Adaptação cultural do Retirement Resources Inventory para a cultura brasileira

Raquel Gvozd Mariana Angela Rossaneis Paloma de Souza Cavalcante Pissinati Edinêis de Brito Guirardello Maria do Carmo Fernandez Lourenço Haddad Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Traduzir e adaptar o Retirement Resources Inventory para a cultura brasileira.

MÉTODOS

Pesquisa metodológica incluindo as etapas de tradução, síntese, avaliação por comitê de juízes, retrotradução e pré-teste. A consistência interna do instrumento foi avaliada pelo coeficiente alfa de Cronbach.

RESULTADOS

As etapas de tradução e adaptação cultural foram consideradas adequadas, e a avaliação da versão síntese pelos juízes resultou na necessidade de alteração de 95,0% dos itens para assegurar as equivalências semântica, idiomática, cultural e conceitual entre as versões original e traduzida. No consenso geral do instrumento, a taxa de concordância entre os juízes para as equivalências foi de 84,4%. Quanto à etapa de pré-teste, participaram 25 pré-aposentados, que sugeriram adequações no instrumento. O tempo médio para preenchimento do instrumento foi de 18,7 minutos. A consistência interna global do instrumento foi de 0,85.

CONCLUSÕES

O processo metodológico de adaptação cultural do Retirement Resources Inventory resultou em adequada validade de conteúdo e facilidade de compreensão pelos participantes. Ressalta-se que este estudo antecede o processo de avaliação das propriedades psicométricas do instrumento, que será realizado em novas pesquisas.

Aposentadoria; Envelhecimento; Traduções; Inquéritos e Questionários; Estudos de Validação; Saúde do Trabalhador

INTRODUÇÃO

A aposentadoria é caracterizada por um período de grande transição na vida de uma pessoa11. Bauger L, Bongaardt R. The lived experience of well-being in retirement: a phenomenological study. Int J Qual Stud Health Well-being. 2016;11(1):33110. https://doi.org/10.3402/qhw.v11.33110
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. Pode representar uma conquista positiva por promover a qualidade e expectativa de vida; entretanto, instabilidades relacionadas às garantias sociais e à saúde podem surgir, além de uma conotação negativa, sobretudo, devido à improdutividade e dependência financeira que algumas pessoas vivenciam quando chegam a essa etapa da vida22. Beard JR, Bloom DE. Towards a comprehensive public health response to population ageing. Lancet. 2015;385(9968):658-61. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61461-6.
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Neste sentido, o período que precede a aposentadoria pode vir acompanhado de incertezas e inseguranças, porém representa a oportunidade de mudanças de comportamentos e hábitos que podem contribuir para o bem-estar futuro33. Smeaton D, Barnes H, Vegeris S. Does retirement offer a window of opportunity for lifestyle change? Views from English workers on the cusp of retirement. J Aging Health. 2017;29(1):25-44. https://doi.org/10.1177/0898264315624903
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. Para que essa trajetória seja bem-sucedida, devem ser considerados os fatores de risco e de proteção que interferem nessa transição44. Liberatti VM, Martins JT, Ribeiro RP, Scholze AL, Galdino MJQ, Trevisan GS. Qualidade de vida na concepção de docentes de enfermagem aposentadas por uma universidade pública. Cienc Cuid Saude. 2016;15(4):655-61. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v15i4.29968
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. Estudos analisam a preparação e a adaptação à aposentadoria observando características pessoais, psicossociais e organizacionais que afetam esses processos55. Leandro-França C, Murta SG. Prevenção e promoção da saúde mental no envelhecimento: conceitos e intervenções. Psicol Cienc Prof. 2014;34(2):318-29. https://doi.org/10.1590/1982-3703001152013
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, 66. Rafalski JC, Noone JH, O’Loughlin K, Andrade AL. Assessing the process of retirement: a cross-cultural review of available measures. J Cross Cult Gerontol. 2017;32(2):255-79. https://doi.org/10.1007/s10823-017-9316-6
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Na literatura, não há um consenso de quando o trabalhador é considerado pré-aposentado. A Política Nacional do Idoso77. Brasil. Lei Nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994. Dispõe sobre a política nacional do idoso, cria o Conselho Nacional do Idoso e dá outras providências. Brasília, DF; 1994 [cited 2018 Jun 20]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8842.htm
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propõe a criação e a manutenção de programas de preparação para a aposentadoria nos setores público e privado, com antecedência mínima de dois anos do afastamento laboral. Da mesma forma, o Estatuto do Idoso brasileiro sugere que sejam ofertados ao trabalhador pré-aposentado programas de estímulo para realizar novos projetos com antecedência mínima de um ano da aposentadoria88. Brasil. Lei nº 10.741, de 1 de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Brasília, DF; 2003 [cited 2018 jun 20]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm
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O envelhecimento da população, com a crescente inversão da pirâmide etária, tem indicado uma maior permanência do trabalhador no mercado de trabalho. As estimativas têm demonstrado que o índice de envelhecimento (IE), obtido pela razão entre a população idosa e a população jovem, aumentará significativamente nos próximos anos. O IE no Brasil era de 44,8 e poderá atingir 208,7 em 205099. Simões CCS. Relações entre as alterações históricas na dinâmica demográfica brasileira e os impactos decorrentes do processo de envelhecimento da população. Rio de Janeiro: IBGE; 2016 [cited 2017 oct 20]. Available from: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv98579.pdf
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.

Diante da alta taxa de envelhecimento, as organizações devem oferecer programas de preparação para a aposentadoria (PPA) e promover o envelhecimento saudável aos seus colaboradores. Pesquisadores aconselham que as pessoas que não desejam continuar trabalhando tenham ao menos uma atividade laborativa na aposentadoria, e os PPA podem ajudá-los na organização do tempo, de forma a incorporarem outros aspectos relevantes para o seu bem-estar ao dia a dia, para que consigam se adaptar aos papéis a serem assumidos quando aposentados1010. Leandro-França C, Seidl J, Murta SG. Intervenção breve como estratégia de planejamento para aposentadoria: transformando intenções em ações. Psicol Estud. 2015;20(4):543-53. https://doi.org/10.4025/psicolestud.v20i4.27413
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, 1111. Dantas PMAB, Oliveira CM. Programas de preparação para aposentadoria: desafio atual para gestão de pessoas. Argumentum. 2014;6(1):116-32. https://doi.org/10.18315/argumentum.v6i1.7473
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A realização de estudos acerca do envelhecimento e da aposentadoria mostra-se relevante não só para guiar as políticas de gestão de pessoas nas empresas públicas e privadas, mas também para auxiliar os indivíduos a planejar, decidir entre se aposentar ou continuar trabalhando e alcançar o bem-estar na aposentadoria1212. França LHFP, Seidl J. Manual da Oxford sobre aposentadoria. Rev Psicol Organ Trab. 2016;16(3):308-10. https://doi.org/10.17652/rpot/2016.3.732
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. Assim, mensurar e compreender como o trabalhador se percebe diante da aposentadoria pode auxiliar no preparo para situações que ele enfrentará na pós-carreira, e a utilização de instrumentos específicos para essa finalidade pode se constituir em valiosa ferramenta de gestão.

Um estudo de revisão integrativa cuja finalidade foi identificar na literatura instrumentos de medidas que abordam aspectos da pré-aposentadoria ou aposentadoria publicados em inglês e português no período de 1976 a 2014 apontou 28 instrumentos que avaliam as atitudes de planejamento, tomada de decisão, ajuste ou satisfação com a aposentadoria, quatro deles validados para a cultura brasileira. O estudo fez menção a um instrumento australiano que pode auxiliar na avaliação do processo que antecede a aposentadoria, pois apresenta uma abordagem para o envelhecimento saudável: o Retirement Resources Inventory (RRI)1313. Rafalski JC, Noone JH, O’Loughlin K, Andrade AL. Assessing the process of retirement: a cross-cultural review of available measures. J Cross Cult Gerontol. 2017;32(2):255-79. https://doi.org/10.1007/s10823-017-9316-6
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. Ao identificar a necessidade da validação de um instrumento para a cultura brasileira que auxiliasse na estruturação de estratégias de preparo para a aposentadoria com vistas ao envelhecimento saudável e na promoção da qualidade de vida do trabalhador, elegemos o RRI para a adaptação cultural e validação.

O referido instrumento foi desenvolvido por Leung e Earl com a finalidade de mensurar os recursos que devem ser incorporados no planejamento da aposentadoria e auxiliar na concepção de intervenções adequadas para identificar déficits específicos dessa fase da vida. É composto por 35 itens distribuídos em três domínios: RT1, que avalia os recursos emocionais, cognitivos e motivacionais relacionados com a aposentadoria (itens 18–35); RT2, que avalia os recursos sociais (itens 9–17); e RT3, que avalia os recursos físicos e financeiros (itens 1–8)1414. Leung CSY, Earl JK. Retirement resources inventory: construction, factor structure and psychometric properties. J Vocat Behav. 2012;81(2):171-82. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2012.06.005
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A escala de medida utilizada no RRI é do tipo Likert, que varia entre um e cinco pontos para cada item. Quanto maior a pontuação de cada domínio, menor é o déficit de recursos que o participante apresenta para ele. Portanto, o RT1 pode atingir pontuação mínima de 18 e máxima de 90 pontos, o RT2 pode variar de nove a 45 pontos e o RT3 pode variar de oito a 40 pontos. O escore global do instrumento pode variar de 35 a 175 pontos1414. Leung CSY, Earl JK. Retirement resources inventory: construction, factor structure and psychometric properties. J Vocat Behav. 2012;81(2):171-82. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2012.06.005
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Considerando a falta de instrumentos com a mesma finalidade no Brasil, o presente estudo teve como objetivo traduzir e adaptar o Retirement Resources Inventory para a cultura brasileira.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo metodológico de tradução e adaptação cultural com o objetivo de validar um instrumento congruente com o original, porém adaptado à cultura do país onde será aplicado1515. Epstein J, Santo RM, Guillemin F. A review of guidelines for cross-cultural adaptation of questionnaires could not bring out a consensus. J Clin Epidemiol. 2015;68(4):435-41. https://doi.org/10.1016/j.jclinepi.2014.11.021
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. Para a adaptação cultural, seguiu-se o protocolo para tradução da Organização Mundial da Saúde, contemplando as seguintes etapas: tradução do instrumento original, síntese das traduções, avaliação por comitê de especialistas, retrotradução e pré-teste com o público-alvo1616. World Health Organization. Process of translation and adaptation of instruments. Geneva: WHO; 2017 [cited 2017 sep 10]. Available from: http://www.who.int/substance_abuse/research_tools/translation/en/
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, 1717. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self- report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. . Previamente à realização do estudo, foi estabelecido o contato com uma das autoras do instrumento original, obtendo-se autorização formal para esse processo.

A primeira etapa da adaptação cultural consistiu na tradução da versão original do RRI para a língua portuguesa, realizada de forma independente por dois tradutores bilíngues cuja língua materna era o português do Brasil. Um deles possuía conhecimento técnico sobre a temática do instrumento, mas nenhum foi informado sobre os objetivos da pesquisa. Essa etapa gerou as versões T1 e T2.

As versões T1 e T2 foram analisadas por outras duas tradutoras bilíngues, que também tinham o português brasileiro como língua materna, possuíam conhecimento dos objetivos do estudo e eram pré-aposentadas. Essas tradutoras avaliaram as duas traduções com o intuito de identificar discrepâncias e gerar uma síntese. Após essa análise, a pesquisadora principal e sua orientadora reuniram-se com uma das tradutoras para resolver as discrepâncias identificadas, o que gerou a Versão Português Consenso 1 (VPC1).

Procedeu-se posteriormente à avaliação da VPC1 por um comitê de juízes constituído por quatro enfermeiras, um médico, um fisioterapeuta, um odontólogo e um educador físico. Foram selecionados especialistas que apresentavam pelo menos dois dos três critérios estabelecidos pelas pesquisadoras, a saber: domínio da língua inglesa, experiência nas áreas de aposentadoria e envelhecimento do trabalhador e experiência na tradução e validação de instrumentos de pesquisa.

Foi enviado aos juízes um questionário via plataforma eletrônica que apresentava a versão original do instrumento e a VPC1. Os juízes receberam orientações específicas para avaliar se cada item do instrumento atendia às equivalências semântica, idiomática, cultural e conceitual1717. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self- report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. . A equivalência semântica refere-se ao significado das palavras, a idiomática à formulação de expressões coloquiais equivalentes ao idioma de origem, a cultural aos termos e às situações cotidianas diferentes entre as culturas e a conceitual às palavras que têm significados culturais diferentes1717. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self- report measures. Spine. 2000;25(24):3186-91. .

Solicitou-se que cada juiz avaliasse os itens do instrumento e sinalizasse a concordância com as equivalências assinalando uma das seguintes respostas: “sim”, “não” ou “em parte”. Nos casos em que o juiz não concordou com a equivalência, foi solicitado que ele fizesse sugestões para a adequação do item. Ao final dessa etapa, foi possível calcular um percentual de concordância entre os juízes, sendo adotada para este estudo uma taxa de concordância mínima de 80%1818. Polit DF, Beck CT, Owen SV. Is the CVI an acceptable indicator of content validity? Appraisal and recommendations. Res Nurs Health. 2007;30(4):459-67. https://doi.org/10.1002/nur.20199
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. Realizou-se a revisão de todas as sugestões dos experts pela pesquisadora principal e sua orientadora, o que resultou na Versão Português Consenso 2 (VPC2).

A retrotradução para a língua inglesa da VPC2 foi realizada por duas tradutoras independentes cuja língua materna era o inglês. Essas tradutoras não participaram da primeira etapa nem tinham conhecimento do instrumento. Foram geradas duas versões retrotraduzidas (R1 e R2), comparadas ao instrumento original pela pesquisadora principal e sua orientadora, resultando na adoção de uma das traduções (Versão Inglês Final – VIF).

A última etapa do processo de tradução consiste no pré-teste, que foi conduzido com 25 participantes do público-alvo selecionados por conveniência. A fim de avaliar a compreensão do instrumento tanto no formato eletrônico como no impresso, as duas formas de coleta de dados foram utilizadas no pré-teste, mas com participantes distintos. Para tanto, 12 pré-aposentados responderam ao instrumento no formato on-line e 13 no formato impresso.

Foram usados três instrumentos de coleta de dados no pré-teste: um questionário de caracterização sociodemográfica e ocupacional, o RRI Versão Português Consenso 2 e um questionário para avaliação da compreensão dos itens do instrumento e suas opções de resposta, pertinência dos itens e relação com a aposentadoria, além de sugestões de reformulação dos itens e do layout do instrumento. Solicitou-se que cada participante registrasse o tempo necessário para responder ao instrumento. Após a finalização desta etapa, o instrumento passou por apreciação pela autora original, obtendo-se a versão que atendeu aos critérios de adaptação para a cultura brasileira. A confiabilidade do instrumento foi verificada a partir da consistência interna, medida pelo alfa de Cronbach.

A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa da instituição onde o estudo foi realizado, sob o Parecer 1.543.255.

RESULTADOS

A primeira etapa da adaptação cultural se desenvolveu dentro do planejado. As duas versões (T1 e T2) apresentaram traduções discrepantes em alguns itens do instrumento, solucionadas com o auxílio de dois outros tradutores. As dúvidas foram sanadas e, ao final dessa etapa, obteve-se a VPC1. A etapa seguinte de avaliação da VPC1 pelos especialistas resultou no aprimoramento de diversos itens. A Tabela 1 apresenta o percentual de concordância de cada item do instrumento de acordo com as equivalências avaliadas pelos especialistas.

Tabela 1
Percentual de concordância dos juízes para cada item do instrumento de acordo com as equivalências semântica, idiomática, cultural e conceitual. Londrina, PR, Brasil, 2017.

O percentual de concordância dos juízes para o instrumento foi de 84,4%. Dos 38 itens avaliados, 10 (26,3%) não atingiram o mínimo de 80% desejado para o estudo. A maioria das taxas de concordância com valores abaixo de 80% referem-se à equivalência semântica, verificada em 28 itens. As demais equivalências apresentaram taxas abaixo de 80% em sete itens cada. Os itens 6, 7, 8 e 34 não atingiram a taxa de concordância adotada neste estudo para nenhuma das equivalências. Os juízes sugeriram adequações em 95,0% dos itens do instrumento, relacionadas à troca de palavras e expressões por sinônimos mais aplicáveis à cultura brasileira e adição, retirada ou substituição de palavras e expressões para melhorar a compreensão das sentenças ( Quadro ).

Quadro
Descrição dos itens que foram modificados conforme sugestões apresentadas pelo comitê de juízes. Londrina, PR, Brasil, 2017.

Todas as sugestões dessa etapa da pesquisa foram acatadas e submetidas ao pré-teste com a população-alvo. Participaram do pré-teste 25 pré-aposentados das categorias ocupacionais docente (25,0%) e técnico administrativo ou operacional (75,0%), com predominância do sexo feminino (76,6%) e idade média de 57 anos.

Nessa etapa da pesquisa, foram sugeridas adequações nos enunciados dos itens 6, 7 e 8. O item 6 (“Tenho _____ suporte financeiro que provém das minhas economias pessoais”) apresentou sugestões de adequação por seis participantes e foi alterado para “Tenho _____ suporte financeiro que provém das minhas economias pessoais (exemplo: poupança)”.

No item 7 (“Tenho_____ suporte financeiro proveniente dos meus investimentos”) houve a sugestão de seis participantes para o acréscimo de termos exemplificando investimentos, gerando a nova versão: “Tenho_____ suporte financeiro proveniente dos meus investimentos (exemplo: imóveis, negócios, aplicações)”.

O item 8 (“Tenho_____ suporte financeiro proveniente da minha aposentadoria”) gerou questionamentos por seis participantes por se referir especificamente a aposentados, e foi adequado para “O suporte financeiro que terei da minha aposentadoria será:”.

Oito participantes tiveram dificuldade para escolher entre as opções de resposta de 22 itens do instrumento, evidenciando semelhança entre elas, o que induzia a respostas duplas. Além disso, nove participantes sugeriram alterar as alternativas de Likert de 13 questões (4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 19, 20, 21, 29 e 30) para que permanecesse apenas uma palavra para cada resposta, conforme exemplo: de “muito poucos/nenhum” para apenas “nenhum”. Tais alterações foram acatadas e aprovadas pelo autor do instrumento original.

Um participante indicou alterações no enunciado do item 31, de “diante das dificuldades” para “diante de qualquer dificuldade”. Quatro participantes sugeriram substituir o termo “substancial”, que constava em oito alternativas de resposta (9, 10, 11, 18, 19, 20, 21 e 27), pelo termo “muita”, por ser mais adequado para a cultura brasileira. Outra sugestão foi a inclusão do termo “parcialmente” nas questões com Likert “discordo” e “concordo”. Todas as sugestões foram acatadas.

Os participantes não sugeriram alteração no layout do instrumento. O tempo médio de preenchimento foi de 18,7 minutos.

A consistência interna global do instrumento adaptado foi de 0,85. Para os domínios, a consistência interna foi de 0,77 para o RT1, 0,70 para o RT2 e 0,60 para o RT3. Caso fosse excluído qualquer item o instrumento, não haveria grandes alterações em relação ao alfa.

A versão final foi aprovada por uma das autoras do instrumento original, e a versão do RRI para a cultura brasileira foi denominada Inventário de Recursos para a Aposentadoria (IRA).

DISCUSSÃO

O procedimento metodológico de tradução e adaptação cultural do RRI foi bem-sucedido, proporcionando seu aprimoramento para o uso no Brasil em todas as etapas adotadas. Destaca-se a importância da rigorosidade na adaptação e validação de instrumentos de medida, principalmente quando se tratam de diferentes culturas1919. Oliveira AF, Hildenbrand LMA, Lucena RS. Adaptação transcultural de instrumentos de medida e avaliação em saúde: estudo de metodologias. Rev ACRED. 2015 [cited 2017 aug 28];5(10):13-33. Available from: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=5626625
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A etapa de tradução demonstrou discrepâncias significativas, que indicaram a necessidade de consultar duas outras tradutoras para que a VPC1 fosse concretizada. O fato de essas últimas estarem na fase de pré-aposentadoria foi considerado pelas autoras um fator facilitador na escolha dos termos mais adequados, uma vez que elas tinham familiaridade com a temática1616. World Health Organization. Process of translation and adaptation of instruments. Geneva: WHO; 2017 [cited 2017 sep 10]. Available from: http://www.who.int/substance_abuse/research_tools/translation/en/
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As avaliações dos juízes foram essenciais para aprimorar a versão traduzida de acordo com a cultura brasileira. Eles indicaram alterações em 95,0% dos itens do instrumento, relacionadas à equivalência semântica, idiomática, cultural e conceitual. As autoras optaram por acatar a todas as sugestões dos especialistas por entender que esse processo de avaliação do conteúdo seria essencial para as próximas etapas do processo de adaptação cultural. Ao final dele, constatou-se que as alterações realizadas refinaram o instrumento e proporcionaram mais clareza e objetividade.

Cabe salientar que o instrumento estrangeiro foi desenvolvido e aplicado em um público aposentado, mas as próprias autoras do estudo original destacaram que ele serviria como importante mensuração dos recursos necessários a ser implantados em estratégias de pré-aposentadoria1414. Leung CSY, Earl JK. Retirement resources inventory: construction, factor structure and psychometric properties. J Vocat Behav. 2012;81(2):171-82. https://doi.org/10.1016/j.jvb.2012.06.005
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. Assim, optamos pela validação em pré-aposentados. Essa opção não trouxe prejuízos para o processo de adaptação cultural, uma vez que apenas o item 8 era específico para indivíduos aposentados, sendo os demais pertinentes também para o público pré-aposentado. Durante o pré-teste, verificou-se a necessidade de adequar o enunciado do item 8 para o público pré-aposentado, o que foi realizado sem maiores problemas. As alterações realizadas nessa etapa da pesquisa resultam em maior compreensão do instrumento pelo público-alvo, viabilizando a sua utilização futura2020. Lopes IM, Apolinario PP, Lima MHM. Tradução e adaptação do “Perception of Severity of Chronic Illness” à cultura brasileira em adolescentes. Rev Gaucha Enferm. 2017;38(1):e59770. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.59770
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Ainda no pré-teste, vários participantes indicaram dificuldades para diferenciar opções das escalas de medida, principalmente quando elas apresentavam mais de um termo para a mesma opção de resposta ou termos similares. Adequações foram realizadas nas questões indicadas, com o intento de proporcionar melhor compreensão da escala Likert. Um instrumento de medida que contenha uma escala Likert bem definida permite melhor compreensão e interpretação dos resultados2121. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Questionário Condição de Produção Vocal – Professor: comparação entre respostas em escala Likert e em escala visual analógica. CoDAS. 2016;28(1):53-8. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20162015030
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Outro aspecto a ser ressaltado consiste no cuidado das autoras para que o instrumento fosse avaliado na fase de pré-teste por pré-aposentados de diferentes categorias profissionais, com o objetivo de identificar se ele era acessível a todos os níveis de escolaridade. A avaliação também aconteceu de duas formas, impressa e eletrônica, comprovando a facilidade de utilização do IRA em ambas. Há recomendações na literatura de que a coleta de dados on-line seja amplamente utilizada em pesquisas por proporcionar maior rapidez na obtenção dos dados, economia e bom aproveitamento de respostas2222. Faleiros F, Käppler C, Pontes FAR, Silva SSC, Goes FSN, Cucik CD. Uso de questionário online e divulgação virtual como estratégia de coleta de dados em estudo científico. Texto Contexto Enferm. 2016;25(4):e3880014. https://doi.org/10.1590/0104-07072016003880014
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. Entretanto, é importante ressaltar que essa estratégia de coleta de dados pode ser acompanhada por baixa taxa de resposta.

Destaca-se como uma limitação do estudo a realização de apenas uma rodada de avaliação do instrumento pelo comitê de juízes, que indicou alterações na maioria dos itens. Uma nova avaliação pelo comitê poderia minimizar a necessidade de adequações verificadas na etapa de pré-teste. Porém, optamos por proceder com o pré-teste após a primeira rodada por termos atingido o percentual total de concordância dos juízes superior a 80% e por considerar que as avaliações do público-alvo na etapa pré-teste o tornariam mais sensível aos pré-aposentados.

Ainda que a avaliação da consistência interna global do instrumento tenha demonstrado um resultado satisfatório, o domínio RT3 apresentou coeficiente alfa de Cronbach insatisfatório (0,60). Esse coeficiente pode ser influenciado pelo número de itens do domínio2323. Sijtsma K. On the use, the misuse, and the very limited usefulness of Cronbach’s alpha. Psychometrika. 2009;74(1):107-20. https://doi.org/10.1007/s11336-008-9101-0
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, o que foi observado neste estudo, no qual os domínios com menor número de itens (nove no RT2 e oito no RT3) apresentaram menor consistência interna. Ressalta-se ainda a necessidade de nova análise da confiabilidade do instrumento traduzido e adaptado para o Brasil em amostra maior que a utilizada neste estudo.

A adaptação do RRI para a cultura brasileira traz importantes contribuições para a estruturação de programas voltados à aposentadoria, pois pode ajudar a mensurar os recursos que o indivíduo necessita aprimorar para conquistar uma pós-carreira de qualidade. Chamamos atenção para a necessidade de prover políticas públicas para um efetivo preparo de uma aposentadoria com qualidade de vida, incluindo estratégias de bem-estar físico, mental e social.

Ressaltamos que o Inventário de Recursos para a Aposentadoria é um instrumento de domínio público disponível para acesso gratuito. Não é necessário que profissionais interessados na sua utilização em pesquisa ou em serviço obtenham autorização dos autores, contanto que citem a referência do instrumento em suas produções.

CONCLUSÃO

O processo de adaptação cultural do Retirement Resources Inventory seguiu o protocolo recomendado internacionalmente, obtendo resultados satisfatórios. A versão adaptada foi considerada adequada em relação às equivalências semântica, idiomática, cultural e conceitual, sendo aprovada pelos autores do instrumento original.

Os pré-testes realizados possibilitaram o refinamento do instrumento, o que o tornou mais acessível ao público-alvo e de fácil compreensão, sem perder a finalidade do instrumento original. O instrumento traduzido e adaptado é confiável para a utilização em pré-aposentados brasileiros; entretanto, testes adicionais necessitam ser realizados para avaliar as propriedades psicométricas desta versão do instrumento.

Referências bibliográficas

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    5 Abr 2018
  • Aceito
    4 Nov 2018
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
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