Cobertura, hesitação vacinal e fatores associados à não vacinação: inquérito domiciliar em coorte de crianças nascidas vivas em 2017 e 2018 em áreas urbanas de capitais do Nordeste brasileiro

Ramon da Costa Saavedra Martha Suely Itaparica de Carvalho Santiago Maria da Glória Lima Cruz Teixeira Maria Bernadete de Cerqueira Antunes Rejane Christine de Sousa Queiroz Luisa Helena de Oliveira Lima Alberto Novaes Ramos Jr Anderson Fuentes Ferreira Adjoane Mauricio Silva Maciel Jaqueline Caracas Barbosa Ana Paula França Carla Magda Allan Santos Domingues José Cássio de Moraes Grupo ICV 2020Sobre os autores Adriana Ilha da Silva Alberto Novaes Ramos Jr. Ana Paula França Andrea de Nazaré Marvão Oliveira Antonio Fernando Boing Carla Magda Allan Santos Domingues Consuelo Silva de Oliveira Ethel Leonor Noia Maciel Ione Aquemi Guibu Isabelle Ribeiro Barbosa Mirabal Jaqueline Caracas Barbosa Jaqueline Costa Lima José Cássio de Moraes Karin Regina Luhm Karlla Antonieta Amorim Caetano Luisa Helena de Oliveira Lima Maria Bernadete de Cerqueira Antunes Maria da Glória Lima Cruz Teixeira Maria Denise de Castro Teixeira Maria Fernanda de Sousa Oliveira Borges Rejane Christine de Sousa Queiroz Ricardo Queiroz Gurgel Rita Barradas Barata Roberta Nogueira Calandrini de Azevedo Sandra Maria do Valle Leone de Oliveira Sheila Araújo Teles Silvana Granado Nogueira da Gama Sotero Serrate Mengue Taynãna César Simões Valdir Nascimento Wildo Navegantes de Araújo Sobre os autores

RESUMO

Objetivo

Estimar a cobertura vacinal e analisar fatores sociodemográficos associados à não vacinação em crianças nascidas vivas em 2017 e 2018 nas capitais do Nordeste brasileiro.

Métodos

Realizou-se inquérito domiciliar com amostragem por conglomerados, entre 2020 e 2022, para estimar cobertura e hesitação vacinal. Fatores associados à não vacinação foram analisados usando-se regressão logística para calcular odds ratio (OR) e seus intervalos de confiança (IC95%).

Resultados

A capital com menores coberturas vacinais foi Natal, com < 75,0% para a maioria dos imunizantes; Teresina apresentou coberturas ≥ 90,0% em todos os imunizantes. Dos entrevistados, 99,1% (IC95% 98,9;99,3) acreditavam que vacinas são importantes para a saúde; 95,4% (IC95% 95,0;95,8) confiavam nos imunobiológicos distribuídos pelo governo; e 79,6% (IC95% 78,8;80,3) não tinham medo de reações adversas. Residir em estrato socioeconômico mais alto (OR ajustado: 1,34 – IC95% 1,20;1,50) foi fator associado à não vacinação.

Conclusão

As baixas coberturas destacam a necessidade de entender melhor as especificidades regionais e as desigualdades sociais.

Palavras-chave
Cobertura Vacinal; Hesitação Vacinal; Vacinação em Massa; Programas de Imunização; Inquéritos Epidemiológicos

Contribuições do estudo

Principais resultados

Três capitais nordestinas alcançaram metas para apenas duas ou três vacinas. A maioria dos entrevistados expressou opiniões favoráveis em relação ao Programa Nacional de Imunizações. No entanto, um terço dos entrevistados relataram ter ido em busca da vacina, mas não conseguiram vacinar suas crianças.

Implicações para os serviços

É necessário repensar as estratégias de imunização no Sistema Único de Saúde, para adequá-las aos contextos regionais. Entraves operacionais relacionados à oferta das vacinas requerem atenção especial, além de ações integradas de comunicação e educação em saúde.

Perspectivas

A compreensão das especificidades regionais apresentadas subsidiará o Programa Nacional de Imunizações na implementação de estratégias contextualizadas aos territórios, via microplanejamento das ações de vacinação, para resgate de coberturas vacinais.

Palavras-chave
Cobertura Vacinal; Hesitação Vacinal; Vacinação em Massa; Programas de Imunização; Inquéritos Epidemiológicos

INTRODUÇÃO

O investimento em ações sustentáveis para ampliação das coberturas vacinais contribuiu no controle de doenças imunopreveníveis no Brasil e no mundo, reduzindo a morbimortalidade por essas infecções e ampliando a expectativa de vida.11 Domingues CMAS, Teixeira MGLS. Em: Coberturas vacinais e doenças imunopreveníveis no Brasil no período 1982-2012: avanços e desafios do Programa Nacional de Imunizações. Epidemiol Serv Saúde. 2013;22:9-27.,22 WHO. World Health Organization. 2023 Immunization agenda 2030: a global strategy to leave no one behind. Disponível em: https://www.who.int/teams/immunization-vaccines-and-biologicals/strategies/ia2030.
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Na região Nordeste do país, a ampliação da Estratégia Saúde da Família e as iniciativas de transferência de renda também foram importantes para a melhoria das coberturas vacinais.33 Ramos D, Silva NB, Ichihara MY, Fiaccone RL, Almeida D, Sena S, Barreto ML. Conditional cash transfer program and child mortality: A cross-sectional analysis nested within the 100 Million Brazilian Cohort. PLoS medicine. 2021;18(9):e1003509.,44 Silva ESA, Paes NA. Programa Bolsa Família e a redução da mortalidade infantil nos municípios do Semiárido brasileiro. Ciênc saúde coletiva [Internet]. 2019 Feb; 24(2):623-30. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232018242.04782017.

A intensificação das ações de imunização no Nordeste brasileiro impactou positivamente as condições de saúde da população. Após a instituição do Plano Nacional de Eliminação do Sarampo (1992), o Ceará passou 13 anos sem registro de casos da doença, entre 2000 e 2013.66 Oliveira JF, Amaral JB, Oliveira KF, Gonçalves JRL. Avaliação do impacto da vacina oral contra rotavírus humano no Brasil. Revista de Enfermagem e Atenção à Saúde. 2014;3(1).,77 Correia JB, Patel MM, Nakagomi O, Montenegro FM, Germano EM, Correia NB, et al. Effectiveness of monovalent rotavirus vaccine (Rotarix) against severe diarrhea caused by serotypically unrelated G2P[4] strains in Brazil. J Infect Dis. 2010; 201:363-9. A introdução da vacina oral contra o rotavírus humano (2006) reduziu as internações e os óbitos de crianças nordestinas,77 Correia JB, Patel MM, Nakagomi O, Montenegro FM, Germano EM, Correia NB, et al. Effectiveness of monovalent rotavirus vaccine (Rotarix) against severe diarrhea caused by serotypically unrelated G2P[4] strains in Brazil. J Infect Dis. 2010; 201:363-9. com maiores quedas observadas em Recife-PE (77% entre 2006 e 2007).88 Nascimento DC, Silvem EN, Soares SDL, Souza MATV, Souza LGA, Fachin LP. Meningite Meningocócica C: avaliação da incidência da doença na faixa etária pediátrica no nordeste brasileiro após a introdução da vacina meningocócica C conjugada pelo Programa Nacional de Imunizações do Sistema Único de Saúde. Brazilian Journal of Development. 2023;9(8):25194-25206. A introdução da vacina meningocócica C (2010) impulsionou notável diminuição nos casos de meningite meningocócica por esse sorogrupo na região – aproximadamente 80%, entre 2010 e 2018.99 Domingues CMAS, Fantinato FFST, Duarte E, Garcia LP. Vacina Brasil e estratégias de formação e desenvolvimento em imunizações. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2019;28(2):e20190223. doi: https://doi.org/10.5123/S1679-49742019000200024.
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...

Apesar dos avanços alcançados em décadas de trabalho articulado entre as três esferas públicas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), a partir de 2016, observou-se significativo declínio na cobertura vacinal dos principais imunizantes indicados ao público infantil. No Nordeste, essa redução foi ainda maior em menores de 1 ano de idade, em comparação a outras regiões brasileiras.99 Domingues CMAS, Fantinato FFST, Duarte E, Garcia LP. Vacina Brasil e estratégias de formação e desenvolvimento em imunizações. Epidemiol Serv Saúde [Internet]. 2019;28(2):e20190223. doi: https://doi.org/10.5123/S1679-49742019000200024.
https://doi.org/https://doi.org/10.5123/...

10 Barboza MA, Pinheiro NVA, Souza YED, Andrade Ruela G. (2023). Um recorte epidemiológico da cobertura vacinal da poliomielite no nordeste do Brasil de 2012 a 2022. The Brazilian Journal of Infectious Diseases, 27, 103109.
-1111 Lopes CAS, Souza FO, Santos DV, Bomfim GSS. Sarampo no Nordeste: análise da cobertura vacinal e dos casos confirmados de 2016 a 2020. REAS [Internet]. 13set.2021 [citado em 24 de março de 2024];13(9):e8482. Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/8482.

Diversas hipóteses têm sido levantadas para justificar este cenário crítico, que não deve ser atribuído a um único fator. A eliminação de algumas doenças imunopreveníveis modificou a percepção de risco de considerável parcela da população. A falsa sensação de segurança contribuiu para o não reconhecimento da vacinação como intervenção necessária para proteção à saúde.1212 Homma A, et al. 2023 Pela reconquista das altas coberturas vacinais. Cadernos de Saúde Pública [online]. v. 39, n. 3. ISSN 1678-4464. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311XPT240022.,1313 Zorzetto R. As razões da queda na vacinação. Pesqui Fapesp. 2018;(270):19-24. A desinformação, associada à disseminação de notícias falsas por movimentos antivacinas, é outro fator relevante.1414 NESCOM/UFMG. Pesquisa nacional sobre cobertura vacinal, seus múltiplos determinantes e as ações de imunização nos territórios municipais brasileiros. [Minas Gerais]: NESCOM/UFMG: CONASEMS, 2023. Pesquisa recente apontou que o Brasil vive uma “epidemia de desinformação” sobre vacinas.1515 AVAAZ. As fake news estão nos deixando doentes? Como a desinformação antivacinas pode estar reduzindo as taxas de cobertura vacinal no Brasil. [São Paulo]: AVAAZ: SBim, 2019. Disponível em: https://cutt.ly/XmJX9bH Acesso em: 15 jul. 2021.
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Nesse contexto, a hesitação vacinal surge como fenômeno preocupante. Para além da simples recusa à vacinação, aspectos operacionais e estruturais dos serviços de imunização precisam ser melhor compreendidos.1616 Nuwarda RF, Ramzan I, Weekes L, Kayser V. Vaccine Hesitancy: Contemporary Issues and Historical Background. Vaccines (Basel). 2022 Sep 22;10(10):1595. doi: 10.3390/vaccines10101595. PMID: 36298459; PMCID: PMC9612044.
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,1717 MacDonald NE. SAGE Working Group on Vaccine Hesitancy. Vaccine hesitancy: definition, scope and determinants. Vaccine. 2015;33(34):4161-4. doi: https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2015.04.036.
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Em 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) elencou dez ameaças globais à saúde e incluiu a hesitação vacinal entre as prioridades a serem trabalhadas.1818 WHO. World Health Organization. The thirteenth general programme of work, 2019-2023. Genebra: World Health Organization; 2019. Compreender esses fenômenos e identificar como eles influenciam na cobertura vacinal é essencial para fornecer evidências que subsidiem o delineamento de políticas públicas efetivas e contextualizadas quanto às especificidades regionais.

Os índices de cobertura vacinal refletem a adesão da população ao programa de vacinação, a existência de pessoas sob risco de doenças imunopreveníveis e a efetividade dos serviços de saúde.1919 Teixeira AMS, Rocha CMV. Monitoramento da cobertura vacinal: uma metodologia para detecção e intervenção em situações de risco. Epidemiol. Serv. Saúde [online]. 2010;19:(3);217-226. Considerando-se que a realização de inquéritos para avaliação de cobertura vacinal representa uma ação relevante, este estudo objetiva estimar a cobertura vacinal e analisar os fatores sociodemográficos associados à não vacinação em crianças nascidas vivas em 2017 e 2018 nas capitais do Nordeste brasileiro.

MÉTODOS

Desenho do estudo

Inquérito domiciliar com amostragem por conglomerados baseado em coorte de crianças nascidas vivas em 2017 e 2018, em áreas urbanas das capitais do Nordeste do Brasil, realizado entre 2020 e 2022. Trata-se de um recorte do Inquérito de cobertura vacinal nas capitais de 26 estados, Distrito Federal e 12 municípios do interior em crianças nascidas em 2017-2018 residentes em área urbana, cujos detalhes dos métodos e aspectos operacionais foram apresentados em artigo.2020 Barata RB, França AP, Guibu IA, Vasconcellos MTLD, Moraes JCD. Inquérito Nacional de Cobertura Vacinal 2020: métodos e aspectos operacionais. Revista Brasileira de Epidemiologia. 2023;26:e230031.

Contexto

A região Nordeste tem extensão territorial de 1.558.000 km² e população estimada de 54.644.582 habitantes (26,9% da população do país). As capitais nordestinas possuem 11.385.286 habitantes, tendo Aracaju (602.757) a menor e Fortaleza (2.428.708) a maior população.2121 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2022. [s.l]. 2021. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/sobre/conhecendo-o-brasil.html.
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População e fonte de dados

A população do estudo é composta por crianças nascidas nos anos de 2017 e 2018, residentes nas nove capitais da região Nordeste, segundo o Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc). A fonte de dados foi o inquérito nacional mencionado anteriormente.

Procedimento amostral

Participaram do estudo crianças cujas trajetórias de vacinação foram analisadas desde o nascimento até os 24 meses de idade, que tiveram seus endereços, conforme o Sinasc, georreferenciados em setores censitários de residência e agrupados em conglomerados formados por quatro estratos ecológicos (A, B, C, D) definidos por características socioeconômicas, em que o A apresenta as melhores condições de vida, e o D, as piores.

Para definição dos estratos, foram utilizados os setores censitários de cada cidade, conforme o Censo Demográfico de 2010, classificados com base na renda média dos responsáveis pelo domicílio, na proporção de responsáveis alfabetizados e na proporção de responsáveis com renda maior ou igual a 20 salários mínimos.

A partir dos conglomerados, foi realizada seleção aleatória do número previsto de crianças em cada estrato. O tamanho da amostra nos estratos variou de acordo com o número de inquéritos realizados nos municípios, e foi definido segundo diretrizes estabelecidas no artigo metodológico publicado.2020 Barata RB, França AP, Guibu IA, Vasconcellos MTLD, Moraes JCD. Inquérito Nacional de Cobertura Vacinal 2020: métodos e aspectos operacionais. Revista Brasileira de Epidemiologia. 2023;26:e230031.

Coleta de dados e variáveis

As visitas domiciliares ocorreram no período de 2020 a 2022, de acordo com os endereços identificados no Sinasc. Utilizou-se questionário para a coleta de informações sobre características sociodemográficas:

  • Da família: aglomeração intradomiciliar (sim/não), presença de avó/avô morando no domicílio (sim/não), acesso a benefício social (sim/não) e renda mensal (até R$ 1.000, de R$ 1.001 a R$ 3.000, de R$ 3.001 a R$ 8.000, e acima de R$ 8.000);

  • Da mãe da criança: faixa etária (< 20 anos, 20-34 anos, 35 anos ou mais), raça/cor da pele (branca, preta, parda, amarela, indígena), escolaridade (0 a 8 anos de estudo, 9 a 12 anos, 13 a 15 anos, 16 anos ou mais), existência de trabalho (sim/não), viver com o companheiro (sim/não), número de filhos vivos;

  • Da criança: sexo (masculino/feminino), raça/cor da pele, frequenta creche (sim/não), tipo de parto (normal/cesariana), ordem de nascimento.

Sobre a imunização, foram coletadas informações referentes ao tipo de vacina e ao número de doses recebidas. O esquema vacinal completo considerado neste estudo, até 24 meses de vida, foi o mesmo preconizado pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), que inclui a administração das seguintes vacinas: bacilo de Calmette-Guérin (BCG) e hepatite B, ao nascer; pentavalente (contra difteria, tétano, pertússis, hepatite B e Haemophilus influenzae B) e vacina poliomielite inativada (VIP), aos 2, 4 e 6 meses; pneumocócica 10-valente e vacina rotavírus humano, aos 2 e 4 meses; vacina contra febre amarela, aos 9 meses; vacina conjugada meningocócica C, aos 3, 5 e 12 meses; vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola), aos 12 e 15 meses; e vacina adsorvida difteria, tétano, pertússis (DTP), hepatite A, poliomielite oral (VOP) e varicela, aos 15 meses de vida.

A hesitação vacinal foi analisada na perspectiva dos responsáveis pelas crianças, abordando-se questões sobre crenças (confiança nas vacinas), medo de reações, importância da vacinação e decisão de vacinar (ou não). Essas respostas foram interpretadas como desfavoráveis, indiferentes ou favoráveis às ações propostas pelo PNI. Também foram levantados quesitos de ordem pessoal (dificuldades para levar a criança a se vacinar) e operacional (barreiras de acesso aos serviços) que poderiam dificultar a vacinação.

Por fim, verificou-se a situação vacinal por meio do registro fotográfico da caderneta de vacinação da criança.

Métodos estatísticos

Os indicadores de coberturas vacinais foram calculados considerando-se o número total de últimas doses do esquema para cada imunizante recebido (numerador) e a população amostral (denominador), multiplicando-se por 100. Como referência, foram utilizadas as metas do Calendário Nacional de Vacinação da Criança, a saber: 90% para vacinas BCG e vacina rotavírus humano; 95% para as demais vacinas. Neste estudo, as análises não consideraram a vacina contra febre amarela, porque em 2017 e 2018 não havia recomendação desse imunobiológico para a maioria dos estados do Nordeste.

Estimativas ponderadas de cobertura vacinal e intervalos de confiança (IC95%) foram calculados para cada vacina, utilizando-se significância estatística de p < 0,05.2121 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2022. [s.l]. 2021. Disponível em: https://censo2022.ibge.gov.br/sobre/conhecendo-o-brasil.html.
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Foi realizada análise exploratória para a identificação de fatores de risco associados à não vacinação, por meio de regressão logística, com cálculo da razão de chance – odds ratio (ORc) – e intervalos de confiança de 95% (IC95%). Variáveis que apresentaram associação com p < 0,20 na regressão univariada foram incluídas no modelo, com o cálculo da OR ajustada (OR-a), utilizando-se o método stepwise. A colinearidade do modelo foi verificada por análise do fator de inflação da variância, com exclusão do modelo das variáveis com sua presença. Para a variável dependente – status de vacinação aos 24 meses de idade –, procedeu-se à dicotomização em completamente vacinada (referência), considerando-se crianças com todas as doses do esquema vacinal, ou sem vacinação completa, para aquelas com ausência de uma ou mais doses válidas do esquema vacinal.

As análises foram conduzidas por meio do software R® versão 4.2.2, utilizando-se o pacote tidyverse; Stata® versão 13 e Microsoft Office Excel®.

Considerações éticas

O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, sob parecer no 3.366.818, em 4 de junho de 2019, com Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) 4306919.5.0000.5030; e da Irmandade da Santa Casa de São Paulo, sob parecer no 4.380.019, em 4 de novembro de 2020, com CAAE 39412020.0.0000.5479.

RESULTADOS

Foram realizadas 10.290 entrevistas, distribuídas proporcionalmente entre estratos socioeconômicos e cidades. Desse total, 2.249 (21,9%) pertenciam ao estrato A; 2.659 (25,8%), ao B; 2.677 (26,0%), ao C; e 2.705 (26,3%), ao D. O maior número de entrevistas ocorreu em Salvador (1.818; 17,7%), Recife (1.689; 16,4%) e Fortaleza (1.612; 15,7%); e o menor, em Natal (685; 6,7%). A caderneta de vacinação foi apresentada por 99,2% das famílias. O uso dos serviços privados de vacinação pelo menos uma vez foi identificado em 15,0% das entrevistas (Tabela 1).

Tabela 1
Proporção (%) das características sociodemográficas das famílias de crianças nascidas em 2017-2018, segundo as capitais dos estados da região Nordeste, Inquérito de Cobertura Vacinal 2020-2022 (n = 10.290)

Constatou-se que 9,3% dos domicílios tinham aglomeração intradomiciliar (mais de três pessoas por dormitório), e 36,0% das famílias tinham acesso a benefício social. Renda mensal familiar de até R$ 1.000,00 foi verificada em 34,1% dos entrevistados, com maior proporção no estrato D (53,4%) e menor no A (12,9%). Maceió teve maior parcela de famílias nessa faixa de renda (46,8%). Apenas 5,7% referiram renda mensal maior que R$ 8.000,00, concentradas no estrato A (29,7%) e em Aracaju (13,9%) (Tabela 1).

Mães de raça/cor da pele parda ou preta (71,1%) predominaram, variando de 55,8% (Natal) a 82,3% (Salvador). Mães brancas foram mais frequentemente referidas no estrato A (40,0%), e as de raça/cor da pele preta, no estrato D (20,1%). A maioria das mães (43,4%) tinham entre 13 e 15 anos de estudos concluídos, principalmente nos estratos C (52,0%) e D (47,7%) (Tabela 1).

A maioria das crianças era do sexo masculino (52,3%), principalmente nos estratos B e C. No estrato A (50,5%) e nas cidades de Teresina (51,7%) e Recife (50,4%), houve maioria feminina. Crianças pardas (55,2%) predominaram no geral, com Fortaleza apresentando 66,4%. A maior proporção de crianças brancas se verificou em Natal (55,6%), acima do percentual geral (34,1%) (Tabela 1).

Na análise de cobertura vacinal, quatro capitais conseguiram alcançar a meta para pelo menos um imunobiológico: Recife [BCG, 93,2% (IC95% 91,7;94,7)]; Salvador [BCG, 95,3% (IC95% 94,4;96,38); pneumocócica 10, 95,4% (IC95% 94,4;96,3)], São Luís [BCG, 95,1% (IC95% 93,6;96,6); pneumocócica 10, 95,2% (IC95% 93,7;96,6)] e Teresina [BCG, 94,9% (IC95% 93,4;96,3); pneumocócica 10, 97,3% (IC95% 96,3;98,4); rotavírus humano, 90,3% (IC95% 88,4;92,3); meningocócica C, 96,0% (IC95% 94,7;97,2); tríplice viral, 97,1% (IC95% 96,0;98,2); hepatite A, 95,6% (IC95% 94,2;97,0)]. As demais capitais não alcançaram as metas para nenhuma das vacinas. Natal apresentou menores coberturas vacinais, com média geral de 77,3%; por outro lado, Teresina teve os melhores indicadores, tanto na média conjunta (93,9%) quanto na análise por vacina, sendo a única cidade onde todos os imunizantes apresentaram coberturas vacinais maiores ou iguais a 90% (Tabela 2).

Tabela 2
Coberturas vacinais (%) e intervalos de confiança de 95% de vacinas em crianças nascidas em 2017-2018 nas capitais dos estados da região Nordeste do Brasil, Inquérito de Cobertura Vacinal 2020-2022 (n = 10.290)

Na evolução das coberturas vacinais, consoante sequência prevista no calendário vacinal, percebeu-se um comportamento heterogêneo entre as capitais, sendo que três delas (Teresina, Salvador e Aracaju) apresentaram desempenho superior à média nacional; outras três (Fortaleza, João Pessoa e Natal) se comportaram abaixo; e as demais (Recife, São Luís e Aracaju) situavam-se na mesma faixa das coberturas vacinais nacionais. Natal foi notoriamente a capital com menor desempenho, iniciando com 70,9% para BCG e encerrando com 36,6% para varicela (Figura 1).

Figura 1
Evolução das coberturas vacinais em crianças nascidas em 2017-2018, segundo vacinas e capitais dos estados da região Nordeste do Brasil, Inquérito de Cobertura Vacinal 2020-2022 (n = 10.290)

Na percepção dos pais/responsáveis para questões alusivas à hesitação vacinal, 99,1% (IC95% 98,9;99,3) acreditavam que as vacinas são importantes para a saúde das crianças, com pouca variação entre os estratos. Sobre a necessidade de tomar vacinas para doenças que talvez não existam mais, 80,7% (IC95% 79,9;81,4) consideravam necessário manter a vacinação. Uma proporção de 98,6% (IC95% 98,3;98,7) dos pais/responsáveis concordou com a afirmação de que “vacinar a criança é importante para a saúde das crianças do bairro”, sem variação significativa entre estratos e capitais.

Sobre a possibilidade de ocorrerem reações adversas após a administração de vacinas, 20,4% (IC95% 19,6;21,2) dos entrevistados disseram acreditar que as reações ocorrem por causa dos imunizantes. No estrato D, 20,2% (IC95% 18,8;21,8) dos respondentes concordaram com essa crença, enquanto no estrato A essa percepção se reduziu para 13,2% (IC95% 11,9;14,6). A confiança nas vacinas distribuídas pelo governo esteve presente em 95,4% das respostas, com maiores proporções no estrato A (97,0%) e em Fortaleza (98,1%); e menores no estrato C (94,3%) e em Maceió (90,3%) (Figura 2).

Figura 2
Percepção sobre as vacinas, segundo pais e responsáveis por crianças nascidas vivas em 2017 e 2018, nas capitais dos estados da região Nordeste, Inquérito de Cobertura Vacinal 2020-2022 (n = 10.290)

A decisão de aplicar todas as vacinas ofertadas foi relatada por 96,9% dos respondentes. Três famílias (em Natal, Recife e São Luís) optaram por não aplicar nenhuma vacina, ao passo que 265 (2,6%) decidiram não aplicar algumas vacinas. Nesse último grupo, ao serem os entrevistados perguntados sobre os motivos para a resposta, destacaram-se as seguintes justificativas: medo de reação (45,3%), medo de injeções (21,5%), não acreditam em vacinas (15,8%), o(a) médico(a) orientou a não tomar (12,9%), acham que vacinas fazem mal (11,7%), notícias veiculadas na mídia fizeram desistir (8,2%) e a doença não existe mais (5,9%).

Quando questionados se tiveram dificuldade para levar a criança ao serviço de vacinação, 852 (8,3%) disseram que sim. Desses, 46,6% justificaram que a unidade de saúde ficava longe; 35,7% relataram não ter tempo para levar a criança; 28,9% indicaram que o horário de funcionamento da unidade era incompatível; 27,3% relataram que não tinham transporte; 22,8%, que não tinham dinheiro; 7,4%, que o empregador não liberava; e 3,1%, porque perderam o cartão de vacinação.

Para o questionamento sobre se a criança já deixou de ser vacinada apesar de ter sido levada à unidade de saúde, houve 3.572 (34,7%) respostas positivas. Os principais motivos foram: falta de vacina (86,8%), sala de vacina fechada (23,5%), faltava material (19,4%), ausência de profissional de saúde (15,3%), profissional recomendou não aplicar vacinas no mesmo dia (14,9%), muita fila (13,7%), acabou a senha (12,3%), não era dia daquela vacina (10,6%).

Na análise multivariada, foram encontrados, como fatores associados à não vacinação, ser residente em áreas do estrato socioeconômico mais alto – A – (OR-a = 1,34; IC95% 1,20;1,50), com destaque para residentes em São Luís (OR-a = 2,78; IC95% 2,33;3,32), uso de serviço privado de vacinação (OR-a = 2,13; IC95% 1,87;2,42), mãe ou responsável sem trabalho remunerado (OR-a = 1,11; IC95% 1,02;1,21) e ter mais de um(a) filho(a) (OR-a = 1,21; IC95% 1,17;1,26). Não foi verificada associação estatisticamente significante com características relacionadas à criança (Tabela 3).

Tabela 3
Fatores sociodemográficos associados à não vacinação em crianças nascidas em 2017-2018, nas capitais dos estados da região Nordeste do Brasil, Inquérito de Cobertura Vacinal 2020-2022 (n = 10.290)

DISCUSSÃO

Os achados deste estudo vão ao encontro do preocupante cenário de baixas coberturas observadas no país.2222 Queiroz LLC, Monteiro SG, Mochel EG, Veras MASM, Sousa FGM, Bezerra MLM, et al. Cobertura vacinal do esquema básico para o primeiro ano de vida nas capitais do Nordeste brasileiro. Cad Saúde Pública [Internet]. 2013 Feb;29(2):294-302. doi: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2013000200016.
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23 Queiroz RCCS, Queiroz RCS, Rocha TAH, Silva FS, Santos IG, Silva IP, et al. Vaccination services and incomplete vaccine coverage for children: a comparative spatial analysis of the BRISA cohorts, São Luís (Maranhão State) and Ribeirão Preto (São Paulo State), Brazil. Cad Saúde Pública [Internet]. 2021;37(6):e00037020. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X00037020.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
-2424 Procianoy GS, Rossini Junior F, Lied AF, Jung LFPP, Souza MCSC. Impacto da pandemia do COVID-19 na vacinação de crianças de até um ano de idade: um estudo ecológico. Ciênc saúde coletiva [Internet]. 2022 Mar;27(3):969-78. doi: https://doi.org/10.1590/1413-81232022273.20082021.
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Não houve alcance das metas para nenhuma das vacinas avaliadas no conjunto das capitais nordestinas. Aspectos relativos à vulnerabilidade social, tais como mãe com mais de um filho e sem trabalho remunerado, bem como a utilização de serviços privados de saúde e pertencer ao estrato socioeconômico mais alto foram associados à menor cobertura. Questões operacionais relacionadas aos serviços de saúde representam importante ponto concernente à hesitação vacinal, além da desinformação sobre vacinas.

Convém observar que, mesmo antes da pandemia de covid-19, quando houve recomendação do distanciamento social, coberturas vacinais inadequadas já vinham sendo evidenciadas, tornando-se pauta prioritária na agenda global da saúde.2525 Leite IS, Ribeiro DAG, Vieira ILV, Gama FO. (2022). A evolução das coberturas vacinais brasileiras e os impactos provocados pela pandemia de Covid-19 nas metas de imunização. Research, Society and Development. 2022;11(11): e205111133041-e205111133041. Em 2019, ano imediatamente posterior ao período de nascimento das crianças observadas neste estudo, o país não havia atingido a meta para nenhuma das vacinas indicadas aos menores de 1 ano.1111 Lopes CAS, Souza FO, Santos DV, Bomfim GSS. Sarampo no Nordeste: análise da cobertura vacinal e dos casos confirmados de 2016 a 2020. REAS [Internet]. 13set.2021 [citado em 24 de março de 2024];13(9):e8482. Disponível em: https://acervomais.com.br/index.php/saude/article/view/8482.

A redução das coberturas vacinais pode ser reflexo, entre outros fatores, do aumento da taxa de abandono, que se refere a pessoas que iniciaram, mas não concluíram o esquema de vacinação. Esse é um cenário preocupante, porque o recebimento das doses iniciais pode gerar a falsa impressão de que alguma imunidade foi alcançada; entretanto, sabe-se que a proteção imunológica somente estará conferida após o esquema vacinal completo.2626 Silva BS, Souza KC, Souza RG, Rodrigues SB, Oliveira VC, Guimarães EAA. Structural and procedural conditions in National Immunization Program Information System establishment. Rev. Bras. Enferm. 2020;73(4). doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0939 pp: e20180939.,2727 Sato APS. National Immunization Program: Computerized System as a tool for new challenges. Rev Saúde Pública. 2015;49:39. doi:10.1590/S0034-8910.2015049005925; REF: Silva AA, et al. Avaliação do Sistema de Vigilância do Programa Nacional de Imunizações - Módulo Registro do Vacinado, Brasil, 2017. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, v. 30, n. 1, e2019596, 2021. Disponível em: <http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742021000100027&lng=pt&nrm=iso>.

A maior proporção de não vacinação no estrato socioeconômico mais alto pode estar sendo influenciada pela hesitação vacinal na população com melhor renda familiar, em que se percebe maior intenção dos pais/responsáveis no adiamento ou não vacinação de seus filhos.2727 Sato APS. National Immunization Program: Computerized System as a tool for new challenges. Rev Saúde Pública. 2015;49:39. doi:10.1590/S0034-8910.2015049005925; REF: Silva AA, et al. Avaliação do Sistema de Vigilância do Programa Nacional de Imunizações - Módulo Registro do Vacinado, Brasil, 2017. Epidemiol. Serv. Saúde, Brasília, v. 30, n. 1, e2019596, 2021. Disponível em: <http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742021000100027&lng=pt&nrm=iso>.,2828 Dubé E, Vivion M, MacDonald NE. Vaccine hesitancy, vaccine refusal and the anti-vaccine movement: influence, impact and implications. Expert Rev Vaccines. 2015 Jan;14(1):99-117. doi: 10.1586/14760584.2015.964212. Epub 2014 Nov 6. PMID: 25373435).
https://doi.org/10.1586/14760584.2015.96...
Soma-se a isso o uso do serviço privado de vacinação pela população pertencente a esse estrato, citado em inquéritos vacinais anteriores no Brasil, o que pode comprometer o monitoramento da situação vacinal, haja vista a indisponibilidade desses dados no Sistema de Informação do PNI.2828 Dubé E, Vivion M, MacDonald NE. Vaccine hesitancy, vaccine refusal and the anti-vaccine movement: influence, impact and implications. Expert Rev Vaccines. 2015 Jan;14(1):99-117. doi: 10.1586/14760584.2015.964212. Epub 2014 Nov 6. PMID: 25373435).
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Em contraposição, a cobertura vacinal incompleta também foi associada à presença de mais de um filho, demonstrando a influência do contexto de vulnerabilidade socioeconômica.2929 Barata RB, Ribeiro MC, Moraes JC, Flannery B. Vaccine Coverage Survey 2007 Group. Socioeconomic inequalities and vaccination coverage: results of an immunisation coverage survey in 27 Brazilian capitals, 2007-2008. J Epidemiol Community Health. 2012 Oct;66(10):934-41. doi: 10.1136/jech-2011-200341. Epub 2012 Jan 19. PMID: 22268129; PMCID: PMC3433223).
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Além dos indicadores de cobertura vacinal e fatores associados, aspectos relacionados à hesitação vacinal obtidos no estudo trazem perspectivas relevantes. Embora se saiba que a aceitação da vacinação pela população em geral já não é a mesma, e nem tão óbvia, quanto em décadas anteriores, os achados deste inquérito indicam que a maioria absoluta dos entrevistados (99,1%) acredita que vacinas são importantes, contrariando a tendência mundial de hesitação vacinal. Dois comportamentos extremos – “receber todas as doses do calendário vacinal” e “não aceitar nenhuma dose” – demonstram heterogeneidade de comportamentos, desafiando a compreensão dessa complexa dinâmica. Atualmente, o Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas (SAGE) considera que, além da simples recusa pessoal, a hesitação vacinal pode estar presente em situações externas causadas por problemas estruturais, como baixa disponibilidade de estoque de vacinas, barreiras de acesso, horários limitados de oferta e dificuldades econômicas, entre outros.1616 Nuwarda RF, Ramzan I, Weekes L, Kayser V. Vaccine Hesitancy: Contemporary Issues and Historical Background. Vaccines (Basel). 2022 Sep 22;10(10):1595. doi: 10.3390/vaccines10101595. PMID: 36298459; PMCID: PMC9612044.
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17 MacDonald NE. SAGE Working Group on Vaccine Hesitancy. Vaccine hesitancy: definition, scope and determinants. Vaccine. 2015;33(34):4161-4. doi: https://doi.org/10.1016/j.vaccine.2015.04.036.
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-1818 WHO. World Health Organization. The thirteenth general programme of work, 2019-2023. Genebra: World Health Organization; 2019.

Parte dos entrevistados não conseguiu vacinar a criança, apesar de ter ido ao serviço, o que demonstra que questões operacionais podem ocasionar barreiras de acesso. Há horários de funcionamento das unidades incompatíveis com as necessidades da população, sobretudo de mães, muitas delas arrimo de família e vinculadas ao mercado de trabalho.3030 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020;36:e00222919. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X.
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Para a usuária trabalhadora, muitas vezes na informalidade, ter que retornar ao serviço de vacinação representa mais um turno afastado da sua fonte de renda. Ainda de forma mais crítica, a associação da não vacinação, nas capitais brasileiras, à ausência do trabalho remunerado para as mães e para aquelas com mais de um filho remete à compreensão da influência dos contextos de iniquidades sociais na restrição do acesso às ações de vacinação, principalmente para a população infantil.2929 Barata RB, Ribeiro MC, Moraes JC, Flannery B. Vaccine Coverage Survey 2007 Group. Socioeconomic inequalities and vaccination coverage: results of an immunisation coverage survey in 27 Brazilian capitals, 2007-2008. J Epidemiol Community Health. 2012 Oct;66(10):934-41. doi: 10.1136/jech-2011-200341. Epub 2012 Jan 19. PMID: 22268129; PMCID: PMC3433223).
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Para o sistema de saúde, isso significa perda de oportunidade de vacinação, definida como a não administração de doses de vacinas indicadas em situações adequadas, quando houve qualquer contato com a pessoa elegível.

Para garantir esquema de vacinação atualizado em uma criança menor de 1 ano de idade, é necessário ir ao serviço de vacinação pelo menos sete vezes. Daí a importância do acesso amplo e contínuo às vacinas, a fim de não se perderem oportunidades de vacinação. É imprescindível rever as ações e o funcionamento dos serviços de vacinação para o alcance de coberturas vacinais adequadas, considerando-se as necessidades da população.3030 Domingues CMAS, Maranhão AGK, Teixeira AM, Fantinato FFS, Domingues RAS. 46 anos do Programa Nacional de Imunizações: uma história repleta de conquistas e desafios a serem superados. Cad Saúde Pública [Internet]. 2020;36:e00222919. doi: https://doi.org/10.1590/0102-311X.
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A adoção de estratégias de microplanejamento, a partir do diagnóstico situacional nos diferentes contextos do SUS, é considerada uma ação necessária. O reconhecimento territorial de situações de risco e vulnerabilidade, bem como a identificação da população susceptível e das condições do serviço (infraestrutura e equipes disponíveis), devem ser incorporados ao planejamento e à execução das ações.

Em tempos de infodemia, a comunicação social e o engajamento da população são fundamentais para somar esforços em prol da vacinação. Ações de informação e comunicação devem ser incorporadas em todas as etapas do processo, buscando traduzir, de forma clara, atraente e precisa, a importância, segurança e efetividade das vacinas disponibilizadas pelo SUS.1515 AVAAZ. As fake news estão nos deixando doentes? Como a desinformação antivacinas pode estar reduzindo as taxas de cobertura vacinal no Brasil. [São Paulo]: AVAAZ: SBim, 2019. Disponível em: https://cutt.ly/XmJX9bH Acesso em: 15 jul. 2021.
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As limitações deste estudo são inerentes aos inquéritos domiciliares, incluindo desafios logísticos, especialmente em áreas de difícil acesso, recusas em participar da pesquisa e vieses de memória, por se tratar de vacinas recebidas no passado, o que pode interferir na precisão das respostas. Por ter compreendido o período pandêmico da covid-19, a execução do trabalho de campo sofreu interrupções nos momentos mais críticos da crise sanitária. Para superação desses reveses, investiu-se em treinamento da equipe, agendamento prévio e ações de comunicação acerca das medidas de segurança.

A disponibilidade de informações referentes ao endereço no Sinasc estava limitada em determinadas áreas, sobrecarregando a equipe de campo na busca por endereços em outras fontes. A baixa qualidade dos registros nas cadernetas de vacinação também foi um dificultador, tanto pela inexistência de padronização quanto pela incompletude dos dados. Ainda assim, este estudo reforça a importância de pesquisas locais, principalmente após o resgate de ações estratégicas do PNI a partir de 2023. Todavia, ele pode ser posteriormente aprofundado com a aplicação de modelos causais mais robustos.

A cobertura vacinal em menores de 24 meses nascidos nos anos de 2017 e 2018, nas capitais do Nordeste brasileiro, esteve abaixo dos parâmetros preestabelecidos, tanto no conjunto quanto para cada vacina. Em todas as capitais, houve drástica redução da cobertura vacinal, ao longo do período de observação. Diferentes dimensões de vulnerabilidade social, aspectos operacionais dos serviços privados, acesso aos serviços públicos e pertencer ao estrato socioeconômico mais alto (A) estiveram associados à menor cobertura. Nas situações de hesitação vacinal, destacaram-se aspectos operacionais e relacionados à desinformação.

Entraves inerentes às formas de oferta do serviço de vacinação requerem atenção especial. Ações integradas de comunicação e educação em saúde são imprescindíveis para minimizar incertezas acerca das vacinas. Repensar as atuais estratégias de imunização no SUS, a fim de adequá-las aos contextos e às especificidades regionais, se faz necessário para subsidiar análises mais precisas sobre os desafiadores aspectos atinentes às baixas coberturas e aos aspectos operacionais que as permeiam.

  • FINANCIAMENTO

    Processo no 404131, do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, por intermédio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), referente ao projeto de pesquisa Inquérito de cobertura vacinal nas capitais de 26 Estados, no Distrito Federal e em 12 municípios do interior em crianças nascidas em 2017-2018 residentes em área urbana.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2023
  • Aceito
    08 Jul 2024
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