Stata 15.1. O INCV foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Irmandade da Santa Casa de São Paulo sob parecer nº 4.380.019.

RESULTADOS

Foram analisados os dados de 37.801 crianças, havendo 6% de perda no estudo. A maior parte dos respondentes referiu raça/cor da pele parda (46,4%), tinha mais de 12 anos de estudo (76,1%), estava na faixa etária de 30 a 39 anos (46,5%) e havia trabalhado no mês anterior à entrevista (55,5%). Verificou-se que 7,2% enfrentaram dificuldades para levar seus filhos ao posto de vacinação e 23,4% das crianças não foram vacinadas mesmo após serem levadas ao posto (Tabela 1). Além disso, 49,9% das crianças tiveram atraso em alguma vacina do calendário até os 5 meses de vida. No primeiro e no segundo ano de vida, 61,1% e 86,1% das crianças, respectivamente, apresentaram esquema vacinal incompleto no tempo oportuno. Observou-se que a prevalência de dificuldades para vacinar, atraso na vacinação e esquema vacinal incompleto no primeiro ano de vida foram mais elevados entre as mães de raça/cor da pele parda e preta em relação às brancas. Em geral, também foram verificados piores indicadores entre aquelas com menor escolaridade e entre mães com menos de 21 anos de idade.

Tabela 1
Características maternas da amostra e prevalência de desfechos analisados em relação à cobertura vacinal em tempo oportuno e dificuldades para vacinar as crianças nascidas no Brasil em 2017 e 2018

A Figura 1 descreve, segundo raça/cor da pele das mães, as principais dificuldades referidas para levar a criança ao posto de vacinação entre respondentes que relataram algum obstáculo. Os mais citados foram a distância do posto de vacinação em relação à casa ou ao trabalho, a falta de tempo para levar a criança, o horário inadequado de funcionamento e dificuldades de transporte para ir ao posto. As medidas pontuais com maior divergência em desfavor dos pardos e pretos foram relacionadas ao deslocamento até o posto, não liberação do patrão e não dispor de caderneta de vacinação.

Figura 1
Principais dificuldades relatadas para levar a criança ao posto de vacinação, segundo a raça/cor da pele da mãe entre nascidos vivos no Brasil em 2017 e 2018 (n = 37.801)

Já o principal motivo para não ter vacinado a criança mesmo levando-a ao posto de vacinação, entre aqueles que responderam positivamente a tal ocorrência, foi a falta de vacina (Figura 2). As medidas pontuais de prevalência de encontrar a sala de vacina fechada, faltar profissional da sala de vacina, ter acabado a senha e não vacinação por falta de documento foram mais elevadas em filhos de pardas e pretas em relação a brancas.

Figura 2
Principais motivos relatados para a criança não ter sido vacinada alguma vez, apesar de ter sido levada ao posto de vacinação, segundo a raça/cor da pele da mãe, entre crianças nascidas no Brasil em 2017 e 2018 (n = 37.801)

A análise de regressão logística indicou maiores dificuldades para vacinação de crianças cujas mães eram pretas ou pardas (Tabela 2). Quanto à dificuldade para levar a criança ao posto de vacinação, na análise bruta, verificou-se que ela foi 73% (IC95% 30;129) e 75% (IC95% 25;145) maior quando a mãe era parda ou preta, respectivamente. Além disso, a chance de não ter sido vacinada, apesar de ter sido levada ao posto de vacinação, foi 95% (IC95% 69;125) e 97% (IC95% 57;148) maior entre pardas e pretas, respectivamente. Mesmo após se ajustar a análise pela escolaridade, idade e trabalho da mãe, a associação se manteve estatisticamente significativa com piores desfechos para as pardas e pretas. Em relação às demais variáveis, apenas ter 13 anos de estudo ou mais diminuiu a chance de se enfrentar dificuldade para levar a criança ao posto de vacinação.

Tabela 2
Valores de odds ratio brutas e ajustadas a partir da regressão logística entre variáveis exploratórias e as dificuldades para levar a criança ao posto de vacinação e ela não ser vacinada mesmo após ida à unidade de saúde, entre crianças nascidas no Brasil em 2017 e 2018

Em relação à incompletude vacinal em tempo oportuno, observou-se que filhos de mães pardas e pretas apresentaram, respectivamente, chances 1,57 (IC95% 1,36;1,82) e 1,47 (1,18;1,84) vezes maiores de atraso na vacinação até os 5 meses, e de 1,62 (IC95% 1,40;1,88) e 1,57 (1,27;1,94) para esquema vacinal incompleto em tempo oportuno no primeiro ano, quando comparadas aos de mães brancas (Tabela 3). Mesmo após ajustes, ambas as associações permaneceram estatisticamente significativas, havendo apenas pequena redução na magnitude dos valores. As mães com menor escolaridade também apresentaram menor chance de completude vacinal em tempo oportuno nos primeiros 5 meses e no primeiro ano de vida, enquanto as chances de piores desfechos foram maiores, em todos os casos, entre mães com até 21 anos de idade. Já em relação à incompletude vacinal em tempo oportuno no segundo ano de vida, não foram observadas diferenças segundo raça/cor da pele das mães.

Tabela 3
Valores de odds ratio brutas e ajustadas a partir da regressão logística entre variáveis exploratórias e incompletude vacinal em tempo oportuno aos 5 meses de idade, ao final do primeiro ano de vida e no segundo ano de vida, entre crianças nascidas no Brasil em 2017 e 2018

DISCUSSÃO

O presente estudo identificou no Brasil alta frequência de atraso na vacinação oportuna durante os primeiros 24 meses de vida e que elevada proporção de famílias enfrenta diversos obstáculos para a vacinação. A ocorrência dessas situações adversas é maior entre crianças cujas mães são de raça/cor da pele parda e preta. Notadamente, essas crianças têm maior chance de enfrentar dificuldades para serem levadas ao posto de vacinação, de não serem vacinadas mesmo após chegarem ao posto e de possuírem esquemas vacinais incompletos nos primeiros 5 e 12 meses de vida.

Comparações diretas entre países na proporção de crianças com atraso vacinal devem ser realizadas com cautela, pois a definição de atraso e o conjunto de vacinas consideradas em cada estudo apresentam grande variação. Ainda assim, observou-se que a proporção de crianças brasileiras que, no primeiro ano (61,1%) e no segundo ano de vida (86,1%), apresentavam esquema vacinal incompleto em tempo oportuno foi elevada. Nos Estados Unidos, Freeman et al.1111 Freeman RE, Thaker J, Daley MF, Glanz JM, Newcomer SR. Vaccine timeliness and prevalence of undervaccination patterns in children ages 0-19 months, U.S., National Immunization Survey-Child 2017. Vaccine. 2022;40(5):765-773. doi: 10.1016/j.vaccine.2021.12.037.
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observaram que 58,3% das crianças não tinham recebido todas as vacinas em tempo oportuno aos 19 meses de vida, dentro de um conjunto de sete vacinas. Já em Quebec, Canadá, o percentual de crianças com vacinas em dia aos 12 meses de vida foi de 77%,1212 Kiely M, Boulianne N, Talbot D, Ouakki M, Guay M, Landry M, Sauvageau C, De Serres G. Impact of vaccine delays at the 2, 4, 6 and 12 month visits on incomplete vaccination status by 24 months of age in Quebec, Canada. BMC Public Health. 2018;18(1):1364. doi: 10.1186/s12889-018-6235-6.
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enquanto na Noruega foi de 55,3% aos 24 meses.1313 Riise ØR, Laake I, Bergsaker MA, Nøkleby H, Haugen IL, Storsæter J. Monitoring of timely and delayed vaccinations: a nation-wide registry-based study of Norwegian children aged < 2 years. BMC Pediatr. 2015;15:180. doi: 10.1186/s12887-015-0487-4.
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Na Índia, estima-se que 23,1%, 29,3% e 34,8% das crianças entre 10 e 23 meses receberam com atraso as vacinas para BCG, primeira dose de dTpa e sarampo, respectivamente.1414 Choudhary TS, Reddy NS, Apte A, Sinha B, Roy S, Nair NP, Sindhu KN, Patil R, Upadhyay RP, Chowdhury R. Delayed vaccination and its predictors among children under 2 years in India: Insights from the national family health survey-4. Vaccine. 2019;37(17):2331-2339. doi: 10.1016/j.vaccine.2019.03.039.
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O Brasil, apesar de ter longa história de um bem-sucedido programa de vacinação, enfrentou expressivas quedas na cobertura vacinal entre 2016 e 2021.1515 Brazil. Ministério da Saúde. SI-PNI (Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações). c2023. Disponível em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/dhdat.exe?bd_pni/cpnibr.def>. Acesso em: 6 out. 2023.
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Diversos fatores têm sido identificados para esse preocupante cenário. Um deles é a hesitação vacinal por medo de efeitos colaterais dos imunobiológicos, pela falta de confiança nos insumos/serviços de saúde, ou percepção de baixo risco das doenças,1616 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. The Brazilian National Immunization Program: 46 years of achievements and challenges. Cad Saude Publica. 2020;Suppl 2(Suppl 2):e00222919. doi: 10.1590/0102-311X00222919. sentimentos que têm crescido em diversos países do mundo. Ainda assim, comparando-se a outras localidades, no Brasil ainda há alta confiança nas vacinas e elevada proporção de intenção de vacinar as crianças.22 World Health Organization. Immunization Agenda 2030: A global strategy to leave no one behind. Disponível em: https://cdn.who.int/media/docs/default-source/immunization/strategy/ia2030/ia2030-draft-4-wha_b8850379-1fce-4847-bfd1-5d2c9d9e32f8.pdf?sfvrsn=5389656e_69&download=true. Acesso em: 3 nov. 2023.
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Outro aspecto importante é a complexidade do calendário vacinal.1616 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. The Brazilian National Immunization Program: 46 years of achievements and challenges. Cad Saude Publica. 2020;Suppl 2(Suppl 2):e00222919. doi: 10.1590/0102-311X00222919. A inclusão de novos imunobiológicos pode dificultar o entendimento sobre qual vacina oferecer ao filho e em qual momento, além de poder gerar preocupações sobre o efeito da aplicação de múltiplas vacinas. Caso não estejam bem capacitados, inclusive os profissionais de saúde podem perder a oportunidade de vacinação por dificuldade no entendimento do calendário de vacinação ou no manejo de hesitação vacinal.

No entanto, apesar da relevância desses aspectos, destacaram-se no presente estudo, fatores materiais e objetivos que afetam a vacinação de crianças no Brasil. Quase uma em cada quatro crianças deixou de ser vacinada, em algum momento, até os 24 meses de vida, apesar de ter sido levada ao posto de vacinação. Falhas estruturais e organizacionais dos serviços de saúde foram mencionadas. Pesquisa em 2021 com secretários municipais de saúde do Brasil identificou que três em cada quatro gestores relataram atraso no recebimento de vacina como um problema frequente.1717 Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS). Indicadores de imunização. Disponível em: https://portal.conasems.org.br/paineis-de-apoio/paineis/24_indicadores-de-imunizacao. Acesso em: 28 out. 2023.
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Outros 70,8% indicaram haver problemas quanto à quantidade de vacinas recebidas e 60,4% afirmaram que a periodicidade no recebimento é irregular. Além disso, mais da metade relatou haver no município estrutura inadequada para atender a população e alta rotatividade da equipe da sala de vacina. Assim, a ampliação da cobertura vacinal deve passar também pelo fortalecimento da atenção primária, ampliação e treinamento das equipes de saúde e qualificação da estrutura dos postos de vacinação. Todos esses aspectos envolvem priorização da saúde pública e fortes investimentos no Sistema Único de Saúde (SUS). Ainda assim, o Brasil tem convivido historicamente com baixo investimento público per capita em saúde1818 The World Bank. Domestic general government health expenditure per capita, PPP. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/SH.XPD.GHED.PP.CD. Acesso em: 6 out. 2023.
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e, mais recentemente, com mudanças na atenção primária, que impactaram na composição das equipes de saúde e nas ações nos territórios que podem impactar negativamente nas desigualdades raciais em saúde.1919 Constante HM, Marinho GL, Bastos JL. The door is open, but not everyone may enter: racial inequities in healthcare access across three Brazilian surveys. Cien Saude Colet. 2021;26(9):3981-3990. doi: 10.1590/1413-81232021269.47412020.
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Dificuldades de deslocamento até o posto de vacinação, falta de dinheiro, horário restrito de funcionamento do posto e não liberação do trabalho foram fatores citados no estudo como obstáculos para levar a criança para vacinar. Revisão sistemática conduzida por Cavalcanti e Nascimento2020 Cavalcanti MAF, Nascimento EGC. Aspectos intervenientes da criança, família e dos serviços de saúde na imunização infantil. Rev Soc Bras Enferm Ped 2015;15:31-7. verificou que residir a curta distância da unidade básica de saúde (UBS) aumenta a chance de vacinação, enquanto estudo com usuários dos serviços de saúde e profissionais da atenção primária também identificou o recurso financeiro para deslocamento e o horário de funcionamento das unidades como moduladores do uso dos serviços.2121 Lima SAV, Silva MRF da, Carvalho EMF de, Pessoa EÂC, Brito ESV de, Braga JPR. Factors that influence access to primary care in the perspective of professionals and users of a health services network in Recife-PE, Brazil. Physis. 2015;25(2):635-56. doi: 10.1590/S0103-73312015000200016.
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Crianças nascidas de mães negras demonstraram ocorrência mais elevada de atrasos na vacinação, e suas famílias relataram com maior frequência a presença de barreiras de acesso à vacinação. Para uma em cada três crianças de mães pretas houve relato de algum episódio de não vacinação, mesmo levando-se a criança ao posto de vacinação. Resultados semelhantes foram encontrados também em outros países, como Inglaterra2222 Tiley KS, White JM, Andrews N, Ramsay M, Edelstein M. Inequalities in childhood vaccination timing and completion in London. Vaccine. 2018;36(45):6726-6735. doi: 10.1016/j.vaccine.2018.09.032.
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e Estados Unidos.2323 Luman ET, Barker LE, Shaw KM, McCauley MM, Buehler JW, Pickering LK. Timeliness of childhood vaccinations in the United States: days undervaccinated and number of vaccines delayed. JAMA. 2005 Mar 9;293(10):1204-11. doi: 10.1001/jama.293.10.1204.
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No entanto, esse resultado é especialmente perturbador pelo fato de o Brasil ter um sistema público de saúde concebido nos princípios de universalidade e equidade. As falhas estruturais e organizacionais que ocasionam tais perdas de oportunidade de vacinação afetam com mais intensidade as pessoas pretas e pardas, e tal constatação precisa ser considerada quando desenhadas ações de aperfeiçoamento do SUS. Esse resultado precisa também motivar ações que promovam equidade para além do aumento médio da cobertura vacinal no Brasil. Estudos anteriores já identificaram que pessoas negras têm maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde no Brasil,2424 Constante HM, Bastos JL. Mapping the Margins in Health Services Research: How Does Race Intersect With Gender and Socioeconomic Status to Shape Difficulty Accessing HealthCare Among Unequal Brazilian States? Int J Health Serv. 2021;51(2):155-166. doi: 10.1177/0020731420979808.
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menor realização de testes diagnósticos2525 Santos KBM, Dos Reis RCP, Duncan BB, D’Avila OP, Schmidt MI. Access to diabetes diagnosis in Brazil based on recent testing and consultation: The Brazilian national health survey, 2013 and 2019. Front Endocrinol (Lausanne). 2023;14:1122164. doi: 10.3389/fendo.2023.1122164.
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e menor probabilidade de se consultarem com o mesmo médico na atenção primária.2626 Malta DC, Gomes CS, Stopa SR, Andrade FMD, Prates EJS, Oliveira PPV, Ferreira SAM, Pereira CA. Inequalities in health care and access to health services among adults with self-reported arterial hypertension: Brazilian National Health Survey. Cad Saude Publica. 2022; 38 Suppl 1(Suppl 1):e00125421. doi: 10.1590/0102-311Xe00125421. Tal cenário contrasta com a maior prevalência nesse grupo de autoavaliação negativa de saúde,2727 Cobo B, Cruz C, Dick PC. Gender and racial inequalities in the access to and the use of Brazilian health services. Cien Saude Colet. 2021;26(9):4021-4032. doi: 10.1590/1413-81232021269.05732021.
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uma importante proxy de desfechos clínicos adversos em saúde. Ainda que o SUS seja vital na promoção de política social de equidade, suas deficiências tendem a impactar de maneira mais intensa os segmentos mais vulnerabilizados da população. Além das recentes mudanças na Política Nacional de Atenção Básica, o subfinanciamento do sistema de saúde e de outras políticas sociais torna mais tortuoso o caminho em busca da equidade racial no país.

Adicionalmente, o presente estudo verificou que limitações materiais, de deslocamento e de emprego afetam desproporcionalmente a população negra em relação à vacinação das crianças. O Brasil é marcado por acentuadas disparidades sociais e econômicas, manifestando-se o racismo tanto em interações cotidianas quanto em estruturas institucionais, permeando diversos aspectos da vida. Características como local de moradia, renda, mobilidade urbana e autonomia no trabalho são diferenciados de acordo com a raça/cor da pele das pessoas.2828 Trindade TA, Pavan ÍL. Segregação urbana e a dimensão socioespacial da divisão sexual do trabalho. Rev Bras Ci Soc. 2022;37(110):e3711003. doi: 10.1590/3711003/2022.
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29 Siqueira JS de, Fernandes R de CP. Demanda psicossocial e demanda física no trabalho: iniquidades segundo raça/cor. Ciênc Saúde Coletiva. 2021;26(10):4737-48. doi: 10.1590/1413-812320212610.19982020
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-3030 Mariano FZ, Costa EM, Guimarães DB, Sousa DT de. Diferenciais de Rendimentos entre Raças e Gêneros, nas Regiões Metropolitanas, por Níveis Ocupacionais: uma análise através do pareamento de Ñopo. Estud Econ. 2018;48(1):137-73. doi.org/10.1590/0101-41614815137fedd. Assim, as desigualdades observadas nos desfechos em saúde são também produto de uma sociedade que promove oportunidades diferentes às pessoas de acordo com sua escolaridade, renda e raça/cor da pele. Nesse sentido, inclusive, destaca-se que as desigualdades raciais observadas no presente estudo se mantiveram mesmo após ajuste por outras características socioeconômicas, colocando a raça/cor da pele no centro da discussão sobre equidade na vacinação.

O presente estudo teve limitações. Houve expressiva variação na proporção de perdas entre municípios incluídos na pesquisa e estratos socioeconômicos usados no processo amostral. Além disso, as análises foram realizadas agrupando-se os entrevistados de todos os municípios, não se analisando possíveis diferenças regionais quanto aos desfechos investigados. A coleta de dados durante a pandemia pela covid-19 também impactou as taxas de resposta. Ainda assim, destaca-se que o cálculo de pesos amostrais pós-estratificação contemplou diferenças nas respostas entre grupos populacionais e minimizou tais diferenças. Como pontos fortes, destacam-se a ampla cobertura geográfica e o elevado tamanho amostral, além do rigor metodológico envolvido na coleta das informações vacinais.

Os achados do presente estudo ressaltam a necessidade de políticas públicas equânimes, que devem visar a remoção de barreiras à vacinação e qualificação dos serviços de saúde, em especial quanto à população negra. Estudos futuros devem aprofundar a compreensão dos determinantes sociais e estruturais que levam a tais disparidades e investigar intersecções com outras dimensões socioeconômicas e demográficas.

  • FINANCIAMENTO

    O Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo nº 404131, apoiou o projeto intitulado “Inquérito Nacional de Cobertura Vacinal nas capitais brasileiras”. O CNPq apoiou por meio de bolsa de produtividade em pesquisa concedida a Antonio Fernando Boing (312987/2021-8).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2024
  • Aceito
    29 Abr 2024
Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente - Ministério da Saúde do Brasil Brasília - Distrito Federal - Brazil
E-mail: ress.svs@gmail.com