Resumos
Introdução:
ão há quem, no Brasil, não tenho ouvido falar da “cracolândia” paulistana. Ela é fonte inesgotável de notícias, de histórias e de pânico. A mais famosa territorialidade de uso de crack do país é considerada lugar que se deve evitar, lugar de perigo, lugar degradado. Também de degredo. E, por isso mesmo e em vários aspectos, lugar de grande atração. Pensar sobre ela exige criatividade e rigor.
Objetivos:
Numa direção contrária às visões alarmistas, esta territorialidade será descrita a partir da sua relação com o entorno, notadamente o bairro da Luz, afastando-se de abordagens que tomam tais espaços como fronteiras impenetráveis, isoladas fisicamente e, pior, moralmente.
Procedimentos Metodológicos:
Serão destacadas etnograficamente a grande quantidade de pessoas que por ali circula, bem como os distintos usos e práticas espaciais observados.
Resultados:
com esta etnografia, pretende-se conferir visibilidade às disputas, interações e conexões que fazem uma cidade e contribuir para uma visão acurada desta territorialidade.
Crack; Cracolândia; Luz; Etnografia urbana
Na sede do Centro de Convivência É de Lei22 Organização não governamental especializada na atenção a usuários de drogas, bem como na realização de atividades de redução de danos na região conhecida como “cracolândia”, em São Paulo. A ONG mediou todo o meu acesso ao local e, a partir dessa inserção, é que situo este relato. me emprestaram uma camiseta amarela. Fomos, então, eu e dois redutores de danos em direção à região conhecida como “cracolândia”, em São Paulo. Era uma sexta-feira, perto das 15 horas, imediatamente depois da derrota do Brasil para a Holanda na Copa do Mundo de 2010, na África do Sul.
Av. São João, Av. Rio Branco, Av. Duque de Caxias, chegamos.
Próxima à sede do corpo de bombeiros, era grande a quantidade de pessoas que circulavam por ali. Usuários de crack, transeuntes, pessoas na esquina de um bar ainda comentando a perda da partida de futebol. Só na rua Dino Bueno eram trinta pessoas consumindo a droga, em pé, porque pequenos canos instalados por comerciantes nos edifícios pingavam água continuamente, impedindo a aglomeração nas calçadas, que, por sua vez, estavam molhadas.
Chamou minha atenção um casal discutindo. Novos, ambos não tinham mais que 20 anos. Assim que me viu e sem que eu tivesse tempo de me apresentar, o rapaz disse à namorada: "Fique conversando com a tia. Ela vem aqui todos os dias". E se achegaram perto de mim. Ela, que estava no local também pela primeira vez, contou que veio buscar o namorado porque tinham combinado que ele se internaria em uma comunidade terapêutica naquele dia. Ele concordava em ir, mas, antes, dizia precisar cobrar um dinheiro que lhe deviam. Aí estava o motivo da discussão: ela queria sair dali e ele, antes de ir, precisava resolver a pendência. Foi então que me pediu para ficar perto dela até voltar com o dinheiro.
Enquanto o aguardávamos, conversamos bastante. Morena, com o corpo esguio, vestia uma blusa vermelha que deixava à mostra o abdômen e o piercing no umbigo; a calça justa de jeans e a sandália rasteira completavam o visual. O cabelo preto era artificialmente liso e estava bem arrumado com chapinha. Parecia bastante vaidosa. Comentei que estava bonita e, se adiantando a qualquer comentário, ela foi logo dizendo que não usava droga: "só ele". Em questão de segundos, passou a reclamar do namorado, dizendo que não aguentava mais vê-lo naquela situação: "Ele era bonito, trabalhava, a gente morou junto um ano no fundo do barraco da mãe dele, tinha plano de casar. De repente ele se envolveu com isso, foi sumindo".
Contou que estava ali junto com a mãe dele, que os esperava na Praça Princesa Isabel. Disse que não deixou a sogra chegar até o local porque certamente ela ficaria muito nervosa. As duas vinham de Santos, a cidade onde moram, para buscá-lo a fim de iniciar o tratamento. Ele voltou logo, me agradeceu por ficar com ela, falou que ia ficar "limpo" porque a ama. Estava com o dinheiro em mãos, se despediram e foram embora.
Os redutores também precisavam seguir; já fazia mais de meia hora que estávamos só naquele ponto. Contei a um deles o que se passou e ele me disse que ouvira a conversa, pensou em falar com a moça sobre o tratamento em um Centro de Atenção Psicossocial, sem internação, em regime aberto, mas eles pareciam tão fixos na ideia de tratamento fechado que o redutor desistiu da sugestão.
Demos meia volta no quarteirão até a outra rua paralela. Muitas pessoas novamente, provavelmente cinquenta. Alguns em pé, outros acocorados; os "chuveiros" não funcionavam ali. Com tanta gente, eu ficava confusa, sem saber para onde olhar. Só conseguia pensar que essa dinâmica confusa e heterogênea, aliada à grande quantidade de pessoas, tornava vã qualquer tentativa de compreensão daquele lugar. Fiquei seriamente pensando porque estava me metendo nisso.
Mas qualquer ensaio de encadear um pensamento era improfícuo diante da quantidade de situações que aconteciam. Um menino chegou com um par de tênis Nike, já usado, tentando trocá-lo; ofereceram-lhe um pedaço de pedra que custava R$ 1,50; ele topou. Outra menina passava pedindo uma tragada por um real; um rapaz que estava com um par de chinelos na mão, dando passos titubeantes no asfalto quente, olhou pra mim e falou que não ia conseguir andar descalço naquele chão; desistiu de trocar os chinelos.
Em meio a tantos acontecimentos, enquanto distribuíamos os insumos, éramos observados por um homem que depois veio se autoapresentar como Alemão. Já chegou dizendo que fumava crack "desde que o crack existe", mas que ficava de boa e, apontando para alguns que passavam, comentou não ser como eles, não ter essa paranoia de sair andando. Vestia camiseta, shorts e tênis, que ganhavam o adorno de muitos anéis, pulseiras, colares e um boné. Para afirmar sua diferença em relação aos demais, nos mostrou seu cachimbo, feito de cobre, cujo bocal possuía uma leve peneira, "para filtrar". De fato era um utensílio muito bem construído. Teria sido comprado em uma loja de materiais de construção próxima dali pelo custo de dezessete reais. Ele ainda se orgulhava em não compartilhá-lo com ninguém. Os redutores disseram-lhe que o cobre é um dos melhores materiais para a confecção do cachimbo: não provoca intoxicação como o alumínio; aguenta o calor, diferentemente do plástico; não quebra como o vidro. Mas tem a desvantagem de ser mais caro. Alemão escutou atentamente e fez um histórico evolutivo dos seus utensílios: antes usava na lata, depois no copo plástico, depois no iogurte, depois no isqueiro, depois no cano de PVC, depois no alumínio e agora no cobre. Mais à vontade, enfatizou não ser "viciado": "o meu negócio aqui é dinheiro". Contou-nos ainda que passara seis anos preso e que na cadeia não fumou crack.
Outro homem chegou perto e, igualmente, se apresentou: "Sou Rodrigo, mais um adicto". Disse estar frequentando a reunião de "NA" (Narcóticos Anônimos) e não usava mais nada há um ano e quatorze dias. Estava muito bem vestido. Camisa social por dentro da calça, também social, sapatos; segurava uma maleta preta. Deu mais uma vez a entender que seu negócio era a venda. Disse que já pegou RDD33 Trata-se de sigla para Regime Disciplinar Diferenciado, que, como nota Juliana Carlos (2011), possui características de regimes de exceção e dispositivos que colidem diretamente com a Constituição Federal e a Lei de Execução Penal de 1984. e que estava no Carandiru no dia do massacre, forneceu detalhes da quantidade de pessoas mortas: "uma cena que não gosto nem de lembrar". Contou ainda ter sido cabo do exército por quatro anos antes de entrar para o crime. No exército, era armeiro; tentou engatar uma conversa sobre armas, mas a minha ignorância no assunto fez com que não avançássemos muito.
Eu conversava com Rodrigo sentada no beiral de um apartamento cuja porta de entrada dá direto para a rua. Enquanto isso, a polícia apareceu duas vezes; passou de carro, apontou revólver, pediu para um homem parar; fez revista e depois o liberou. Quando ela chega, todos os que estão ali se dispersam, a rua fica vazia, mas, em poucos minutos, voltam todos (Caderno de Campo, 02/07/2010).
Esse foi o relato da minha primeira ida à região que ficou conhecida “cracolândia”, situada no entorno do bairro da Luz, em São Paulo. Fui embora conversando com os redutores sobre a dificuldade do campo, as impressões, as diferenças e semelhanças com o que tinha experenciado e percebido em pesquisas anteriores, em outras cidades. Sem entender quase nada, a minha fala era única: “é muita coisa!” Chegamos à sede da ONG por volta das 18 horas. Guardei o material utilizado, despedi-me dos funcionários e caminhei até a estação de metrô São Bento. Dali para a rodoviária do Tietê, para a rodoviária de Campinas, onde moro. No ônibus, fui tomada por um grande cansaço. Não conseguia pensar. Dormi a viagem toda.
O cansaço era real. Uma única ida à “cracolândia” paulistana, a mais famosa territorialidade de uso de crack do país, já dá uma pequena mostra da quantidade de situações que acontecem num espaço curto de tempo, bem como dos diversos tipos de associação e interação que marcam o cotidiano desses usuários: negociações ora hostis, ora amigáveis com os comerciantes locais, grande assédio de instituições, heterogeneidade dos usuários e traficantes de crack (que frequentemente se confundem), tensa convivência com as diversas polícias (civil, militar, guarda metropolitana e, até, seguranças privados).
São apenas breve parcela de uma série de outros atores sociais que, cada um a seu modo, também assombram, circundam e constituem toda a região. A lista segue: moradores do local, das imediações e das pensões, comerciantes e frequentadores do bairro, transeuntes, trabalhadores dos arredores, profissionais de imprensa, estudantes e pesquisadores realizando os mais diversos trabalhos de conclusão de curso (inclusive eu), membros de várias instituições religiosas, fiscais da prefeitura, associações civis de moradores e comerciantes, organizações não governamentais, grupos de artistas e suas mil intervenções, urbanistas, movimentos sociais de luta por moradia, defensores dos direitos humanos, serviços públicos de saúde e de assistência, PCC44 Sigla para Primeiro Comando da Capital, um coletivo de presos, cuja formação, segundo Karina Biondi (2010), só pode ser entendida no contexto de medidas políticas executadas pelo governo estadual paulista após o que ficou conhecido como Massacre do Carandiru, em 1992; entre elas o alto crescimento da população carcerária do Estado de São Paulo e a construção de presídios nas cidades do interior ou em regiões mais afastadas da grande São Paulo., interesses político-eleitoreiros, construtoras imobiliárias, investidores internacionais.
Tantos personagens e interesses envolvidos já fizeram Raupp e Adorno (2011)RAUPP, L.; ADORNO, R. Circuitos de uso de crack na região central da cidade de São Paulo. Ciência & Saúde Coletiva, São Paulo, v. 16, n. 5, p. 2613-2622, 2011. pensar a região como um “campo de forças”, pois o que se passa ali envolve conflitos tão entramados e, ao mesmo tempo, tão independentes e espontâneos que zombam de qualquer tentativa de entendimento. Não à toa o esforço de ordenação demanda grande energia, até mesmo física – e isso, literalmente, cansa.
Por conseguinte, não é exagero dizer que é impossível apreender todas as interações existentes no local. Igualmente impraticável é tentar elencar qual dessas interações é mais relevante para sua caracterização. São tão múltiplas, diversas e heterogêneas, atendem a tantos interesses que é difícil precisar apenas uma. Muitos outros trabalhos seriam necessários para tal empreitada.
Desse modo, de maneira muito mais modesta, respeitando os limites da minha etnografia e do confronto e diálogo entre ela e o que pude captar em jornais, relatos e outros trabalhos acadêmicos, escolhi, neste texto, discorrer acerca do histórico e da dinâmica local, destacando a grande quantidade de pessoas que circulam pelo entorno (e, portanto, o constituem), bem como os distintos usos, disputas e apropriações que se pode fazer desse espaço.
Para tanto, divido o texto em dois momentos. No primeiro, contextualizo a “cracolândia” em termos históricos e espaciais, o que quer dizer que, de um lado, refaço e lanço questões ao seu perene processo de ocupação itinerante e, de outro, a situo num cenário mais amplo, o bairro da Luz, que, assim como ela, também é composto de muitos atores sociais e equipamentos urbanos, além de ser igualmente delimitado por fronteiras bastante fluídas. Em ambos os casos, farei vasto uso da bibliografia já produzida.
Num segundo momento, apresento os variados modos de apropriação da região mais circunscrita ao que se apreende por “cracolândia”, baseando-me fundamentalmente em dados etnográficos colhidos entre os anos de 2010 e 2011, junto aos usuários de crack, mediada pelas ações da ONG É de Lei. De modo específico, com tal tópico objetivo mostrar como grande número de atores sociais numa área urbana bastante visível (e visada), cenário estratégico de inúmeras contendas, confere contornos específicos à dinâmica do consumo.
Caminhando nessas duas direções, pretendo com este artigo propor que, ao invés de pensar nos espaços de consumo de crack como alijados das dinâmicas urbanas ou das suas formas de governo, o cenário destacado, quando observado de perto, parece nos dizer que o que se passa é justamente o contrário. Ou seja, que é nos espaços mais precários e desprezados que se nota a cidade, e a vida, acontecendo em uma “inesgotável riqueza de variações” (Benjamin, 2000BENJAMIN, W. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000.), enfrentamentos e atrocidades.
Luz, “cracolândia”: histórico de usos e interações
Para seguir na descrição é preciso, antes, caminhar para trás e lembrar ao leitor que a ocupação desse espaço não é nova. Desde os primeiros anos da década de 1990 há registros de que o centro de São Paulo, especialmente as ruas do bairro da Luz, atrai e concentra consumidores de crack (Silva, 2000SILVA, S. Mulheres da Luz: uma etnografia dos usos e preservação no uso do crack. 2000. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.; Mingardi e Goulart, 2001). A data é bem próxima a dos registros iniciais da entrada da droga no Brasil, que, contudo, de modo bastante instigante, teria chegado primeiro à Zona Leste da cidade (sobretudo à região de São Mateus e, posteriormente, às regiões de Cidade Tiradentes e Itaquera). Segundo Uchoa, em O caminho das pedras,
o bairro de São Mateus, na Zona Leste, com seus três distritos populosos, [...] ficou conhecido como ponto de partida do crack na cidade. A partir de 1989, a palavra crack passaria a ser uma espécie de sinônimo do bairro (Uchoa, 1996UCHOA, M. A. Crack: o caminho das pedras. São Paulo: Ática, 1996., p. 103).
Não há como averiguar a veracidade dos registros jornalísticos de Uchoa. Uma vez em livro, eles importam porque figuram como narrativa de origem da entrada e da rota da droga na cidade e mesmo no Brasil. Contudo, tal narrativa se torna interessante porque nos leva a indagar, ainda que a resposta seja inalcançável, sobre o processo que fez com que uma pequena parte da região central da maior metrópole brasileira se tornasse nacionalmente conhecida como a “terra do crack”, a “cracolândia”. Pois, se deslocando da periferia para o centro e ali se territorializando, não se pode negar os efeitos e as consequências dessa aparição pública.
Arrisco dizer que não há quem, no país, não tenho ouvido falar da “cracolândia”. Atualmente, ela é fonte inesgotável de notícias, de histórias e, não sem contradição, de pânico. Inspira espetáculos de danças, fotografias, intervenções artísticas, vídeos, programas de TV, sites, charges, gibis, estágios missionários ou assistenciais. Lugar que se deve evitar, lugar de perigo, lugar degradado. Também de degredo. E, por isso mesmo, em muitos aspectos, lugar de grande atração.
Porém, e como anunciado, não foi sempre assim. Em princípio, quando se falava da “cracolândia” era, sobretudo, como “reduto de venda” (Uchoa, 1996UCHOA, M. A. Crack: o caminho das pedras. São Paulo: Ática, 1996., p. 73); posteriormente ela foi sendo o local em que menos se apreende crack na cidade de São Paulo. Relato de Selma Silva dá mostra de que houve um tempo em que o número de pessoas consumindo a droga nas ruas ainda era pequeno, principalmente depois de uma operação policial realizada em 199755 Ao que tudo indica trata-se da “Operação Dignidade”, descrita por Frúgoli Jr. (2006), iniciada como um cerco aos camelôs e estendendo-se a outros segmentos, dando início ao que se chamou “guerra no centro”.:
Atualmente, depois de uma operação policial que começou no final de 1997, entre outras que se seguiram, a região [da “cracolândia”] mostra uma presença menor dessa população [usuários de crack]. Existe alguma circulação, mas é muito pequena em comparação com a que ocorria anteriormente. Hoje a busca e o uso das pedras acontecem dentro dos hotéis ou espalhados pelas ruas próximas (Silva, 2000SILVA, S. Mulheres da Luz: uma etnografia dos usos e preservação no uso do crack. 2000. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000., p. 45).
Anos depois, o perambular desses usuários pelas ruas desafia tudo e, por conseguinte, cria uma série de aparatos públicos e privados de gestão, intervenção, auxílio, incriminação e repressão.
Em janeiro de 2012 novos acirramentos dos conflitos e das intervenções ostensivas colocaram a “cracolândia” no centro da questão social brasileira contemporânea. A área foi outra vez alvo de violenta operação policial, a Operação Sufoco, que, impingindo declaradamente “dor e sofrimento”, visou não o cuidado dos usuários, mas a retomada desse espaço da cidade por parte do poder público – o que gerou crise institucional, disputa de poderes entre as secretarias governamentais, denúncias da Defensoria Pública, manifestação contrária da imprensa e críticas de parcela significativa da população. Igualmente, em 2013, no mês de janeiro (o preferido do calendário paulista para a violência estatal), o absurdo das proposições e tentativas efetivas de internação compulsória massiva voltou a destacar o local nas primeiras páginas midiáticas. E, vira e mexe, inovações nos serviços de atenção, nas tecnologias gerenciais e no monitoramento governamental da área são anunciadas. Quase todas nascendo já fadadas ao fracasso e à consequente substituição.
Para apreender melhor a “cracolândia” é preciso ter em conta que ela está muito longe de ser um mero logradouro físico, dado que foi se alterando e se deslocando no correr dessas duas décadas, pelas imediações do bairro da Luz e outros próximos. Ruas Guaianazes, do Triunfo, Vitória, Mauá, Glete, Helvétia, Ana Cintra, dos Protestantes, dos Gusmões, dos Andradas e General Couto de Magalhães; Largo General Osório, alamedas Dino Bueno e Barão de Piracicaba; trechos das avenidas Cásper Líbero, Duque de Caxias, Rio Branco e Ipiranga; praças Princesa Isabel e Júlio Prestes; todos endereços que já nos deram indícios das adjacências e concentrações dos usuários de crack. Tamanha quantidade de pessoas fumando a droga por essas imediações e, durante a pesquisa, grande parte delas concentrada na rua Helvetia, alterou até o itinerário de ônibus municipais dos caminhões de coleta de lixo de muitos habitantes da cidade, que evitam passar pelo local, sobretudo no período da noite.
A prática de mapear esse deslocamento é bastante recorrente quando se estuda ou se fala sobre a área; é procedimento metodológico, quase obsessivo, tanto de estudiosos quanto de jornalistas revelando um esforço de apreender geograficamente essas movimentações. Visando abarcá-las conceitualmente, Frúgoli Jr. e Spaggiari (2010)FRÚGOLI JR, H.; SPAGGIARI, E. Da “cracolândia” aos nóias: percursos etnográficos no bairro da Luz. Ponto Urbe, São Paulo, v. 4, n. 6, 2010. Disponível em: <http://www.pontourbe.net/edicao6-artigos/118-da-cracolandia-aos-noias-percursos-etnograficos-no-bairro-da-luz>. Acesso em: 28 jan. 2014.
http://www.pontourbe.net/edicao6-artigos... postulam que a região chamada de “cracolândia” deve receber atenção analítica tanto como uma territorialidade itinerante quanto como um campo de relações. Como uma territorialidade itinerante está situada numa certa área urbana, mas é sujeita a deslocamentos que variam de acordo com a repressão e intervenção exercidas, além da dinâmica das relações internas. Como um campo de relações, a região também passou a ser sinônimo de degradação e criminalidade urbanas em razão da grande presença de usuários de crack, homens, mulheres, meninos e meninas em situação de rua ou prostituição, nas ruas dos bairros; todos eles, como se sabe, atores urbanos associados simbolicamente a uma série de estigmas como sujeira, perigo, ameaça, drogas, encrenca, vergonha. Os autores destacam ainda que, como uma territorialidade itinerante e um campo relacional, a sua identificação se dá pela corporificação dos usuários ou consumidores de crack, isto é, a cracolândia é onde eles estão – simulacro mais que perfeito que mimetiza corpo e espaço.
Mas não se pode deixar de mencionar que se os usuários de crack são figuras importantes para o entendimento da dinâmica local, eles não são, contudo, os únicos atores sociais que frequentam, habitam, e até mesmo disputam, a região. Ou seja, a “cracolândia” constitui uma territorialidade itinerante que possui a característica de ser móvel, mas relativamente passível de ser mapeada na cidade de São Paulo. E ela também integra ou se movimenta por um perímetro que foi tomado como prioritário para políticas de requalificação urbana, iniciadas há mais de duas décadas na tentativa de transformar a Luz num polo cultural, com o potencial para atrair integrantes das classes médias e altas para o consumo de bens culturais e, quiçá, empresas, investimentos e novos moradores (Frúgoli Jr., 2005FRÚGOLI JR, H. O urbano em questão na antropologia: interfaces com a sociologia. Revista de Antropologia da USP, São Paulo, v. 48, n. 1, p. 133-165, 2005.; Frúgoli Jr. e Sklair, 2009FRÚGOLI JR, H.; SKLAIR, J. O bairro da Luz em São Paulo: questões antropológicas sobre o fenômeno da gentrification. Cuadernos de Antropologia Social, Buenos Aires, n. 30, p.119-136, dic. 2009.; Frúgoli Jr. e Spaggiari, 2010FRÚGOLI JR, H.; SPAGGIARI, E. Da “cracolândia” aos nóias: percursos etnográficos no bairro da Luz. Ponto Urbe, São Paulo, v. 4, n. 6, 2010. Disponível em: <http://www.pontourbe.net/edicao6-artigos/118-da-cracolandia-aos-noias-percursos-etnograficos-no-bairro-da-luz>. Acesso em: 28 jan. 2014.
http://www.pontourbe.net/edicao6-artigos... ; Schicchi, 2011SCHICCHI, M. Pela "Luz" dos nossos olhos: uma interpretação do bairro paulistano. Resgate, Campinas, v. 19, n. 21, p. 37-52, 2011.; Talhari e col., 2012TALHARI, J.; SILVEIRA, L.; PUCCINELLI, B. Reflexões em torno de práticas culturais na Luz. Ponto Urbe, São Paulo, v. 6, n. 11, 2012. Disponível em: <http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie-luz/264-reflexoes-em-torno-de-praticas-culturais-na-luz>. Acesso em: 28 jan. 2014.
http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie... ).
Está criado, então, um primeiro descompasso, que vem sendo apontado por toda a literatura específica: a “cracolândia” tem a característica de ser itinerante, mas as ações do poder público estão voltadas para um território fixado – mais especificamente o entorno da Estação da Luz.
Bem mais relevante: não se trata de uma circunscrição qualquer na história da cidade, pois a Luz já foi cenário da primeira expansão do centro e local da esplendorosa estação ferroviária que ligava o interior do Estado ao porto de Santos. Marco arquitetônico dos ganhos da economia cafeeira, em meados do século XIX, era a porta de entrada tanto da imigração quanto da modernização e permaneceu assim, quando da instalação da rodoviária da metrópole, que só foi transferida de lá no começo dos anos 1980. Conhecida vulgarmente como “boca do lixo”66 Referência história à “boca do lixo” pode ser encontrada em Perlongher (2008). já nos anos 1950 e considerada região “decadente” desde então (num processo bastante complexo que envolveu, entre outras coisas, a criação de novas centralidades na cidade, a construção de eixos de circulação de transporte público e de automóvel, bem como a saída das elites das áreas centrais – (Frúgoli Jr., 2006FRÚGOLI JR, H. Centralidade em São Paulo: trajetórias, conflitos e negociações na metrópole. São Paulo: Edusp, 2006.), hoje comporta vários equipamentos culturais importantes, que, ao longo do tempo, foram recebendo intervenções e reformas.
Se seguirmos o roteiro pelo bairro traçado por Heitor Frúgoli Jr. (2008)FRÚGOLI JR, H. Roteiro pelo bairro da Luz. Ponto urbe, São Paulo, v. 2, n. 2, 2008. Disponível em: <http://n-a-u.org/pontourbe02/Heitor.html>. Acesso em: 28 jan. 2014.
http://n-a-u.org/pontourbe02/Heitor.html... e uma equipe de pesquisadores, veremos que, num mesmo dia, é possível sair da estação de metrô Luz, passear no Parque da Luz e na Pinacoteca do Estado (hoje local de exposições artísticas), adentrar na Estação Julio Prestes e ver a Sala São Paulo, reduto da Orquestra Sinfônica do Estado. A caminhada pode seguir observando os pontos comerciais de Santa Ifigênia e, com algum contato (o que era o caso), visitando a ocupação de um edifício na rua Mauá. Só nessa caminhada são vistas as mais variadas situações, cenários e personagens urbanos: prostitutas, população em situação de rua, compradores das lojas, apreciadores das exposições, turistas, moradores da ocupação.
Num outro roteiro, igualmente percorrido num mesmo dia por Heitor Frúgoli Jr. e Bianca Chizzolini (2012)FRÚGOLI JR, H.; CHIZZOLLINI, B. Moradias e práticas espaciais na região da Luz. Ponto Urbe, São Paulo, v. 6, n. 11, 2012. Disponível em: <http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie-luz/262-moradias-e-praticas-espaciais-na-regiao-da-luz>. Acesso em: 28 jan. 2014.
http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie... , mas dessa vez acompanhando os passos de D. Norma (moradora do Edifício Porto Belo, um dos mais conhecidos do entorno), é possível pegar a rua dos Protestantes, seguir em direção à avenida Cásper Líbero (onde fica o supermercado que ela frequenta). De lá para a Estação da Luz, passando novamente, sem entrar, pelo Jardim da Luz, Pinacoteca e um setor ligado ao Museu da Língua Portuguesa, para então observar as ruas José Paulino e Prates, onde ela compra suas roupas. Na sequência, dá para ficar um tempo em uma banca de jornal na rua Mauá, depois ir margeando a série de demolições que estão sendo levadas a cabo no local. Quando se vê, já se pode estar na rua Cleveland, na da estação Júlio Prestes, e logo ao cruzamento com a rua Helvétia, onde então é possível avistar um grande número de usuários de crack. Caminhando entre eles, vai-se à igreja Sagrado Coração de Jesus, onde o contraste é notável, como observam os autores:
Entramos na igreja Sagrado Coração de Jesus, e o contraste foi flagrante. Saímos da rua marcada pela correria de policiais e usuários, pela deterioração física dos prédios, pela presença de pessoas vestidas com trapos e cobertores em um estado precário de saúde e bem-estar, para, a alguns passos adiante, entrarmos em uma igreja suntuosa e calma. Reinava o silêncio e era como se não estivéssemos no mesmo lugar (Frúgoli Jr. e Chizzolini, 2012FRÚGOLI JR, H.; CHIZZOLLINI, B. Moradias e práticas espaciais na região da Luz. Ponto Urbe, São Paulo, v. 6, n. 11, 2012. Disponível em: <http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie-luz/262-moradias-e-praticas-espaciais-na-regiao-da-luz>. Acesso em: 28 jan. 2014.
http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie... ).
Saindo da igreja, em direção à alameda Barão de Piracicaba, passa-se por casas, restaurantes, pela sede do corpo de bombeiros. Indo para a região da Santa Ifigênia, veem-se lojas de instrumentos musicais e, enfim, se chega ao Edifício Estrela, onde D. Norma morou por alguns anos.
Trata-se, portanto, de uma região central não só em termos espaciais, mas, sobretudo, simbólicos, tal como formulado por Frúgoli Jr. (1995), são espaços densos “não só porque concentram atividades e grupos, mas também porque abrangem várias significações, que ao mesmo tempo se entrecruzam, complementam-se, contradizem-se” (p. 12).
Alguns estudiosos da área, como Maria Cristina Schicchi (2011)SCHICCHI, M. Pela "Luz" dos nossos olhos: uma interpretação do bairro paulistano. Resgate, Campinas, v. 19, n. 21, p. 37-52, 2011., ressalvam que ainda que os equipamentos e os usos distintos do espaço estejam lado a lado, entrecruzados, isso não deve ser confundido com integração. Ao contrário, para ela,
os bairros de comércio especializado possuem dinâmica própria e seus próprios transeuntes, funcionários, consumidores, assim como os que se destinam aos museus e salas de comércio parecem ignorar a pulsação dos que passam pela estação dirigindo-se a outras cidades. Os inúmeros edifícios institucionais e educacionais representam outra lógica de circulação, assim como o percurso dos moradores dos bairros envoltórios [e], os lugares escolhidos pela população de rua [...] (p. 48).
Por sua vez, Frúgoli Jr., juntamente com seus alunos, vem dando visibilidade etnográfica para o entremeio dessas relações, observando a interação de moradores e frequentadores do entorno com os usuários de crack, visando fugir da fixidez da polaridade Luz-“cracolândia”. Acionando a perspectiva dos atores sociais (o que é precisamente o exemplo de D. Norma), deslocam o lugar do conflito, apontam conexões e empiricamente mostram que há muito mais que apenas dois lados77 Nessa mesma direção e para se ter ideia de outras possibilidades de recortes etnográficos, recomendo a leitura do Dossiê Luz, organizado por Heitor Frúgoli Jr. (2012), com a participação de outros pesquisadores, no âmbito do Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade (GEAC-USP). Disponível em: <http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie-luz>. Acesso em: 11 jun. 2013..
Em suma, essa região de grande fluxo, que se entrecruza, que às vezes se integra e que às vezes não, ao longo de sua história, foi sendo recusada pelas elites paulistanas, se popularizando e gradativamente se degradando. Desde há muito, como já mencionado, vem sendo objeto de tentativas de reforma urbana e social88 Durante a pesquisa, em 2010-2011, a principal proposta de “revitalização” da área estava materializada no projeto Nova Luz, então encabeçado pela prefeitura paulistana e pelo Consórcio Nova Luz, prevendo em seu texto oficial a “valorização dos prédios históricos, reforma das áreas livres públicas, criação de espaços verdes e de lazer e a melhoria do ambiente urbano da região”. Tal projeto pode ser lido como atualização local de políticas de caráter cada vez mais global, de gentrification. Políticas que, nas palavras de Frúgoli Jr. e Sklair (2009), são caracterizadas pela criação de residências para classes médias e altas em áreas urbanas centrais, num processo articulado à expulsão de setores das classes populares, com o intuito de produzir mudanças na composição social de um determinado lugar, gerando segregação socioespacial e controle da diversidade. Com a mudança da gestão municipal, em 2012, e após uma ação civil pública da Defensoria do Estado, o projeto foi paralisado..
Some-se a isso o fato de que a suposta degradação da “cracolândia” tem consequências para todo o entorno. Associações de moradores, proprietários de imóveis e comerciantes da região, embora defendam pautas próprias divergentes, concordam na crítica à desvalorização dos imóveis. Desse modo, não é difícil notar que a “cracolândia” é a parte com a qual o todo (o bairro da Luz) não quer se sentir confundida, sobretudo porque ela incomoda, perturba, provoca e, de algum modo, produz e é desculpa para todo tipo de intervenção nos arredores. Ela é, portanto, componente de um território em litígio, que envolve muita contenda; expressão empírica mais bem acabada da “guerra de lugares”, já refletida quase duas décadas atrás por Antônio Augusto Arantes (2000)ARANTES, A. A. A guerra dos lugares: mapeando zonas de turbulências. In: ______. Paisagens paulistanas: transformações do espaço público. Campinas: Unicamp; São Paulo: Imprensa Oficial, 2000. p. 105-130.: há nesse entorno fronteiras contraditórias que, a um só tempo, separam práticas e visões antagônicas de mundo (deixar visões de mundo antagônicas) e as põem em contato – na maioria das vezes, por meio da disputa.
Por tudo isso, o uso do termo “cracolândia” parece ser em si mesmo um perigo, à medida que pode confundir todo o bairro, estigmatizá-lo e contribuir ainda mais para sua depreciação tanto material quanto simbólica. Como inclusive afirmou recentemente o militante Luiz Kohara, em evento nomeado “Nem cracolândia, nem Nova Luz”99 O evento “Nem Cracolândia nem Nova Luz: quais são as propostas para Santa Efigênia e Luz?” aconteceu na Casa da Cidade, em São Paulo, em 10 de junho de 2013. Ele pode ser visualizado no site: www.postv.org. Acesso: 11 jun. 2013., essa nomeação talvez seja o maior caso de “bullying socioterritorial” já existente no país. Tal situação gera um quadro político que torna imperioso que alguns textos (como o de Schicchi, escrito em 2011) sejam formulados sem a utilização, uma vez sequer, desse termo. Embora não explícito, o objetivo é claro: evitar a identificação entre a Luz e a “cracolândia”.
Ainda que reconheça o esforço empregado, no meu caso, trata-se de procedimento inviável. Não só porque os usuários de crack que ali estão assim se referem ao espaço, nem apenas porque esse nome tem consequências e efeitos que estão para além dessa localidade (e que precisam ser observados), mas também e, sobretudo, porque nas ruas mais circunscritas a esse consumo, constituídas pelo trânsito dos usuários e suas interações com uma série de outros atores sociais, também uma socialidade é criada. Ciente, pois, dessas lutas, mas considerando que num estudo com as pretensões do meu é impossível não utilizar tal termo, fiz a opção de sempre indicá-lo entre aspas, com o intuito de lembrar essa percepção.
Somado a isso, há algo que é ainda mais abstruso e talvez revele o desastre do “bullying socioterritorial”: o termo “cracolândia”, paulatinamente, foi transbordando dessas imediações pela Luz e passou a nomear, até mesmo no diminutivo, outros cenários de uso e outros agrupamentos em torno do consumo de crack, em várias cidades brasileiras Tem-se tornado até a forma descritiva (também analítica) pela qual a pesquisa oficial sobre a droga no país, coordenada pela Fiocruz, inicialmente contabilizou e divulgou os espaços de seu uso. Segundo essa divulgação preliminar da pesquisa, o Brasil teria pelo menos 29 grandes “cracolândias”, dispersas por dezessete capitais1010 Divulgação preliminar da pesquisa publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo sob o título “Brasil já tem pelo menos 29 grandes cracolândias, dispersas por 17 capitais”. Disponível em: <http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/maior-pesquisa-sobre-crack-j%C3%A1-feita-no-mundo-mostra-o-perfil-do-consumo-no-brasil>. Acesso em: 12 dez. 2011. Resultados mais consistentes da pesquisa foram divulgados no terceiro trimestre de 2013 e podem ser visualizados desde o link: <http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/maior-pesquisa-sobre-crack-j%C3%A1-feita-no-mundo-mostra-o-perfil-do-consumo-no-brasil>. Acesso em: 23 dez. 2013.. Estranhamente, então, crack e “cracolândia” parecem cada vez mais se tornar sinônimos: onde há usuários da droga, brotam “cracolândias” – o que parece denotar a construção de um espaço-sede imaginário, edificado a partir daquilo que se fala sobre ela; trata-se, pois, de um lugar social e também de um lugar discursivo.
Dado que minha pesquisa pouco tem a dizer sobre essa extensão imaginária e discursiva e posto que minha descrição sobre os conflitos e contornos entre ela e a Luz já me parece suficiente para o espaço deste texto, resta-me, a partir de agora, explicitar o que foi possível de ser apreendido localmente, junto aos consumidores de crack.
Práticas espaciais na “cracolândia”
Para a continuidade do texto, uma pergunta me desafiou: se a “cracolândia” é esse local prenhe de disputas, conflitos e tensões, por que tanta gente ainda insiste em ficar e consumir crack ali? Longe de querer ensaiar uma resposta, é a própria elaboração da pergunta que interessa, já que me permite olhar um pouco mais de perto e incorporar à descrição as práticas espaciais observadas – o que faço na sequência.
Semelhante aos locais de grande afluxo, a “cracolândia” atrai e concentra uma ampla diversidade de usuários de crack, atestada num simples golpe de vista. Assim que se chega às ruas do entorno, a leitura corporal da multidão é procedimento que antecede a reflexão. Na multidão, destacam-se os homens jovens, que possuem entre 20 e 40 anos. Olhando mais, veem-se os adolescentes, as crianças, os idosos, as mulheres. Na maior parte das vezes estão falando muito, conversando, revendendo, trocando objetos, contando histórias ou lançando desaforos. Os corpos se tocam, se entreolham; ora se cumprimentam, ora se provocam. As vozes juntas são barulhentas, falam ao mesmo tempo. Nada, porém, é mais desconcertante do que quando silenciam.
Por ali, como já explicitado, passam também alguns transeuntes, motoristas, muitos catadores de materiais recicláveis, moradores do entorno, garis e fiscais da prefeitura; pais e mães levando crianças para a escola do Sagrado Coração de Jesus; os mais variados tipos de serviços de assistência, de saúde (públicos e privados), os diversos policiais e membros das mais distintas igrejas. Não fosse a grande quantidade de lixo nas ruas, o consumo explícito de crack e a aparência maltrapilha de muitos usuários não haveria nada que diferenciasse essa movimentação daquela que se vê nos centros das grandes cidades.
Contudo, aquilo que de longe configura uma multidão, e é dado à observação “de longe”, começa a receber nuances. Gradações vão sendo mais percebidas com a contínua estada no local. Os corpos que se concentram pelas ruas passam a ter nomes de pessoas, as pessoas possuem suas histórias e tudo vai ganhando ainda mais complexidade. Diferentes usuários de crack e diferentes usos também do próprio espaço da “cracolândia”. Ainda que agrupadas em torno do consumo e comércio da droga, é preciso ter claro que as pessoas não estão ali fazendo as mesmas coisas, nem com o mesmo objetivo, e menos ainda consumindo crack com a mesma intensidade.
Gomes e Adorno (2011) já escreveram sobre isso e apresentaram três distintos usos desse espaço a partir dos casos de Vejota, Oseias e Shirley. Vejota, desde que saiu da cadeia, fuma apenas maconha e vende crack no local. Se ali vende drogas e é reconhecido como traficante pelos que compram, passa-se por usuário no trato com policiais. Não vê muito sentido em estar entre os usuários, mas se mistura a eles para se proteger da polícia e retirar seu sustento. Oseias é usuário de crack que se posta corporalmente como nóia, entretanto em sua narrativa se distingue deles, dizendo não fumar descontroladamente e não fazer qualquer coisa para consegui-lo. Sem ter para onde ir ou com quem contar desde que também saiu da cadeia, decidiu se passar por nóia e ficar na região enquanto pensa no que vai fazer. Shirley, com a saúde debilitada, contou que se recusa a procurar os serviços de atenção e que prefere ficar sem fumar, mas no “fervo com a galera”. Ali tem amigos, assuntos e, mais que tudo, uma história comum. Eu poderia seguir com muitos outros exemplos, registrados em meus cadernos de campo, mas, para esse espaço, os três são suficientes para seguir na descrição.
É de se notar que quando alguém que chega para consumir crack possui algum traço corporal ou social mais distintivo é logo identificado pelos outros usuários. Todos notam a presença e comentam-na à “boca pequena”. Essa identificação é rápida, instantânea e, como era de se esperar, segue juízos valorativos do senso comum. O apontar da distinção acontecia, por exemplo, com uma série de outras pessoas que eram notadas, sobretudo, por suas profissões anteriores. Havia o auxiliar de enfermagem, o médico, o advogado, o publicitário, a estilista. Todas essas categorizações indicam trajetórias diferentes das da grande maioria dos que ali estão. Os analistas temos que nos precaver diante delas porque são falas frequentemente evocadas assim que se chega ao local, justamente porque têm a potencialidade de “comprovar” a suposta degradação sofrida com o consumo continuado da droga e, principalmente, para reafirmar a diversidade de pessoas que ali estão.
Ainda para dar conta dessa heterogeneidade de usos e fluxos é preciso considerar os muitos usuários que passam, fumam o crack e logo vão embora, bem como aqueles usuários ocasionais que não adentram com facilidade no local, mas que recorrem a ele para comprar a droga. Ficam esperando pelas imediações até que alguém já conhecido busque a porção desejada. Essa pessoa realiza o serviço de mediação em troca de uma comissão em dinheiro ou de uma pedra de crack, configurando um modo de angariar recursos bastante concorrido entre os usuários mais habituados ao local, que disputam entre si essa “clientela”.
Há também aqueles que não vieram de longe, mas que conhecem e frequentam a área desde crianças. Como Mariano, usuário de crack, que morou toda a infância e adolescência (nos anos 1980) num dos cortiços das imediações da Luz, onde brincou com os amigos, onde cresceu e experimentou crack pela primeira vez, ainda quando era feito na panela de pressão. O centro é o seu bairro. Contou-me que, assim como ele, muitos dos que ali estão são conhecidos de longa data, mas que a maioria, e essa é uma tese bastante comum por ali, vinha dos bairros periféricos da cidade de São Paulo.
Falas contadas que não são infundadas. Pois, de fato, a grande parte das histórias envolve fluxos das periferias para o centro, do interior para a capital, das regiões Norte e Nordeste para a região Sudeste. Históricos que mesclam pobreza, esgarçamento e rompimento dos laços familiares, empregos precários, violências cometidas ou sofridas. Ao enredo se somam histórias de institucionalização, de rua, de prisão, de desavenças – o que, em certa medida, guarda muitas semelhanças com as reflexões sobre o deslocamento dos meninos de rua (Gregori, 2000GREGORI, M. Viração: experiência de meninos nas ruas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.), dos moradores de rua adultos (Frangella, 2009FRANGELLA, S. Corpos urbanos errantes: uma etnografia da corporalidade de moradores de rua em São Paulo. São Paulo: Anablume: Fapesp, 2009.), dos trabalhadores temporários, dos michês (Perlongher, 2008PERLONGHER, N. O negócio do michê: a prostituição viril em São Paulo. São Paulo: Perseu Abramo, 2008.), dos camelôs.
Histórias recorrentes. Atentar para elas não significa assumir associações apressadas, já rechaçadas pelas ciências sociais, entre pobreza, criminalidade e uso de drogas. Menos ainda implica desenterrar teses já moribundas acerca da “desestrutura familiar”. Mais salientes, essas histórias importam porque nos fazem problematizar e adicionar um olhar cuidadoso à própria diversidade. Se, de um lado, para entender o que ali se passa, há sim de se apreender as distintas experiências individuais, de outro, há de se investigar aquilo que faz dessa uma experiência social.
Temos até aqui então que a “cracolândia” pode ser considerada, com todos os cuidados já indicados, o ponto centrífugo mais radical das pobrezas urbanas, assim como o local por excelência da variedade dos usuários e dos usos de crack. Mais uma vez enfatizo que tal variedade, para ser bem apreendida, necessita de por, em íntima correlação, as diversidades individuais e as invariantes sociais. Esse é o primeiro ponto.
Mas, além disso, a “cracolândia” é também um grande “balcão de informações”: ali se descobre quem são os fornecedores de drogas, os melhores modos de tragá-las, as diferenças de qualidade, de preço e de coloração. Por ali se descola meios de conseguir dinheiro para viabilizar o consumo, bem como se aprende com quais pessoas se pode (ou não) contar. Por essas imediações correm muitas notícias: a troca de tiros na noite anterior, o usuário que teve alguma complicação de saúde, os policiais que são mais truculentos, o segurança privado que resolveu andar à paisana dando cobertura a um jornalista e que foi escorraçado do local, a usuária que teve de ser encaminhada às pressas a um hospital para dar à luz, a patricinha que acabou de chegar na região, a mãe que está procurando o filho, quem foi preso ou acabou de sair da prisão.
Em contato constante com os diversos serviços de atenção e assistência, fica-se sabendo também como tratar algumas doenças bastante comuns por ali; descobre-se como reduzir os danos causados pelo consumo de crack, a quem recorrer em caso de alguma complicação, como resolver pendências na justiça, como refazer documentos perdidos, como receber encaminhamento para albergues. Ali se aprende também sobre as especificidades de cada serviço e seus horários de funcionamento: aquele que oferece comida, aquele onde é possível tomar banho e fazer uso do vaso sanitário, aquele em que se pode dormir, aquele que entra em contato com comunidades terapêuticas, aquele que auxilia na procura de emprego. E, no local, tem-se ainda acesso às mais diversas igrejas e credos, podendo inclusive se agenciar a própria “conversão” (Fromm Trinta, 2012, 2013; Spaggiari e col., 2012).
A “cracolândia” é, também, um lugar de negociação que favorece empreendimentos, uma “terra de oportunidades”. Trocam-se, com muita facilidade, sapatos, roupas, cigarros, alimentos, achados eletrônicos do lixo de Santa Ifigênia, materiais recicláveis. Uma vez ali e já ciente da rede de fornecedores, é possível comprar uma pedra de crack grande por 10 ou 15 reais, fazer lascas dela, que, por sua vez, podem ser revendidas por um mínimo de cinquenta centavos. A grande variedade do tamanho impede que as porções sejam embaladas. Bem comumente e de maneira espontânea, pode-se fazer lasca a granel, na frente do comprador e disputar com outra pessoa o melhor preço. Escuta-se muito: tenho de um real, de cinquenta centavos, de dois reais etc. Se o traficante pode ser confundido com o usuário, o inverso também é verdadeiro.
Até mesmo alguns serviços são criados em torno do local: pensões oferecem banho a cinco reais, outras cobram preços módicos de aluguel, outras ainda arrendam o quarto que pode ser usado para o consumo privado da droga e para a feitura de programas sexuais. Algumas lojas passaram a vender materiais que são usados na confecção de cachimbos, os bares aumentaram o estoque de cigarros, de pingas e isqueiros, investiram na diferenciação entre os copos de plástico e os de vidro (que variam de acordo com o gosto do freguês) e até um casal de aposentados, que foi depois seguido por uma série de outros microempreendedores, resolveu vender bolos, cafés e sucos no local.
Ocorre que zona de grande concentração de pessoas é, como se pode imaginar, também local de muitas contendas. Mais tempo na “cracolândia” e é possível, quando menos se imagina, estar diante de uma dessas brigas. Num dos dias de pesquisa, rapidamente eu vi se formar uma roda composta por cerca de trinta pessoas que queriam bater em um homem, considerado o guardador do dinheiro da patroa. A ela, ele tinha dito que recebera uma batida da Guarda Civil Metropolitana e que os guardas teriam levado o dinheiro. Algumas horas depois, descobriu-se que a quantia estava em seu próprio bolso. Todos concordaram que ele deveria apanhar, mas só um jovem forte se encarregou da agressão. Fechou os punhos e começou a socar o homem, que, com as costas curvadas, tentava se desvencilhar dos socos, mas era impedido pela multidão, que aprovava a surra. Não consegui ver o desfecho da situação. Pedi ao redutor para irmos embora.
E na mesma intensidade em que se briga, também se festeja. Foi frequente durante o trabalho de campo, quando a repressão policial amenizava, ver a formação de uma roda de pagode. Os usuários se agrupavam numa espécie de círculo (geralmente em pé), dando início a uma cantoria e, logo, a uma confraternização. Rapidamente peças recolhidas da rua se transformavam em chocalhos ou serviam de superfícies para percussão. O que se via eram pessoas dançando, cantando e consumindo crack ao mesmo tempo. Não era incomum tudo isso acontecer ao lado de grandes montes de entulho. Essa cena, tantas vezes repetida, quando presenciada pelo antropólogo norte-americano Philippe Bourgois, em sua visita ao local, ganhou destaque de um grande jornal11. Segundo a matéria, essa era a “[...] mais sociável e amigável cena de crack” que o especialista já vira; não era tão violenta quanto as cenas colombiana e canadense; era muito mais povoada do que a norte-americana e só se assemelhava aos locais de uso de drogas assistidos em Amsterdã. Não demorou para ligá-la ao “[...] caráter sociável do brasileiro”.
Longe de ser irrelevante, instiga o fato de que a violência não deva ser vista em contraposição à socialidade aparentemente “mais leve” ou à deterioração corporal. Fazem parte de um mesmo continuum e campo de possibilidades. A meu ver, estar atenta a conexões como essas é importante para entender com mais rigor esse cenário. Não para enaltecê-lo.
Não há também como não lembrar que o passar do tempo vai sedimentando relações e, ainda, que ele é capaz de trazer consigo suas marcações: feriados e acontecimentos da vida nacional e da cidade, datas relevantes para a história pessoal, como o dia do nascimento. Todos são ali rememorados.
Parece ser claro que existem, então, muitas continuidades com o ritmo da cidade. Nesse sentido, a “cracolândia” não é uma ilha cercada de “centro” ou de “Luz” por todos os lados. Ao contrário, da mesma forma que neles, diversos usos do espaço são possíveis. Ela pode atuar tanto como um ponto de confluência dos fluxos de pessoas e de dinheiro quanto como um “balcão de informações” e uma “terra de oportunidades”. Local de conflitos, de festejos e, sobretudo, um grande mercado no interior do qual o crack é vendido, comprado, trocado, negociado e, fundamentalmente, explorado.
Considerações finais
A partir do exposto, e com tal descrição, pretendi me afastar sensivelmente das narrativas sobre a “cracolândia” que enfocam a falta, a miséria humana, a alienação com o entorno, o “reino dos zumbis”, a ausência estatal, o exótico, o feio, aquilo que se deve evitar. Todas essas proposições falham ao não evocar os nexos entre legalidade e ilegalidade no interior dessa territorialidade e entre ela e outros espaços urbanos – o que fomenta a apreensão de tal área como fronteira impenetrável, isolada fisicamente e, pior, moralmente. Ao se perder de vista a dimensão plural dessa territorialidade e ao se insistir levianamente no seu fechamento interno, corre-se o risco de ignorar todas as disputas, influências e conexões que a constituem.
Nesse sentido, postulo que é urgente reconectar esse apenas aparente “outro mundo” com toda a cidade, botar ambos em contato e borrar suas fronteiras. O ponto não é romantizar o cenário. Se há diversidades de usos, há também muita perversidade, sobretudo no que diz respeito às transações comerciais. Mas, se servir de contraponto, isso vale não apenas para esse tipo de mercado. Como notaram brilhantemente Ruggiero e South (1997, p. 68), “[...] um dos problemas das economias ilegais é o fato de que, de muitas maneiras, elas são bem similares às economias legais”.
Destaco também a persistência dos modos de ocupação itinerante do local como estratégia de resistência em face às violentas investidas de repressão e controle. Da mesma forma, enfatizo que o jogo entre violência, resistência e vulnerabilidade, quando esmiuçado etnograficamente, permite observar uma dinâmica mais complexa entre legal e ilegal, legítimo e ilegítimo, moral e imoral; também permite atentar para as conexões entre a produção do vulnerável e toda uma lógica de tratamento, atenção e conversão, formal e informal – revelada de modo exemplar pela expressão “balcão de informação” – que articula, mais uma vez, produção corporal e estratégias de vida para a resistência errante em uma territorialidade urbana.
Dito isso, finalizo insistindo na ideia de que há muitos ganhos analíticos de observar interações e conexões entre a “cracolândia”, a Luz, o centro e, até mesmo, a cidade e todos aos fluxos populacionais. Especialmente porque isso nos ajuda em demasia a expandir a visão sobre esse cenário e a deixar de estigmatizá-lo como um “mundo à parte” incrustado no centro de São Paulo. Assim, optei pelo exercício descritivo dos nexos que os ligam, unem e vinculam justamente para não tomar tais espaços como se fossem alheios ou como se tivessem dinâmicas espaciais e morais independentes.
Como espero ter mostrado no texto, creio ser possível dizer que há ali inúmeras conexões que culminam em uma “riqueza de variações” (Benjamin, 2000BENJAMIN, W. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2000.): múltiplos atores sociais, disputas pelo local, formas concorrentes e aparentemente contraditórias de trato estatal, várias tentativas de agentes mediadores, diferentes maneiras de utilização desse espaço. Em síntese, a “cracolândia” é melhor pensada se vista como um grande mercado no qual se busca sensações, provindas de fontes legais e ilegais e que favorece múltiplos empreendimentos. É também um balcão de informações, local de exercício da alteridade e, não sem contradição, local de grande exploração. A “terra do crack” se move em meio e de acordo com todas essas contendas e significações e, tal como a percebo, é aí que reside seu fascínio e poder.
Escrevendo em 2013 e constatando a insistência dos usuários de crack em permanecer nesse espaço, ano após ano e em meio a tantas sujeições, humilhações e tentativas efetivas de eliminação, não posso deixar de concluir que tal insistência é, para mim, a prova mais cabal e dramática da força das práticas espaciais, bem como das disputas pelos usos de uma cidade. Afinal, e como já bem observou Michel Agier (2011)AGIER, M. Rascunhos de cidade. In: ______. Antropologia da cidade: lugares, situações e movimentos. São Paulo: Terceiro Nome, 2011. p. 125-139., inscrever-se no espaço é promover uma política da vida que resiste.
Referências
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- ARANTES, A. A. A guerra dos lugares: mapeando zonas de turbulências. In: ______. Paisagens paulistanas: transformações do espaço público. Campinas: Unicamp; São Paulo: Imprensa Oficial, 2000. p. 105-130.
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- SPAGGIARI, E.; RODRIGUES, W. E.; FONSECA, I. Etnografia de atuação de entidades sociais na região da Luz. Ponto Urbe, São Paulo, v. 6, n. 11, 2012. Disponível em: <http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie-luz/263-etnografia-da-atuacao-de-entidades-sociais-na-regiao-da-luz>. Acesso em: 28 jan. 2014.
» http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie-luz/263-etnografia-da-atuacao-de-entidades-sociais-na-regiao-da-luz - TALHARI, J.; SILVEIRA, L.; PUCCINELLI, B. Reflexões em torno de práticas culturais na Luz. Ponto Urbe, São Paulo, v. 6, n. 11, 2012. Disponível em: <http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie-luz/264-reflexoes-em-torno-de-praticas-culturais-na-luz>. Acesso em: 28 jan. 2014.
» http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie-luz/264-reflexoes-em-torno-de-praticas-culturais-na-luz - UCHOA, M. A. Crack: o caminho das pedras. São Paulo: Ática, 1996.
- 1Este texto é um fragmento adaptado e atualizado de descrições contidas na tese de doutorado “Corpos abjetos: etnografia em cenários de uso e comércio de crack”, financiada integralmente pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e defendida em maio de 2012 junto ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Campinas (Unicamp). Parte do conteúdo foi apresentada no Fórum “Questões em torno da chamada cracolândia”, realizado durante a 28 RBA, em São Paulo. Esse fórum, coordenado por Heitor Frúgoli Jr., contou também com a participação de Mariana Cavalcanti e Antônio Rafael Barbosa, aos quais agradeço. Pequenas partes do texto foram ainda traduzidas para o espanhol e publicadas no desinformemonos, um veículo mexicano de comunicação independente.
- 2Organização não governamental especializada na atenção a usuários de drogas, bem como na realização de atividades de redução de danos na região conhecida como “cracolândia”, em São Paulo. A ONG mediou todo o meu acesso ao local e, a partir dessa inserção, é que situo este relato.
- 3Trata-se de sigla para Regime Disciplinar Diferenciado, que, como nota Juliana Carlos (2011)CARLOS, J. Experimento de exceção: política e direitos humanos no Brasil contemporâneo. 2011. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011., possui características de regimes de exceção e dispositivos que colidem diretamente com a Constituição Federal e a Lei de Execução Penal de 1984.
- 4Sigla para Primeiro Comando da Capital, um coletivo de presos, cuja formação, segundo Karina Biondi (2010)BIONDI, K. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: Terceiro Nome, 2010., só pode ser entendida no contexto de medidas políticas executadas pelo governo estadual paulista após o que ficou conhecido como Massacre do Carandiru, em 1992; entre elas o alto crescimento da população carcerária do Estado de São Paulo e a construção de presídios nas cidades do interior ou em regiões mais afastadas da grande São Paulo.
- 5Ao que tudo indica trata-se da “Operação Dignidade”, descrita por Frúgoli Jr. (2006), iniciada como um cerco aos camelôs e estendendo-se a outros segmentos, dando início ao que se chamou “guerra no centro”.
- 6Referência história à “boca do lixo” pode ser encontrada em Perlongher (2008)PERLONGHER, N. O negócio do michê: a prostituição viril em São Paulo. São Paulo: Perseu Abramo, 2008..
- 7Nessa mesma direção e para se ter ideia de outras possibilidades de recortes etnográficos, recomendo a leitura do Dossiê Luz, organizado por Heitor Frúgoli Jr. (2012), com a participação de outros pesquisadores, no âmbito do Grupo de Estudos de Antropologia da Cidade (GEAC-USP). Disponível em: <http://www.pontourbe.net/edicao11-dossie-luz>. Acesso em: 11 jun. 2013.
- 8Durante a pesquisa, em 2010-2011, a principal proposta de “revitalização” da área estava materializada no projeto Nova Luz, então encabeçado pela prefeitura paulistana e pelo Consórcio Nova Luz, prevendo em seu texto oficial a “valorização dos prédios históricos, reforma das áreas livres públicas, criação de espaços verdes e de lazer e a melhoria do ambiente urbano da região”. Tal projeto pode ser lido como atualização local de políticas de caráter cada vez mais global, de gentrification. Políticas que, nas palavras de Frúgoli Jr. e Sklair (2009), são caracterizadas pela criação de residências para classes médias e altas em áreas urbanas centrais, num processo articulado à expulsão de setores das classes populares, com o intuito de produzir mudanças na composição social de um determinado lugar, gerando segregação socioespacial e controle da diversidade. Com a mudança da gestão municipal, em 2012, e após uma ação civil pública da Defensoria do Estado, o projeto foi paralisado.
- 9O evento “Nem Cracolândia nem Nova Luz: quais são as propostas para Santa Efigênia e Luz?” aconteceu na Casa da Cidade, em São Paulo, em 10 de junho de 2013. Ele pode ser visualizado no site: www.postv.org. Acesso: 11 jun. 2013.
- 10Divulgação preliminar da pesquisa publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo sob o título “Brasil já tem pelo menos 29 grandes cracolândias, dispersas por 17 capitais”. Disponível em: <http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/maior-pesquisa-sobre-crack-j%C3%A1-feita-no-mundo-mostra-o-perfil-do-consumo-no-brasil>. Acesso em: 12 dez. 2011. Resultados mais consistentes da pesquisa foram divulgados no terceiro trimestre de 2013 e podem ser visualizados desde o link: <http://portal.fiocruz.br/pt-br/content/maior-pesquisa-sobre-crack-j%C3%A1-feita-no-mundo-mostra-o-perfil-do-consumo-no-brasil>. Acesso em: 23 dez. 2013.
- 11“‘NUNCA VI CRACOLÂNDIA TÃO SOCIÁVEL’, DIZ EXPERT”. O Estado de S. Paulo, 10 dez. 2010. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,nunca-vi-cracolandia-tao-sociavel-diz-expert,652090,0.htm>. Acesso em: 26 dez. 2011.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jan-Mar 2014
Histórico
- Recebido
14 Jun 2013 - Revisado
07 Jan 2014 - Aceito
07 Jan 2014