Empoderamento e qualidade de vida de adolescentes trabalhadores assistidos por uma entidade filantrópica de apoio ao adolescente11Trabalho financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Empowerment and quality of life of working adolescents supported by a brazilian NGO

Resumos

O objetivo deste trabalho foi medir o empoderamento de adolescentes trabalhadores e testar sua possível associação com a qualidade de vida. Estudo transversal realizado com 363 adolescentes trabalhadores assistidos por uma Entidade Filantrópica de Apoio ao Adolescente. A coleta de dados ocorreu por meio da aplicação de dois questionários, sendo um utilizado para mensurar a qualidade de vida (WHOQoL-Bref) e as questões sobre empoderamento do Questionário Integrado para Medir Capital Social do Banco Mundial (QIMCS). A variável dependente (empoderamento) foi construída pelo agrupamento dos participantes, por meio da análise de segmentação. O teste Kruskal-Wallis foi utilizado para a comparação dos escores dos domínios do WHOQoL-Bref (físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente) entre os clusters, com 5% de significância. Em relação à análise de segmentação, 126 (34,7%) adolescentes foram classificados como de baixo empoderamento, 161 (44,4%) formaram o grupo moderado e 70 (19,3%) possuíam maior empoderamento. O cluster com alto empoderamento apresentou as maiores médias dos escores de qualidade de vida em todos os domínios. O teste Kruskal-Wallis revelou diferenças estaticamente significantes entre os clusters para os domínios psicológico (p=0,001), relações sociais (p=0,003) e global (p=0,024). Concluiu-se que melhores escores de qualidade de vida foram encontrados no grupo de adolescentes com maior empoderamento.

Qualidade de vida; Capital social; Empoderamento; Adolescente trabalhador


The scope of this work is to assess the empowerment of working adolescents and test its possible association with their quality of life. This was a transversal study held with 363 working adolescents that are assisted by a Charity Institution. Data was gathered by applying two questionnaires, one used to measure the quality of life (WHOQoL-Bref), the other were the questions on empowerment from the Integrated Questionnaire for the Measurement of Social Capital (SC-IQ) from the World Bank. The dependent variable (empowerment) was constructed by grouping participants, upon segmentation analysis. The Kruskal-Wallis test was used to compare the scores of the WHOQoL-Bref domains (physical, psychological, social relations and environment) among the clusters, with 5% significance. With regard to the segmentation analysis, 126 (34.7%) adolescents were classified as having low empowerment, 161 (44.4%) formed the intermediary group and 70 (19.3%) had greater empowerment. The cluster with high empowerment had the highest quality of life score averages in all domains. The Kruskal-Wallis test revealed statistically significant difference between the clusters in the psychological (p=0,001), social relations (p=0,003) and global (p=0,024) domains. We conclude that the best quality of life scores were found in the group of adolescents with greater empowerment.

Quality of Life; Social Capital; Empowerment; Adolescent Worker


Introdução

Define-se como capital social as características da estrutura social – incluindo normas, confiança interpessoal e suporte mútuo – que atuam como recursos para cada indivíduo assim como um facilitador de ações coletivas e coesão social (Coleman, 1990COLEMAN, J. S. Foundations of social theory. Cambridge: Harvard University, 1990.; Putnam e Goss, 2002; Putnam, 2000PUTNAM, R. D. Making democracy work: civic traditions in modern Italy. Princeton: Princeton University, 2000.). O capital social e estudos de coesão social são relativamente novos na agenda da pesquisa em saúde (Kawachi e col., 1997KAWACHI, I. et al. Social capital, income inequality and mortality. American Journal of Public Health, Washington, DC, v. 87, n. 9, p. 1491-1498, 1997.).

Quando consolidado nos movimentos sociais, produz um inegável empoderamento capaz de mudar as relações pessoais e intercâmbios sociais gerando mais redes de cooperação e solidariedade na reivindicação e conquista de políticas públicas mais justas e eficientes. Neste contexto, o conceito de capital social tem adquirido um novo enfoque que procura fortalecer a capacidade das pessoas para melhorar sua situação, inclusive a saúde, através da associação e laços de confiança (Kim e Kawachi, 2006KIM, D.; KAWACHI, I. A multilevel analysis of key forms of community – and individual – level social capital as predictors of self-rated health in the United States. Journal of Urban Health: Bulletin of the New York Academy of Medicine, New York, v. 83, n. 5, p. 813-826, 2006.).

Sabe-se que é no ambiente doméstico, na família, no relacionamento com vizinhos, no trabalho e na comunidade que as pessoas estabelecem relações primárias, as quais constituem a sustentação para o enfrentamento das dificuldades cotidianas, permitindo melhoria na qualidade de vida em níveis micro, como a difusão de comportamentos saudáveis e macro como processos políticos mais igualitários (Nilsson e col., 2006NILSSON, J.; RANA, A. K. M. M.; KABIR, Z. N. Social capital and quality of life in old age: results from a cross-sectional study in rural Bangladesh. Journal of Aging and Health, Galveston, v. 18, n. 3, p. 419-434, 2006.).

Atenção para empowerment como proxy de capital social vem sendo evidenciado em alguns estudos (Moysés e col., 2006MOYSÉS, S. J. et al. Intra-urban differentials in child dental trauma in relation to healthy cities policies in Curitiba, Brazil. Health & Place, Atlanta, v. 12, n. 1, p. 48-64, 2006.; Pattussi e col., 2006PATTUSSI, M. P.; HARDY, R.; SHEIHAM, A. The potential impact of neighborhood empowerment on dental caries among adolescents. Community Dentistry and Oral Epidemiology, Copenhagen, v. 34, n. 5, p. 344-350, 2006.). O “empowerment” ou empoderamento refere-se a processos que tenham a capacidade de gerar meios e mecanismos de desenvolvimento autossustentável, práticas destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidades e até mesmo ações de integração social dos excluídos (Gohn, 2004GOHN, M. G. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 20-31, 2004.).

O empoderamento tem raízes nas lutas pelos direitos civis, principalmente no movimento feminista, assumindo significações que se referem ao desenvolvimento de potencialidades que viabilize a democracia (Baquero, 2001BAQUERO, M. Alcances e limites do capital social na construção democrática. In: BAQUERO, M. (Org.). Reinventando a sociedade na América Latina: cultura política, gênero, exclusão e capital social. Porto Alegre: Ufrgs; Brasília, DF: Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, 2001. p. 19-49.). Para Lefèvre e Lefèvre (2004LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. Saúde, empoderamento e triangulação. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 32-38, 2004., p. 37): “sabemos hoje o que fazer (empoderar) e quem deve ser empoderado (a população), mas não temos muito claro como, onde e com quem fazer”.

A percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação a seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações, são entendidas como qualidade de vida. Trata-se de um conceito amplo influenciado por fatores inerentes à essência humana como amor, liberdade, felicidade, solidariedade, realização pessoal e inserção social. Estes, por sua vez, se relacionam à saúde, estilo de vida, nível de independência, relações sociais e crenças pessoais dos indivíduos (The WHOQoL Group, 1995The WHOQOL Group. The World Health Organization Quality of Life assessment: position paper from the World Health Organization. Social Science & Medicine, v. 41, n. 10, p. 1403-1409, 1995.).

O termo qualidade de vida abrange outros significados e integra valores individuais e coletivos, sendo, portanto, uma construção social que se realiza na comunidade por meio da intersetorialidade e da participação social e do empoderamento (Buss, 2003BUSS, P. M. Uma introdução ao conceito de promoção da saúde. In: CZERESNIA, C.; FREITAS, C. M. (Org.). Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003. p. 15-38.).

O objetivo principal deste trabalho foi medir o empoderamento de adolescentes trabalhadores e testar sua possível associação com a qualidade de vida. A hipótese do presente estudo é que existe uma relação direta entre empoderamento e qualidade de vida, ou seja, quanto maior o nível de empoderamento do adolescente, melhor a qualidade de vida dos jovens.

Metodologia

A pesquisa foi realizada em Entidade Filantrópica de Apoio ao Adolescente sediada em um município de médio porte no Brasil. O município onde foi realizado o presente estudo possui uma área de 541,1 km2 e uma população de 225.358 habitantes em 2009 (IBGE, 2009IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estimativas das populações residentes, em 1º de julho de 2009, segundo os municípios. Brasília, DF, 2009. Disponível em: < http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/estimativa2009/POP2009_DOU.pdf >. Acesso em: 07 abr. 2011.
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/...
) cujo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é 0,809 e o Produto Interno Bruto (PIB) é R$ 3.040.262 mil.

Participantes

A população do estudo foi composta por adolescentes trabalhadores de 15 a 17 anos de idade. A sua taxa de participação foi de 100% (N=363), caracterizando esta pesquisa como um censo da Entidade.

Nessa entidade, os critérios usados para admissão do candidato a adolescente trabalhador são: 1) ter idade entre 15 e 17 anos, 2) estudar em escola pública, 3) pertencer a uma família com renda de até R$ 300,00 per capita e 4) realizar um curso preparatório de admissão.

Durante o curso, o jovem aprende o estatuto e o regimento interno da Entidade, tem aulas de português, leitura de textos e apresentação em público, dentre outras atividades, sendo preparado para atender o público e para trabalhar nas empresas e instituições conveniadas. Ao final do curso, o jovem faz uma prova de seleção e recebe um certificado de qualificação em instruções de relações humanas, mercadologia, atendimento ao público, etiqueta, trabalho em equipe, comunicação e comportamento profissional.

Os convênios com a prefeitura e as empresas locais são formulados pela própria Entidade, obedecendo ao Estatuto e às leis trabalhistas vigentes. O jovem deve trabalhar meio período tendo o outro livre para estudar, ter férias e 13o salário, receber acompanhamento escolar e participar das atividades culturais, esportivas e de lazer promovidas pela Entidade. Geralmente os locais de trabalho solicitam homens para a contratação o que resulta em um numero muito pequeno de mulheres no grupo. A atividade laboral geralmente ocorre em escritórios ou setores administrativos e a jornada é de 20 horas semanais.

Nas atividades esportivas têm-se campeonatos de futebol, vôlei, dentre outros. Há também concursos de leitura, redação, poesia e para contador de história. Além disso, há aulas de informática, dança, teatro e karatê através de convênios.

Instrumentos e coleta de dados

A coleta de dados foi realizada em 2010 por meio da aplicação de dois questionários, em um mesmo momento, para todos os participantes em ambiente reservado cedido pela Entidade Filantrópica de Apoio ao Adolescente. Informações demográficas dos adolescentes foram investigadas, a saber: idade (15, 16 e 17 anos), sexo (masculino, feminino), cor da pele (branca, preta, parda, outras), escolaridade (1o grau, 2o grau).

O questionário utilizado para mensurar a qualidade de vida foi a versão abreviada, traduzida e validada para o português do World Health Organization Quality of Life Bref (WHOQoL-Bref), desenvolvido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde – Grupo WHOQoL para estudos epidemiológicos (Fleck e col., 2000FLECK, M. P. A. et al. Application of the Portuguese version of the abbreviated instrument of quality life WHOQoL-bref. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 178-183, 2000.). Este questionário possui 26 questões fechadas com respostas na escala de Likert e está dividido em quatro domínios, a saber: 1) Físico (sete questões sobre a percepção do indivíduo em relação à dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso, mobilidade, atividades da vida cotidiana, dependência de medicação ou de tratamentos e capacidade de trabalho); 2) Psicológico (seis questões sobre a percepção do indivíduo em relação a sentimentos positivos, pensar, aprender, memória e concentração, autoestima, imagem corporal e aparência, sentimentos negativos e espiritualidade, religião, crenças pessoais); 3) Relações Sociais (três questões sobre relações pessoais, suporte social e atividade sexual); 4) Meio Ambiente (três questões sobre segurança física e proteção, ambiente do lar e recursos financeiros). O questionário não dispõe de um escore final único sendo calculado individualmente para cada um dos quatro domínios (escala positiva de 1 a 100; quanto mais próximo de cem, melhor a qualidade de vida no específico domínio).

Além dos quatro domínios, o instrumento apresenta duas questões gerais que medem a autoavaliação da qualidade de vida e a satisfação com a saúde de maneira geral. Essas questões são avaliadas em conjunto, formando a dimensão Global, cujos valores podem variar entre 04 e 20.

O outro questionário utilizado foi a versão curta do Questionário Integrado para Medir Capital Social (QI-MCS) do Banco Mundial (Grootaert e col., 2003GROOTAERT, C. et al. Questionário integrado para medir capital social (QI-MCS). Washington, DC: Banco Mundial. Grupo Temático sobre Capital Social, 2003. Disponível em: <http://empreende.org.br/pdf/Capital%20Social%20e%20Cidadania/Question%C3%A1rio%20Integrado%20para%20Medir%20Capital%20Social.pdf>. Acesso em: 22 out. 2009.
http://empreende.org.br/pdf/Capital%20So...
). Esse estudo limitou-se às quatro questões fechadas referentes ao domínio “Empoderamento e Ação Política”. No contexto do QI-MCS, autoridade ou capacitação (empowerment), é definida mais precisamente como a habilidade para tomar decisões que afetam as atividades cotidianas e que podem mudar o curso de vida das pessoas e da comunidade, aliados ao sentimento de felicidade (Narrayan e Cassidy, 2001NARRAYAN, D.; CASSIDY, M. F. A dimensional approach to measuring social capital: development and validation of a social capital inventory. Current Sociology, Rio de Janeiro, v. 49, n. 2, p. 59-102, 2001.). O QI-MCS não fornece nenhum tipo de escore o que dificulta uma padronização de análise entre os autores (Grootaert e col., 2003GROOTAERT, C. et al. Questionário integrado para medir capital social (QI-MCS). Washington, DC: Banco Mundial. Grupo Temático sobre Capital Social, 2003. Disponível em: <http://empreende.org.br/pdf/Capital%20Social%20e%20Cidadania/Question%C3%A1rio%20Integrado%20para%20Medir%20Capital%20Social.pdf>. Acesso em: 22 out. 2009.
http://empreende.org.br/pdf/Capital%20So...
).

Os participantes receberam informações completas referentes aos objetivos e às justificativas da pesquisa, conforme orientações no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o assinaram juntamente com seus pais ou responsáveis legais. Respeitaram-se os preceitos éticos, conforme a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que determina as diretrizes das pesquisas envolvendo seres humanos (Brasil, 1996BRASIL. Ministério da Saúde. Resolução n°196, de 10 de outubro de 1996. Diretrizes normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília, DF, 1996.).

Essa pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Parecer no ETIC 0042.0.203.000-10) e autorizada pela diretoria da Entidade Filantrópica de Apoio ao Adolescente.

Análise estatística

Inicialmente realizou-se uma análise descritiva das características sociodemográficas dos adolescentes e o cálculo dos escores dos domínios do WHOQoL-Bref. Nesse estudo as variáveis sociodemográficas e os domínios do WHOQoL-Bref foram consideradas variáveis independentes.

O QIMCS não fornece uma medida direta de empoderamento. Por isso, para medi-lo, lançou-se mão da análise de segmentação como forma de agrupar os adolescentes em diferentes níveis de empoderamento a partir das questões do QIMCS: 1) felicidade; 2) capacidade de mudar a própria vida; 3) petição comunitária; e 4) voto.

Essa é uma ferramenta estatística analítica utilizada para construção de variáveis que envolvem mais de uma questão ou aspecto. Os subgrupos ou categorias da variável são criados baseando-se nas similaridades entre os indivíduos, entretanto sem o conhecimento a priori da sua alocação nos grupos. Quando o agrupamento dos dados é bem sucedido, os objetos pertencentes ao mesmo grupo são mais similares entre si, tornando os grupos homogêneos internamente e com alta heterogeneidade externa (Hair e col., 2006HAIR, J. F. et al. Multivariate data analysis. 6. ed. New Jersey: Prentice-Hall, 2006.).

O método K-mean Cluster foi utilizado para agrupar a amostra a partir de semelhanças nas respostas do questionário. Nesse método um teste F ANOVA foi usado apenas para fins descritivos e para indicar as questões que mais contribuíram na formação dos clusters. Para cada questão, quanto maior o valor de F, mais importante, mais eficaz a separação dos clusters.

Ao final dessa etapa, obteve-se uma variável denominada “empoderamento” que foi classificada conforme Pattussi e colaboradores (2006) em ordem crescente com três categorias: baixo, moderado ou alto. Sendo assim, o cluster com alto empoderamento seria aquele que reunisse adolescentes que se considerassem mais felizes, capazes de tomar decisões para mudar a própria vida, tivessem participado de um movimento para pedir benefício à comunidade e votado nas últimas eleições, e assim sucessivamente.

A variável dependente desse estudo foi o empoderamento e sua associação com qualidade de vida (Domínios Físico, Psicológico, Relações Sociais, Meio Ambiente e Global); foi testada por meio do teste Kruskal-Wallis. As diferenças sociodemográficas entre os três grupos de empoderamento foi testada pelo teste qui-quadrado com correção pelo Exato de Fischer.

A construção do banco de dados foi realizada pelo programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows versão 17 para sua análise com 5% de significância.

Resultados

Do total de adolescentes do estudo (N=363), 50,7% tinham 16 anos de idade, 95,9% eram do sexo masculino, 88,7% cursavam o 2o grau escolar e 13,8% declararam-se brancos (Tabela 1).

Tabela 1
Número e proporção (%) de participantes segundo características sociodemográficas. Minas Gerais, Brasil. 2010 (N=363)

Em relação à análise de segmentação, 126 (34,7%) adolescentes foram classificados como de baixo empoderamento, 161 (44,4%) formaram o grupo moderado e 70 (19,3%) possuíam maior empoderamento, e apenas seis adolescentes (1,7%) foram excluídos da análise, pois não foram classificados em nenhum cluster.

Todas as variáveis foram efetivamente importantes na separação dos adolescentes em três clusters distintos em níveis de empoderamento, exceto a felicidade (F=2,6; p=0,096). No cluster com alto empoderamento, nenhum adolescente se declarou infeliz, a maioria participou de reunião comunitária (61,0%), todos votaram nas últimas eleições (100,0%) e a maioria se sente capaz de mudar a própria vida (75,7%) e participou de uma petição comunitária (58,6%). Todos os adolescentes do cluster moderado se consideram capazes de mudar a própria vida, mas ainda não haviam votado nas eleições (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição dos clusters para empoderamento como medida de capital social de acordo com o QI-MCS, Minas Gerais, Brasil. 2010 (N=357)

A análise bivariada entre os clusters e as características sociodemográficas e qualidade de vida foram executadas para 357, uma vez que seis adolescentes não fizeram parte de nenhum grupo de empoderamento (missing no cluster). As associações entre as variáveis demográficas foram avaliadas pelo teste qui-quadrado, cujo resultado mostrou associações significantes entre empoderamento e a idade dos adolescentes (p<0,001), sendo que a maioria dos adolescentes com maior empoderamento tinham 17 anos de idade (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição dos clusters de empoderamento segundo características demográficas, Minas Gerais, Brasil. 2010 (N=357)

O cluster com alto empoderamento apresentou as maiores médias dos escores de qualidade de vida em todos os domínios. O teste Kruskal-Wallis revelou diferenças estaticamente significantes entre os clusters para os domínios psicológico (p=0,001), relações sociais (p=0,003) e global (p=0,024) (Tabela 4).

Tabela 4
Médias e desvio-padrão dos Domínios do WHOQoL-Bref de acordo com a classificação de cluster para empoderamento, Minas Gerais, Brasil. 2010 (N=357)

Discussão

A maioria dos adolescentes deste estudo é do sexo masculino e estudam em escolas públicas. Os requisitos aplicados para entrada dos adolescentes na Entidade (idade, renda e escolaridade) explicam a homogeneidade da amostra. Esses resultados estão de acordo com o perfil do adolescente trabalhador brasileiro que estudam em escolas públicas, vêm de classes sociais mais baixas e tendem a trabalhar para aumentar a renda familiar (Fischer e col., 2005FISCHER, F. M. et al. Job control, job demands, social support at work and health among adolescent workers. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 2, p. 245-253, 2005.).

As diferenças entre jovens do sexo feminino e masculino nesta faixa etária são importantes em relação a vários aspectos, especialmente, psicológicos e de relacionamento social (Cruz Neto e Moreira, 1998CRUZ NETO, O.; MOREIRA, M. R. Child and adolescent labor: factors, legal aspects, and social repercussions. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 437-441, 1998.). Entretanto, no presente estudo não foi possível verificar essas diferenças, pois apenas 3,3% dos adolescentes são do sexo feminino. Quando as adolescentes foram excluídas da amostra, não houve alterações significantes no resultado final. Além disso, esse estudo estava interessado em investigar algumas características do grupo de adolescentes trabalhadores como um todo.

Para este estudo, a autoidentificação das pessoas inclui as categorias: branco, amarelo, pardo, indígena e preto, tal como aparece nos censos populacionais oficiais. No geral, a maioria dos adolescentes identificou-se como amarelo, uma classificação usada para população asiática. A maioria dos adolescentes parece não compreender o significado correto das categorias, o que compromete a veracidade desse dado. Em conversa informal com adolescentes após a constatação desse fato, identificou-se uma rejeição ao termo “pardo”, interpretado como “sujo”. Não se considerando pretos nem brancos, optaram pela classificação “amarelos”.

Nos últimos anos, vem se intensificando o interesse pelas análises acerca de raça/cor e etnia como fatores determinantes de desigualdades em saúde no Brasil. Entretanto, esse tema ainda é uma variável de definição e mensuração particularmente complexa e parece que as diferenças raciais são altamente sensíveis às condições socioeconômicas e/ou ao nível educacional (Travassos e Williams, 2004TRAVASSOS, C.; WILLIAMS, D. R. The Concept and Measurement of Race and Their Relationship to Public Health: A Review Focused on Brazil and the United States. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 660-678, 2004.).

Os adolescentes estudados neste trabalho possuem um acompanhamento que lhes tornam trabalhadores diferenciados. Eles têm jornada de trabalho de 20 horas semanais, de modo a conciliar com horário de estudo formal além de participar de atividades extras como a prática de esportes e atividades recreativas. Esse vínculo formado entre eles e a Entidade pode estar minimizando a carga que o trabalho poderia representar para essa população.

Nessa Entidade, os adolescentes recebiam acompanhamento e reforço escolar, sendo que a principal prioridade é que o trabalho não atrapalhe os estudos. Entretanto uma pesquisa realizada em São Paulo evidenciou que para os estudantes do período noturno existe uma relação negativa do trabalho-estudo (Oliveira e col., 2005OLIVEIRA, D. C. et al. A Positividade e a negatividade do trabalho nas representações sociais de adolescentes. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 18, n. 1, p. 125-133, 2005.). Por outro lado, apesar de o trabalho representar um risco para a escolarização e evasão escolar (Alberto e col., 2011ALBERTO, M. F. P. et al. O trabalho infantil doméstico e o processo de escolarização. Psicologia & Sociedade, Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 293-302, 2011.), ele é legitimado pelas representações dos próprios jovens (Oliveira e col., 2001OLIVEIRA, D. C. et al. Futuro e liberdade: o trabalho e a instituição escolar nas representações sociais de adolescentes. Estudos de Psicologia, Natal, v. 6, n. 2, p. 245-258, 2001.).

Programas de apoio e inserção ocupacional para adolescentes estão intimamente atrelados à necessidade de dar continuidade aos estudos (Sarriera e col., 2000SARRIERA, J. C.; CAMARA, S. G.; BERLIM C. S. Elaboração, desenvolvimento e avaliação de um programa de inserção ocupacional para jovens desempregados. Psicologia Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 13, n. 1, p. 189-198, 2000.; Diório e Gomide, 2004DIÓRIO, Z. M.; GOMIDE, P. I. C. Ascensão escolar e profissionalização de bons alunos de baixa renda: avaliação de um programa brasileiro. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, v. 17, n. 3, p. 359-366, 2004.). Para essa faixa etária, o processo de escolha de uma profissão é baseado na realidade que o adolescente vive, em sua família, e nas suas relações com “outros”, seus pares (Santos, 2005SANTOS, L. M. M. O papel da família e dos pares na escolha profissional. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p. 57-66, 2005.).

A saída do adolescente acontece antes de completar 18 anos de idade, sendo que muitos conseguem bons empregos imediatamente e algumas empresas do município buscam a indicação dos melhores adolescentes da Entidade. Por outro lado, Câmara e Sarriera (2001)CÂMARA, S. G.; SARRIERA, J. C. Critérios de seleção para o trabalho de adolescentes-jovens: perspectiva dos empregadores. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 6, n. 1, p. 77-84, 2001. relataram, mesmo nos programas de trabalho direcionado a jovens, o empregador busca por uma maturidade e uma disponibilidade para o trabalho que não condizem com a etapa da adolescência.

Este estudo transversal é aparentemente o primeiro estudo brasileiro a apontar uma relação positiva entre empoderamento e a qualidade de vida de adolescentes trabalhadores. Os resultados mostraram que ser civicamente comprometido através do voto, pedir algum benefício em prol da comunidade e o sentimento de ser totalmente capaz de mudar o curso da própria vida são características marcantes do grupo de jovens com maior empoderamento.

Para os membros de uma Federação das Organizações Juvenis de Consumidores de Concepción, o capital social está presente quando as relações de cooperação, confiança e reciprocidade se tornam elementos básicos da ação em equipe (Pérez, 2007PÉREZ, A. I. A. Construccion de capital social comunitario y empoderamiento ciudadano. Ultima Década, Valparaiso, v. 15, n. 26, p. 123-145, 2007.).

A importância do conhecimento para o empoderamento da juventude não pode ser limitada à justiça social, mas a processos de mudança organizacional e da comunidade que envolve a juventude (Russell e col., 2009RUSSELL, S. T. et al. Youth empowerment and high school gay-straight alliances. Journal of Youth and Adolescence, London, v. 38, n. 7, p. 891-903, 2009.). Isso requer a criação de modelos eficientes e duradouros em diferentes níveis de colaboração entre as organizações formais e informais que desenvolvem políticas e programas para a juventude (Guzman, 2007GUZMAN, M. L. M. Mirando al futuro: desafíos y oportunidades para el desarrollo de los adolescentes en Chile. Psykhe, Santiago, v. 16, n. 1, p. 3-14, 2007.).

A entidade parece desempenhar esse papel de suporte social, transformando o trabalho desses adolescentes em aprendizado para seu crescimento e desenvolvimento. Os adolescentes são estimulados constantemente a desenvolver melhor a capacidade de pensar, aprender e agir com atividades culturais e de lazer, bem como o acompanhamento escolar dos adolescentes trabalhadores pode estar pesando favoravelmente nessa questão.

O empoderamento não se realiza de forma independente, mas implica um processo de integração na comunidade, em que as diferentes formas de engajamento são campos de aprendizagem e reconhecimento junto aos membros do grupo, contribuindo para fortalecer sentimentos como autorrealização, identidade e pertencimento (Kleba e Wendhausen, 2009KLEBA, M. A.; WENDHAUSEN, A. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009., p. 739).

Há numerosas pesquisas publicadas, inclusive de jovens brasileiros, abordando as repercussões do trabalho na saúde e na qualidade de vida dos jovens estudantes trabalhadores (Fischer e col., 2005FISCHER, F. M. et al. Job control, job demands, social support at work and health among adolescent workers. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 39, n. 2, p. 245-253, 2005.). Para os adolescentes deste estudo, o trabalho pode representar uma fonte complementar de renda para a família, e em alguns casos, o único sustento familiar.

A legislação brasileira proíbe o trabalho noturno perigoso ou insalubre a jovem de 18 anos e qualquer trabalho a jovem de 16, salvo nas condições de aprendiz entre 14 e 16 anos (Brasil, 2000BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000. Altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943. Diário Oficial da República do Brasil, Brasília, DF, 20 dez. 2000.). Dessa forma, é importante, diante da necessidade do trabalho, existir uma Entidade que faça a intermediação nesse processo, de modo a acompanhar os estudos, garantir atividades de lazer, esporte, enfim se responsabilizar pelos adolescentes.

O futuro de uma sociedade relaciona-se diretamente à valorização, à autonomia e ao respeito à juventude. É posto que as conexões dos jovens com a comunidade em que se encontram inseridos assim como a família e com a sociedade podem promover o desenvolvimento saudável e transição para a sua vida adulta através do engajamento cívico (Duke e col., 2009DUKE, N. N. et al. From adolescent connections to social capital: predictors of civic engagement in young adulthood. Journal of Adolescent Health, Philadelphia, v. 44, n. 2, p. 161-168, 2009.).

O desenvolvimento juvenil marcado por aceitação, segurança e ética faz com que os adolescentes se sintam competentes e capazes de alterar a própria realidade e agir em favor de um objetivo coletivo (Benson e Pittman, 2001BENSON, P. L.; PITTMAN, K. D. Trends in youth development: visions, realities, and challenges. Boston: Kluwer Academic, 2001.). Nesse sentido, o presente estudo evidenciou que a maioria dos adolescentes do grupo com alto empoderamento se considera capaz de tomar decisões que podem mudar o curso da vida deles; a totalidade do grupo votou nas últimas eleições – local ou presidencial, além de terem apresentado maior participação em reuniões para pedir algo em benefício da comunidade.

Os jovens precisam ser estimulados a ter uma visão crítica de si e do mundo, pois naturalmente esta é uma fase marcada por conflitos. Muitas vezes isso significa lutar contra um estereótipo social de que eles “não sabem o que estão falando” (Russell e col., 2009RUSSELL, S. T. et al. Youth empowerment and high school gay-straight alliances. Journal of Youth and Adolescence, London, v. 38, n. 7, p. 891-903, 2009., p. 8). Para os adolescentes deste estudo, o conhecimento pode ser uma ferramenta de transformação das estruturas sociais nas quais estão inseridos, podendo ser uma oportunidade única de mudar realmente o rumo da própria vida.

Em contrapartida, apesar das diferenças relacionadas ao empoderamento verificadas entre os clusters, a percepção de felicidade foi similar para os grupos com baixo e com alto empoderamento.

Os jovens mais felizes são mais propensos a ter uma visão positiva de sua saúde e possuem mais habilidades para lidar com a vida. Além disso, uma rede de amizade forte parece ser importante na construção de autoestima, promoção do bem-estar e no desenvolvimento de relações sociais (Akister e col., 2010AKISTER, J.; OWENS, M.; GOODYER, I. M. Leaving care and mental health: outcomes for children in out-of-home care during the transition to adulthood. Health Research Policy and Systems, London, v. 8, n. 10, p. 1-9, 2010.).

É importante salientar que, apesar de certa homogeneidade da amostra no que se refere a sexo, idade e condição socioeconômica, houve nítida diferenciação entre os níveis de empoderamento assim como os de qualidade de vida dos adolescentes. Adicionalmente, os maiores escores de cada uma das três dimensões estatisticamente significantes da medida de qualidade de vida se associaram ao grupo de alto empoderamento. Estudos indicaram que o empoderamento, tanto em âmbito individual quanto da comunidade, parece estar diretamente associado à saúde e qualidade de vida através de enfrentamento e autoestima (Nilsson e col., 2006NILSSON, J.; RANA, A. K. M. M.; KABIR, Z. N. Social capital and quality of life in old age: results from a cross-sectional study in rural Bangladesh. Journal of Aging and Health, Galveston, v. 18, n. 3, p. 419-434, 2006.; Wahl-Jorgensen e col., 2010WAHL-JORGENSEN, K.; WILLIAMS, A.; WARDLE, C. Audience views on user-generated content: exploring the value of news from the bottom up. Northern Lights, Bedfordshire, v. 8, n. 1, p. 177-194, 2010.).

O grupo de baixo empoderamento possuiu menor qualidade de vida quando comparado aos demais. Possivelmente, esses adolescentes são indivíduos socialmente mais isolados e/ou residem em áreas com baixo capital social coletivo, logo menos prováveis de benefícios que impactariam positivamente na qualidade de vida. Áreas providas de capital social podem produzir benefícios à qualidade de vida através da difusão de conhecimento sobre as questões relacionadas ao bem-estar (Kim e col., 2006KIM, D. et al. US state and county-level social capital in relation to obesity and physical inactivity: a multilevel, multivariable analysis. Social Science & Medicine, Atlanta, v. 63, n. 4, p. 1045-1059, 2006.), sendo que o empoderamento pode contribuir positivamente nesse processo.

De modo geral, os adolescentes trabalhadores parecem ter boa qualidade de vida, exceto no domínio meio ambiente cujas médias dos escores foram inferiores a 70. O domínio meio ambiente do WHOQOL-Bref refere-se à satisfação e à percepção sobre a segurança física e proteção, local de moradia, recursos financeiros, disponibilidade e qualidade dos cuidados de saúde e sociais, oportunidade de adquirir novas informações e habilidades, participação e oportunidades de lazer (Fleck e col., 2000FLECK, M. P. A. et al. Application of the Portuguese version of the abbreviated instrument of quality life WHOQoL-bref. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 34, n. 2, p. 178-183, 2000.).

Considerando-se que grande parte dos adolescentes mora em bairros periféricos, têm famílias grandes e ajudam nas despesas do lar, espera-se que as condições gerais de vida e moradia desses adolescentes sejam menos saudáveis. Entretanto, é preciso ter cautela nessas afirmações, uma vez que não foi possível averiguar com mais propriedade as condições socioeconômicas dos participantes.

A distribuição dos clusters de empoderamento em relação às características demográficas resultou em associações interessantes em relação à idade (p<0,001). Enquanto a maioria dos adolescentes do cluster com alto empoderamento tem idade igual a 17 anos (78,6%), no cluster com baixo empoderamento, a maioria dos adolescentes tem 16 anos de idade (58,7%).

Levando-se em consideração que o empoderamento é um construto feito ao longo do tempo e acumulado de acordo com as experiências de vida, é possível sugerir que essa entidade pode estar contribuindo no empoderamento desses adolescentes.

Independentemente das condições sociodemográficas, os resultados do presente estudo sugerem que a jornada dupla de atividades (estudo e trabalho) pareceu não interferir negativamente na qualidade de vida desses adolescentes. As organizações e programas de acompanhamento psicossocial que desenvolvam o posicionamento crítico destes adolescentes e a formação da identidade própria como sujeito e cidadão têm papel fundamental na relação entre estudo e trabalho para esta população (Cruz Neto e Moreira, 1998CRUZ NETO, O.; MOREIRA, M. R. Child and adolescent labor: factors, legal aspects, and social repercussions. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, n. 2, p. 437-441, 1998.).

Apesar de a maioria dos estudos apontarem aspectos desfavoráveis ao trabalho dos adolescentes, a experiência dessa entidade, responsável pela inserção desses adolescentes no mercado de trabalho parece ser positiva. É claro que as chances de sucesso dessa dupla jornada estão diretamente relacionadas às condições de vida e de trabalho dignas (Guzman, 2007GUZMAN, M. L. M. Mirando al futuro: desafíos y oportunidades para el desarrollo de los adolescentes en Chile. Psykhe, Santiago, v. 16, n. 1, p. 3-14, 2007.).

A experiência do trabalho de adolescentes e os significados destas experiências não são uniformes (Zimmer-Gembeck e Mortimer, 2006ZIMMER-GEMBECK, M. J.; MORTIMER, J. T. Adolescent work, vocational development, and education. Educational Research and Reviews, v. 76, n. 4, p. 537-566, 2006.). Embora um adolescente possa viver em um contexto físico, social, cultural negativo ele ainda relativamente, pode ter uma boa qualidade de vida, dependendo de como o adolescente reage e cria estratégias para enfrentar aquele contexto (Edwards e col., 2002EDWARDS, T. C. et al. Adolescent quality of life, part I: conceptual and measurement model. Journal of Adolescence, London, v. 25, n. 3, p. 275-286, 2002.). Neste estudo, não foi possível estabelecer o benefício da relação entre adolescente-Entidade na qualidade de vida dos participantes.

Outras variáveis deverão ser investigadas para se estabelecer o real impacto do trabalho na saúde e na qualidade de vida de adolescentes aprendizes, como as sugeridas por Staff e Uggen (2003)STAFF, J.; UGGEN, C. The fruits of good work: early work experiences and adolescent deviance. Journal of Research in Crime and Delinquency, New York, v. 40, n. 3, p. 263-290, 2003.: salário, status, aprendizagem, autonomia, estressores, bem como a compatibilidade de trabalho com a escola.

Acredita-se que as atividades promovidas pela Entidade podem trazer benefícios para a vida desses adolescentes e contribuem para uma percepção mais positiva sobre a própria qualidade de vida. Enfim, a convivência diária dentro dessa entidade parece contribuir para maior formação de vínculo e amizade entre os adolescentes, compartilhando experiências e crescendo juntos e, consequentemente, maior empoderamento.

Limitações

Cabe ressaltar que a avaliação da qualidade de vida pressupõe realizar quantificações de um construto sensivelmente marcado pela subjetividade de experiências, crenças, expectativas e percepções dos indivíduos (Guillemin e col., 1993GUILLEMIN, F.; BOMBARDIER, C.; BEATON, D. Cross cultural adaptation of health related quality of life measures: literature review and proposed guideline. Journal of Clinical Epidemiology, Philadelfia, v. 46, n. 12, p. 1417-1432, 1993.). Além disso, o delineamento do presente estudo não permite inferências sobre causas e consequências desse tema.

Essas limitações apontam para a necessidade de estudos longitudinais, a fim de esclarecer a direção da associação entre capital social e empoderamento com qualidade de vida. Não foi possível descobrir se o aumento do capital social resulta em melhor qualidade de vida porque as pessoas estão saudáveis, ou indivíduos com mais qualidade de vida têm bons estoques de capital social.

Por último, levando-se em consideração as particularidades da amostra, não é possível generalizar os resultados para os demais adolescentes trabalhadores; sendo esta uma realidade apenas para os adolescentes assistidos pela Entidade.

Potencialidades

Outros estudos foram conduzidos na área de promoção da saúde com a temática dos jovens trabalhadores. Ainda assim, o presente estudo poderá trazer uma distinta contribuição do que vem sendo publicado na literatura, uma vez que se verificou que o trabalho não interferiu negativamente na vida desses adolescentes.

Os resultados indicam também relações positivas entre empoderamento e qualidade de vida, podendo suscitar novas discussões acerca dos benefícios do acompanhamento dos adolescentes trabalhadores por Entidades e ONGs.

A mensuração da qualidade de vida por meio do WHOQoL-Bref, que é um instrumento validado para o português, pode apontar direções no acompanhamento de adolescentes nas condições de estudante e trabalhador. Por outro lado, apesar de não haver consenso na literatura sobre a melhor maneira de medir o capital social, o QI-MS é um compilado das perguntas mais utilizadas na literatura e proporciona uma liberdade ao pesquisador para escolher aquelas que condizem com o objetivo do trabalho.

Sendo assim, o estudo pode contribuir no avanço do conhecimento suscitando novas investigações sobre a relação entre capital social, empoderamento e qualidade de vida.

Enfim, concluiu-se que quanto maior o grau de capital social medido através do empoderamento do adolescente trabalhador assistido pela Entidade, melhores os níveis de qualidade de vida desses jovens. Novos estudos com adolescentes trabalhadores se fazem necessários como meio de auxiliar no reconhecimento dos problemas e desafios, bem como no estabelecimento de novas metas que busquem maior articulação das políticas públicas e, consequentemente, do contexto social desses adolescentes.

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  • 1
    Trabalho financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    24 Maio 2012
  • Revisado
    14 Maio 2013
  • Aceito
    07 Jun 2013
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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