Resumos
O objetivo desta pesquisa foi construir discursos que representem como a primeira epidemia de dengue em Ribeirão Preto-SP foi abordada pela mídia impressa e trazer para reflexão desdobramentos sobre mídia e poder. Foram reunidas 126 reportagens de novembro de 1990 a março de 1991 dos jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e A Cidade, e das revistas Veja e Revide. Utilizou-se o método do Discurso do Sujeito Coletivo, fundamentado na Teoria das Representações Sociais. A mídia polemizou com a discussão sobre quem seria o grande vilão da epidemia em vez de esclarecer sobre a epidemia em si. Comprovou-se a defasagem da informação disponibilizada. O jogo de representações e a relação mídia/poder ficaram nítidas. Temos como problema não somente a possibilidade de acesso adequado e suficiente às informações produzidas, mas, também, a dificuldade de decidir o que deve ser discutido nos jornais diários para enriquecer, de fato, o arcabouço informacional da população. Para isso, os profissionais que lidam com informação e comunicação em saúde, na mídia impressa, precisam ser capacitados para provocar a aproximação da linguagem técnica à linguagem popular. Para que haja circulação e apropriação da informação em Saúde Pública, é necessário abrir a discussão para a comunidade e capacitá-la para que consiga se expressar. É importante discutir a qual tipo de informação o cidadão tem acesso durante os processos epidêmicos: Informação política ou epidemiológica? Questões políticas não podem se sobrepor a questões prioritárias de saúde nos meios de comunicação presentes no cotidiano das famílias brasileiras.
Comunicação em Saúde; Mídia Impressa; Teoria das Representações Sociais; Discurso do Sujeito Coletivo; Dengue
This research aimed to construct discourses to represent how the first epidemic of dengue fever in Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil, was approached by the printed media and think through outcomes concerning media and power. 126 Reports were collected from November 1990 to March 1991 from the newspapers Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, and A Cidade, and from the magazines Veja and Revide. The Collective Subject Discourse was the method chosen based on the Theory of Social Representations. The media focused on the polemical discussion about who might be the villain of the epidemic rather than clarifying the epidemic itself. The gap of information provided was found. The game of representations and the relation media/power became clear. There is a problem not only with the possibility of adequate and sufficient access to the information produced, but also the difficulty of deciding what must be discussed in daily newspapers to enrich, in fact, the population’s informational framework. For this, professionals who deal with information and communication in health, in the printed media, should be able to bring technical language closer to popular language. In order to provide circulation and appropriation of information on Public Health, there is a need to open the discussion to community and enable people to speak out. It is worth discussing which type of information the citizen accesses during the epidemic processes: Political or epidemiological information. Political issues cannot overlap priority health issues in the in the daily life media of Brazilian families.
Health Communication; Printed Media; Theory of Social Representations; Collective Subject Discourse; Dengue Fever
Introdução
No caso específico da Saúde Pública, compreender como as informações chegam aos indivíduos e às comunidades, como elas circulam, como são interpretadas e apropriadas, torna-se um aspecto fundamental na construção de estratégias de prevenção e controle de doenças, como a dengue (Villela e Almeida, 2012VILLELA, E. F. M.; ALMEIDA, M. A. Mediações da informação em Saúde Pública: um estudo sobre a dengue. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 48-59, 2012. Disponível em: <http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/465/979>. Acesso em: 9 maio 2014.
http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index... ).
A dengue é uma arbovirose que se transformou em um problema de saúde pública no Brasil e em outras regiões tropicais. Doença originariamente africana que, provavelmente, passou a assolar o Brasil desde o período colonial. Há evidências de sua presença no século XIX e suspeita-se ter havido uma epidemia em Niterói, RJ, em 1923. A partir de 1986, sucessivos surtos passaram a ocorrer na maioria dos Estados brasileiros (Silva e Angerami, 2008SILVA, L. J.; ANGERAMI, R. N. Viroses emergentes no Brasil. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008.), inclusive no Estado de São Paulo.
A manifestação da primeira epidemia de dengue em Ribeirão Preto, no nordeste do Estado de São Paulo, ocorreu a partir de novembro de 1990 e durou até março de 1991 (Pontes e col., 1991), com aproximadamente 2.305 casos confirmados, o que representou uma incidência de 546,9 casos por 100.000 habitantes (Rodrigues e col., 2002). O processo epidêmico, no qual houve a circulação do sorotipo DENV-1, foi considerado de importante magnitude, de caráter explosivo e poder de difusão, pois se irradiou de Ribeirão Preto e atingiu diversas cidades do interior paulista (Pontes e col., 1991). Após esse período, observaram-se quedas de casos e o surgimento de outras epidemias no mesmo município com o passar dos anos, e atualmente esses episódios continuam presentes.
O primeiro processo epidêmico foi detectado pelos serviços de saúde na segunda quinzena de novembro de 1990 (174 casos notificados) em um bairro periférico de Ribeirão Preto. Em pouco tempo, houve expansão e aumento da incidência, atingindo-se o pico máximo no mês de dezembro (7.325 casos notificados). Em seguida, observou-se a queda das notificações nos meses de janeiro, fevereiro e março (1.122, 277 e 65 casos notificados, respectivamente), quando então foi anunciado oficialmente o fim da epidemia (Pontes e col., 1991).
Esse processo despertou a atenção da mídia local e nacional, porém a cobertura, de um modo geral, objetivou muito mais interesses jornalísticos que propriamente de saúde pública (Villela e Almeida, 2012VILLELA, E. F. M.; ALMEIDA, M. A. Mediações da informação em Saúde Pública: um estudo sobre a dengue. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 48-59, 2012. Disponível em: <http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/465/979>. Acesso em: 9 maio 2014.
http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index... ). Mesmo com a adoção de medidas de controle, casos continuaram ocorrendo nesta cidade e em outros locais do País até o presente.
Diante do quadro apresentado, questiona-se o porquê da continuidade de casos na época e o motivo do surgimento de novas epidemias até os dias atuais. Tais dados apontaram para a necessidade de se estudar essa questão para além das limitações biológicas, explorando a visão social. Dessa forma, torna-se essencial estudar a forma como os temas relacionados à epidemia foram veiculados pela mídia impressa, com o propósito de identificar a defasagem entre a informação que é disponibilizada para a população e a prática cotidiana dos indivíduos para prevenção e controle da doença. Assim, apresentaram-se alguns discursos formados sobre o papel das autoridades políticas e sanitárias com o propósito de explicitar e discutir os tópicos explorados pela comunicação midiática durante o processo epidêmico.
Informação, comunicação e saúde: desdobramentos
A formulação do problema da enfermidade em termos biológicos é válida, pois viabiliza a aplicação de conhecimentos científicos (Melo Filho, 2003MELO FILHO, D. A. Epidemiologia social: compreensão e crítica. São Paulo: Hucitec, 2003.), porém, na investigação de uma epidemia, a tríade epidemiológica (agente, hospedeiro e ambiente) não contempla uma análise holística, ou seja, não se consegue ultrapassar o fato singular para alcançar a compreensão do aspecto social. Assim, o vínculo entre o processo social e o processo biológico saúde-doença é dado por processos particulares, que são ao mesmo tempo sociais e biológicos (Laurell, 1983LAURELL, A. C. A saúde-doença como processo social. In: NUNES, E. D. (Org.). Medicina social: aspectos históricos e teóricos. São Paulo: Global, 1983. p. 133-158.).
Laurell (1977)LAURELL, A. C. Algunos problemas teóricos y conceptuales de la epidemiologia social. Revista Centroamericana de Ciencias de La Salud, San José, v. 6, n. 3, p. 79-87, 1977. propõe a existência de três níveis para apreender o processo saúde-doença em sua totalidade: o singular, o particular e o universal. O contexto biológico encontra-se nos dois primeiros níveis, enquanto o contexto social encontra-se no terceiro. Assim em relação a esses níveis: o primeiro representa a enfermidade como processo biológico do indivíduo; o segundo constitui a enfermidade interpretada como o resultado da interação entre os fatores biológicos (hospedeiro – agente – ambiente); o terceiro revela que a saúde-enfermidade se apresenta como um fenômeno social e coletivo. A citação a seguir, feita por Breilh (1991)BREILH, J. Epidemiologia: economia, política e saúde. São Paulo: Hucitec: Unesp, 1991., sugere como se deve interpretar uma epidemia:
Essa forma de entender a relação entre o social mais geral e o biológico rompe com a ideia de que há uma separação entre essas duas instâncias como a que existiria entre duas partes distintas do mundo, que só se tocassem externamente. Pelo contrário, entre o social mais amplo e o biológico há um profundo entrelaçamento (p. 67).
Bertolli Junior (1993)BERTOLLI JUNIOR, C. A história social da tuberculose e do tuberculoso: 1900-1950. 1993. v. 1. Tese (Doutorado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1993., corroborando o pensamento de Breilh (1991)BREILH, J. Epidemiologia: economia, política e saúde. São Paulo: Hucitec: Unesp, 1991., relatou que as patologias devem ser olhadas como objetos sociais, pois a abordagem biológica não consegue esgotar as possibilidades explicativas sobre as doenças. Um estudo biológico que é complementado pelas ciências sociais por meio de um delineamento histórico do processo saúde-doença revela que fenômenos fisiopatológicos variam em conformidade com ambientes sociais e ecológicos específicos. A perspectiva histórica traz uma avaliação das vertentes socioculturais voltadas para a análise dos processos patológicos, sugerindo que as doenças devem ser vistas como mecanismos biológicos associados com as condições de vida de cada agrupamento social, realizando consequentemente uma abordagem social das moléstias.
Para desenvolver um raciocínio crítico em relação ao ressurgimento da dengue na cidade de Ribeirão Preto, recorreram-se aos conceitos de “lógica sanitária e lógica do senso comum”, expostos por Lefèvre e colaboradores (2007), para colocar em evidência a existência de pensamentos sociais distintos e que vivenciaram um determinado processo epidêmico. A lógica sanitária é representada pelos profissionais da saúde que têm a seu alcance o conhecimento científico da doença e devem divulgá-lo para a sociedade de alguma forma, ao passo que a lógica do senso comum é representada pelo pensamento da população.
Diante de diversos atores com experiências em espaços sociais distintos, os profissionais da saúde lançam o conhecimento científico estruturado de acordo com a sua lógica de formação, enquanto a população se comunica com a sua linguagem própria do lócus em que se encontra. Nota-se o conflito entre a comunicação dos espaços sociais. Os profissionais da saúde, por terem mais credibilidade no meio científico, não podem ignorar a dificuldade de interpretação de dados científicos pela sociedade nem acreditar que as pessoas irão apropriar-se das informações científicas e alterar sua prática discursiva e comportamental em curto prazo (Lefèvre e col., 2007).
Quanto à educação em saúde da atualidade, esta ainda guarda resquícios com a que foi praticada na época da epidemia de dengue em Ribeirão Preto nos anos de 1990 e 1991. De acordo com Lefèvre e colaboradores (2007), atualmente, a educação em saúde apresenta-se como uma ação controladora do pensamento da população, vertical e unidirecional. A difusão das mensagens é feita junto à população por meio de campanhas, notícias, atividades em escolas, internet, dentre outros meios de divulgação. O que se transmite são fragmentos de informação científica sobre a saúde e a doença de forma desconexa com a realidade dos grupos populacionais. Esses fragmentos limitados quanto à qualidade e quantidade, intitulados “divulgação científica”, são fornecidos como forma de demarcar o campo de poder da lógica sanitária e conquistar obediências cegas pela comunidade (Lefèvre e col., 2007).
Os instrumentos de comunicação são vários, como: jornal, informativo eletrônico, site, oficinas, seminários, congressos. A proposta dos meios de comunicação é viabilizar a democratização das informações em saúde, por meio da capacitação profissional, inclusão digital, estratégias de comunicação e definição de metas. A informação na área da saúde deve ser guiada de forma que leve a uma inclusão discursiva, dando voz a mais de um ator social (Brasil, 2007BRASIL. Ministério da Saúde. Conselhos Nacionais de Saúde. Relatórios das oficinas de comunicação. Brasília, DF, 2007.). Entretanto, é preciso atentar para o excesso de informação e a aparente sensação de missão cumprida.
Em decorrência das falhas na educação em saúde, passa a ser fundamental direcionar a atenção para os meios de comunicação massivos (jornais, revistas, rádio, televisão), visto que estes participam ativamente do processo de comunicação e informação em saúde. A comunicação e a educação não devem mais ser consideradas processos unidirecionais e sim, processos de circulação de significados sociais entrelaçados (Rangel, 2008RANGEL, S. M. L. Dengue: educação, comunicação e mobilização na perspectiva do controle: propostas inovadoras. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 12, n. 25, p. 433-441, 2008.). Cada indivíduo é um emissor de informações úteis para a comunidade e todas as pessoas devem ser instruídas para se transformarem em receptores capazes de extrair a ideia central da mensagem recebida, tanto científica como popular.
A mídia é vista na atualidade como um importante meio de veiculação de informações em saúde. De acordo com Villela e Natal (2009)VILLELA, E. F. M.; NATAL, D. Encefalite no litoral paulista: a emergência da epidemia e a reação da mídia impressa. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 756-761, 2009., a interrelação entre os meios de comunicação midiáticos e a saúde viabiliza o alcance do contexto interdisciplinar de um processo epidêmico. Esse recurso permite a construção de significados mediante informações dadas. Entretanto, as informações epidemiológicas veiculadas devem ser fidedignas e de qualidade, visto que interferem não só nos distintos discursos e interesses existentes no âmbito da saúde pública, mas também na forma de percepção e apropriação dessas mensagens veiculadas.
Assim, as notícias podem tanto levar ao esclarecimento popular quanto à confusão e alarmismo, ou seja, a informação pode ser usada para beneficiar a sociedade e permitir seu desenvolvimento pessoal ou para manipulá-la por meio da distorção do conteúdo abordado (França e col., 2004). Reconhecendo-se as dimensões da importância da mídia, é surpreendente que a sua função não seja intensamente estudada e frequentemente questionada, pelo menos no que tange às questões da saúde humana.
Os poucos estudos sobre a relação mídia e saúde no Brasil mostram que os meios adotados estão distantes de contribuir efetivamente para as mudanças necessárias na educação sanitária brasileira (Lefèvre, 1999LEFÈVRE, F. Jornal, saúde, doença, consumo, viagra e saia justa. Interface: Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 3, n. 4, p. 63-72, 1999.). Há pouco conhecimento no campo da Saúde Pública sobre a função social da mídia em saúde (Rangel, 2003RANGEL, S. M. L. Epidemia e mídia: sentidos construídos em narrativas jornalísticas. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 5-17, 2003.) e, particularmente, sobre a forte relação entre a mídia e o contexto de uma epidemia associada a vetores biológicos.
Método e pressupostos de pesquisa
Foi feita uma pesquisa qualitativa sobre um evento epidêmico, de caráter exploratório, embasada na Teoria das Representações Sociais, sob a ótica da psicologia social (Moscovici, 2009MOSCOVICI, S. Representações sociais: investigações em psicologia social. 6. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.). Jodelet (2001)JODELET, D. As representações sociais. Rio de Janeiro: UERJ, 2001. traz que essa teoria é composta por vários elementos (crenças, opiniões, dentre outros), os quais são organizados para conseguir transmitir uma mensagem sobre a realidade. Diante dessa fundamentação teórica, nota-se a pertinência em levantar as informações veiculadas pela mídia impressa na época da primeira epidemia de dengue em Ribeirão Preto, São Paulo.
O estudo foi feito por meio do levantamento de reportagens publicadas sobre a primeira epidemia de dengue pelo vírus DEN-1 na cidade de Ribeirão Preto. O período definido para a busca das reportagens foi de novembro de 1990 a março de 1991, delimitado pela manifestação epidêmica. Como complemento foi considerado um período pós-epidêmico na busca, de abril a junho de 1991, visto que alguns jornais e revistas continuaram a publicar matérias referentes à epidemia.
O foco deste artigo é apresentar o que foi falado sobre dengue e não quem disse, ou seja, o trabalho não focou a fonte veiculadora da informação, mas sim o conteúdo da informação veiculada. Foram reunidas 126 reportagens ao todo, as quais foram veiculadas por três jornais e duas revistas, sendo dois jornais e uma revista do Estado de São Paulo, e um jornal e uma revista locais, da cidade de Ribeirão Preto, SP, Brasil (Tabela 1). As buscas por reportagens foram feitas utilizando as seguintes palavras-chave: dengue; epidemia; Ribeirão Preto, independentemente do título dos cadernos/seções da mídia consultada.
Para extrair informações das reportagens e realizar a investigação, utilizou-se o método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). O DSC é caracterizado pela organização e tabulação de dados qualitativos de natureza verbal que, neste caso, foram obtidos de meios de comunicação massivos. Esse método consiste em analisar o material verbal coletado diante da seleção de respostas individuais a determinada questão, e encontra-se fundamentado na Teoria das Representações Sociais, a qual resgata o imaginário social da população sobre determinado tema, viabilizando a construção de um painel de discursos.
Os trechos significativos dessas respostas são as expressões-chave. A síntese do conteúdo discursivo presente em uma expressão-chave é nomeada a “ideia central”. Por meio de expressões-chave e ideias centrais formam-se discursos-síntese, que são os discursos do sujeito coletivo, no qual o pensamento de um grupo é sintetizado como se fosse um discurso individual. Após essa etapa, somam-se as ideias centrais semelhantes e o trabalho pode assim ser apresentado numericamente, ou seja, pode ser estudado sob o ponto de vista quantitativo (Lefèvre e col., 2000).
Os temas relacionados à dengue que foram estudados por meio do DSC foram escolhidos após a coleta das imagens e textos verbais, diante da análise das notícias. O contato com o material verbal permitiu o entendimento do contexto da epidemia na época e ajudou a elucidar quais foram os principais assuntos abordados pelos meios de comunicação massivos durante o processo epidêmico. Os seis subtemas mais frequentes foram: papel das autoridades; situação epidemiológica e bioecologia do vetor; sintomas e tratamento da doença; métodos de controle; ações educativas promovidas; e penalidades. Os subtemas que emergiram dessa análise primária foram transformados em perguntas, as quais foram feitas para cada reportagem encontrada, visto que cada uma foi considerada um sujeito da pesquisa a ser entrevistado (Quadro 1).
Comentários interpretativos foram tecidos sobre o pensamento coletivo por meio da análise das expressões-chave que foram coletadas de notícias veiculadas na época da epidemia. Foi utilizado o software Qualiquantisoft. O programa, como software do DSC, viabiliza a execução de pesquisas que adotam o DSC como método, aumentando o alcance e a validade dos resultados (Lefèvre e Lefèvre, 2005LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. Depoimentos e discursos: uma proposta de análise em pesquisa social. Brasília, DF: Liber Livro, 2005.).
Para a elaboração deste trabalho, optou-se por explorar o subtema 1, com o intuito de apresentar alguns dos discursos formados e trazer para reflexão possíveis desdobramentos sobre mídia, poder e a primeira epidemia de dengue no município de Ribeirão Preto, SP. Os demais subtemas deverão ser explorados em publicações posteriores.
Resultados e discussão
Por meio do resgate das representações sociais sobre a dengue, consegue-se identificar hábitos, comportamentos e atitudes da comunidade em relação à doença que permitem redirecionar as devidas estratégias de controle. É interessante resgatar essas representações de meios de comunicação, pois eles direcionam os indivíduos a como pensar, mas prioriza o fato de poder determinar sobre o quê pensar: definem o que é importante conhecer e formar opinião. Há uma “agenda” para cada de meio de comunicação. As distorções que presenciamos nos jornais diários sobre temas da saúde não podem ser entendidas apenas como manipulações previstas, mas sim como produto do cotidiano de produção dos meios de comunicação (Villela e Almeida, 2012VILLELA, E. F. M.; ALMEIDA, M. A. Mediações da informação em Saúde Pública: um estudo sobre a dengue. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 48-59, 2012. Disponível em: <http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/465/979>. Acesso em: 9 maio 2014.
http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index... ).
Para a pergunta 1 feita, com enfoque nas representações construídas pela mídia sobre o papel das autoridades, expressões-chave e ideias centrais foram extraídas das respostas, permitindo que várias categorias fossem formuladas para unir conteúdos discursivos de significado semelhante em cada categoria. Segundo Bosi e Mercado (2004)BOSI, M. L. M.; MERCADO, F. J. Pesquisa qualitativa de serviços de saúde. Rio de Janeiro: Vozes, 2004., para que haja uma conexão de situações concretas e práticas, é necessário buscar certa perspectiva explicativa a fim de situar manifestações singulares a uma estrutura lógica ou social. A análise preliminar permite abstrair que a pesquisa qualitativa sistemática e científica deve estar interligada com o mundo real que investiga.
A naturalidade e vivacidade do pensamento coletivo contrastam com a apresentação de resultados em pesquisas quantitativas. O DSC aproxima a vida real da vida pesquisada, interligando-as (Lefèvre e Lefèvre, 2003LEFÈVRE, F.; LEFÈVRE, A. M. C. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos). Caxias do Sul: Educs, 2003.). Essa aproximação permite alcançar, de forma mais completa, o real entendimento da continuidade da dengue na cidade. Possibilita investigar o porquê de não se alcançar o controle efetivo da doença (Villela e Almeida, 2012VILLELA, E. F. M.; ALMEIDA, M. A. Mediações da informação em Saúde Pública: um estudo sobre a dengue. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 48-59, 2012. Disponível em: <http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/465/979>. Acesso em: 9 maio 2014.
http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index... ). A análise dos dados possibilitou vislumbrar um mapeamento em relação ao escopo geral da abordagem do subtema 1 nos jornais e revistas da época.
Como apresentado, 126 matérias foram coletadas. Nenhum subtema foi abordado em todas as reportagens, obviamente. No entanto, o subtema 1, objeto de estudo nesse documento, foi o mais abordado pela imprensa entre os seis subtemas, estando presente em 73 notícias, ou seja, 53 notícias não veicularam informações sobre o papel das autoridades. Das 73 que abordaram o subtema, 19 consideraram a atuação das autoridades positiva (categoria B) e 17 afirmou que as autoridades possuem responsabilização total sobre a epidemia (categoria C), como pode ser verificado na Tabela 2.
Número e proporção de respostas extraídas das notícias sobre a primeira epidemia de dengue em Ribeirão Preto, ocorrida no período de novembro de 1990 a março de 1991, para a questão 1: “Qual foi o papel exercido pelas autoridades políticas e sanitárias diante da epidemia?”, segundo categorias formadas
Vale destacar que houve declaração do fim da epidemia, e até mesmo negação da epidemia (categorias E e I, respectivamente), sendo que o processo encontrava-se ativo (Tabela 2). É possível confirmar a tendência de generalidade ou a não especificidade da informação, ou seja, a informação divulgada tem um caráter superficial e imediato (Tabela 2). Cabe nesse contexto a corroboração de Lefèvre e colaboradores (2007), a qual afirma que a presença de muita informação não é garantia de saúde, visto que as pessoas recebem informações variadas sobre dengue, mas nem sempre conseguem se apropriar delas para uso em seu cotidiano, por estar em uma linguagem inacessível ou por simplesmente não ser uma informação útil para a população aprimorar comportamentos e hábitos em relação à prevenção.
A seguir, foram selecionados alguns dos discursos gerados para exemplificar como as informações sobre o tópico em questão foram trabalhadas, entretanto cabe lembrar que a discussão feita refere-se a todos os discursos, e não apenas aos aqui apresentados:
C - RESPONSABILIZAÇÃO TOTAL DAS AUTORIDADES
“A situação retrata a irresponsabilidade e a incompetência com que a saúde pública vem sendo conduzida no Brasil. Nada a opor à municipalização dos serviços de saúde, medida recomendável e que merece todo apoio. Entretanto, desmantelar a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) e não oferecer algo concreto para uma situação que há anos já se anuncia grave, representa submeter a população a um risco injustificável. No Brasil, os serviços oferecidos pelo Estado nunca foram de primeira. O que acontece hoje é de arregalar os olhos. A Saúde, entregue ao deputado Alceni Guerra está em colapso. As autoridades sanitárias paulistas estão convencidas de que podem ainda combater a doença, mas estão longe de conseguir derrotá-la. O Estado nunca faz tudo que é possível. Se gastasse todos os recursos para o combate da dengue, faltaria dinheiro para as ações mais urgentes. O primeiro caso de dengue registrado na cidade paulista de Ribeirão Preto, em novembro do ano passado, provocou um susto duplo: a chegada da doença no coração de uma das regiões mais ricas e dona de excelentes condições de vida demonstra que a falência da medicina preventiva oficial conseguiu abater até mesmo aqueles lugares que os cientistas sociais denominam de ‘ilhas de prosperidade’ no País. O artigo assinado pelo coordenador de Saúde de Ribeirão Preto é a confirmação da miopia das autoridades no que se refere à saúde pública. Esperamos que o Executivo Municipal não caia na avaliação frágil de que tudo esteja controlado, continuando o trabalho em curso, coordenado de maneira exemplar pela Sucen regional e mantendo os serviços de saúde em constante alerta. A cidade está mobilizada para isso. A epidemia deveria receber mais atenção da classe política e principalmente da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. Somente a medicina preventiva pode nos livrar de epidemias. Como dizia Mário de Andrade, ‘excesso de saúva e falta de saúde, os problemas do Brasil são’. Para que o Brasil seja conduzido ao Primeiro Mundo, tendo doenças como malária e dengue, é preciso investir no desenvolvimento científico e na educação”. (06 notícias)
G - AUTORIDADES RESPONSABILIZAM POPULAÇÃO
“Gasparini diz que o caso de dengue hemorrágica servirá para que a população não se acomode no combate ao mosquito, e disse que montará uma operação permanente de combate ao mosquito. Não sabia que a dengue, em sua primeira manifestação, poderia levar à morte. A população precisa se conscientizar do perigo. Guerra recomendou que a população tem de se engajar no combate ao mosquito. Pinotti disse que não se tem o apoio necessário da população. O povo não dá a devida importância. Afirma que a população precisa eliminar criadouros dos mosquitos, e que o Prefeito não pode ser responsabilizado pela epidemia, aconteceu de maneira acidental”. (05 notícias)
I - NEGAÇÃO DA EXISTÊNCIA DA EPIDEMIA
“A Secretaria Estadual da Saúde desmentiu que a epidemia de dengue tenha se alastrado para municípios próximos a Ribeirão Preto, como havia divulgado a diretora técnica do Instituto Adolfo Lutz, Vilma Delphino. Apesar de a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo negar que a epidemia de dengue tenha se alastrado, foi iniciada a pulverização de cinco cidades da região. O ministro da Saúde, Alceni Guerra, negou ontem a existência de uma epidemia de dengue no País, sendo que 16 Estados apresentam 31.909 casos registrados, comunicados até dezembro. Não aceitou acusações de sanitaristas de que as epidemias ocorridas em 1990 poderiam ter sido evitadas. Disse que as medidas foram tomadas. Pinotti comunicou que a secretaria não pretende mascarar os fatos”. (03 notícias)
O público em geral demonstra interesse pelas pesquisas científicas, pois enxergam nelas possíveis aplicações que venham produzir melhora na qualidade de vida. No entanto, a informação também é vista, por outras instâncias, como insumo estratégico para a formulação de políticas e para os processos de planejamento, de decisão e de atuação nas diversas instâncias da organização e gerência dos serviços de saúde, apresentando um conceito ampliado e contextualizado (Branco, 2006BRANCO, M. A. F. Informação e saúde: uma ciência e suas políticas em uma nova era. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.). A informação é, nesse cenário, peça essencial para aquisição de conhecimento e poder perante grupos sociais distintos.
As teorias que estudam a influência da mídia no comportamento, na atitude ou na formação da opinião pública auxiliam na abordagem das notícias sobre risco epidemiológico nos jornais diários. Trazem que os meios de comunicação contribuem para a formação de ideias sobre a realidade e, consequentemente, para a tomada de decisões e mudança de atitudes. Sabendo que a mídia produz sentidos, conclui-se que o comportamento das pessoas recebe influência da mídia, e o que é divulgado na imprensa reflete, de certa forma, o que a população espera ler (Villela e Almeida, 2012VILLELA, E. F. M.; ALMEIDA, M. A. Mediações da informação em Saúde Pública: um estudo sobre a dengue. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 48-59, 2012. Disponível em: <http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/465/979>. Acesso em: 9 maio 2014.
http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index... ).
Na atualidade, a mídia apresenta narrativas de pesquisas que têm como objeto temas do pensamento coletivo, buscando aproximar a população da ciência, em vez de dificultar o acesso da sociedade a essa modalidade de conhecimento. Cabe resgatar o conceito de “reflexividade”, desenvolvido por Beck (1997)BECK, U. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: BECK, U.; GIDDENS, A.; LASH, S. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Unesp, 1997. p. 11-72. e Giddens (1991)GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.: “é a capacidade de as pessoas estabelecerem uma revisão contínua de suas atitudes e comportamentos a partir de novas informações ou conhecimentos dos aspectos da vida social” (p. 41). Os meios de comunicação desempenham um papel importante nesse processo. Não é cabível adotar um modelo de comunicação bipolar que não dê espaço para a reflexividade dos sujeitos. Estão superadas as construções que impeçam as pessoas de se apropriarem das informações e que não permitem que reconfigurem suas ações.
Um conceito construído histórico, teórico e metodológico compôs a busca teórica e prática no campo da investigação biológica e social que envolveu o assunto em questão (Minayo, 1992MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1992.). O núcleo documental formado permitiu uma integração de fatos e uma ampliação da compreensão de contextos socioculturais envolvidos com significações que ultrapassaram o nível espontâneo dos dados.
Essa técnica de coleta de dados permite o encontro de ideias opostas, distintas, o que viabiliza discussão. Analisando os discursos formulados, percebe-se que há discordância entre eles, mesmo as mensagens tendo sido pronunciadas em datas muito próximas e veiculadas no mesmo jornal muitas vezes. Observa-se, então, o confrontamento de diferentes discursos e forças sociais, no qual cada grupo social envolvido tenta fazer uso de seu poder para convencer os leitores de que sua “versão” é a verídica.
De acordo com Coutinho e colaboradores (2008), a mídia é um dispositivo capaz de influenciar significativamente o cotidiano das pessoas e suas atuações políticas. Os meios de comunicação constroem e disseminam uma “representação mistificada da realidade”. Desse modo, passam a defender alguns valores de um grupo social específico como se fossem universais. A mídia apresenta-se de forma explícita, neste caso da epidemia de dengue, como instrumento ou espaço de poder, com força na disputa pela hegemonia, na promoção de ideais distintos, na regulação de comportamentos e na constituição da opinião pública.
Percebe-se, assim, que a mídia, ao transmitir informação sobre dengue durante a primeira epidemia, preocupou-se mais em polemizar a discussão sobre quem seria o grande vilão da epidemia do que em alertar e esclarecer a população sobre o processo epidêmico em si. O jogo de representações ficou bastante nítido, assim como a forte relação entre mídia e poder.
A informação é caracterizada por processos epidemiológicos e estatísticos, enquanto a comunicação aborda procedimentos que lapidam a informação para que esta circule e seja transformada em saberes pelas pessoas (Araújo e Cardoso, 2007ARAÚJO, I. S.; CARDOSO, J. M. Comunicação e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.). De acordo com Mattelart e Mattelart (1999)MATTELART, A.; MATTELART, M. História das teorias da comunicação. São Paulo: Loyola, 1999., a comunicação envolve uma multiplicidade de sentidos e integra as sociedades. Além da multiplicidade de sentidos, há a multiplicidade de vozes, a polifonia. A participação social necessita de ampliação. Temos como problemas não somente a possibilidade de acesso adequado e suficiente às informações produzidas, mas também a dificuldade de se expressar, inclusive nas agendas de saúde, sobre o que deve ser discutido nos jornais diários para enriquecer de fato o arcabouço informacional da população (Araújo e Cardoso, 2007ARAÚJO, I. S.; CARDOSO, J. M. Comunicação e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007.).
Por meio do resgate das representações sociais sobre dengue, torna-se possível identificar conhecimentos construídos pelos sujeitos em interações sociais, as quais acabam por proporcionar o fundamento de ações e a compreensão de comportamentos dos sujeitos (Valentim, 2005VALENTIM, M. L. P. Métodos qualitativos de pesquisa em ciência da informação. São Paulo: Polis, 2005.), abrindo a possibilidade não só de modificar tomada de decisões de profissionais de saúde, mas também de modificar o enfoque dado pelos jornais diários. Ou seja, consegue-se identificar hábitos, comportamentos e atitudes da comunidade em relação à doença que permitem redirecionar as estratégias de controle desta.
Os profissionais que lidam com informação e comunicação em saúde na mídia impressa precisam ser capacitados para provocar a aproximação da linguagem técnica à linguagem popular. Essa estratégia permite, no cotidiano, maior apropriação de conteúdo pelo público. Por essa via, as pessoas conseguirão questionar seus hábitos no cotidiano quando se depararem com informações das quais elas consigam extrair a importância e, conforme Villela e Almeida (2012)VILLELA, E. F. M.; ALMEIDA, M. A. Mediações da informação em Saúde Pública: um estudo sobre a dengue. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 6, n. 1, p. 48-59, 2012. Disponível em: <http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/465/979>. Acesso em: 9 maio 2014.
http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index... , as mudanças de hábito individuais podem ter um efeito multiplicador, conduzindo a uma interação mais ampla, levando a mudanças coletivas.
Assim, nota-se a necessidade de fornecer condições adequadas para que esses profissionais saibam priorizar o que é essencial divulgar para sustentar as ações dos indivíduos, não deixando que questões meramente políticas sobreponham questões prioritárias de Saúde Pública, por meio do empoderamento que a mídia possibilita em cada reportagem publicada cotidianamente.
Conclusões
Diante da análise da abordagem conferida pela mídia para a primeira epidemia de dengue em Ribeirão Preto, no período de novembro de 1990 a março de 1991, comprovou-se a defasagem na informação disponibilizada nos meios de comunicação. O subtema mais apresentado foi o papel das autoridades políticas e sanitárias. Destaca-se que tal subtema não traz contribuições para aprimorar o conhecimento da comunidade sobre a doença a fim de possibilitar a prevenção, e não foi abordado de forma que pudesse, pelo menos, estimular a população a questionar atitudes e hábitos para auxiliar no processo de controle da doença.
As questões políticas relacionadas ao controle da epidemia foram priorizadas nas pautas dos jornais diários, enfatizando a irresponsabilidade e incompetência das autoridades e, concomitantemente, direcionando o foco para a falta de consciência da população para colaborar com as ações: municipal, estadual e federal.
A comunicação midiática pode ter desviado a atenção dos leitores para os embates políticos existentes, e não para as questões relativas ao binômio epidemiologia/saúde. Os leitores podem ter sido incentivados a assumir uma postura de passividade diante da situação. Isso porque a mídia trazia um conteúdo informacional que não só culpava o governo, mas também criticava o posicionamento da população. O quadro se complicava, pois a mídia não oferecia sugestões objetivas de ações simples e positivas, o que teria levado à acomodação da população. E como agravante, a mídia trazia matérias que negavam a existência da epidemia, o que deve ter provocado confusão popular, de acordo com a análise do material utilizado para a realização da pesquisa.
Essa miscelânea de informações desconexas e oponentes não contribuíram para que fosse feito um trabalho coletivo e significativo contra a epidemia, só favorecendo a solidificação da transmissão do vírus para as pessoas. Admite-se que, nos tempos atuais, essas distorções ainda persistem em várias cidades do País; entretanto, esse fato deve ser investigado. Pondera-se que, as autoridades que hoje batalham na luta contra a dengue deveriam analisar os comportamentos e estratégias praticadas em epidemias passadas. Se assim procedessem, certamente adotariam novas políticas de informação em saúde, atentando para a importância de usar os meios de comunicação para promover a educação em saúde em vez de usá-los para veicular informações incertas e duvidosas.
Em uma visão mais ampla, válida para quaisquer doenças, para que haja circulação e apropriação da informação em Saúde Pública, é necessário abrir a discussão para a comunidade e capacitá-la para que consiga se expressar. É importante discutir sobre a qual tipo de informação o cidadão tem acesso durante os processos epidêmicos: informação política ou epidemiológica? É nesse contexto que estudos de representações sociais na mídia podem contribuir na área da saúde, fornecendo foco mais direcionado na qualidade e especificidade da informação disponibilizada nos jornais diários, fonte documental tão valorizada pelas famílias brasileiras.
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- 1Fonte de financiamento da pesquisa: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2014
Histórico
- Recebido
15 Nov 2012 - Recebido
05 Out 2013 - Aceito
12 Nov 2013