Resumos
Este artigo apresenta os resultados gerais da pesquisa sobre o processo de construção da gestão regional no estado de São Paulo, durante a discussão do COAP/redes de atenção, com o intuito de fornecer subsídios para a compreensão deste processo de pactuação regional da saúde, com enfoque nas regiões de saúde de Bauru, Baixada Santista, Grande ABC e Vale do Ribeira, no estado de São Paulo. Além dos resultados apresentados sobre as regiões de saúde estudadas, a metodologia utilizada no desenvolvimento da construção dos perfis das regiões constitui em si uma proposta metodológica de análise de perfis regionais de saúde. A primeira parte do artigo apresenta a metodologia geral adotada para a análise das regiões de saúde; a segunda, abrange os resultados e a discussão da pesquisa, organizados em dois itens. O primeiro destes itens refere-se à análise dos perfis das cinco regiões de saúde pesquisadas no Estado. O segundo, analisa os principais aspectos do processo de pactuação regional da saúde em São Paulo, destacando potencialidades e limites, a partir de entrevistas realizadas com gestores municipais e apoiadores do Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo dessas regiões.
Regionalização da Saúde; Gestão Regional; Redes de Atenção à Saúde; Estado de São Paulo
Introdução
O processo de regionalização do Sistema Único de Saúde é reposto na agenda política da sua gestão em 2006 com o Pacto pela Saúde, numa perspectiva de articulação locorregional nos Estados e pactuação interfederativa nacional. Alcançou um ritmo mais acelerado no Brasil, com a publicação do Decreto Presidencial nº 7.508, de 28 de julho de 2011, em que ficou estabelecido o Contrato Organizativo da Ação Pública e da Saúde (COAP) e a política das Redes de Atenção à Saúde (Brasil, 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamentação da Lei nº 8.080/90. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 jun. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/D7508.htm>. Acesso em: 7 nov. 2014.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at... ).
O processo de discussão do COAP nos Estados vem ocorrendo desde o segundo semestre de 2012, tendo sido intensificado a partir de 2013, com particularidades para cada unidade federativa. No estado de São Paulo, por meio dos municípios e da Secretaria de Estado da Saúde (SES/SP), a discussão sobre a elaboração do COAP foi bastante ativa e os gestores municipais e estadual vêm dispendendo grandes esforços no sentido de organizar, disponibilizar e analisar o rol de indicadores tratados no Decreto nº 7.508. Além dos 101 indicadores de monitoramento do COAP, esse decreto orienta a construção do mapa de saúde, que indica uma descrição geográfica da distribuição de recursos humanos e das ações e dos serviços de saúde ofertados pelo SUS e pela iniciativa privada, considerando-se a capacidade instalada, os investimentos e o desempenho aferido a partir dos indicadores de saúde do sistema.
Alguns autores no campo da saúde coletiva argumentam que para a descentralização na saúde desempenhar um papel organizativo torna-se importante sua relação com o processo de regionalização da saúde (Ferreira, 2011FERREIRA, J. B. B. F. O processo de descentralização e regionalização da saúde no Estado de São Paulo. In: IBAÑEZ, N.; ELIAS, P. E. M.; SEIXAS, P. H. D. (Org.). Política e gestão em saúde. São Paulo: Hucitec, 2011.; Lavras, 2011LAVRAS, C. Descentralização, regionalização e estruturação de redes regionais de atenção à saúde no SUS. In: IBAÑEZ, N.; ELIA, P. E. M.; SEIXAS, P. H. D. (Org.). Política e gestão em saúde. São Paulo: Hucitec, 2011.). Especificamente, (Ferreira 2011FERREIRA, J. B. B. F. O processo de descentralização e regionalização da saúde no Estado de São Paulo. In: IBAÑEZ, N.; ELIAS, P. E. M.; SEIXAS, P. H. D. (Org.). Política e gestão em saúde. São Paulo: Hucitec, 2011.) entende que a regionalização deve ser compreendida como um processo de organização das ações e dos serviços de saúde, em uma região, a fim de assegurar a integralidade da atenção, a racionalidade dos gastos efetuados, a otimização dos recursos e a equidade, com vistas à garantia do direito à saúde. Ainda, esse autor acrescenta que a regionalização deve ser compreendida como uma ferramenta de gestão na organização do sistema de saúde para assegurar uma alocação eficiente da assistência dos cuidados em saúde.
Sabe-se que a regionalização no SUS, enquanto uma diretriz da descentralização da saúde, foi contemplada nas Normas Operacionais Básicas (NOB), principalmente a NOB 93 e NOB 96, e a Norma Operacional da Assistência à Saúde (Noas) impondo maior institucionalidade a esse processo, consolidando-se com a promulgação do Pacto pela Saúde 2006, intensificada em decreto presidencial (Brasil, 2006BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 399/GM, de 22 de fevereiro de 2006. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 - Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 fev. 2006. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/GM/GM-399.htm>. Acesso em: 7 jan. 2014.
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIA... ; 2011BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamentação da Lei nº 8.080/90. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 jun. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/D7508.htm>. Acesso em: 7 nov. 2014.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at... ). Essa intensificação do processo de regionalização acentua embates entre gestores e atores intergovenamentais que, na maioria, apresentam conflitos entre as identidades locais, regionais/estaduais e nacional (Souza, 2001SOUZA, R. R. A regionalização no contexto atual das políticas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 6, n. 2, p. 451-455, 2001.)22Para uma discussão dos desafios da regionalização da saúde no contexto de Regiões Metropolitanas do país, com uma abordagem específica da da Baixada Santista, ver Ianni et al. (2012)..
Especificamente no estado de São Paulo, a descentralização da saúde foi marcada também pelo processo de descentralização da Secretaria de Estado da Saúde (SES). O marco inicial para esse processo foi o movimento de reforma da administração pública paulista, realizado ao longo do governo Franco Montoro (1983-1986). No último ano desse governo, a descentralização da gerência das atividades da SES/SP foi realizada com a criação de 62 Escritórios Regionais de Saúde (Ersas), sendo 47 no interior e 15 na Região Metropolitana. Na dimensão organizacional, a reestruturação da SES seguiu os princípios da regionalização e da municipalização dos serviços e ações básicas de saúde (Mendes, 2005MENDES, A. Financiamento, gasto e gestão do Sistema Único de Saúde (SUS): a gestão descentralizada semiplena e plena do sistema municipal no Estado de São Paulo (1995-2001). 2005. Tese (Doutorado em Ciências Econômicas) - Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.)33Para um maior conhecimento do caminho do SUS no Estado de São Paulo, com destaque para a regionalização da SES/SP, ver Mendes (2005), especificamente cap.2.. A rigor, o Estado paulista participou de momentos de centralização e descentralização que antecederam a criação do SUS. Considera-se que o papel do gestor estadual no ordenamento dos serviços de saúde é importante para realizar a coordenação dos planos de ação dos municípios e fornecer apoio técnico a eles. Porém, sabe-se que há uma lacuna que persiste no estado de São Paulo, na medida em que o gestor estadual não tem se apresentado como um coordenador eficiente do processo de regionalização estadual, desde a criação do SUS (Mendes, 2005MENDES, A. Financiamento, gasto e gestão do Sistema Único de Saúde (SUS): a gestão descentralizada semiplena e plena do sistema municipal no Estado de São Paulo (1995-2001). 2005. Tese (Doutorado em Ciências Econômicas) - Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005.).
De forma geral, evidencia-se a importância que a dimensão territorial vem tomando no processo de regionalização da política de saúde. A distribuição dos recursos para a atenção que busca a racionalização das ações e dos serviços disponibilizados para todos os cidadãos precisa ser objeto de pactuação entre os entes federados, em especial os municípios que compõem as regiões de saúde. Nelas é que grande parte das necessidades dos cidadãos deve ser atendida, exigindo a presença de uma quantidade mínima de ações e serviços.
Com o intuito de discutir o processo de implementação do COAP em algumas regiões paulistas, o presente artigo fornece subsídios para a compreensão do processo de pactuação regional da saúde no Estado, com enfoque nas regiões de saúde de Bauru, Baixada Santista, Grande ABC e Vale do Ribeira, verificando suas potencialidades e limites. Além dos resultados apresentados sobre as regiões de saúde estudadas, a metodologia utilizada no desenvolvimento da construção dos perfis das regiões constitui em si uma proposta metodológica de análise de perfis regionais de saúde, oferecida como produto da pesquisa. Assim, o artigo está organizado em duas partes. A primeira apresenta a metodologia geral adotada para a análise das regiões de saúde. A segunda abrange os resultados e discussão da pesquisa, estruturados em dois itens. O primeiro refere-se à análise dos perfis de cada uma das cinco regiões de saúde do estado de São Paulo, objeto da pesquisa - Baixada Santista, Vale do Ribeira, Grande ABC e Bauru. O segundo item analisa os principais aspectos do processo de pactuação regional da saúde no Estado, destacando potencialidades e limites, com base nas entrevistas realizadas com gestores municipais e apoiadores do Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo (Cosems/SP) dessas regiões.
Metodologia para análise
Na perspectiva de aprofundar o entendimento da dimensão territorial, analisou-se os indicadores propostos pelo COAP e outros não contemplados pelo Decreto nº 7.508/2011, utilizados para o mapa de saúde, para o pacto da atenção básica na matriz de indicadores da Secretaria de Estado da Saúde/SP e do Cosems/SP. Além disso, também foram contemplados os indicadores sugeridos pelo Painel de Monitoramento e Avaliação da Gestão do SUS, propostos por (Tamaki et al. 2012TAMAKI, E. M. et al. Metodologia de construção de um painel de indicadores para o monitoramento e a avaliação da gestão no SUS. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, p. 839-850, 2012.) e que ajudaram a compreender a dinâmica singular de cada região. Foram analisados indicadores de fluxo, relacionados ao movimento populacional inter e intra-regional - deslocamento periódico das pessoas para trabalho e estudo e deslocamento para a internação hospitalar -, com o intuito de reconhecer a consonância entre os municípios que compõem uma determinada região de saúde em relação aos fluxos de entradas e saídas das pessoas residentes nesses recortes territoriais.
As regiões de saúde analisadas foram as da Baixada Santista, do Grande ABC, do Vale do Ribeira e de Bauru. Os critérios para a escolha dessas regiões foram: tradição de construção de políticas regionalizadas; características metropolitanas e não metropolitanas; diferentes localizações geográficas no território paulista; particularidades das condições socioeconômicas das regiões de saúde e suas redes de atenção; e participação em diferentes Redes Regionais de Atenção à Saúde -RRAS do Estado de São Paulo, definidas recentemente no processo de regionalização do Estado. Vale destacar que as regiões de saúde da Baixada Santista e do Vale do Ribeira compõem juntas a RRAS 07, enquanto a Região de Saúde do Grande ABC é sozinha uma rede de atenção, a RRAS 01, e a Região de Saúde de Bauru faz parte, junto com outras cinco regiões de saúde, da RRAS 09.
A análise dos perfis das regiões está estruturada em cinco eixos: i) socioeconômico e informações orçamentárias; ii) condições de vida e saúde; iii) vigilância em saúde; iv) rede de atenção à saúde; e, v) dinâmica do movimento populacional inter e intra-regional (análise de fluxos). Foi definido o ano de 2011 para um levantamento preliminar, identificando-se a disponibilidade e a potencialidade da informação para compor a matriz de analise regional pretendida.
Particularmente, o Eixo 5 diz respeito a uma inovação em análises de perfis regionais. Isso porque buscou-se incorporar uma dimensão regional pouco ou quase nada trabalhada no setor saúde. Trata-se de uma análise das informações de deslocamento pendular, disponibilizada pelo Censo 2010, junto com os dados da Autorização de Internação Hospitalar (AIH). O objetivo foi compreender a dinâmica do movimento populacional inter e intra-regional que caracteriza uma região de saúde. Nesse sentido, para efeito do limite deste artigo, apresenta-se a análise de apenas uma região - Baixada Santista -, na medida em que se considera mais importante descrever a proposta metodológica utilizada do que apresentar todas as regiões pesquisadas.
Em uma segunda etapa da pesquisa, no âmbito qualitativo, realizou-se entrevistas com gestores, secretários municipais e apoiadores do Cosems/SP das regiões pesquisadas. Essa etapa buscou acompanhar o processo de discussão do COAP nessas regiões, com a finalidade de fornecer subsídios para a compreensão do processo de pactuação regional da saúde no Estado. Foram realizadas oito entrevistas com atores considerados-chave no processo de pactuação regional então em curso: o secretário de Saúde de Jacupiranga, DRS Vale do Ribeira; a apoiadora do Cosems para o Vale do Ribeira; o apoiador do Cosems para a região da Baixada Santista; a Secretária de Saúde do município de Mauá; o secretário de Saúde do município de Bauru, a Secretária de Saúde do município de Pederneiras e a apoiadora do Cosems para a região de Bauru. A abordagem qualitativa envolveu quatro aspectos de interesse do projeto de pesquisa: 1) identificação do protagonismo e/ou liderança no processo de pactuação regional; 2) compreensão que os atores têm da região/regionalização em suas dimensões política, técnico-operativa, financeira e estrutura instalada; 3) atitude diante do COAP; e 4) atitude diante das redes de atenção, especialmente redes Cegonha e Urgência-Emergência.
Resultados e discussão
Análise dos perfis das cinco regiões de saúde
Os indicadores regionais e municipais propostos para as quatro regiões foram analisados e agrupados por eixo estudado. Foram identificados os indicadores que poderiam compor uma matriz de análise que permitisse melhor e de maneira simples a identificação do perfil regional e contribuir para o monitoramento e avaliação da gestão regional do SUS. As análises das desigualdades regionais, com a identificação dos menores e maiores valores que compõem a média regional, permitem um olhar que contribui com essa necessidade e permite intervenções em busca de maior equidade regional.
Eixo 1: Indicadores regionais socioeconômicos e orçamentários da saúde
O Grande ABC está inserido na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e concentra 6,13% da população paulista, sendo bastante urbanizada e adensada, com alto índice de envelhecimento e alto PIB per capita. A região Metropolitana da Baixada Santista (RMBS) situa-se na faixa litorânea do Estado, é bastante urbanizada e apresenta alta proporção de idosos e baixa taxa de esgoto (Tabela 1). Em 2011, a RMBS despendeu em gastos com saúde por habitante R$ 675,84, com 27,51% deste total sendo realizado com transferência SUS, e atingiu 22,28 % de gastos com recursos próprios em saúde. A região de Bauru está localizada no interior; concentra 1,45% da população e 3,45% da área do Estado, com densidade demográfica muito abaixo da média estadual, alta taxa de urbanização e acesso à rede de esgoto superior à média do Estado. A região do Vale do Ribeira, que inclui cidades do litoral Sul de São Paulo, concentra cerca 0,66% da população e 5,35% da área do Estado, com densidade demográfica muito abaixo da média estadual, e com rede de esgoto inferior à média paulista e alta taxa de analfabetismo (Tabela 1).
Com relação aos indicadores orçamentários da saúde, o estado de São Paulo, sem considerar a capital paulista, despende em gastos com saúde por habitante R$ 503,35, 27,13% dos quais realizados com transferência SUS, o que corresponde a R$ 136,57 por habitante/ano. Despende em saúde com gastos próprios R$ 361,84 per capita, enquanto a receita disponível do Estado (impostos e transferências constitucionais) refere-se a R$ 1.565,90. Desse modo, o estado de São Paulo atinge 23,11% de recursos próprios em saúde (vinculação da EC 29), conforme observa-se na Tabela 1.
A região que dispõe do maior gasto per capita com recursos próprios é a da Baixada Santista (R$ 503,39). Ao mesmo tempo essa região de saúde apresenta a maior receita disponível per capita (impostos e transferências constitucionais), quando comparada com às demais (R$ 1.731,52). Isso significa que essa região compromete 29,1% de sua receita disponível geral em gasto próprio com saúde. Trata-se do maior comprometimento das finanças públicas com saúde, quando analisada em comparação com as demais regiões. É interessante notar que a região economicamente rica do Grande ABC, com uma receita disponível per capita de R$ 1.727,67, apenas compromete-se com um gasto per capita em saúde com recursos municipais de 25,9%, isto é, R$ 447,06. Um compromisso ainda maior que essa região diz respeito à receita disponível per capita do Vale do Ribeira (R$ 1.346,90), o que corresponde a um gasto per capita de R$ 373,25, 27,7% da receita de impostos, compreendidas as transferências.
Eixos 2 e 3: Condições de saúde e vigilância à saúde
Com relação aos eixos sobre condições de vida e saúde e sobre vigilância a saúde, identificou-se um grande conjunto de indicadores.
As estatísticas vitais relativas à mortalidade infantil indicam que a Região de Saúde da Baixada Santista, em 2011, apresenta o mais elevado coeficiente, 16,87 por mil nascidos vivos, quando comparada às demais regiões, e é substancialmente superior às do Estado, de 11,55 (Tabela 2). O mesmo resultado é apresentado em relação à taxa de mortalidade materna. Isso porque, nessa região, constata-se uma taxa de 59,65 por mil nascidos vivos, sendo superior às das outras regiões e do próprio Estado (39,36). Na realidade, observa-se que os dados apresentados para o grupo mortalidade indicam a pior situação para essa região da Baixada Santista (Tabela 2). Já a melhor situação para a maioria dos indicadores desse grupo é verificada na região do Vale do Ribeira, sendo que ao se referir à mortalidade por câncer de próstata registre-se a região do Grande ABC (12,99 por cem mil) e à mortalidade por causas externas verifica-se a Região de Bauru (50,72 por cem mil) (Tabela 2).
No tocante ao grupo morbidade e outros, os piores resultados foram identificados na região de Bauru, em relação à prevalência de pacientes em diálise (54,90 por 100 mil habitantes) e taxa de internação hospitalar de pessoas idosas por fratura de fêmur (27,48). Já a Região de Saúde da Baixada Santista ficou com os piores resultados em relação ao índice de incidência de sífilis congênita (3,06), à proporção de nascidos vivos de mães adolescentes (15,87), calculada sobre o número de partos com informação sobre a idade da mãe (partos considerados), e cobertura de acompanhamento das condicionalidades do Programa Bolsa Família Programa Bolsa Família (PBF) (45,73%). No caso de proporção de nascidos vivos com baixo peso ao nascer e taxa de internação por AVC por 10 mil habitantes maiores de 40 anos de idade, os resultados insuficientes foram indicados para as regiões do Grande ABC (9,43) e do Vale do Ribeira (27,87), respectivamente (Tabela 2).
Quando se verifica os melhores resultados, nota-se que a Região do Vale do Ribeira abrange a maior parte dos indicadores. Registre-se: índice de incidência de sífilis congênita (1,92), proporção de nascidos vivos com baixo peso ao nascer (6,98) e proporção de nascidos vivos de mães adolescentes (12,48) - mesmo índice da região do Grande ABC.
Por sua vez, para quatro indicadores os melhores resultados ficaram com: índice de incidência de sífilis congênita (1,92) - Região Vale do Ribeira; prevalência de pacientes em diálise (54,90 por 100 mil habitantes) - Região da Baixada Santista (32,41); taxa de internação por AVC por 10 mil habitantes maiores de 40 anos de idade (20,98) - Região do Grande ABC; e cobertura de acompanhamento das condicionalidades do PBF (62,21%) - Região de Bauru.
No que se refere ao Eixo 3 - Vigilância em saúde, na Tabela 2, ao apresentar os indicadores relacionados aos óbitos em 2011, pode-se observar que: para o indicador proporção de óbitos infantis e fetais investigados, a RM da Baixada Santista apresenta o melhor resultado (92,06%), enquanto a Região de Bauru registra o pior desempenho (17,02%). Em relação ao indicador de proporção de óbitos maternos e de mulheres em idade fértil (MIF) por causas presumíveis de morte materna investigados, a Região do Grande ABC indicou o resultado mais satisfatório (91,24%) e a Região Vale do Ribeira (49,41%), o pior. A respeito do indicador de proporção de registro de óbitos com causa básica definida, o resultado apresentado segue o mesmo perfil do anterior, ou seja, o melhor desempenho foi da Região de Saúde do Grande ABC (98,70%) e o mais fraco resultado ficou para a Região do Vale do Ribeira (89,17%).
Ainda segundo a Tabela 2, constatam-se para os indicadores de vigilância em saúde alguns resultados melhores para: a) para a região do Grande ABC, em relação à proporção de cura nas coortes de casos novos de tuberculose pulmonar bacilífera (83,82%) e proporção de casos de doenças e agravos de notificação compulsórios (DNC) encerrados oportunamente após notificação (94,71%); b) para a Região de Bauru nota-se o indicador de cobertura vacinal tetravalente (104,11%); c) para a Região Vale do Ribeira destaca-se a proporção de unidades de saúde com serviço de notificação de violência implantada (7,3%); d) para a Região da Baixada Santista, o indicador proporção de cura de casos novos de hanseníase diagnosticados nos anos das coortes (91,00%) e o indicador proporção de amostras da qualidade da água examinados para os parâmetros coliformes totais, cloro residual e turbidez (45,48%).
A análise dos piores resultados nesses indicadores de vigilância em saúde indica a seguinte situação: à região do Vale do Ribeira couberam os resultados dos indicadores de proporção de cura nas coortes de casos novos de tuberculose pulmonar bacilífera (68,97%), da proporção de casos de doenças e agravos de notificação compulsórios (DNC) encerrados oportunamente após notificação (88,02%) e proporção de amostras da qualidade da água examinados para os parâmetros coliformes totais, cloro residual e turbidez (5,49%). Na Região de Bauru foram identificados os indicadores de proporção de cura de casos novos de hanseníase diagnosticados nos anos das coortes (73,68%) e proporção de unidades de saúde com serviço de notificação de violência implantada (2,51%). Já a Região do Grande ABC apresenta a pior situação para o indicador cobertura vacinal tetravalente (98,48%).
Eixo 4: Indicadores regionais de redes de atenção à saúde
Para efeito da análise, os 22 indicadores coletados neste eixo foram agregados em seis grupos que indicam as dimensões da atenção à saúde, a estrutura utilizada e as informações gerais da rede de saúde.
Em relação aos indicadores do Grupo 1 - Cobertura geral, a Região do Grande ABC possui a maior cobertura de saúde suplementar, aproximadamente 58,34%, bem superior ao valor encontrado para o estado de São Paulo, em torno de 9,86%. Já as regiões da Baixada Santista ficam com cobertura inferior, 40,40% e 33,79%, respectivamente. No tocante à proporção de serviços hospitalares com contrato de metas firmado, observa-se baixo registro, sendo que na Região do Vale do Ribeira é nulo. Quando se refere à estrutura de serviços, destaca-se que a melhor cobertura de tomografia por mil habitantes é a da Região do ABC (24,47) e a menor diz respeito à Região do Vale do Ribeira (12,74). Com relação aos médicos por mil habitante esse comportamento se repete, particularmente para a liderança da Região do Grande ABC (1,78), seguida diretamente da Região da Baixada Santista (1,72). Por sua vez, a relação de leito por mil habitantes mostra-se maior na Região de Bauru (2,2), indicando a primazia do interior na disponibilidade de leitos.
Na análise do Grupo 2 - Atenção básica, a região que mais realiza consultas médicas básicas por habitante é a do Vale do Ribeira (1,84), o que se repete nas consultas de urgência (0,36). Quando se analise a proporção de internações por condições sensíveis à atenção básica, o maior resultado encontra-se na região de Bauru (18,57), indicando comparativamente pior situação da atenção básica em conjunto com um maior número de leitos em hospitais de pequeno porte, o que também impacta nesse tipo de internação.
O Grupo 3 - Saúde bucal apresenta uma importante cobertura de equipes básicas de saúde bucal nas regiões do Vale do Ribeira (42,23) e Bauru (37,26), o que reflete uma melhor média da ação coletiva de escovação dental supervisionada. Desses indicadores, apenas a Região de Bauru apresentou melhor cobertura de primeira consulta odontológica (27,86). O Grupo 4 - Saúde da mulher indicou uma melhor situação da região do Vale do Ribeira, sendo todos os indicadores associados à melhor organização da atenção básica. A exceção fica para a proporção de gestantes com no mínimo sete consultas de pré-natal (60,02%).
No que se refere ao Grupo 5 - Urgência e emergência, a proporção de óbitos nas internações por infarto agudo do miocárdio (IAM) é semelhante em todas as regiões e próxima à media do Estado. Chama a atenção que a Cobertura do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192) atinge números mais elevados apenas na região da Baixada Santista (3,4). É importante considerar que esse serviço é de recente implantação em todo o território paulista, afetando diretamente a magnitude indicada.
Por fim, o Grupo 6 - Saúde mental apresenta indicadores nulos na região do Vale do Ribeira, com baixa cobertura de Centros de Atenção Psicossocial (Caps) e com maior proporção de leitos psiquiátricos em hospital geral apenas na região do Grande ABC (13,51).
Eixo 5: Dinâmica do movimento populacional inter e intra-regional
Os deslocamentos pendulares, que representam as pessoas que se deslocam periodicamente para trabalhar ou estudar em municípios diferentes dos de residência, fazem parte da estratégia de sobrevivência de um contingente da população brasileira e não se limitam mais às grandes aglomerações urbanas. Desde a década de 1980 vem ocorrendo o aumento da importância dos movimentos pendulares, no bojo de mudanças profundas no comportamento migratório brasileiro44Ver mais em Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Reflexões sobre os deslocamentos populacionais no Brasil. Série Estudos e Análises, n. 1. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/reflexoes_deslocamentos/deslocamentos.pdf>. e de alterações tecnológicas que vêm provocando a ocupação territorial, desconcentrando a atividade produtiva, impactando no desenvolvimento de novos núcleos urbanos e na formação de cidades dispersas e fragmentadas.55Para esse entendimento, ver Harvey (1992).
Diante dessas intensas transformações sociais torna-se necessário identificar as novas formas de distribuição da população nos territórios. Assim, o estudo dos movimentos pendulares populacionais possibilita uma aproximação do entendimento da intensidade e do sentido dos fluxos das pessoas que ajuda a apreender a lógica da dinâmica territorial de uma determinada região. Mesmo que os deslocamentos para trabalho e estudo não sejam os únicos que se estabelecem em um território, eles representam parte importante da dinâmica da movimentação cotidiana da população.
Considera-se assim que a investigação de fluxos não relacionados diretamente à assistência a saúde pode contribuir para a elaboração de reflexões que ajudem a identificar territórios que apresentem maior coerência com a lógica social e econômica regional, contribuindo para a construção de regiões de saúde com maior capacidade de integração municipal na gestão das ações e dos serviços de saúde.
Com relação a este eixo, a análise da pendularidade regional e dos fluxos regionais para internações hospitalares, apresentado a seguir, refere-se apenas à região de saúde.
Região de Saúde da Baixada Santista
Com relação a análise dos movimentos pendulares, na Região de Saúde da Baixada Santista o principal destino das pessoas que se deslocam para fora do seu município de residência por motivo de trabalho ou estudo são as cidades que formam a própria região de saúde (11,8%), seguida pelo município de São Paulo (1,7%). Das 166.095 pessoas que se destinam às cidades que formam a Região de Saúde da Baixada Santista para trabalho e/ou estudo, 152.257 (91,7%) são procedentes de municípios da própria região, enquanto 3.411 (2,1%) se originam na capital paulista e 10.427 (6,3%) nas demais regiões (Gráfico 1).
Volume do movimento pendular recebido e enviado, na Região de Saúde da Baixada Santista, 2010
A análise das informações sobre origem e local de internações na Região de Saúde da Baixada Santista também foram registradas no Gráfico 2 e identificam que, em 2011, das 79.360 internações originadas na região, 25,7% ocorrem em municípios diferentes dos de residência do paciente. O município de São Paulo responde por 4,1% das internações originadas na RSBS e as demais regiões, por 2,1%. Em relação à origem e local da internação hospitalar, observa-se que a RSBS apresenta saldo negativo de pacientes. Enquanto 79.360 autorizações de internações hospitalares foram originadas nas cidades que compõem a RSBS, 75.602 tiveram como destino os municípios dessa região de saúde (Gráfico 2).
Origem e destino das internações hospi talares, na Região de Saúde da Baixada Santista, 2011
Análise dos principais aspectos sobre o processo de pactuação regional da saúde no estado de São Paulo
O protagonismo e/ou liderança no processo de pactuação regional
Os depoimentos revelam situações muito díspares quanto ao protagonismo político dos atores, refletindo a percepção que cada um dos entrevistados tem sobre a pactuação na sua região, o que reflete o grau da sua inserção no processo e na maturidade política acumulada.
No Vale do Ribeira quase não há protagonismo político dos gestores locais no processo de pactuação regional. Predomina uma relação hierárquica e de dependência em relação ao gestor estadual, da DRS, e, diante do atual desenho de construção de uma única RRAS unificada do Vale do Ribeira e Baixada Santista, há uma certa situação de "apêndice" da primeira em relação à segunda. A existência de um consórcio da saúde, tradicional no Vale do Ribeira, parece oferecer mais suporte ao gestor dessa região do que a atual proposta de regionalização e RRAS.
Esse cenário piorou depois das mudanças dos gestores - secretários de Saúde - ocorridas em 2013, em função das eleições municipais de 2012. Num contexto de extrema fragilidade político-administrativa, tais mudanças abriram flancos para colocar, nos cargos da Saúde, pessoas com frágil formação e conhecimento da área, e muito vinculadas aos interesses político-partidários. Num cenário de fragilidade administrativa, política e de capacidade instalada, essa dinâmica contribuiu, segundo alguns depoimentos, para aprofundar a desarticulação e o esgarçamento das relações intra-regionais. Ao invés do desenvolvimento de um projeto pactuado de gestão, ainda predomina a dinâmica da troca de favores entre os gestores, corroendo a possibilidade de desenvolvimento de uma pactuação mais forte e solidária na região.
Na região de Bauru é evidente o protagonismo do município-sede, com maior força política, técnico-operativa, financeira e de estrutura instalada. Entretanto, este vem desenvolvendo ações de diálogo com os demais municípios no sentido do fortalecimento estrutural daquela região.
Na região do ABC paulista, que abrange sete cidades, o protagonismo dos municípios é bem maior. Apesar da liderança política, técnico-operativa, financeira e de estrutura instalada de algumas cidades, como Santo André e São Bernardo do Campo, por exemplo, a característica dessa região tem sido a da construção e do fortalecimento conjunto de todos os municípios, revelando uma dinâmica mais compartilhada e horizontalizada. Essa dinâmica parece refletir a tradição do consórcio metropolitano da região, criado para discutir as políticas públicas de interesse conjunto. Ancorado nessa instituição política, o processo de regionalização da saúde vem encontrando mais suporte e capacidade político-operativa.
O balanço, nessa região, é que, mediante esse cenário, as diferenças partidárias entre os gestores, as diferenças de capital político de cada um dos municípios e as diferenças técnico-administrativas são mais facilmente enfrentadas e superadas, porque discutidas de forma aberta às negociações e pactuações possíveis.
Na região da Baixada Santista o cenário é de certo desmonte do processo que vinha sendo construído. A avaliação é de que a atual gestão do colegiado perdeu capacidade de liderança política, restringindo-se a uma ação mais hierárquica que colegiada. Também há referência às inúmeras mudanças de gestores na região, o que vem comprometendo a sua vinculação ao processo de regionalização.
Destaca-se, em especial, o "desmonte" que vem sendo produzido pela ação do gestor estadual, com o projeto de implantação de hospitais na região, decisão de âmbito estadual tomada pelo governador ao largo do processo de pactuação regional. Nesse cenário, a fragilidade do atual Colegiado contribui para com essa situação.
Os apoiadores do Cosems têm desempenhado papel importante nas diferentes regiões, não só com relação aos gestores como na articulação das diferentes potencialidades político-regionais. A inserção desse ator no processo de regionalização está "empoderando" o gestor local por meio da agilização e diversificação das informações, que antes só chegavam via DRS, além de colaborar na compreensão mais ampliada dos processos da regionalização. Há referências positivas, também, à presença do apoiador do Ministério da Saúde, desempenhando papéis semelhantes aos dos apoiadores do Cosems.
No geral, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (por meio das figuras político-administrativas das Divisões Regionais de Saúde - DRS, do coordenador do Colegiado de Gestão etc.) é percebido como detentor do poder, porém com frágil capacidade de protagonismo político efetivo nas regiões. Em quase todos os depoimentos o governo do Estado é visto como distante, autoritário, puramente burocrático-administrativo, quando não dificultador do processo pelo controle exclusivo dos serviços hospitalares e de média complexidade que estão sob sua prestação. O papel de prestador, muito forte no que se refere aos recursos estaduais, marca de forma pouco produtiva a sua relação com os municípios, comprometendo o processo político da regionalização.
Reconhece-se que há uma extrema fragilidade politico-administrativa, em geral, dos gestores municipais. Ainda que haja gestores muito capacitados e politicamente formados e maduros, a grande maioria dos secretários Municipais de Saúde enfrenta grande dificuldade em se apropriar de todo o instrumental da gestão local/regional. Há certa dissociação entre as proposições da pactuação regional - as portarias ministeriais, os Pactos pela Saúde etc. - e os gestores com pouca experiência na gestão e domínio desse arcabouço político-administrativo.
Nesse sentido, produzir um processo de pactuação regional de melhor qualidade política, ou seja, mais compartilhado, solidário e realmente interfederativo, deve envolver uma capacitação política e técnica dos gestores municipais.
Compreensão que os atores têm da região/regionalização em suas dimensões política, técnico-operativa, financeira e estrutura instalada
Apenas uma das entrevistadas refere a questão política do pacto federativo como central ao processo de regionalização da saúde. Entretanto, todos os entrevistados/as, de uma forma ou de outra, abordam essa questão, em especial quando se referem ao papel do nível estadual.
A gestora que explicita essa questão reconhece o quanto a área da saúde - ao desencadear o processo de regionalização - protagoniza, no país, uma estratégia política importante, não só para a própria área da saúde como para as políticas públicas em geral. Reconhece também que, ao propor a pactuação regional, a saúde de alguma forma está introduzindo algo de novo nas políticas interfederativas no Brasil; o que implica protagonizar os sucessos e desafios dessa ação. Nesse aspecto a categoria região é central, pois ela articula os diferentes níveis de gestão.
No que se refere à ação interfederativa, em seus depoimentos os atores de Bauru e do ABC são unânimes em dizer que as experiências de construção regional mais compartilhadas e solidárias fortalecem todos os atores envolvidos, resultando em ações mais efetivas e eficazes para a totalidade dos municípios que participam do processo, pois os acertos são mais exequíveis de serem atingidos, os objetivos definidos em acordos comuns; um processo que produz maior amadurecimento político dos gestores.
A ideia do compartilhamento, tanto das discussões quanto do enfrentamento das divergências e interesses e o apoio técnico dos municípios mais experientes aos menos experientes ou mesmo do Estado e do Ministério da Saúde aos municípios - numa relação mais horizontalizada e solidária - produzem resultados mais sólidos e consistentes no que diz respeito à pactuação regional. Também se reconhece que esse processo "empodera" os municípios mais frágeis, perante o conjunto da região.
A percepção é de que quanto mais frágil a construção político-administrativa do Colegiado de Gestão, mais suscetível esse Colegiado fica às interferências da política partidária municipal, regional ou estadual, dos interesses particulares e pessoais dos secretários e prefeitos, e da troca de favores em detrimento da efetiva pactuação regional.
Há menção ao fato do Estado (esfera federativa estadual) se manter ao largo do processo da regionalização (porque tem recursos financeiros para gestão dos serviços "próprios"), o que tem sido utilizado como estratégia de gestão por esse ente federado. Há menções ao desfinanciamento de algumas regionais de saúde, ou "dificuldade" de funcionamento das redes, por exemplo. Ou, ainda, a criação de uma "rede paralela" ao processo de pactuação em curso. Esse fenômeno político faz com que se estabeleça um "troca-troca" de usuários dos serviços de saúde, comprometendo todo o processo da regionalização e sua pactuação.
Menciona-se de que a permanência e/ou existência de equipes técnicas comprometidas com a coisa pública e competentes têm sido fator de manutenção de pactos estabelecidos, e até mesmo garantia da qualidade dos processos em curso nas regiões. A ação dessas equipes, muitas vezes por meio das Câmaras Técnicas das DRS, tem garantido processos mais compartilhados, mais estruturados, principalmente onde a regionalização encontra-se, ainda, bastante incipiente ou desestruturada. Há referências ao fato de que, em muitos casos, a capacidade técnica das equipes técnicas condiciona ou mesmo determina a liderança do município no Colegiado de Gestão.
Uma das regiões, a do ABC, diz que tem sido muito difícil sair da pauta da assistência, porém tem se dedicado, com sucesso, a introduzir outras demandas nas discussões dos Colegiados de Gestão, junto à DRS etc. Pautas como as das vigilâncias (epidemiológica e sanitária), da promoção da saúde, vigilância da saúde do trabalhador, saúde mental etc.
Atitude diante do COAP
O COAP é pouco referido pelos entrevistados. O que mais se destaca, quando citado, é o reconhecimento de que ele é instrumento necessário para captação de recursos financeiros, porém, como instrumento de pactuação regional, de consolidação político-administrativa, é pouco mencionado.
Apenas uma das entrevistadas, de São Bernardo do Campo, diz que o COAP de alguma forma repõe, em outros moldes, o processo de pactuação deixado de lado pelo Ministério da Saúde, durante certo tempo. Nesse sentido, para essa entrevistada, o instrumento é um sinal do governo federal de retomada do processo de pactuação regional. Para o secretário de Bauru, o COAP é necessário tendo em vista a escala de incorporação tecnológica crescente na área da saúde. Segundo ele, essa incorporação tecnológica envolverá um processo recorrente e permanente de pactuação, à medida que os diferentes municípios e Estado disponham de serviços com níveis tecnológicos diversos.
Há a percepção também de que a assinatura do COAP compreende conflitos que devem ser enfrentados pelos atores envolvidos.
Atitude diante das redes de atenção, especialmente as redes Cegonha e de Urgência-Emergência
O papel de prestador do estado de São Paulo, muito forte no que se refere aos recursos hospitalares, marca, de forma pouco produtiva, sua relação com os municípios, comprometendo o processo político da regionalização. Essa tensão fica clara no processo de regulação.
Há referências ao fato de que, na ausência de protagonismo político dos gestores, a tensão no processo de construção das redes é maior.
Percebe-se certa contradição entre os mapas e a redes de saúde. No caso da Baixada Santista, estas instruíram os mapas. Mas, nessa região, como na do Vale do Ribeira, ainda predomina mais a negociação dos municípios do que a rede regional. O que existe é mais um sistema de regulação das vagas do que propriamente redes de atenção. Também existe tensão entre as estratégias voltadas à atenção básica e às redes, porque foram regiões onde os municípios investiram muito na extensão da AB.
Considerações finais
A análise sobre o acompanhamento da gestão regional da saúde merece um tratamento integrado entre os perfis das condições de saúde das regiões e o desenvolvimento do processo político por parte dos atores essenciais na construção da regionalização. Essa forma de análise pautou os resultados da pesquisa que foram apresentados, e compreendemos que serve de subsídios para um aprofundamento do processo de regionalização da saúde, que alcançou estímulo principalmente após a publicação do Decreto nº 7508/2013. É importante reafirmar que a área da saúde, ao estimular o avanço do processo de regionalização, ainda com todos os problemas que a pesquisa descrita revelou, vem protagonizando no país uma estratégia política importante, não só para a própria área como para as políticas públicas em geral. Ao propor a pactuação regional a saúde, de alguma forma, está introduzindo algo de novo nas políticas interfederativas no Brasil, o que implica protagonizar os sucessos e desafios dessa ação. Nesse aspecto, entendemos que a categoria região é central no desenvolvimento futuro do SUS, na medida em que ela articula os diferentes níveis de gestão.
A análise das quatro regiões escolhidas contribuiu não somente para identificar o conjunto dos indicadores a serem utilizados na análise regional, como possibilitou o entendimento da sua diversidade. Foi possível verificar que maiores gastos em saúde ou a maior presença de infraestrutura da rede assistencial não coincidem necessariamente com melhores indicadores de condição de vida e de saúde, evidenciando a necessidade de se considerar as especificidades regionais para a interpretação dos indicadores. Essa compreensão é fundamental para a adoção de estratégias distintas na elaboração dos pactos regionais, visando a construção da região de saúde e da efetiva adesão ao importante instrumento proposto, o COAP. Salienta-se que a análise de fluxos e, em particular, a análise da pendularidade regional traz uma importante inovação metodológica para esse tipo de estudo. Isso porque ela se propõe a captar a dinâmica do movimento populacional inter e intra-regional por meio da análise dos deslocamentos para estudo e trabalho, ampliando o conhecimento do território regional para além do setor da saúde.
Em relação à abordagem qualitativa, a pesquisa revelou, de forma geral, o grande desafio da necessidade de identificar mecanismos de articulação entre os diversos atores que compõem esse processo de regionalização na saúde. Destaque foi dado ao fato de que a esfera estadual de poder ainda apresenta dificuldades para assumir a efetiva coordenação desse processo, restringindo-se ao papel de gestor da prestação de seus próprios serviços. Nesse sentido, a construção histórica de apoios técnicos regionais que podem potencializar a associação solidária comprometida dos gestores na construção das regiões não tem sido fortalecida no estado de São Paulo.
Também, foi destacada a necessidade dos pactos contemplarem solidariamente os municípios com maiores dificuldades socioeconômicas, epidemiológicas, demográficas e de oferta de serviços, com o intuito de fortalecer o conjunto de gestores municipais e possibilitar o maior enfrentamento dos desafios regionais.
Além disso, merece ressaltar que as fragilidades da construção político-administrativa dos Colegiados de Gestão Regional os tornam mais vulneráveis aos interesses particulares em detrimento dos coletivos. Dessa forma, o fortalecimento da região exige que esses colegiados avancem em suas pautas para além da assistência à saúde, incorporando a gestão regional como um todo, de forma a ampliar a discussão da intersetorialidade das políticas públicas e fortalecer a construção do território regional.
A regionalização, mais do que um processo de organização das ações e dos serviços de saúde no território, visando assegurar a integralidade da atenção, é uma construção política que deve favorecer o diálogo entre os atores locais e os gestores federados para o reconhecimento e enfrentamento das necessidades de saúde dos territórios específicos.
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» http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/GM/GM-399.htm - BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamentação da Lei nº 8.080/90. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 jun. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/D7508.htm>. Acesso em: 7 nov. 2014.
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- 1Este artigo apresenta os resultados da pesquisa "Análise do Processo de Construção da Gestão Regional no Estado de São Paulo - COAP/Redes de Atenção à Saúde", 2013, realizada por professores e seus orientandos, da linha de pesquisa Política, Gestão e Saúde do Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP, financiada pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) - Carta Acordo BR/LOA/1200125.001.
- 2Para uma discussão dos desafios da regionalização da saúde no contexto de Regiões Metropolitanas do país, com uma abordagem específica da da Baixada Santista, ver Ianni et al. (2012)IANNI, A. et al. Metrópole e região: dilemas da pactuação da saúde. O caso da Região Metropolitana da Baixada Santista, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 28, n. 5, p. 925-934, 2012..
- 3Para um maior conhecimento do caminho do SUS no Estado de São Paulo, com destaque para a regionalização da SES/SP, ver Mendes (2005)MENDES, A. Financiamento, gasto e gestão do Sistema Único de Saúde (SUS): a gestão descentralizada semiplena e plena do sistema municipal no Estado de São Paulo (1995-2001). 2005. Tese (Doutorado em Ciências Econômicas) - Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2005., especificamente cap.2.
- 4Ver mais em Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Reflexões sobre os deslocamentos populacionais no Brasil. Série Estudos e Análises, n. 1. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/reflexoes_deslocamentos/deslocamentos.pdf>.
- 5Para esse entendimento, ver Harvey (1992)HARVEY, D. A condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1992..
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2015
Histórico
- Recebido
26 Fev 2015 - Aceito
13 Mar 2015