Processo decisório e impacto na gestão de políticas públicas: desafios de um Conselho Municipal de Saúde11 CNPq - Edital Universal 2010; Governo do Estado de Santa Catarina - Artigo 171.

Decision-making and its impact on Public Policy Management: challenges of a Municipal Health Council

Maria Elisabeth Kleba Keila Zampirom Dunia Comerlatto Sobre os autores

Resumos

Os conselhos gestores de políticas públicas são espaços de democratização, que viabilizam a inclusão de demandas da sociedade na agenda política. Este estudo buscou analisar a incorporação de deliberações do Conselho Municipal da Saúde em Chapecó/SC. Os dados foram coletados a partir da leitura das atas do Conselho, do período de janeiro de 2005 a dezembro de 2010, e das entrevistas com informantes-chave. A implementação das decisões depende de diferentes órgãos ou de outras esferas de governo, não apenas da competência dos conselheiros para formular ou defender suas propostas, ou ainda do interesse, compromisso ou engajamento do gestor municipal. O pouco tempo disponível para o debate nas reuniões do Conselho resulta muitas vezes em decisões que desconsideram fatores importantes, como a capacidade instalada, recursos disponíveis e previsões para a manutenção das atividades incorporadas. O impacto da participação social sobre as políticas públicas na área da saúde requer qualificação do processo decisório, prevendo os múltiplos fatores, de caráter técnico e também político, envolvidos em sua implementação.

Participação Social; Conselhos de Saúde; Gestão em Saúde; Política de Saúde


Councils for public policy management are democratization spaces that enable the inclusion of society's demands in the political agenda. This study examined the incorporation of the Municipal Health Council's deliberations in the city of Chapecó, State of Santa Catarina, Southern Brazil. Data were collected from the Council's minutes in the period January 2005 to December 2010 and from interviews with key informants. The implementation of the decisions depends on different organs or on other government levels, not only on the council representatives' competence to formulate or defend their proposals, or the municipal manager's interest, commitment and engagement. The limited time available for discussion in the Council's meetings often results in decisions that do not consider important factors such as installed capacity, available resources and forecasts for the maintenance of the incorporated activities. The impact of social participation on public policies in the area of health requires qualifying the decision-making process, forecasting the multiple factors, both technical and political, involved in its implementation.

Social Participation; Health Councils; Health Management; Health Policy


Introdução

A sociedade civil brasileira tem sua participação incluída na gestão de políticas públicas nos moldes atuais a partir do início dos anos 1990, por meio de conselhos deliberativos em todos os níveis de governo, em diferentes áreas e setores da administração pública no Brasil. É nesse contexto que fóruns de gestão de políticas públicas, mais especificamente os conselhos gestores municipais, se configuram em espaços públicos de participação e articulação entre governo e sociedade, ante a responsabilização partilhada que passa a requerer dos sujeitos envolvidos um "fazer parte efetivo" no processo de desenvolvimento político e social.

As novas configurações institucionais, a exemplo dos conselhos gestores de políticas públicas, são frutos de uma transição de regime político a partir da qual novos atores ganham voz e passam a ter influência direta na formulação, execução e avaliação de políticas (Milani, 2008LOUSADA M.; VALENTIM, L. P. Modelos de tomada de decisão e sua relação com a informação orgânica. Perspectivas em Ciências da Informação, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 147-164, 2011.). Essa nova institucionalidade altera a lógica e a racionalidade de funcionamento da gestão pública, oportunizando a incorporação de demandas sociais vocalizadas por diferentes atores. À medida que a corresponsabilidade entre Estado e sociedade civil amplia o poder de diferentes atores e segmentos sociais sobre os processos constitutivos da política, desencadeia-se maior compromisso dos envolvidos, pois requer deles capacidade de análise, proposição e controle social na defesa de interesses coletivos.

Nesse contexto, avaliar o efeito do processo decisório requer identificar as "alterações ou mudanças efetivas na realidade sobre a qual o programa intervém e por ela são provocadas." (Barreira; Carvalho, 2001BARREIRA, M. C. R. N.; CARVALHO, M. do C. B. C. Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais. São Paulo: IEE: PUC, 2001., p. 21). O impacto de determinadas políticas, programas ou mesmo da participação social no processo de gestão de políticas públicas implica quantitativamente e/ou qualitativamente sobre as condições de vida de uma população. Isso exige análise das mudanças significativas, positivas ou negativas, planejadas ou não, ocasionadas por determinadas ações (Roche apud Silva, 2008RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999., p. 154).

A gestão compartilhada nos conselhos gestores implica em maior complexidade do processo de decisão sobre o fazer política; apesar de instituir a participação da sociedade como diretriz e princípio básico, o governo permanece ator central, o que confere ao Estado o papel de coordenador e legitimador dos processos políticos de gestão. No entanto, a distribuição de poder na tomada de decisões é estabelecida a partir de regras, definidas por meio de debates e processos de negociação intensos entre os diversos atores (Milani, 2008LOUSADA M.; VALENTIM, L. P. Modelos de tomada de decisão e sua relação com a informação orgânica. Perspectivas em Ciências da Informação, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 147-164, 2011.).

Nessas configurações, é fundamental a qualidade do processo decisório, à medida que este implica em uma cadeia complexa de decisões tomadas por diversos atores, em diferentes arenas políticas, relativas à formulação e implementação de estratégias, provisão e qualificação de recursos (Lindblom, 1981KLEBA, M. E.; WENDHAUSEN, A. L. P. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009., p. 10). (Silva 2008RICHARDSON, R. J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1999.) destaca a importância de todos os atores envolvidos para o êxito no processo de implementação da política, ressaltando o papel estratégico que assumem os diferentes sujeitos, quando constituem processos de conflito, acomodação, integração e de convivência. Nessa perspectiva, (Milani 2008LOUSADA M.; VALENTIM, L. P. Modelos de tomada de decisão e sua relação com a informação orgânica. Perspectivas em Ciências da Informação, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 147-164, 2011.) adverte sobre o grande desgaste que ocorre quando os cidadãos e as organizações participam dos debates sobre as políticas públicas e as decisões decorrentes deles não são posteriormente implementadas.

É necessário reconhecer, no entanto, que o processo decisório, cujos limites são incertos, envolve uma complexidade de dimensões essenciais, entre estas: como surgem os problemas de decisão política; como esses chegam à agenda das autoridades governamentais; como as pessoas formulam os temas de ação governamental; como aplicam as decisões; e por último, como a política é avaliada. Além disso, na dimensão que corresponde à implementação da política, mesmo tendo um plano aprovado e acordos estabelecidos pelos agentes implicados, há diferentes fatores que podem prejudicar essa etapa do processo decisório: imprevisibilidade relativa aos recursos ou a mudanças próprias da dinâmica da realidade; conflitos de interesses entre os governantes e entre estes e quem presta ou executa os serviços; fragmentação de papéis das autoridades, tanto relativos aos setores, quanto aos diferentes níveis de governo comprometidos na execução das políticas públicas (Lindblom, 1981KLEBA, M. E.; WENDHAUSEN, A. L. P. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009.).

Em síntese, para que os conselhos sejam efetivamente espaços de decisão e de controle social das ações do Estado, torna-se necessário que os atores envolvidos reconheçam e fortaleçam os dispositivos técnicos e políticos a serem instituídos com vistas ao compartilhamento do poder de decisão e ao controle da implementação das políticas. Com o interesse de oferecer subsídios à qualificação desses processos, com consequente fortalecimento dessas instâncias, este estudo buscou averiguar fatores que interferem na incorporação das deliberações do Conselho Municipal de Saúde como políticas públicas no município de Chapecó, Santa Catarina.

Metodologia

Esta pesquisa se constitui parte do estudo intitulado: "Processos de gestão e impacto da participação social em conselhos de políticas públicas", vinculado ao grupo de pesquisa em Políticas Públicas e Participação Social da Universidade Comunitária da Região de Chapecó (Unochapecó). Com vistas a ampliar o referencial teórico sobre a temática, foi realizada, durante o mês de agosto de 2012, a busca de artigos científicos disponibilizados nas bases de dados do Portal de Pesquisa da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), com os seguintes termos ou descritores: participação AND conselho AND política AND saúde. Nessa base foram adotados como filtros: ser artigo, estar disponível como texto completo e ter sido publicado no período de 2001 a 2012. Como resultado, obteve-se 51 artigos, o que, após aplicados os critérios de exclusão - artigos repetidos ou com foco em outro conselho que não o municipal de saúde -, resultou em 17 artigos, tendo como veículo os seguintes periódicos: Ciência & Saúde Coletiva (4), Saúde e Sociedade (4), Cadernos de Saúde Pública (3), Physis: Revista de Saúde Coletiva (2), Revista Baiana de Saúde Pública (1), Revista Panamericana de Salud Pública (1), Revista de Administração Pública (1), Revista de Administração em Saúde (1).

A leitura dos artigos localizados nessa busca identificou como principais temas abordados os aspectos relacionados à composição do conselho, perfil e representatividade dos conselheiros, dinâmica e condições para o debate no processo decisório, relações de poder e o papel dos gestores. Os artigos que mencionavam o impacto da participação social restringiam-se a enfatizar a dificuldade de os conselhos exercerem influência efetiva sobre as políticas públicas. Nessa direção, permanecem lacunas em termos de investigações relacionadas à fase da implementação das decisões, o que justifica a relevância deste estudo.

Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo que se "aplica ao estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, das interpretações que os humanos fazem a respeito de como vivem, constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam." (Minayo, 2008MILANI, C. R. S. O princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais: uma análise de experiências latino-americanas e europeias. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 3, p. 551-579, 2008., p. 57). (Richardson 1999OLIVEIRA, V. de C. Comunicação, informação e participação popular nos conselhos de saúde. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 56-69, 2004.) acrescenta que o método qualitativo, além de permitir descrever e compreender a complexidade do tema pesquisado, contribui no processo de mudança de determinado grupo.

Quanto à estratégia de pesquisa, é um estudo de caso aplicado ao Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Chapecó, utilizado para "contribuir com o conhecimento que temos dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais e políticos de um grupo." (Yin, 2005WOLMER, L. G. S.; FALK, J. A. Utilização de informações para o controle social: o caso do Conselho do Distrito Sanitário III do Recife. Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 665-682, 2006., p. 20). Nesse sentido, o estudo de caso representa uma estratégia de pesquisa recomendada para situações em que se ressalta o "como" e o "por que", constituindo-se como questões de pesquisa explanatórias. Para esse tipo de estudo, o pesquisador recorre ao que (Yin 2005WOLMER, L. G. S.; FALK, J. A. Utilização de informações para o controle social: o caso do Conselho do Distrito Sanitário III do Recife. Cadernos de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 665-682, 2006.) denomina de fontes de evidências, por meio de documentos, registros em arquivos, entrevistas, artefatos físicos e observação participante e direta.

O estudo documental incluiu leitura e análise das atas das reuniões do Conselho Municipal da Saúde, do período de janeiro de 2005 a dezembro de 2010, bem como de outros documentos referentes a esse tema, tais como leis, portarias, ofícios, termos de ajuste emitidos pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB). A partir da leitura e análise das atas foi possível reconhecer os temas que constituíram pontos de pauta nas reuniões, sobre os quais o conselho deliberou. A maior parte desses temas foi deliberada em sua primeira submissão ao conselho, envolvendo pouco ou nenhum debate. Entre os temas que geraram maior discussão, retornando ao conselho para debate, salienta-se o credenciamento/descredenciamento da tráumato-ortopedia, serviço prestado por hospital regional contratado pelo SUS. Dessa forma, optou-se em aprofundar o estudo sobre o processo decisório, incluindo a análise da etapa de implementação, a partir dessa temática.

Para esse aprofundamento foram realizadas quatro entrevistas semiestruturadas, com dois conselheiros titulares e dois profissionais vinculados à gestão, que estiveram envolvidos no debate e nos encaminhamentos sobre o tema durante o período analisado. Como critérios de inclusão desses sujeitos definiu-se: participação ativa nos debates, evidenciada pelo registro nas atas das reuniões do conselho; indicação como informante-chave por parte dos envolvidos; e, sobretudo, disponibilidade para ser entrevistado. As entrevistas foram realizadas em agosto de 2012, utilizando-se de gravadores digitais para o registro dos depoimentos colhidos, que foram posteriormente transcritos pela própria entrevistadora.

Para o tratamento das informações adotou-se a análise de conteúdo, com base na modalidade da análise temática. Para (Minayo 2008MILANI, C. R. S. O princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais: uma análise de experiências latino-americanas e europeias. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 3, p. 551-579, 2008., p. 316), proceder "uma análise temática, consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõem uma comunicação, cuja presença ou frequência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico visado". A referida análise se organiza em três etapas. A primeira corresponde à pré-análise e consiste na escolha inicial dos documentos a serem analisados, retomada dos objetivos da pesquisa em relação ao material coletado e construção de indicadores que orientarão a interpretação final. A segunda etapa é a exploração do material que se refere à operação classificatória com vistas à identificar categorias e "consiste num processo de redução do texto às palavras e expressões significativas", buscando alcançar o núcleo de compreensão do texto (Minayo, 2008MILANI, C. R. S. O princípio da participação social na gestão de políticas públicas locais: uma análise de experiências latino-americanas e europeias. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 3, p. 551-579, 2008., p. 317). A terceira e última etapa, na qual os dados significativos são organizados e relacionados às dimensões teóricas, refere-se ao tratamento dos resultados obtidos e interpretação. As categorias identificadas a partir desta análise foram: Autoridade e poder: conflitos e acordos no exercício da gestão participativa; e Saber é poder: a informação como ferramenta que qualifica o processo decisório.

Utilizou-se do fluxograma - técnica de representação gráfica que utiliza figuras geométricas e setas, com vistas a descrever e explicar processos de forma a possibilitar o compartilhamento rápido do conhecimento (D'Ascenção, 2001) - para ilustrar o percurso do processo decisório sobre o credenciamento/descredenciamento da tráumato-ortopedia no município.

Esta pesquisa obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Unochapecó sob o Protocolo N. 088/2007, seguindo princípios éticos inerentes ao processo investigativo de respeito ao sigilo das informações e à opção dos participantes em participar do estudo. As entrevistas gravadas foram validadas pelos sujeitos do estudo. Na apresentação dos dados, foram adotados pseudônimos para preservar a identidade dos participantes.

Resultados e discussão

A partir da leitura das atas do CMS, relativas ao período de janeiro de 2005 a dezembro de 2010, foram definidos conjuntos de temas que pudessem revelar aproximações entre as deliberações do conselho, evidenciando sua relevância em relação ao potencial impacto na política de saúde do município. O primeiro conjunto compõe-se de decisões que demandam encaminhamentos internos, pois implicam em execução por serviços próprios da Secretaria da Saúde, como, por exemplo, criação, implementação, ampliação de serviço, programa ou ação. Nesse conjunto são incluídas deliberações que requerem aplicação de recursos na qualificação do Conselho, tanto relativas à sua estrutura, quanto à capacitação dos conselheiros. O segundo conjunto são decisões que demandam encaminhamentos externos, pois sua execução depende de serviços conveniados ou contratados ou trazem implicações a esses serviços, como é o caso do credenciamento, contrato ou fiscalização de serviços prestados pelos hospitais, por organizações não governamentais (ONGs) ou instituições privadas.

O tema eleito para este estudo de caso levou em consideração a atenção dispensada pelos conselheiros na dinâmica das reuniões, tais como o tempo dedicado ao debate, a intensidade da problematização e a quantidade e diversidade de recursos envolvidos na tomada de decisão, sendo o credenciamento e descredenciamento do serviço de tráumato-ortopedia oferecido por um dos hospitais do município.

O caso do credenciamento/descredenciamento do serviço de tráumato-ortopedia no município de Chapecó

O serviço de tráumato-ortopedia, contratado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no município de Chapecó, é disponibilizado em hospital de abrangência regional, localizado nesse município. Inaugurado em 1986, esse hospital é administrado, desde 1998, por Consórcio Regional de caráter privado sem fins lucrativos. Atualmente o hospital atua em regime de alta complexidade, atendendo 92 municípios da região oeste de Santa Catarina, 26 municípios dos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul, num total de aproximadamente 1,3 milhão de habitantes. O referido hospital disponibiliza diversos serviços especializados de alta complexidade, sendo um deles o de tráumato-ortopedia. Para funcionamento e prestação de serviços aos usuários do SUS, o serviço de tráumato-ortopedia necessita ser credenciado, o que requer, num primeiro momento, a aprovação do Conselho Municipal de Saúde e do gestor municipal. A partir dessa aprovação, o pedido deve ser encaminhado aos órgãos estaduais e federais responsáveis pela vistoria, que avaliam a adequação de condições técnicas, instalações físicas, equipamentos e recursos humanos, de acordo com a Portaria nº 95, de 14 de fevereiro de 2005 (Brasil, 2005BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria no 95, de 14 de fevereiro de 2005. Define e dá orientações às Unidades e aos Serviços de Assistência, bem como aos Centros de Referência de Alta Complexidade em Tráumato-Ortopedia. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 31, 16 fev. 2005. Seção I, p. 32. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/PT-95.htm>. Acesso em: 28 jun. 2014.
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIA...
).

O fluxograma abaixo ilustra o processo decisório reconhecido no estudo, identificando organizações e atores envolvidos tanto na inclusão desse tema na pauta e seu retorno nas reuniões do CMS, quanto nas discussões ocorridas fora dessa instância, a exemplo da CIB, bem como os documentos que circularam nesse período.

Essas etapas revelam diferentes movimentos dos diversos atores e organizações, incluindo o acompanhamento dos debates e decisões desencadeados em outros espaços que não o Conselho Municipal de Saúde, evidenciando sua pequena participação no processo de tomada de decisões. O credenciamento do hospital para prestar serviço de tráumato-ortopedia entra como tema de pauta no conselho em março de 2005, após o Ministério da Saúde ter definido como requisito para repasse de recursos ao serviço a aprovação por este fórum. Com a aprovação do CMS, o pedido de credenciamento é encaminhado e, um ano após, aprovado pela CIB. Em setembro de 2007, a CIB define termo de compromisso com o referido hospital ao identificar pendências na prestação do serviço, o qual, seis meses depois, é descredenciado. Entre março e abril de 2008, registros evidenciam comunicação sobre a situação entre o hospital, o gestor municipal da saúde, a Secretaria de Desenvolvimento Regional (órgão administrativo do governo estadual), com sede em Chapecó, e a CIB. Nesse período não há registro nas atas que indique envolvimento do CMS no debate. Em maio de 2008, após a CIB ter confirmado a manutenção do descredenciamento, o CMS emite correspondência a ela, intercedendo em favor do recredenciamento do serviço no referido hospital.

Figura 1
Fluxograma representando etapas do credenciamento e descredenciamento do serviço de tráumato -ortopedia em Chapecó, SC, de 1995 a 2010

A partir dessa análise, foram delimitadas duas dimensões para esse estudo, com vistas a tecer reflexões sobre a capacidade do CMS de tomar decisões e influenciar a sua implementação efetiva: a dimensão política [autoridade e poder], envolvendo a produção de acordos que atendam interesses coletivos; e a dimensão técnica [saber é poder], relacionada ao acesso e à apropriação de informações, com vistas a ampliar a capacidade de análise e argumentação.

Autoridade e poder: conflitos e acordos no exercício da gestão participativa

Ao considerar a dimensão política do processo decisório, entende-se que esta se relaciona não apenas com visões de mundo compartilhadas entre os atores envolvidos, mas principalmente com as interações sociais e institucionais que definem do "lado de quem" esses atores "jogam".

De acordo com (Lindblom 1981KLEBA, M. E.; WENDHAUSEN, A. L. P. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009.), o processo de decisão é norteado por diversos fatores, tais como: o curto prazo, recursos disponíveis, falta de clareza sobre o que está sendo decidido, entre outros. O curto prazo é também referido no estudo de (Wolmer e Falk 2006WENDHAUSEN, Á.; CARDOSO, S. de M. Processo decisório e conselhos gestores de saúde: aproximações teóricas. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 60, n. 5, p. 579-584, 2007.) como fator relevante, que pode prejudicar a tomada de decisão quando, por exemplo, as propostas são submetidas ao conselho para aprovação imediata pela gestão ou setor privado, sem antecedência necessária para leitura e avaliação mais qualificada. A esse respeito, uma situação extraída da Ata nº 04, de 31 de março de 2005, do CMS ilustra: o hospital solicita o credenciamento para alta complexidade em nível tráumato-ortopédico; o conselheiro representante do segmento profissional explica a urgência da aprovação para que seja enviada ao Estado, e os conselheiros, mesmo desconhecendo a Portaria referida na ocasião, aprovam.

Para um dos entrevistados:

Tinha alguns [temas] que eram de urgência, que vinham do Ministério da Saúde tendo dois dias para dizer se queria ou não queria. (Betânia).

São situações que provocam tensões no interior do conselho quando o gestor, do nível municipal, estadual ou federal, encaminha programas e projetos sobre os quais o conselho precisa deliberar com urgência. Muitas vezes, as decisões acabam sendo pautadas por argumentos de que o município poderá perder recursos financeiros caso não se aprove.

Como que a gente ia começar a questionar o credenciamento? O que acontecia!? Perguntavam: "você não quer o credenciamento?" Ficava contra a parede e acabava aprovando o credenciamento. (Betânia).

Essa prática exercida pelo conselho prejudica o desempenho de seu papel como órgão de controle social, à medida que funciona como instância homologatória e legitimadora de propostas governamentais, mesmo incorrendo no risco de, futuramente, estas se revelarem ações inviáveis ou indevidas.

Por outro lado, o conselho concentra muitas vezes seu esforço no debate e na aprovação de demandas pontuais e fragmentadas, ao invés de promover maior investimento no debate político, por exemplo, deliberando, acompanhando e avaliando a implementação do Plano Municipal de Saúde, com vistas a produzir mudanças sobre questões mais abrangentes, que possam impactar de forma favorável as condições de saúde e a qualidade de vida da população.

Para (Wendhausen e Cardoso 2007VIANA, A. L. D'A. (Coord.). Avaliação nacional das Comissões Intergestores Bipartite (CIBs): as CIBs e os modelos de indução da regionalização do SUS: projeto de pesquisa: relatório técnico e metodológico. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2010. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/descentralizacao/cibs/pdf/RelatorioTeorico_MetodologicoPesquisa_CIBsRegionalizacao.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2014.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/descentral...
, p. 581), "o processo decisório é composto de uma cadeia de decisões tomadas por representantes em diferentes arenas políticas", as quais podem ser soluções para um grupo e representar problemas para outro, uma vez que são o "resultado de um complexo de decisões tomadas com base em análises técnicas e escolhas racionais individuais e considerações subjetivas".

Desse modo, considerando-se sua dimensão política, a tomada de decisão é influenciada por objetivos particulares, seja de pessoas ou de grupos, "com interesses divergentes, que se associam em torno de uma oportunidade" (Morgan apud Bin; Castor, 2007BIN, D.; CASTOR, B. V. J. Racionalidade e política no processo decisório: estudo sobre orçamento em uma organização estatal. Revista Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 35-56, 2007., p. 38). Nessa lógica, o processo decisório pode induzir a troca de decisões racionais por barganhas, pressões e relações de poder e de interesses pessoais.

(Bin e Castor 2007BIN, D.; CASTOR, B. V. J. Racionalidade e política no processo decisório: estudo sobre orçamento em uma organização estatal. Revista Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 35-56, 2007.) identificam fatores que circulam na dimensão política do processo decisório, sendo: negociação e persuasão, poder, contingências, conflito, cooptação, coalizão e cooperação, interesses e influência externa. As decisões são norteadas por disputas internas de poder e de influência, fazendo com que objetivos pessoais se sobressaiam aos organizacionais, como apontam as falas a seguir:

Houve, na época, uma articulação política; não de saúde, mas política partidária! [...] Não aceitei, quando percebi que, por trás desse descredenciamento estava uma articulação política partidária. (Rudinei).

A competência de fiscalizar a portaria não era só de Chapecó; a CIB tinha essa obrigação também! Poderia usar o poder não para tirar o serviço daqui, mas para fiscalizar! (Rudinei).

Ficou muito caótico, [o serviço de tráumato-]ortopedia ficou quase por um período de dois anos [descredenciado]! Ficou terrível; muito ruim! (Betânia)

Uma maior eficácia do processo deliberativo na gestão pública necessita clareza sobre seus objetivos, sobre as estratégias necessárias, viáveis e adequadas, sobre as responsabilidades dos atores envolvidos, e requer ainda entrosamento entre os formuladores e implementadores de política (Lindblom, 1981KLEBA, M. E.; WENDHAUSEN, A. L. P. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009.).

No processo de decisão e implementação de políticas públicas, propõe-se pelo Sistema Único de Saúde (SUS) um modelo institucional que envolve acordos entre as diferentes esferas gestoras do sistema e a participação de vários atores (Viana, 2010SILVA, M. O. da. Avaliação de políticas e programas sociais: uma reflexão sobre o conteúdo teórico e metodológico da pesquisa avaliativa. In: SILVA, M. O. S. (Org.). Pesquisa avaliativa: aspectos teórico-metodológicos. São Paulo: Veras; São Luís: Gaepp, 2008. p. 89-178.). As instâncias colegiadas, especialmente as Comissões Intergestores Bipartite (CIBs), em âmbito estadual, e o Conselho de Saúde, em âmbito municipal, representam espaços de decisões intermediárias que envolvem relações intergovernamentais entre a União, estados e municípios.

Muitos municípios de pequeno porte populacional possuem apenas serviços de atenção básica; os serviços especializados e de alta complexidade do SUS concentram-se em algumas cidades que abrangem várias regiões de saúde, como no caso do município de Chapecó. Isso exige a articulação de diferentes gestores, com vistas a promover a integração da rede de atenção à saúde, um processo que envolve o compartilhamento de funções governamentais, distribuição de responsabilidade e negociações que acabam esbarrando em uma série de dificuldades. Nas atas da CIB, por exemplo, puderam ser verificados embates e disputas entre os secretários municipais de saúde na época. Por outro lado, os entrevistados salientaram a importância do diálogo entre os envolvidos - gestores, prestadores de serviços e usuários - nas seguintes falas:

Nós mobilizamos os secretários de saúde de toda a região e conseguimos na Comissão Intergestores Bipartite (CIB) fazer com que esse serviço fosse credenciado em Chapecó. (Rudinei).

Depois [de seis meses de descredenciamento] o serviço voltou. Na verdade deram um tempo para [o hospital] se adequar; foi tipo uma advertência, não foi bem um descredenciamento. (Carolina).

[...] não tendo politicagem, favoritismo e vícios, daí realmente o trabalho funciona bem. (Betânia).

Nesse recredenciamento da tráumato-ortopedia houve um impacto positivo do Conselho Municipal de Saúde e da participação social. (Jussara).

A esse respeito, (Lindblom 1981KLEBA, M. E.; WENDHAUSEN, A. L. P. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009.) enfatiza que há casos em que os administradores precisam dialogar com outros setores, não apenas porque eles não têm o poder exclusivo de decidir, mas também porque podem dessa forma potencializar os recursos, entrando em acordo com outros executantes e priorizando a implementação de acordos com os recursos material e de pessoal disponíveis.

Se não tiver uma boa gerência de Chapecó para com os outros municípios não vai conseguir dar um bom andamento, vai dar tanto problema na demanda, como nos problemas financeiros. (Betânia).

Até por que, quanto mais pessoas lutando pela volta do serviço, melhor. (Jussara).

Para (Lindblom 1981KLEBA, M. E.; WENDHAUSEN, A. L. P. Empoderamento: processo de fortalecimento dos sujeitos nos espaços de participação social e democratização política. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 18, n. 4, p. 733-743, 2009., p. 59), os fatores que influenciam na decisão são "multiplicados na implementação ou na execução das políticas", devido à complexidade do jogo de poder no processo de decisão política. Nota-se, neste estudo, a complexidade do processo de decisão implicada na definição de quem teria a prerrogativa de decidir sobre a situação de um serviço que está sob a gestão de um município, mas envolve outros municípios. Assim, cabe questionar sobre os dispositivos que devem ser instituídos para viabilizar o controle social, sem no entanto, destituir o Estado de seu papel de ordenador e coordenador da provisão de serviços aos usuários, com a devida qualidade. Ao contrário, é necessário constituir dispositivos que ampliem a participação social como estratégia de defesa dos interesses coletivos, de forma a garantir a construção e efetivação de políticas coerentes com as diretrizes, os princípios e as orientações normativas do SUS.

Para o efetivo impacto da participação social, é necessário que o processo decisório não se finalize com o ato de decidir; isto significa que, após a escolha, deva existir um monitoramento, análise e acompanhamento da decisão, com vistas a verificar se os resultados obtidos se mostram negativos ou positivos (Wendhausen; Cardoso, 2007VIANA, A. L. D'A. (Coord.). Avaliação nacional das Comissões Intergestores Bipartite (CIBs): as CIBs e os modelos de indução da regionalização do SUS: projeto de pesquisa: relatório técnico e metodológico. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2010. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/descentralizacao/cibs/pdf/RelatorioTeorico_MetodologicoPesquisa_CIBsRegionalizacao.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2014.
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). No presente estudo, constatou-se que o Conselho aprovou o credenciamento do serviço de tráumato-ortopedia, sem acompanhar a implementação dessa decisão, revelando fragilidades no que se relaciona ao efetivo exercício do controle social.

Saber é poder: a informação como ferramenta "técnica" que qualifica o processo decisório

De acordo com (Wendhausen e Cardoso 2007VIANA, A. L. D'A. (Coord.). Avaliação nacional das Comissões Intergestores Bipartite (CIBs): as CIBs e os modelos de indução da regionalização do SUS: projeto de pesquisa: relatório técnico e metodológico. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2010. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/descentralizacao/cibs/pdf/RelatorioTeorico_MetodologicoPesquisa_CIBsRegionalizacao.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2014.
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), as práticas do conselho são atravessadas pelo poder e se exibem em diferentes níveis, constituindo modos singulares de participação. Os saberes instituídos, o acesso à informação e os discursos impostos como verdades são práticas e dispositivos que circulam nos conselhos. Para (Foucault 1979D'ASCENÇÃO, L. C. Organização, sistemas e métodos: análise e informatização de processos administrativos. São Paulo: Atlas, 2001.), a formação de um saber expressa formas de exercício de poder. A relação entre saber e poder está intimamente implicada, pois "não há relação de poder sem a constituição de um campo de saber; também, reciprocamente, todo saber constitui novas relações de poder." (Foucault, 1979D'ASCENÇÃO, L. C. Organização, sistemas e métodos: análise e informatização de processos administrativos. São Paulo: Atlas, 2001., p. 21).

Os depoimentos dos entrevistados refletem o reconhecimento do conselho como espaço que oportuniza o saber:

Dentro do conselho [...] é o local onde o usuário, a comunidade, a população tem a possibilidade de saber o porquê disso, o porquê daquilo. Como a participação social é pouca, se perde muito nesse sentido. (Jussara).

No entanto, enfatizam como condição para sua efetividade o acesso a informações, de forma que os conselheiros possam respaldar sua tomada de decisões:

Com conhecimento e acesso livre a todos os documentos, acho que funcionaria; mas é o ideal. (Betânia).

Para (Lousada e Valentim 2011LINDBLOM, C. E. O processo de decisão política. Brasília, DF: UNB, 1981.), as informações são fatores inerentes ao processo decisório. Tomar decisões requer: "informações internas e externas selecionadas, tratadas, organizadas e acessíveis, de forma que propiciem a redução das incertezas" (Lousada; Valentim, 2011LINDBLOM, C. E. O processo de decisão política. Brasília, DF: UNB, 1981., p. 156). As informações são essenciais para fortalecer os atores em seu processo decisório, mas também para aumentar a efetividade organizacional, ampliando a capacidade de espaços coletivos organizados - como é o caso dos conselhos gestores - de se envolverem em interesses sociais e influenciarem políticas (Kleba; Wendhausen, 2009FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.). No conselho pesquisado, no entanto, o processo de comunicação tem revelado inúmeras restrições.

A gente nunca conseguiu ter acesso [...] para a gente conseguir discutir. [...] Sabia as coisas tudo por cima; o real, mesmo, a gente não conseguia saber. (Betânia).

No conselho não se detalham os dados, [...] mas, de uma forma mais geral, colocam a importância desse serviço para a população, para a comunidade. (Jussara).

Para Chauí (apud Wolmer; Falk, 2006WENDHAUSEN, Á.; CARDOSO, S. de M. Processo decisório e conselhos gestores de saúde: aproximações teóricas. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 60, n. 5, p. 579-584, 2007.), a participação dos atores nos meios políticos está relacionada com o volume e a qualidade das informações a que têm acesso. Nesse sentido, para efetuar uma participação de qualidade e de controle é necessário garantir condições, instrumentos e conhecimentos que subsidiem a discussão para um debate mais construtivo, considerando que o acesso à informação não seja restrito ao poder dos órgãos governamentais (Carneiro, 2006BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria no 95, de 14 de fevereiro de 2005. Define e dá orientações às Unidades e aos Serviços de Assistência, bem como aos Centros de Referência de Alta Complexidade em Tráumato-Ortopedia. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 31, 16 fev. 2005. Seção I, p. 32. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/PT-95.htm>. Acesso em: 28 jun. 2014.
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).

Como ninguém conseguia ter acesso [a] essa documentação... A gente lavrou a solicitação de cópia em ata, umas duas vezes, e nunca foi atendido. (Betânia).

A Ata nº 04, de 31 de março de 2005, revela a falta de informação para o processo de tomada de decisão ao aprovar o credenciamento da tráumato-ortopedia: os conselheiros questionam se o serviço se adequará a Portaria SAS/MS nº 95/2005, do Ministério da Saúde, e comentam que não têm clareza para votar, solicitando esclarecimentos sobre a portaria. O pedido do hospital é aprovado com 19 votos, duas abstenções e um voto contra, este último justificado pela falta de esclarecimentos. Frente a isso, a presidente do Conselho assume o compromisso de encaminhar a portaria aos conselheiros para debater nas próximas reuniões.

O poder é descrito por (Foucault 1979D'ASCENÇÃO, L. C. Organização, sistemas e métodos: análise e informatização de processos administrativos. São Paulo: Atlas, 2001.) não como um poder único, uma vez que não está situado em um determinado local ou numa pessoa específica. O que existe são relações de poder, que são imanentes ao corpo social e funcionam como uma rede que atua e se dissemina por toda essa estrutura, por meio de um conjunto de mecanismos e dispositivos minuciosos de controle. Para (Oliveira 2004MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2008.), os conselhos gestores funcionam entrelaçados por práticas discursivas, compostas por modos de produção, circulação e recepção de simbologias que constituem redes internas e externas de comunicação. A premissa defendida pelo autor é que a

dimensão da práxis política e social, não pode ser separada da dimensão comunicativa [...], pois, é através do discurso que os homens se fazem políticos e tudo o que fazem, sabem ou experimentam só tem sentido na medida em que pode ser discutido, atribuído o significado das coisas para eles. (Arendt [1993] apud Oliveira, 2004MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2008., p. 65).

O jogo de poder coexiste no tempo-espaço, no interior-exterior da arena política dos conselhos gestores de políticas públicas. Pressupõe-se que são vivenciadas relações de poder norteadas por diferentes formas de exercer sua função, "como a do saber, do poder dizer e saber dizer e do poder fazer que determinam a práxis discursiva na arena dos conselhos de saúde" (Oliveira, 2004MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2008., p. 67).

De um lado, está o poder do executivo como prerrogativa. De outro, a competência do conselho gestor em fiscalizar. No entanto, não se compartilham situações para que seja oportunizada uma compreensão do todo e que, de modo conjunto, gestor e demais segmentos implicados no controle social possam lutar pela implementação e avaliação das políticas públicas. As percepções sobre o interesse e o empenho dos conselheiros na busca de informações, bem como no exercício de seu papel, divergem:

Eles [CMS] têm que estar buscando isso; eles têm que levantar [informações]! Não é nós [da gestão] que temos que fazer o caminho para eles. Se eles têm interesse de saber o que está acontecendo, eles têm que vir atrás. (Jussara).

Teve até uma denúncia para a gente ir lá fiscalizar [...]. Mas era muito difícil! Tinha uma pressão para nós conseguirmos ir [...]. A gente tentou, pois, para fiscalizar tinha que fazer em parceria com a secretaria da saúde! Não poderíamos nós conselheiros ir até lá; tinha que ir com o controle e avaliação e, geralmente, nunca dava! (Betânia).

O conselho já foi mais atuante; [...] a área de ortopedia é uma das áreas que mais têm recebido processos e denúncias e isso não vai pro conselho. (Jussara).

A efetivação da democratização da gestão pública requer a incorporação dos conselhos como canais efetivos de participação, instituindo novas relações entre órgãos públicos e organizações sociais, de forma a viabilizar processos de comunicação entre Estado e sociedade mais comprometidos e acessíveis. A mudança dessas relações implica em alterações no funcionamento da estrutura estatal. Assim, é necessário que o sistema administrativo esteja disposto a partilhar o poder de decisão, de controle da implementação da política social (Carneiro, 2006BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria no 95, de 14 de fevereiro de 2005. Define e dá orientações às Unidades e aos Serviços de Assistência, bem como aos Centros de Referência de Alta Complexidade em Tráumato-Ortopedia. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 31, 16 fev. 2005. Seção I, p. 32. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/PT-95.htm>. Acesso em: 28 jun. 2014.
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). Tais colocações vão ao encontro do relato do conselheiro representante governamental:

Não existe gestão mais inteligente do que aquela que proporciona a participação dos usuários e serviços, com controle social. (Rudinei).

No entanto, essa abertura nem sempre é possível. As instituições estatais são resistentes à mudança quanto ao funcionamento interno e quanto aos seus métodos de ação, sendo, em sua grande maioria, "organizadas para agir de forma verticalizada, setorializada e especializada." (Carneiro, 2006BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Portaria no 95, de 14 de fevereiro de 2005. Define e dá orientações às Unidades e aos Serviços de Assistência, bem como aos Centros de Referência de Alta Complexidade em Tráumato-Ortopedia. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 31, 16 fev. 2005. Seção I, p. 32. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/PT-95.htm>. Acesso em: 28 jun. 2014.
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, p. 162). Sobre isso, entretanto, (Foucault 1979D'ASCENÇÃO, L. C. Organização, sistemas e métodos: análise e informatização de processos administrativos. São Paulo: Atlas, 2001.) refere que o poder se exerce em rede e, nessa malha de poder, os indivíduos são transmissores, não são alvos e nem são assujeitados.

É nessa rede que se constituem pontos de resistência minúsculos em que os conselheiros precisam estar inseridos, utilizando-se do saber como instrumento que possibilita buscar e construir conhecimentos, fortalecendo assim o jogo de poder. Nesse sentido, (Wendhausen e Cardoso 2007VIANA, A. L. D'A. (Coord.). Avaliação nacional das Comissões Intergestores Bipartite (CIBs): as CIBs e os modelos de indução da regionalização do SUS: projeto de pesquisa: relatório técnico e metodológico. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz, 2010. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/descentralizacao/cibs/pdf/RelatorioTeorico_MetodologicoPesquisa_CIBsRegionalizacao.pdf>. Acesso em: 28 jun. 2014.
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, p. 583) afirmam que "o verdadeiro exercício do poder acontece a partir de uma maior simetria entre os atores e tal simetria pode se tornar mais concreta à medida que os atores conhecem 'verdades' e podem argumentar sobre elas".

Os conselhos gestores podem ser espaços de empoderamento, oportunizando o desvelamento de relações conflitivas na construção das políticas públicas. São espaços que expressam relações de poder que, contudo, devem ser encaradas não como algo acabado, determinado, "mas plástico, flexível, portanto modificável pela ação-reflexão-ação humanas, na medida em que os indivíduos compreendam sua inserção histórica passada, presente e futura e sintam-se capazes e motivados para intervir em sua realidade" (Kleba; Wendhausen, 2009FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979., p. 742).

Tal compreensão é compartilhada com (Oliveira 2004MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2008.) quando ele argumenta que o controle social nos conselhos municipais só poderá ocorrer se existirem informações disponíveis e se os atores conseguirem interpretá-las e transformá-las, produzindo novos sentidos, de acordo com a realidade a que fazem parte, e agindo de forma mais consistente em relação ao exercício de seu papel.

Conclusões

Como novas institucionalidades constitucionais, os conselhos gestores enfrentam desafios significativos na intersecção direta com a gestão pública, entre os quais está a criação, a apropriação e o aperfeiçoamento de mecanismos para monitorar e avaliar a execução de suas deliberações, ou seja, o impacto de sua atuação na respectiva esfera de governo. Nessa perspectiva, o presente estudo evidenciou a necessidade de reconhecer como determinantes desse impacto fatores que extrapolam, por um lado, condições próprias dos conselheiros, como sua capacidade para argumentar ou defender determinados interesses, e, por outro lado, a vontade política, o compromisso e o engajamento do gestor na condução do processo e na implementação das decisões do conselho.

Deve-se levar em conta que a implementação e a execução da política envolvem, para além dos atores que constituem os conselhos de políticas, agentes de diferentes órgãos públicos ou privados, muitas vezes vinculados a distintos níveis de governo. Tais agentes explicitam, frequentemente, conflitos de interesse de diferentes ordens, cuja superação exige abertura e maior capacidade de diálogo intersetorial, bem como iniciativas de gestão coordenada, promovidas pelas lideranças políticas constituídas. A fragmentação do papel e das atribuições das autoridades ou setores públicos acaba agravando os problemas na condução e implementação das políticas, além de os executores receberem, frequentemente, instruções conflitantes oriundas de mais de uma fonte. Esses são alguns dos aspectos que interferem sobre a capacidade dos conselhos de exercer efetivamente impacto sobre as políticas públicas.

Este estudo revelou dificuldades não apenas do Conselho, mas também dos gestores na implementação das deliberações relacionadas às políticas públicas. Sendo uma das atribuições do Conselho a de tomar providências administrativas quando o município ou o estado não estão cumprindo as decisões definidas nos espaços deliberativos, a fiscalização e o controle da execução das políticas têm sido pouco registrados nesse espaço em Chapecó.

Tais resultados apontam a necessidade de novos estudos sobre a efetividade da participação social, com vistas a analisar em que medida as deliberações dos conselhos gestores têm sido incorporadas como políticas públicas. A identificação dos múltiplos fatores que influenciam a implementação das deliberações dos conselhos gestores, sejam de caráter técnico, sejam de caráter político, pode contribuir com a qualificação do processo decisório e, consequentemente, com o fortalecimento do papel desses espaços como protagonistas na constituição das políticas públicas no Brasil. Isto sem perder de vista que a defesa da participação social remete à corresponsabilidade solidária de todos os atores envolvidos na construção de relações mais dialógicas e de uma sociedade mais justa e equitativa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2013
  • Revisado
    11 Jun 2014
  • Aceito
    10 Jul 2014
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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