O financiamento dos medicamentos nos municípios do Brasil: de quem é a responsabilidade?

Wendell Rodrigues Oliveira da Silva Rodrigo Fonseca Lima Ivanessa Thaiane do Nascimento Cavalcanti Rafael Santos Santana Silvana Nair Leite Sobre os autores

RESUMO

OBJETIVO

Analisar os investimentos realizados em medicamentos pelos entes federados e as assimetrias desses investimentos de 2016 a 2020 que podem representar impactos na oferta e no acesso desses medicamentos no SUS.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo exploratório, retrospectivo, para identificar quem são os principais entes responsáveis pelo investimento em medicamentos da Atenção Básica dos municípios, a evolução, as contrapartidas e as diferenças regionais deste investimento entre 2016 e 2020.

RESULTADOS

Os valores gastos com medicamentos pelos municípios brasileiros foram maiores que a contrapartida para o CBAF do MS ou do MS + Estado em todos os anos analisados. As médias percentuais de repasses de recursos federais e de gastos municipais variam conforme região do Brasil. A média do valor per capita investido em medicamentos pelos municípios aumentou entre 2016 e 2020 (aplicada a deflação), sendo maior o impacto para os municípios de menores IDHM. O programa Farmácia Popular atinge principalmente os municípios dos maiores portes populacionais e de maiores IDHM, não sendo suficiente, portanto, para enfrentar as iniquidades de acesso apontadas.

CONCLUSÕES

Houve ampliação das desigualdades na capacidade dos municípios para assegurar o acesso aos medicamentos, principalmente entre os municípios mais vulneráveis, acumulando ainda mais riscos de agravos e mortes por doenças sensíveis à atenção primária.

Assistência Farmacêutica; Financiamento de Capital; Atenção Primária à Saúde; Medicamentos Essenciais; Cidades

INTRODUÇÃO

Garantir acesso aos medicamentos considerados essenciais é fundamental para a resolutividade das ações de saúde na atenção básica. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a falta de acesso a medicamentos causa uma cascata de miséria e sofrimento e até mortes por doenças que são preveníveis ou curáveis11. Chan M. Ten years in public health, 2007-2017. Geneva: World Health Organization; 2017..

O financiamento da aquisição de medicamentos é tema de amplo interesse em todos os países e diferentes sistemas de saúde22. Oliveira LCF, Nascimento MAA, Lima IMSO. O acesso a medicamentos em sistemas universais de saúde: perspectivas e desafios. Saude Debate. Dez 2019;43(spe5):286-98. https://doi.org/10.1590/0103-11042019S523
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. O Sistema Único de Saúde (SUS) tem a responsabilidade pelo acesso a medicamentos, estruturado por Componentes da Assistência Farmacêutica (AF). O Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF) destina-se à aquisição de medicamentos e insumos previstos nos Anexo I e Anexo IV da Relação Nacional de Medicamentos (Rename), incluindo-se aqueles relacionados aos agravos e programas de saúde da atenção primária.

Os recursos para o custeio do CBAF são compartilhados de forma tripartite, sendo a gestão destes recursos de responsabilidade municipal. Os repasses de valores fixados per capita, do Ministério da Saúde (MS) e dos estados para o fundo municipal de saúde, têm seus valores definidos em Portarias do MS. Em 2017, o valor definido para repasse do MS foi de R$ 5,58 por habitante/ano33. Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 2.001/GM/MS, de 3 de agosto de 2017. Altera a Portaria nº 1.555/MS, de 30 de julho de 2013, que dispõe sobre as normas de financiamento e execução do Componente Básico da Assistência Farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial União, 4 ago 2017.. Já em 2019 foi publicada a Portaria nº 3.992/2017, que modificou a forma de financiamento e a transferência dos recursos para as ações e os serviços de saúde em dois blocos: o Bloco de Custeio das Ações e Serviços de Saúde e o Bloco de Investimento na Rede de Saúde. O financiamento do CBAF continuou sendo definido por Portaria específica. Neste ano, passou a ser considerado o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) para a definição dos valores a serem repassados pelo MS para os municípios para o financiamento do CBAF, que variam de R$ 5,85 a R$ 6,05 e ainda estão vigentes até 2023 sem reajuste44. Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 3.193, de 9 de dezembro de 2019. Altera a Portaria de Consolidação nº 6/GM/MS, de 28 de setembro de 2017, para dispor sobre o financiamento do Componente Básico da Assistência Farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial União. 10 dez 2019.. O MS é responsável, portanto, por cerca de 50% do valor mínimo estipulado para o custeio dos medicamentos disponibilizados pelos municípios. Os estados e municípios têm a responsabilidade por parcelas menores, per capita, para composição do orçamento total do CBAF.

No Brasil é possível verificar assimetrias de investimentos per capita em AF: de 2010 a 2019, nas regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul, houve aumento nesse valor, já as regiões Nordeste e Norte investiram menos que a média nacional e apresentaram recuo no valor do investimento per capita em medicamentos55. Silva WRO, Santana RS, Eduardo AMLN, Martins RSF, Leite SN. Equidade ameaçada: assimetrias regionais nos investimentos em medicamentos no Brasil. Res Soc Dev. 2021;10(13):e179101320896. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i13.20896
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. A menor aplicação de recursos financeiros da AF em algumas regiões já foi identificada e motiva preocupação, o que não gerou, até momento, políticas específicas capazes de mitigar as iniquidades66. Pontes MA, Tavares NUL, Francisco PMSB, Naves JOS. Aplicação de recursos financeiros para aquisição de medicamentos para atenção básica em municípios brasileiros. Cienc Saude Coletiva. 2017 ago;22(8):2453-61. https://doi.org/10.1590/1413-81232017228.18282016
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. Entre 2005 e 2009, observou-se aumento global de 61,6% nos recursos do SUS para a compra de medicamentos; neste período, os estados e o Distrito Federal aumentaram em 112,4% o volume de recursos próprios alocados no financiamento da aquisição de medicamentos, enquanto os municípios registraram, no Orçamento Públicos em Saúde (SIOPS), aumento de 22,7%77. Vieira FS, Zucchi P. Financiamento da assistência farmacêutica no sistema único de saúde. Saude Soc. 2013 mar;22(1):73-84. https://doi.org/10.1590/S0104-12902013000100008
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. O valor investido em 2009 ainda foi considerado menor que o valor per capita investido em medicamentos em países como Canadá e Itália88. Organisation for Economic Co-Operation and Development. OECD Health Data. 2012-frequently requested data. Paris: OECD; 2013..

Pontes et al.66. Pontes MA, Tavares NUL, Francisco PMSB, Naves JOS. Aplicação de recursos financeiros para aquisição de medicamentos para atenção básica em municípios brasileiros. Cienc Saude Coletiva. 2017 ago;22(8):2453-61. https://doi.org/10.1590/1413-81232017228.18282016
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, analisando os dados registrados pelos municípios na Base Nacional de Dados das Ações e Serviços de Assistência Farmacêutica, identificaram que os da Região Sudeste, em média, aplicaram um valor por habitante/ano maior e adquiriram mais itens do que os das demais regiões. No entanto, o envio de dados qualificáveis aconteceu em apenas 17% dos municípios brasileiros.

É também importante considerar que, em pesquisa de amostra nacional de 600 municípios99. Faleiros DR, Acurcio FA, Álvares J, Nascimento RCRM, Costa EA, Guibu IA et al. Financiamento da assistência farmacêutica na gestão municipal do Sistema Único de Saúde. Rev Saude Publica. 2017;51(supl 2):14s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007060
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, 35,4% dos secretários municipais de saúde afirmaram utilizar recursos de medicamentos do CBAF para cobrir demandas de outros medicamentos, e apenas 9,7% declararam que esses recursos são suficientes para atender à demanda da atenção básica.

A estruturação da AF nos municípios brasileiros, além dos investimentos diretos na aquisição de medicamentos, apresenta também condições desiguais entre as regiões geográficas, incluindo estrutura física, de força de trabalho, de capacidade de gestão99. Faleiros DR, Acurcio FA, Álvares J, Nascimento RCRM, Costa EA, Guibu IA et al. Financiamento da assistência farmacêutica na gestão municipal do Sistema Único de Saúde. Rev Saude Publica. 2017;51(supl 2):14s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007060
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, resultando em desigualdade na oferta de medicamentos disponibilizados para a população entre estas regiões1414. Nascimento RCRM, Álvares J, Guerra Junior AA, Gomes IC, Costa EA, Leite SN, et al. Disponibilidade de medicamentos essenciais na atenção primária do Sistema Único de Saúde. Rev Saude Publica 2017;51(supl.2):1-12. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007062
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. Ainda assim, 59,8% dos usuários das unidades de atenção básica referiram, em 2015, ter acesso total aos medicamentos prescritos no SUS, demonstrando o grande impacto social da AF na atenção básica1515. Álvares J, Alves MCGP, Escuder MML, Almeida AM, Izidoro JB, Guerra Junior AA, et al. Pesquisa nacional sobre acesso, utilização e promoção do uso racional de medicamentos: métodos. Rev Saude Publica. 2017;51(supl.2):1-9. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007027
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.

O financiamento da aquisição de medicamentos e a garantia da acessibilidade na atenção básica são questões ainda mais críticas na atualidade, pois dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2019 revelaram que apenas 30,5% das pessoas obtiveram seus medicamentos no SUS, na média nacional, sendo a Região Sul a com maior acesso1616. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. Pesquisa Nacional de Saúde: 2019: informações sobre domicílios, acesso e utilização dos serviços de saúde. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica; 2020.. Este resultado é especialmente preocupante por revelar que o acesso das pessoas aos medicamentos pode estar diminuindo nos últimos anos, considerando que, em pesquisa nacional de 2014, 47% da população brasileira declarou ter obtido seus medicamentos prescritos para doenças crônicas nas unidades do SUS1717. Tavares NUL, Luiza VL, Oliveira MA, Costa KS, Mengue SS, Arrais PSD, et al. Acesso gratuito a medicamentos para tratamento de doenças crônicas no Brasil. Rev Saude Publica. 2016 dez;50(supl 2):1-10. https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2016050006118
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. Nos últimos anos também foi autorizado reajuste de 18,24% nos preços dos medicamentos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (2016 a 2020) em paralelo à recessão econômica que atinge a população e leva à maior dependência em relação ao SUS.

Ao longo da história da consolidação do SUS, a AF se constitui como política e serviço fundamental e com grande impacto para a população brasileira1818. Bermudez JAZ, Esher A, Osorio-de-Castro CGS, Vasconcelos DMM, Chaves GC, Oliveira MA, et al. Assistência farmacêutica nos 30 anos do SUS na perspectiva da integralidade. Cienc Saude Coletiva. 2018 jun;23(6):1937-51. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.09022018
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. Além da regulamentação do financiamento dos medicamentos por componentes, no SUS, foi instituído o Programa Farmácia Popular para ampliar a capacidade de promover acesso aos medicamentos para condições prevalentes, o qual se consolidou como importante estratégia de garantia de direitos para a população. Na atualidade, em que o modelo de atenção básica à saúde e seu financiamento passam por modificações contumazes e preocupantes1919. Massuda A. Mudanças no financiamento da Atenção Primária à Saúde no sistema de saúde brasileiro: avanço ou retrocesso? Cienc Saude Coletiva. 2020 mar;25(4):1181-8. https://doi.org/10.1590/1413-81232020254.01022020
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, e que se vislumbra a retomada das políticas públicas para equidade e universalidade do acesso à saúde no país, é preciso analisar a forma como, de fato, tem sido financiada a aquisição de medicamentos para as condições de saúde atendidas nos serviços de atenção básica, buscando identificar possíveis iniquidades, distorções e condições inadequadas de financiamento para a população, o acesso aos medicamentos e as ameaças à sustentabilidade dos municípios como gestores da atenção básica.

O repasse de recursos para a gestão municipal da saúde é um fator crítico a ser analisado. Questões como a forte desigualdade de renda e desenvolvimento social, as grandes extensões territoriais e as regiões de difícil acesso e contrastes regionais elevam o grau de dificuldade para prestação de serviços de atenção básica, incluindo a AF20. Este estudo teve por objetivo analisar os recursos empregados na aquisição de medicamentos da atenção básica à saúde entre as responsabilidades dos entes federados em um período recente de cinco anos (2016, 2018 e 2020), que compreende a época em que foi aplicado um novo cálculo para o repasse de recursos federais. O estudo contempla a totalidade dos municípios brasileiros a partir dos registros no SIOPS, analisando as características dos municípios como gestores destes recursos e o impacto das contrapartidas pactuadas na tripartite.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo exploratório retrospectivo, no qual se identifica e se compara a evolução dos valores das contrapartidas do CBAF pelo MS, estados e municípios, na série temporal de 2016, 2018 e 2020. O período contempla os repasses ocorridos antes e depois das correções do valor da contrapartida por parte do MS ocorridas em 201733. Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 2.001/GM/MS, de 3 de agosto de 2017. Altera a Portaria nº 1.555/MS, de 30 de julho de 2013, que dispõe sobre as normas de financiamento e execução do Componente Básico da Assistência Farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial União, 4 ago 2017..

Os dados referentes aos valores da contrapartida do MS foram coletados do site do Fundo Nacional de Saúde (FNS)2121. Ministério da Saúde (BR). Fundo Nacional de Saúde. Consultas. Brasília, DF; Ministério da Saúde; 2021 [cited 2023 Mar 28]. Available from: https://portalfns.saude.gov.br/consultas/
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através do demonstrativo das transferências de recursos realizadas por esse órgão, por bloco de financiamento. Dos 5.568 municípios pesquisados, identificou-se que apenas o município de Cárcere/MT não recebeu os repasses dos recursos da contrapartida do MS nos anos pesquisados e Brasília não foi incluída na pesquisa, por não ser município. Todos os recursos descentralizados pelo FNS para aquisição de medicamentos do CBAF (diretamente aos municípios ou aos estados para aquisição centralizada) foram contabilizados para cada município de destino. Buscou-se identificar a regularidade do repasse da contrapartida do CBAF dos estados aos municípios de várias formas (em contato com setores do MS, Conselho Nacional de Secretários de Saúde – Conass e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde – Conasems), porém, não foi encontrada uma fonte segura de informação sobre este repasse para todos os estados brasileiros. Dessa forma, considerou-se no estudo que todo recurso referente à contrapartida dos estados, previsto pela normativa vigente em cada ano, foi repassado.

Os dados referentes à população, gasto total em saúde e percentual de gasto com medicamentos foram extraídos do Sistema de Informações sobre SIOPS2222. Ministério da Saúde (BR). SIOPS. Brasília, DF; Ministério da Saúde; 2017 [cited 2024 set 27]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/siops/indicadores
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, que constitui uma ferramenta para o monitoramento do cumprimento do dispositivo constitucional que determina, em orçamento, a aplicação mínima de recursos em ações e serviços públicos de saúde:

  1. População, que representa a população do município divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), base alimentada pelo censo e suas estimativas anuais;

  2. Despesa total em saúde (D.Total Saúde), que representa os gastos totais com saúde dos entes durante o período avaliado. Esse indicador resulta do gasto em saúde, por habitante, advindo de todas as fontes, quer sejam impostos, transferências do SUS (União, estados e outros municípios), operações de créditos e outras;

  3. Participação percentual da despesa com medicamentos na despesa total com saúde que representam a participação dos gastos com medicamentos em relação ao total dos gastos com Saúde (%D.com Medicamentos).

Foram elaboradas planilhas contemplando todos os municípios brasileiros, permitindo a análise a partir de frequências absolutas e relativas no intervalo temporal examinado com dados secundários oriundos do FNS e do SIOPS. Foi utilizado, também, o programa estatístico Rstudio para a limpeza dos outliers do banco de dados, conforme o diagrama de caixa (BoxPlot) e a percentagem (1% e 99%).

Para cálculo do valor investido em medicamentos pelos municípios, foram utilizados os dados referentes às despesas totais em saúde multiplicando-se pela participação percentual da despesa com medicamentos na despesa total com saúde.

Foram calculados os valores per capita do gasto em medicamentos por região, considerando a média dos anos de análise; a média da percentagem de repasse de recurso do MS e do recurso do MS mais a contrapartida estadual no gasto com medicamento; a média do valor dos três anos do repasse de recurso do MS e do recurso do MS mais a contrapartida estadual no gasto com medicamento e a média do valor gasto com medicamento em 2016, 2018 e 2020.

Fez-se a atualização monetária dos valores gastos com medicamentos e repasses federal e estadual aos municípios. Esses valores foram deflacionados para dezembro/2021, empregando-se a variação anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE e obtido do seu site ajustado pela estimativa de população para cada ano analisado. A opção pelo uso deste deflator baseou-se na Lei nº 10.742/2003, que estabeleceu as normas de regulação do setor farmacêutico e definiu este índice para fins de ajuste nos preços dos medicamentos no país.

Devido à natureza do SIOPS ser autodeclaratória, não foi possível a identificação, em relação às despesas dos municípios, de quais valores foram quitados com recursos oriundos da União, do estado ou do próprio município.

Os dados relativos a farmácias cadastradas atendendo o Programa Farmácia Popular foram extraídos do sistema Farmácia Popular – Gestão 2.0, sistema responsável por integrar as farmácias credenciadas ao MS.

Em relação ao porte populacional, utilizou-se do modelo de estrato desenvolvido pelo Programa Qualifar-SUS, programa do MS que apoia as atividades da AF nos municípios brasileiros, naqueles de até 25.000 habitantes, de 25.001 a 50.000, de 50.001 a 100.000, de 100.001 a 500.000 e municípios acima de 500.000 habitantes2323. Ministério da Saúde. (BR). Portaria Nº 1.214, de 13 de junho de 2012. Institui o Programa Nacional de Qualificação da Assistência Farmacêutica no âmbito do Sistema Único de Saúde (QUALIFAR- SUS). Diário Oficial União, 14 jun 2012..

O índice IDHM estima o desenvolvimento humano de um município e classifica os municípios em cinco faixas: muito baixo (de 0,000 a 0,499), baixo (0,500 a 0,599), médio (0,600 a 0,699), alto (0,700 a 0,799) e muito alto (de 0,800 em diante)2424. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Atlas do desenvolvimento humano no Brasil. [cited 2023 Mar 28]. Available from: http://www.atlasbrasil.org.br/acervo/atlas
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.

Foi empregado o teste de significância T de Student ou teste T, considerando significativos os resultados de p < 0,05 (5%). Nesta amostra foi utilizado o teste T para duas amostras independentes (ou não pareadas) para comparar as médias de duas amostras independentes.

RESULTADOS

No que se refere ao financiamento para a aquisição de medicamentos, os valores gastos com medicamentos pelos municípios brasileiros foram maiores do que os valores de contrapartida do MS ou da contrapartida do MS + Estado (para o financiamento do CBAF) em todos os anos analisados. A mediana dos gastos com medicamentos pelos municípios (n = 3.740) passou de R$ 409.281,59 em 2016 a R$ 577.522,66 em 2020 (n = 4.152), configurando um aumento de 41,1% na mediana de gastos. Em relação à mediana de repasse financeiro do MS e do estado aos municípios, houve uma redução de 3,19% e 15,01%, respectivamente, quando comparados os anos de 2016 e 2020, e aplicado reajuste inflacionário (Figura 1).

Figura 1
Mediana dos gastos (R$) com medicamentos pelos municípios brasileiros e de repasse feito pela União (MS) e Estados nos anos de 2016, 2018 e 2020.

As médias percentuais de repasses de recursos federais com e sem contrapartida estadual e de gastos municipais considerando os três anos analisados variam conforme a região do Brasil (Figura 2). A média percentual nacional de gastos municipais foi de 69, variando de 59 na Região Nordeste até 76 na Região Centro-Oeste.

Figura 2
Média percentual (%) de repasses de recursos e de gastos municipais por região.

Na Tabela 1 pode-se observar que a porcentagem média de recurso repassado pelo MS e estados sobre a média do valor total investido em medicamentos pelos municípios brasileiros em 2016 e 2020, por estrato populacional e IDHM, diminuiu significativamente (p < 0,05) na grande maioria dos municípios. Somente não houve queda da representatividade do repasse do MS nos municípios com 50.001 a 100.000 habitantes e IDHM muito alto, como apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Análise da média da percentagem de recurso repassado pelo MS sobre o valor total investido em medicamentos pelos municípios brasileiros em 2016 e 2020, por estrato populacional e IDHM.

Como pode ser observado na Tabela 2, a porcentagem de municípios que possuem pelo menos uma farmácia credenciada ao Programa Farmácia Popular aumenta com o porte e IDHM entre os estratos apresentados. Ademais, observa-se aumento estatisticamente significativo de média do valor per capita investido em medicamentos pelos municípios entre 2016 e 2020 (aplicada a deflação) em todos os estratos, com exceção nos municípios com mais de 500.000 habitantes com IDHM alto. Com exceção dos municípios de até 25.000 habitantes, aqueles com menores IDHM tiveram os maiores aumentos de valores investidos no mesmo período (Tabela 2).

Tabela 2
Porcentagem de municípios com farmácias credenciadas ao Programa Farmácia Popular e média do valor per capita investido em medicamentos em 2016 e 2020 pelos municípios brasileiros por estrato populacional e IDHM.

DISCUSSÃO

O valor da mediana do repasse da contrapartida do MS de 2016 a 2020 teve uma queda de 3,19%, mostrando o não acompanhamento dos investimentos em medicamento por parte desse Ministério nos gastos dos municípios. No mesmo período, a média do valor per capita investido em medicamentos pelos municípios aumentou significativamente (aplicada a deflação) em todos os estratos populacionais e, especialmente, entre aqueles com menores IDHM. Como resultado, o financiamento deste componente tem sido ampliado com recursos próprios dos municípios, que arcaram 67%, em média, de todos os recursos aplicados na compra de medicamentos no âmbito municipal entre 2016 e 2020. Considerando, no entanto, o aumento geral do investimento em medicamentos pelo MS no mesmo período, é importante também ponderar que este realiza a aplicação direta de recursos para aquisição de medicamentos e insumos para atenção básica, como as insulinas e os medicamentos relacionados ao Programa Saúde da Mulher. O Programa Farmácia Popular do Brasil, ainda que não compute nos valores empregados nos Componentes da Assistência Farmacêutica, na prática também colabora para aumentar o acesso dos medicamentos padronizados para atenção básica dos municípios contemplados. Ainda assim, o aumento expressivo dos investimentos diretos realizados pelos municípios indica aumento da responsabilidade destes entes federados para a garantia do direito de acesso aos medicamentos.

O comportamento do financiamento da atenção básica tem sido amplamente pressionado pelo aumento da carga dos municípios nesta conta. Araújo2525. Araújo CEL, Gonçalves GQ, Machado JA. Os municípios brasileiros e os gastos próprios com saúde: algumas associações. Cienc Saude Coletiva. 2017 mar;22(3):953-63. https://doi.org/10.1590/1413-81232017223.15542016
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já demonstrou que, em um cenário que combina descentralização e subfinanciamento da política pública de saúde, os municípios brasileiros são os que mais contribuem com o setor saúde em termos proporcionais a sua arrecadação e aumentam significativamente seus gastos no setor, alocando proporção das receitas próprias em níveis superiores aos determinados constitucionalmente. Descrição recente aponta que os valores de investimento geral em saúde pela União aumentaram 30,7% em 2019 quando comparados com 2012; os estados apresentaram uma pequena queda de investimentos durante o mesmo período, enquanto os municípios apresentaram maior incremento (32,8% de 2010 a 2019)55. Silva WRO, Santana RS, Eduardo AMLN, Martins RSF, Leite SN. Equidade ameaçada: assimetrias regionais nos investimentos em medicamentos no Brasil. Res Soc Dev. 2021;10(13):e179101320896. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i13.20896
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. No estudo de De Seta et al.2626. De Seta MH, Ocké-Reis CO, Ramos ALP. Programa Previne Brasil: o ápice das ameaças à Atenção Primária à Saúde? Cienc Saude Coletiva. 2021;26(supl 2):3781-6. https://doi.org/10.1590/1413-81232021269.2.01072020
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, foi identificado que, de 1991 a 2017, a participação da União no financiamento do SUS reduziu de 73% para 43%, e foi acompanhada do aumento da alocação de recursos, principalmente municipal, levando a uma maior carga orçamentária aos municípios.

O atual estudo demonstra que o comportamento do financiamento da compra de medicamentos da atenção básica neste período entre os entes federados apresentou maior discrepância do que a observada no financiamento geral da saúde. A contribuição dos municípios apresentou um aumento percentual em relação à contrapartida da União e estados ainda maior do que vem sendo observado no financiamento da saúde, apesar dos reajustes de valores de repasse para o CBAF normatizados em 2017 e 2019.

Bruns et al.2727. Bruns SF, Luiza VL, Oliveira EA. Gestão da assistência farmacêutica em municípios do estado da Paraíba (PB): olhando a aplicação de recursos públicos. Rev Adm Publica. 2014 jun;48(3):745-65. https://doi.org/10.1590/0034-76121502
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apresentam dados, no entanto, que podem significar agravante aos resultados aqui apontados, ao indicar a falha nos repasses de contrapartida estadual em alguns estados, evidenciando a baixa contribuição dessa esfera para com os municípios. Portanto, considerando que para o presente estudo foi adotado o pressuposto de que os estados efetivaram suas contrapartidas normatizadas (em valores ou em medicamentos), os dados apresentados podem ser ainda mais alarmantes para os municípios. Como um ciclo vicioso, a falta desses recursos pode influenciar o aumento da demanda de serviços de média e alta complexidade, e mortes, sensíveis à atenção primária. Outro agravante é o reajuste anual de preços dos medicamentos, autorizados pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). No intervalo da pesquisa, houve um total de 18,24% de reajuste médio nos preços dos medicamentos, o que configura a perda do poder aquisitivo dos municípios para este fim, não acompanhado por reajustes compatíveis nas contrapartidas.

O aumento do gasto próprio para o financiamento dos medicamentos foi proporcionalmente maior entre os municípios de menor IDHM. Este resultado chama especial atenção, pois, em 2019, a Portaria no 3.193 passou a diferenciar os valores de repasse, contribuindo mais para estes municípios. Os resultados, no entanto, revelam que esta medida não logrou impactos positivos verificáveis, pois os valores investidos em 2020 representam uma porcentagem de custeio próprio ainda mais elevada que nos anos anteriores. Aqueles com piores indicadores (IDHM) são os que mais sofreram o impacto da retração da contrapartida federal na compra de medicamentos, chegando a apresentar uma queda de 32% nos municípios com população de 25.001 a 50.000 habitantes entre 2016 e 2020. Já nos municípios com população de 50.001 a 100.000 habitantes com IDHM muito alto, no entanto, é identificado, inclusive, incremento de 3% no peso da contrapartida federal.

Os municípios com menor desenvolvimento social e econômico (indicado pelo IDHM), segundo estudo de Faraco2828. Faraco EB. Avaliação da capacidade de gestão da Assistência Farmacêutica na Atenção Primária à Saúde nos municípios brasileiros. Tese (Doutorado em Farmácia) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis; 2021., são os que apresentam menor capacidade de gestão da AF (incluindo atividades técnicas e organizacionais, estrutura e relações interinstitucionais). Os municípios com maiores valores de IDHM são os que têm maior densidade de farmacêuticos por 10.000 habitantes na força de trabalho da rede municipal de saúde e nestes municípios com maior proporção de farmacêuticos nos serviços, os usuários das unidades de saúde referiram melhor acesso e mais informações sobre seus medicamentos2929. Faraco EB, Guimarães L, Anderson C, Leite SN. The pharmacy workforce in public primary healthcare centers: Promoting access and information on medicines. Pharm Pract (Granada). 2020 oct/dic;18(4):1-7. https://doi.org/10.18549/pharmpract.2020.4.2048
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. Portanto, pode-se inferir que os municípios mais vulneráveis em termos socioeconômicos apresentam o menor valor per capita para aquisição de medicamentos e também as condições mais precárias para gerenciar estes recursos e ofertar serviços farmacêuticos para os munícipes, compondo um quadro importante de desigualdade de acesso à atenção à saúde entre os cidadãos brasileiros.

O repasse de recursos para AF é majoritariamente dedicado à aquisição de medicamentos, e em valores abaixo das necessidades crescentes, como demonstrado. Apenas uma estratégia de repasse de recursos do governo federal para os municípios para estruturação da AF foi implementada – o Programa QualifarSUS. No entanto, os repasses não são automáticos, mas dependentes de ação dos municípios no envio de dados para o MS trimestralmente. Entre os municípios de menores IDHM estão os que mais têm deixado de enviar dados e, portanto, deixado receber recursos de custeio para a estruturação da AF municipal3030. Mendes SJ, Baierle EF, Bernardo NL, Peixoto RT, Barreto BB, Bastos EA, Leite SN. Fatores sociais e técnicos relacionados ao desenvolvimento da gestão municipal da Assistência Farmacêutica: resultados do Qualifica AF". Saude Debate. In press 2024., agravando o quadro de desigualdade entre os municípios.

O presente estudo também identificou uma maior dependência dos municípios do Nordeste e do Norte em relação ao repasse do MS e dos estados nos anos analisados. Os municípios do Norte e Nordeste investiram menos que a média nacional em medicamentos entre 2010 e 2019, quando os valores são corrigidos pelo IPCA, conforme demonstrado por Silva et al.55. Silva WRO, Santana RS, Eduardo AMLN, Martins RSF, Leite SN. Equidade ameaçada: assimetrias regionais nos investimentos em medicamentos no Brasil. Res Soc Dev. 2021;10(13):e179101320896. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i13.20896
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. Pontes et al.66. Pontes MA, Tavares NUL, Francisco PMSB, Naves JOS. Aplicação de recursos financeiros para aquisição de medicamentos para atenção básica em municípios brasileiros. Cienc Saude Coletiva. 2017 ago;22(8):2453-61. https://doi.org/10.1590/1413-81232017228.18282016
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já haviam também demonstrado que as regiões Norte e Nordeste foram as que apresentam o maior número de municípios com menor aplicação de recursos em medicamentos no período de julho de 2013 a junho de 2014. Tal fato se alinha aos investimentos em saúde, em que há grandes disparidades regionais resultando em disparidades no acesso aos serviços de saúde e, consequentemente, nos resultados de saúde. Para Massuda et al.3131. Massuda A, Hone T, Leles FAG, Castro MC, Atun R. The Brazilian health system at crossroads: Progress, crisis and resilience. BMJ Glob Heal. 2018;3(4):1-8. https://doi.org/10.1136/bmjgh-2018-000829
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, as regiões mais pobres e os grupos populacionais socioeconômicos mais desfavorecidos são os mais prejudicados pelas formas de financiamento da atenção básica. As diferenças da estruturação e força de trabalho da AF municipal entre as regiões foram explicitadas claramente pela Pesquisa Nacional sobre Acesso e Uso Racional de Medicamentos, o que leva a inferir que os menores investimentos na compra de medicamentos na atenção básica aqui demonstrados estão diretamente relacionados com a capacidade reduzida destes municípios em ofertar não apenas medicamentos, mas também serviços farmacêuticos para o melhor uso destes recursos.

Uma das estratégias para ampliar o acesso da população aos medicamentos da atenção primária à saúde, o Programa Farmácia Popular, tem colaborado amplamente como mais uma via de acesso a estes medicamentos, com financiamento apenas do MS. Para condições de saúde como diabetes e hipertensão, perto de 50% dos pacientes relatam já ter obtido medicamentos nas farmácias conveniadas ao programa3232. Costa KS, Tavares NUL, Tierling VL, Leitão VBG, Stopa SR, Malta DC. National Health Survey 2019: medication obtainment through the Brazilian Popular Pharmacy Program by adults being treated for hypertension and diabetes. Epidemiol Serv Saude. 2022;31(spe 1):1-15. https://doi.org/10.1590/SS2237-9622202200004.especial
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, o que justifica o seu grande reconhecimento social. No entanto, o programa atingiu, até 2022, principalmente os municípios de maior porte populacional, dentre os grupos porte populacional menor, a proporção de municípios que contam com farmácias conveniadas cresce fortemente com o crescimento do IDHM. Portanto, para que esta seja uma estratégia mais efetiva para colaborar com a superação da iniquidade no acesso aos medicamentos entre os municípios brasileiros, é necessário desenvolver formas de ampliar o programa nos municípios mais vulneráveis, o que vem sendo implementado recentemente.

Este estudo, porém, tem limitações. Foram analisados dados fornecidos pelos municípios ao SIOPS, como os referentes ao gasto total em saúde e ao percentual de gasto com medicamentos, que, por serem de natureza autodeclaratória, não foram passíveis de confirmação. Também devido a essa natureza autodeclaratória não foi possível diferenciar quais medicamentos são adquiridos pelos municípios, assim como o quantitativo de medicamentos para atenção básica foi adquirido diretamente pelo MS e pelos estados, e repassado aos municípios. Estima-se que a maior parte dos municípios adquire os medicamentos relativos à atenção básica ou ao CBAF, no entanto, sabe-se que os gestores municipais podem decidir por adquirir outros medicamentos com recursos próprios, como já descrito por Faleiros et al.99. Faleiros DR, Acurcio FA, Álvares J, Nascimento RCRM, Costa EA, Guibu IA et al. Financiamento da assistência farmacêutica na gestão municipal do Sistema Único de Saúde. Rev Saude Publica. 2017;51(supl 2):14s. https://doi.org/10.11606/S1518-8787.2017051007060
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, ou são obrigados a adquiri-los para atender mandados judiciais. Também não foi possível obter os dados de investimentos efetivamente aplicados pelos estados para o CBAF e o estudo se baseou na estimava do cumprimento do investimento mínimo definido por Portaria.

Os achados deste estudo mostram a ampliação das desigualdades na capacidade dos municípios para assegurar o acesso aos medicamentos, principalmente entre os municípios mais vulneráveis, acumulando ainda mais riscos de agravos e mortes por doenças sensíveis à atenção primária. É evidente a urgência na implementação de estratégias para frear o avanço deste processo de distanciamento entre as condições de oferta dos medicamentos de atenção básica entre os municípios, especialmente nas regiões mais vulneráveis. A diferenciação de repasse por IDHM implementada em 2019 não foi suficiente para dirimir o avanço das iniquidades, sugerindo a necessidade de ações mais complexas, para além da recomposição do repasse de recursos financeiros, necessários e previstos na organização do SUS.

CONCLUSÃO

Conclui-se que houve ampliação na proporção dos investimentos dos municípios para a compra de medicamentos, em relação aos repasses da União, no período entre 2016 e 2020. Este fato gera aumento das desigualdades na capacidade dos municípios para assegurar o acesso aos medicamentos, principalmente entre os municípios mais vulneráveis, acumulando ainda mais riscos de agravos e mortes por doenças sensíveis à atenção primária.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2023
  • Aceito
    17 Abr 2024
Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revsp@org.usp.br