Resumos
O modelo tradicional de controle da dengue no Brasil elegeu como um dos seus principais eixos estratégicos a participação popular. Na prática, essa estratégia tem se mostrado incapaz de promover o envolvimento e a mudança de comportamento da população, considerados essenciais para o controle dessa endemia. No presente estudo, realizou-se uma revisão integrativa de artigos publicados na literatura científica sobre conhecimentos, atitudes e práticas da população acerca da doença. Esse método foi escolhido porque permite reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre o tema selecionado, contribuindo para o aprofundamento do conhecimento em relação ao assunto investigado. Conclui-se que há um distanciamento entre as ações governamentais e a realidade da população, a sugerir a necessidade de implantação de uma política de prevenção e controle menos verticalizada, na qual os conhecimentos sociais possam nortear as estratégias de controle da doença de acordo com os interesses, necessidades, desejos e visões de mundo da comunidade. Nesta perspectiva, a população deixa de ser mera espectadora e dependente de ações previamente definidas para ocupar posição privilegiada nesse processo, assegurando a efetividade e a sustentabilidade das ações do programa.
Educação em Saúde; Controle de Doenças Transmissíveis; Participação Comunitária; Dengue
The traditional model for dengue control in Brazil has established that community participation is one of its main strategic pillars. In practice, this strategy has been unable to promote the involvement and behaviour change of the population, which are considered essential to control this endemic disease. In the present study, we carried out an integrative review of articles published in the scientific literature on knowledge, attitudes and practices of the population about the disease. This method was chosen because it allows gathering and synthesizing research findings on the selected theme, thus contributing to enhance knowledge on the investigated subject. We conclude that there is a gap between the government's actions and the population's reality, which suggests the need to implement a less vertical prevention and control policy, in which social knowledge can guide strategies for disease control in accordance with the community's interests, needs, desires and worldviews. In this perspective, the population ceases to be a mere spectator, dependent on previously defined actions, and occupies a prominent position in the process, ensuring the effectiveness and sustainability of the program's activities.
Health Education; Communicable Disease Control; Community Participation; Dengue
Introdução
A dengue é uma doença infecciosa causada por um vírus de genoma RNA, do gênero Flavivirus e família Flaviviridae, do qual são conhecidos quatro sorotipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4 (WHO, 2009WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Dengue: guidelines for diagnosis, treatment, prevention, and control: new edition. Geneva, 2009.). Os vírus são transmitidos pela picada do mosquito infectado do gênero Aedes (Stegomya), tendo o Aedes aegypti como principal vetor de importância epidemiológica na transmissão da doença.
Em âmbito mundial, a dengue tem crescido bastante. Mais de 2,5 bilhões de pessoas vivem em países nos quais a doença ocorre de forma endêmica. De acordo com estimativas, entre 50 e 100 milhões de pessoas são infectadas pelo vírus da dengue a cada ano. A doença mantém-se endêmica em mais de 100 países. Cerca de 500 mil pessoas com dengue grave necessitam de hospitalização a cada ano, das quais uma grande parte é de crianças. E, desse total, aproximadamente 2,5% morrem (WHO, 2009WHO - WORLD HEALTH ORGANIZATION. Dengue: guidelines for diagnosis, treatment, prevention, and control: new edition. Geneva, 2009.).
No Brasil, desde 2010, circulam simultaneamente os quatro sorotipos (Brasil, 2010BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Isolamento do sorotipo DENV-4 em Roraima/Brasil. Brasília, DF, 2010. Disponível em: <http://www.infectologia.org.br/anexos/SVS-MS_nt_denv%204_revisada_23-08-2010.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2015.
http://www.infectologia.org.br/anexos/SV... ), e a doença está presente nas 27 unidades da Federação. Entre 2000 e 2009, 3,5 milhões de casos de dengue foram registrados, 12.625 dos quais eram do tipo dengue hemorrágica, com registro de 845 óbitos (Barreto et al., 2011BARRETO, M. L. et al. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context, policies, interventions, and research needs. The Lancet, London, v. 377, n. 9780, p. 1877-1889, 2011. Disponível em: <http://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736%2811%2960202-X/fulltext>. Acesso em: 18 mar. 2015.
http://www.thelancet.com/journals/lancet... ).
A reprodução da doença está intimamente relacionada com os determinantes de ordem socioeconômica. A dengue pode ser considerada um subproduto da urbanização acelerada e sem planejamento, característica dos centros urbanos de países em desenvolvimento. Outros determinantes da doença são as migrações, viagens aéreas, deterioração dos sistemas de saúde, inexistência de vacina ou tratamento etiológico, grande fluxo populacional entre localidades e altos índices pluviométricos e de infestação pelo vetor (Maciel; Siqueira Júnior; Martelli, 2008MACIEL, I. J.; SIQUEIRA JÚNIOR, J. B.; MARTELLI, C. M. T. Epidemiologia e desafios no controle do dengue. Revista de Patologia Tropical, Goiânia, v. 37, n. 2, p. 111-130, 2008.).
O problema da transmissão da dengue no Brasil tem se agravado nos últimos anos. Para (Tauil 2001TAMAYO, A.; SCHWARTZ, S. H. Estrutura motivacional dos valores humanos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, DF, v. 9, n. 2, p. 329-348, 1993.), as razões para tal situação são complexas e não totalmente compreendidas. Uma das possíveis explicações é que, apesar do Plano de Erradicação do Aedes aegypti ter abordado a descentralização e a participação da comunidade, o modelo desenvolvido na prática baseou-se em métodos verticais que buscavam a eliminação do mosquito por meio de inseticidas. Nesta perspectiva a comunidade fica, na maioria das vezes, como espectadora e na dependência de ações previamente definidas.
O Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD), em vigor no país, possui dez componentes que tratam de diferentes estratégias de controle da dengue. Um deles propõe ações para o fomento da participação comunitária direcionada à redução de criadouros domiciliares do mosquito (Brasil, 2002BRASIL. Fundação Nacional de Saúde. Programa Nacional de Controle da Dengue (PNCD). Brasília, DF, 2002.).
Desse modo, a participação comunitária, de forma consciente e ativa, nas ações de vigilância e monitoramento do Aedes aegypti, tem sido indicada como um dos principais eixos de um efetivo programa de controle e, ao mesmo tempo, se constitui uma das mais complexas tarefas a serem implementadas (Dias, 1998DIAS, J. C. P. Problemas e possibilidades de participação comunitária no controle das grandes endemias no Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, p. 19-37, 1998. Suplemento 2.). Este desafio reside em estabelecer estratégias passíveis de envolver a comunidade mediante exploração dos determinantes comportamentais, identificação das necessidades percebidas pela própria população e em elaborar planos de ação com objetivos comportamentais bem definidos (Toledo-Romani et al., 2006TOLEDO-ROMANI, M. E. et al. Participación comunitaria en la prevención del dengue: un abordaje desde la perspectiva de los diferentes actores sociales. Salud Publica de México, Cuernavaca, v. 48, n. 1, p. 39-44, 2006.). (Medeiros e Silveira 2007MEDEIROS, B.; SILVEIRA, J. L. G. C. Educação em saúde: representações sociais da comunidade e da equipe de saúde. Dynamis Revista Tecno-científica, Blumenau, v. 13, n. 1, p. 120-126, 2007.) ressaltam a importância de se explorar também os determinantes sociais e a adoção de metodologias mais participativas para alcançar a motivação e a mobilização de maneira ativa e real, pela qual os sujeitos sejam capazes de reivindicar e assumir processos que passem pelo diagnóstico, planejamento, execução e avaliação das ações desenvolvidas.
Assim, com o intuito de buscar evidências na literatura científica sobre a participação da população no controle da dengue no país, realizou-se este trabalho de revisão dos estudos recentes sobre os conhecimentos, atitudes e práticas da população brasileira em relação à dengue.
Metodologia
Para o alcance do objetivo proposto no presente estudo, selecionou-se a revisão integrativa (RI) como método para a análise dos artigos, baseada no referencial de (Cooper 1984COOPER, H. M. The integrative research review: a systematic approach. Beverly Hills: Sage Publications, 1984.) adaptado por (Mendes, Silveira e Galvão 2008MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVÃO, C. M. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 17, n. 4, p. 758-764, 2008.).
A RI agrupa os resultados de pesquisas primárias sobre o mesmo assunto, com o objetivo de sintetizar e analisar dados com vistas a uma explicação mais abrangente de um fenômeno específico, além de apontar áreas temáticas sobre o objeto de estudo que ainda necessitam ser investigadas (Mendes; Silveira; Galvão, 2008MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVÃO, C. M. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 17, n. 4, p. 758-764, 2008.). Permite, ainda, a construção de uma análise ampla da literatura, contribuindo para discussões sobre métodos e resultados de pesquisas.
A revisão desenvolveu-se em seis etapas: a) formulação da questão da pesquisa; b) estabelecimento de critérios para inclusão e exclusão de estudos e busca na literatura; c) definição das informações a serem extraídas dos trabalhos selecionados e categorização dos mesmos; d) análise dos estudos incluídos na revisão; e) interpretação dos resultados; e f) apresentação da revisão e síntese do conhecimento.
Desse modo, iniciou-se o estudo definindo a seguinte questão: o que as recentes pesquisas dizem sobre os conhecimentos, atitudes e práticas da população brasileira em relação à dengue?
Como critérios de inclusão utilizados para a seleção da amostra constaram: artigos na íntegra em inglês, espanhol e português, referentes à temática da revisão, publicados e indexados nos últimos dez anos (de 2002 a 2012) nos bancos de dados pesquisados. Foram excluídos os estudos não realizados no Brasil.
Para o levantamento dos artigos na literatura, procedeu-se a uma busca nas bases de dados MEDLINE (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online) e LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), empregando os seguintes descritores: conhecimentos, crenças, práticas, atitudes e representações populares a respeito da dengue, os quais foram combinados e/ou modificados em cada base de dados, de acordo com a necessidade, para assegurar ampla busca. Foram usados os descritores de saúde da Bireme.
Os estudos primários foram selecionados pelo título e resumo, de acordo com o objetivo apresentado, respeitando-se os critérios adotados. Foram pré-selecionados 59 e 32 artigos, respectivamente, nas bases MEDLINE e LILACS, totalizando 91 artigos. Após nova leitura, selecionaram-se doze artigos de trabalhos que incorporaram pelo menos um dos seguintes princípios: pesquisa transdisciplinar, participação da comunidade, sustentabilidade ambiental, equidade de gênero e social e investigação para ação, os quais foram analisados na íntegra. Em seguida, foram separados em quatro categorias temáticas: atuação dos agentes de saúde, escola como agente promotora de saúde, papel da mídia e participação da população. As informações relevantes foram extraídas e sumarizadas em quadros sinópticos. Optou-se por contemplar os seguintes itens: autores, título, periódico, ano de publicação, objetivos, resultados e principais conclusões.
Os artigos foram lidos e relidos consoante necessário e foram todos analisados detalhadamente e de forma crítica. Este procedimento tem por finalidade garantir a validade da revisão (Mendes; Silveira; Galvão, 2008MENDES, K. D. S.; SILVEIRA, R. C. C. P.; GALVÃO, C. M. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto Enfermagem, Florianópolis, v. 17, n. 4, p. 758-764, 2008.).
Conforme (Kaliyaperumal 2004KALIYAPERUMAL, I. E. C. Guideline for conducting a knowledge, attitude and practice (KAP) study. Community Ophthalmology, Gandhinagar, v. 4, n. 1, p. 7-9, 2004.), o estudo sobre conhecimentos, atitudes e práticas (CAP) descreve esses atributos em uma comunidade e serve como um diagnóstico educacional da mesma. Esse tipo de estudo objetiva reconhecer o que as pessoas sabem sobre um dado tópico, o que sentem sobre ele, as ideias pré-concebidas que possam ter sobre o assunto e, por último, a maneira como elas demonstram seus conhecimentos e posturas por meio das suas ações.
(Marinho et al. 2003MARINHO, L. A. B. et al. Conhecimento, atitude e prática do auto-exame das mamas em centros de saúde. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 37, n. 5, p. 576-82, 2003.) definem conhecimento, atitude e prática da seguinte forma: o conhecimento possuído significa recordar fatos específicos ou a habilidade de aplicá-los para a resolução de problemas ou, ainda, emitir conceitos com a compreensão adquirida sobre determinado evento - dimensão cognitiva. A atitude é, essencialmente, ter opiniões, sentimentos, predisposições e crenças, relativamente constantes, dirigidos a um objetivo, pessoa ou situação - dimensão afetiva. A prática é a tomada de decisão para executar a ação - dimensão psicomotora. Todos esses aspectos são essenciais e interdependentes no processo educativo.
Os níveis CAP são um caminho tradicionalmente utilizado pela saúde pública e sobre o qual há maior familiaridade e domínio técnico. No caso, foi adotado para uma primeira aproximação com os atores sociais, no sentido de conhecer suas percepções sobre o problema da dengue em seus contextos de vida real. Entretanto, esta abordagem apresenta algumas limitações evidenciadas por (Smith 1993SMITH, H. L. On the limited utility of KAP-style survey data in the practical epidemiology of AIDS, with reference to the AIDS epidemic in Chile. Health Transition Review, Canberra, v. 3, n. 1, p. 1-16, 1993.).
A análise e síntese dos artigos foram realizadas na forma descritiva, possibilitando ao leitor reconhecer a qualidade das evidências disponíveis na literatura sobre o tema, fornecer subsídios para a tomada de decisão, no que se refere ao controle da dengue, e identificar lacunas do conhecimento para o desenvolvimento de futuras pesquisas.
Foram respeitados os preceitos éticos inerentes às citações e referências dos estudos utilizados.
Resultados
Dos doze artigos incluídos na revisão, nove (75%) advieram da base MEDLINE e três (25%) da LILACS. Quanto ao desenho do estudo, nove eram do tipo observacional e três de intervenção. Foram publicados nos seguintes periódicos: oito (66,7%) nos Cadernos de Saúde Pública, dois (16,7%) na Revista Scientia Plena, um (8,3%) na Revista Ciência & Saúde Coletiva e um (8,3%) nas Atas da Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciência.
A maior parte dos trabalhos foi publicada em 2011, 2007, 2006 e 2005, com duas publicações por ano. Em seguida, os anos de 2012, 2009, 2004 e 2003 tiveram uma publicação. Todos os estudos foram classificados com nível de evidência 6,11Nível 6: evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo. de acordo com a proposta de (Melnyk e Fineout-Overholt 2005MELNYK, B. M.; FINEOUT-OVERHOLT, E. Making the case for evidence-based practice. In: ______. Evidencebased practice in nursing and healthcare: a guide to best practice. Philadelphia: Lippincott Williams and Wilkins, 2005. p. 3-24.).
Dentre eles, oito analisaram tanto a melhora do nível de conhecimento como a ocorrência de mudanças comportamentais, sendo cinco observacionais e três de intervenção.
No tocante ao conteúdo explorado, os artigos foram distribuídos em quatro categorias temáticas, expostas nos quadros a seguir.
Discussão
A atuação dos agentes de saúde
O artigo de (Chiaravalloti Neto et al. 2006CHIARAVALLOTI NETO, F. et al. Controle do dengue em uma área urbana do Brasil: avaliação do impacto do Programa Saúde da Família com relação ao programa tradicional de controle. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 5, p. 987-997, 2006.) destaca a importância da integração entre os Programas de Saúde da Família (PSF) e de Controle de Vetores (CV) para o controle da dengue de modo sustentável a médio e longo prazo. Para os autores, a integração é uma excelente estratégia de otimização dos recursos, pois evita a duplicidade das visitas dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) com os Agentes de Controle de Vetores (ACV) e permite maior envolvimento da comunidade no controle da doença.
Em outro estudo de (Chiaravalloti Neto et al. 2007CHIARAVALLOTI NETO, F. et al. O Programa de Controle do Dengue em São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil: dificuldades para a atuação dos agentes e adesão da população. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 7, p. 1656-1664, 2007.), consoante a conclusão dos autores, para a população, o agente ideal seria aquele capaz de encaminhar todas as demandas e não somente as relacionadas à dengue. Ademais, a proposta de ampliação das atribuições dos agentes, que em princípio garantiria maior adesão da população, pode trazer resultados indesejados, como sobrecarregá-los, tornando-os ainda mais desacreditados. Por fim, segundo estes autores, o êxito da proposta depende do apoio das secretarias municipais de saúde e de outros órgãos da prefeitura. E, ainda, os aspectos como ampliação da área de atuação (maior autonomia), imagem associada à de coletor de lixo e diferenciação de status entre ACS e ACV, interferem negativamente na atuação dos agentes de saúde.
No estudo realizado por (Baglini et al. 2005BAGLINI, V. et al. Atividades de controle do dengue na visão de seus agentes e da população atendida, São José do Rio Preto, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 4, p. 1142-1152, 2005.), identificou-se o desejo dos agentes em obter subsídios para o desempenho de novas funções e a clareza desses profissionais quanto à responsabilidade advinda desta nova conduta. Para viabilizar tal demanda, os autores sugerem a implantação tanto de um programa de capacitação e formação sobre questões socioambientais da comunidade, como do sistema setorizado, este como forma de estreitar o vínculo do agente com o morador, diminuir o número de recusas, inibir práticas de descaso e construir práticas de cooperativismo a partir do envolvimento do morador com o trabalho do agente. Porém, a presença de um agente com novo perfil não é suficiente para solucionar os problemas de falta de aderência da população às práticas preventivas. A solução passa necessariamente pela definição dos princípios que fundamentam a atuação do poder público no campo do controle das endemias.
Em 2010, o Ministério da Saúde (MS) regulamentou a incorporação dos ACV na atenção primária à saúde para fortalecer as ações de vigilância em saúde junto às equipes de saúde da família. Tal iniciativa é um avanço no sentido de horizontalizar o programa e romper a dicotomia entre prevenção e cura. Todavia, ainda há muito por fazer, especialmente no tocante à formação de um agente apto a discorrer sobre a promoção da saúde, mediante controle de endemias.
A escola como agente promotora de saúde
Estudo de intervenção educativa desenvolvido por (Santos et al. 2012SANTOS, D. M. et al. Ações educativas em saúde para prevenção e controle de dengue em uma comunidade periférica da região metropolitana de Aracaju. Revista Scientia Plena, Aracaju, v. 8, n. 3, p. 1-8, 2012.), em uma escola de ensino fundamental de Aracaju (SE), mostrou que ações educativas auxiliam na ampliação do conhecimento sem estarem associadas à mudança de comportamento da população. Contudo, no período pós-intervenção observou-se ausência de infestação na região. Para os autores, esta estratégia se revelou eficaz, e eles recomendam sua aplicação de forma continuada.
Como revelou o estudo de (Araújo, Araújo-Jorge e Meirelles 2005ARAÚJO, I. C. N.; ARAÚJO-JORGE, T. C.; MEIRELLES, R. M. S. Prevenção à dengue na escola: concepções de alunos do ensino médio e considerações sobre as vias de informação. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 5., 2005, Bauru. Atas..., Bauru: ABRAPEC, 2005, p. 1-12.), a estratégia de prevenção da dengue por meio de atividades educativas obteve boa receptividade e interesse dos alunos de uma escola de Ensino Médio, mas as concepções apresentadas pelos alunos sobre o tema da dengue eram fragmentadas. Os autores destacam ainda a necessidade de se promover o diálogo entre ciência e senso comum para que os diversos conhecimentos sociais possam nortear as estratégias adequadas de acordo com os interesses, necessidades, desejos e visões de mundo da comunidade.
No trabalho de (Steffler, Marteis e Santos 2011STEFFLER, L. M.; MARTEIS, L. S.; SANTOS, R. L. C. Fontes de informação sobre dengue e adoção de atitudes preventivas. Revista Scientia Plena, Aracaju, v. 7, n. 6, p. 1-7, 2011.), como exposto, não houve transferência de conhecimentos e práticas educativas das salas de aula para as residências após intervenção educativa em uma escola pública de Ensino Fundamental, o que se evidenciou pela manutenção dos elevados índices de infestação predial. Segundo os autores, o curto espaço de tempo da intervenção pode justificar tal fato.
Há estudos, entretanto, nos quais se obtiveram resultados que conciliaram positivamente intervenções educativas e mudanças de hábitos, tais como o de (Jayawardene et al. 2011JAYAWARDENE, W. P. et al. Prevention of dengue fever: an exploratory school-community intervention involving students empowered as change agents. Journal of School Health, Chicago, v. 81, n. 9, p. 566-573, 2011.), na Índia, e o de (Madeira et al. 2002MADEIRA, N. G. et al. Education in primary school as a strategy to control dengue. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Uberaba, v. 35, n. 3, p. 221-226, 2002.), no Brasil.
Por vários motivos, a escola é considerada um espaço privilegiado para ensinar formas de combate ao vetor. Dentre eles: é um local representativo porque envolve membros da maioria das famílias do bairro; dispõe de material didático para facilitar a construção do saber; pode incorporar o tema ao conteúdo programático, trabalhando-o por diversas gerações; e, principalmente, porque a prevenção da doença ocorre em consequência da mudança de atitude, que costuma acontecer mais facilmente em crianças, pois elas são mais estimuladas pela curiosidade (Brassolatti; Andrade, 2002BRASSOLATTI, R. C.; ANDRADE, C. F. S. Avaliação de uma intervenção educativa na prevenção da dengue. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 243-251, 2002.).
Diante dos diversos estudos relatados, pode-se indicar como essenciais, nas ações de controle do vetor da dengue, as campanhas educativas voltadas para uma posição ativa do cidadão, não somente para a divulgação de informações, e que considere o espaço escolar para isto e para o gerenciamento das ações voltadas à eliminação de criadouros. Essa atuação será alcançada se os processos educativos incorporarem as três dimensões da educação (cognitiva, afetiva e psicomotora). Conforme observado, as estratégias ainda estão bastante focadas na mudança de comportamento. Mas tal mudança só será efetiva a partir de uma mudança de valores (Reich; Adcock, 1976REICH, B.; ADCOCK, C. Valores, atitudes e mudança de comportamento, Rio de Janeiro: Zahar, 1976.; Tamayo; Schwartz, 1993SUWANBAMRUNG, C. The community capacity building for sustainable dengue problem solution (CCB-SDPS) model: the results from studies in community, southern region, Thailand. Open Journal of Preventive Medicine, Irvine, v. 2, n. 2, p. 196-204, 2012.). A ressignificação dos conceitos e valores dos sujeitos sobre temas relacionados ao processo saúde-doença é fundamental para gerar o compromisso coletivo com a mudança. Para esse fim, o compartilhamento de experiências pode ser uma estratégia legítima, sem o estabelecimento de superioridade entre os diferentes tipos de saberes, sejam eles científicos ou populares, em adequação aos princípios da educação popular (Medeiros; Silveira, 2007MEDEIROS, B.; SILVEIRA, J. L. G. C. Educação em saúde: representações sociais da comunidade e da equipe de saúde. Dynamis Revista Tecno-científica, Blumenau, v. 13, n. 1, p. 120-126, 2007.).
O papel da mídia
O artigo de (França, Abreu e Siqueira 2004FRANÇA, E.; ABREU, D.; SIQUEIRA, M. Epidemias de dengue e divulgação de informações pela imprensa. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 5, p. 1334-1341, 2004.) ressalta o papel relevante que a imprensa pode assumir na luta contra a doença, ao difundir informações de caráter técnico e científico com agilidade e abrangência, promovendo a autonomia e a participação consciente dos cidadãos no processo social de produção de saúde. Além disso, como destaca o texto, a qualidade da informação prestada, a forma e o momento em que se veicula a notícia produzem significados variados e podem concorrer para o esclarecimento e a mobilização popular ou, ao contrário, para a confusão e o alarmismo reativo. Outro aspecto ressaltado diz respeito à predominância de informação transmitida à população em períodos de epidemia, sendo pouco lembrada quando o risco se torna menor. Nesses períodos, embora sejam enfatizados os casos da doença, atualizados a todo instante, as medidas preventivas não se renovam no curso da narrativa e, consequentemente, se tornam de menor apelo para captar a atenção do público.
É importante deixar claro que a informação na área de saúde possui certas especificidades a serem levadas em conta. Na área da Saúde Pública, compreender como se dá esse processo e como as informações chegam aos indivíduos e às comunidades, como elas circulam, como são interpretadas e apropriadas, torna-se um aspecto fundamental na construção de estratégias de prevenção e combate de doenças, a exemplo da dengue.
Vale mencionar aqui o conceito de reflexividade, desenvolvido por (Beck, Giddens e Lash 1997BECK, U.; GIDDENS, A.; LASH, S. (Org.). Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Editora UNESP, 1997.), que diz respeito à capacidade das pessoas de estabelecer uma revisão contínua das suas atitudes e comportamentos com base em novas informações ou conhecimentos dos aspectos da vida social. Os meios de comunicação desempenham papel decisivo nesse processo permeado de contradições e ambiguidades.
Para (Lenzi et al. 2000LENZI, M. F. et al. Estudo do dengue em área urbana favelizada do Rio de Janeiro: considerações iniciais. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 851-856, 2000.), a televisão e o rádio cumprem importante papel nesse processo por serem meios de transmissão de informação de fácil acesso à população. Muitas vezes, porém, verifica-se limitada compreensão e assimilação por parte das pessoas, em virtude tanto da imprecisão da linguagem das propagandas, que provocam a perda de informações significativas, quanto da falta de interação com a população.
Como se percebe, as campanhas informativas utilizadas na mídia para obter a colaboração da população no combate ao mosquito têm apresentado bons resultados na transmissão de informação, mas não têm obtido êxito na mudança de hábito da comunidade. Existem muitas intervenções educativas voltadas aos problemas de saúde pública, mas pouco se tem feito para avaliar se essas intervenções são eficazes, quais são suas dificuldades e as falhas que apresentaram. Segundo (Brassolatti e Andrade 2002BRASSOLATTI, R. C.; ANDRADE, C. F. S. Avaliação de uma intervenção educativa na prevenção da dengue. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 243-251, 2002.), o controle da dengue pode ser feito por meio da participação efetiva da população. Esta, no entanto, deve possuir uma educação cujo objetivo seja a eliminação mensurável de criadouros domésticos, e não apenas o conhecimento biológico do vetor. Assim, o parâmetro de avaliação deve ser entomológico, e não exclusivamente educacional. De acordo com (Krogstad e Ruebush 1996KROGSTAD, D. J.; RUEBUSH, T. K. Community participation in the control of tropical diseases. Acta Tropica, Amsterdam, v. 61, n. 2, p. 77-78, 1996.), embora nos últimos anos as atividades de informação, educação e cultura (IEC) tenham sido mais bem contempladas dentro dos programas de controle da doença, nunca ficou muito claro para a comunidade que há um objetivo entomológico a ser conquistado no ambiente doméstico: a ausência de criadouros potenciais.
A participação da população
O estudo de intervenção de (Chiaravalloti Neto et al. 2003CHIARAVALLOTI NETO, F. et al. Controle do vetor do dengue e participação da comunidade em Catanduva, São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, n. 6, p. 1739-1749, 2003.) destaca a importância da implementação de atividades práticas junto à população que levem em conta a realidade local e os seus conhecimentos e experiências prévios. Para os autores, deve-se romper com a lógica da erradicação do vetor, mediante adoção de estratégias de controle sustentável e de maior eficácia, com o pressuposto de que a convivência com o vetor será permanente e as mudanças pretendidas não ocorrerão sem investimento em educação em saúde. Indicam uma contradição entre o discurso e a prática preventiva oficial e a ausência de interação entre a população e o serviço.
Estudos realizados por (Sanches et al. 2009SANCHES, L. et al. Intersectoral coordination, community empowerment and dengue prevention: six years of controlled interventions in Playa Municipality, Havana, Cuba. Tropical Medicine & International Health, Oxford, v. 14, n. 11, p. 1356-1364, 2009.), (Castro et al. 2012CASTRO, M. et al. A community empowerment strategy embedded in a routine dengue vector control programme: a cluster randomised controlled trial. Royal Society of Tropical Medicine and Hygiene, London, v. 106, n. 5, p. 315-321, 2012.) e (Suwanbamrung 2012STEFFLER, L. M.; MARTEIS, L. S.; SANTOS, R. L. C. Fontes de informação sobre dengue e adoção de atitudes preventivas. Revista Scientia Plena, Aracaju, v. 7, n. 6, p. 1-7, 2011.), nos quais foram considerados a realidade local e os conhecimentos e experiências da comunidade, mostraram que houve aumento do envolvimento da população, tornando o programa de controle da dengue mais sustentável e eficaz.
Nesse mesmo raciocínio, (Toledo-Romani et al. 2007TOLEDO-ROMANI, M. E. et al. Achieving sustainability of community-based dengue control in Santiago de Cuba. Social Science & Medicine, Oxford, v. 64, n. 4, p. 976-988. 2007.) propõem a criação de forças-tarefas em cada bairro, com todas as partes interessadas no controle da dengue, para avaliar as necessidades percebidas e elaborar planos para promover a mudança comportamental específica e reduzir os riscos ambientais por meio de estratégias de comunicação social e de atividades intersetoriais em âmbito local.
Como evidenciado na investigação de (Ferreira, Veras e Silva 2009FERREIRA, I. T. R. N.; VERAS, M. A. S. M.; SILVA, R. A. Participação da população no controle da dengue: uma análise da sensibilidade dos planos de saúde de municípios do Estado de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 12, p. 2683-2694, 2009.), voltada a identificar as intenções dos planejadores da saúde quanto à participação da população no controle da dengue, as ações de controle da doença contemplam a participação popular, mas não a colocam em posição privilegiada na formalização da política de saúde do município. Sua participação é pontual, pouco consistente e descontínua. Ademais, não se constata a valorização do saber popular ou espaço para sua incorporação, parecendo subestimar a potencialidade de trabalhar junto e com base nele, o que é especialmente preocupante quando a efetividade de um programa depende substancialmente da adesão popular.
Nesta perspectiva, uma mudança de olhar na gestão setorial resultaria em programas de ações que objetivassem o desenvolvimento da consciência sanitária dos grupos populacionais por meio da compreensão dos problemas de saúde e de seus determinantes, além de influenciar positivamente na instituição de responsabilidade social compartilhada e no exercício da cidadania (Buss, 2000BUSS, P. M. Promoção da saúde e qualidade de vida. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, p. 163-177, 2000.).
Segundo constatou a pesquisa de (Gonçalves Neto et al. 2006GONÇALVES NETO, V. S. et al. Conhecimentos e atitudes da população sobre dengue no município de São Luís, Maranhão, Brasil, 2004. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 10, p. 2191-2200, 2006.), a comunidade, de maneira geral, dispõe de conhecimento sobre dengue, seu vetor e sua prevenção, mas tal conhecimento não foi suficiente para mudar o comportamento das pessoas. De modo semelhante, (Santos, Cabral e Augusto 2011SANTOS, S. L.; CABRAL, A. C. S. P.; AUGUSTO, L. G. S. Conhecimento, atitude e prática sobre dengue, seu vetor e ações de controle em uma comunidade urbana do nordeste. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, p. 1319-1330, 2011. Suplemento 1.) mostraram que a população possui conhecimento adequado sobre o mosquito transmissor da dengue. No entanto, a atitude e a prática revelaram-se insuficientes. E, quanto às situações de riscos locais, estas são decorrentes das deficientes condições de saneamento e comportamentais.
Outros autores (Donalísio; Alves; Visockas, 2001; Benítez-Leite et al., 2002DONALISIO, M. R.; ALVES, M. J. C. P.; VISOCKAS, A. Inquérito sobre conhecimentos e atitudes da população sobre a transmissão do dengue - região de Campinas, São Paulo, Brasil - 1998. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Uberaba, v. 34, n. 2, p. 197-201, 2001.) também perceberam a distância entre conhecimento e mudanças de comportamento. Dentre as ações indicadas pelos autores para superar esse distanciamento, destacam-se: utilização da rede de ensino como importante meio de manutenção e ampliação das atividades educativas, participação ativa da comunidade nos programas de prevenção da doença e incorporação dos saberes populares acumulados em torno da doença nas ações de controle.
(Brassolatti e Andrade 2002BRASSOLATTI, R. C.; ANDRADE, C. F. S. Avaliação de uma intervenção educativa na prevenção da dengue. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, p. 243-251, 2002.) indicam como negativa a tendência dos programas de controle da dengue de estabelecerem um nível de conhecimento ideal da população sobre a doença, supondo que este em si gera mudanças de hábitos. (Chiaravalloti Neto, Moraes e Fernandes 1998CHIARAVALLOTI NETO, F.; MORAES, M. S.; FERNANDES, M. A. Avaliação dos resultados de atividades de incentivo à participação de comunidade no controle da dengue em um bairro periférico do Município de São José do Rio Preto, São Paulo, e da relação entre conhecimentos e práticas desta população. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 14, p. 101-109, 1998. Suplemento 2.) também criticam esta tendência nos programas educativos tradicionais, já que não consideram os conhecimentos prévios dos cidadãos e a sua visão sobre o problema, e não incentivam a sua participação na discussão e proposição de ações educativas na comunidade. Os autores sugerem como alternativa viável a participação efetiva da população na eliminação dos criadouros, associando-a com atividades de vigilância epidemiológica ágil.
Cabe ressaltar: as ações de educação em saúde do PNCD são baseadas no repasse de informações sobre prevenção e tratamento da dengue para a população. Assim, as ações não alcançam as mudanças comportamentais desejadas. Para atingir esse objetivo, a (OPS 2000OPS - ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. Reunión sub-regional sobre la promoción de estrategias para la participacion comuntaria y la educacion popular en el control del dengue a través de la comunicación social. Asunción, 2000.) recomendou a utilização da metodologia "Communication and marketing integrated for behavior impact" (COMBI). Esta, segundo avaliação de (Braga 2008BRAGA, I. A. Avaliação da efetividade da utilização da metodologia communication and marketing integrated for behaviour impact - COMBI para o controle do dengue em duas localidades do Brasil. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) - Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2008.), não foi suficiente para atingir totalmente os objetivos propostos para a modificação de condutas. Novos modelos de caráter ecossistêmico, englobando as dimensões biológicas, de conduta, ecológicas, políticas e econômicas, estão sendo propostos para superar o modelo tradicional do tipo linear, valorizando o saber e a participação da comunidade. Entretanto, existem poucos estudos sobre essa abordagem realizados no Brasil (Caprara et al., 2009CAPRARA, A. et al. Irregular water supply, household utilization and dengue: a bio-social research from Northeast Brazil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, p. 125-136, 2009. Suplemento 1.; Boischio et al., 2009BOISCHIO, A. et al. Health and sustainable development: challenges and opportunities of ecosystem approaches in the prevention and control of dengue and Chagas Disease. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, p. S149-S154, 2009. Suplemento 1.).
Por fim, o estudo de (Lefèvre et al. 2007LEFÈVRE, A. M. C. et al. Representações sobre dengue, seu vetor e ações de controle por moradores do Município de São Sebastião, Litoral Norte do Estado de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 7, p. 1696-1706, 2007.) indica a necessidade de os poderes públicos implantarem ações eficientes e eficazes de informação, educação e comunicação com o uso de técnicas, instrumentos e linguagens adequadas para que a dengue possa fazer sentido não na teoria (lógica sanitária), mas no cotidiano (lógica do senso comum) da vida das populações, vítimas reais e potenciais da doença, de um ponto de vista crítico. Para tanto, sugerem o uso do conteúdo dos Discursos do Sujeito Coletivo (DSC).
Conclusões
As percepções gerais sobre a participação popular no controle da dengue, abordadas nos doze trabalhos, revelam a prevalência de alguns aspectos preocupantes para a consecução de uma política eficaz de prevenção e controle da doença, que possa destoar da verticalidade verificada nos programas oficiais de governo, sob a égide do gestor federal da saúde no Brasil.
Como ficou evidente, persiste uma lacuna a ser preenchida por meio da educação e promoção da saúde no tangente ao empoderamento da população como partícipe ativo desse processo, em vez de mero espectador dos ditames impostos pela política oficial.
A educação em saúde apresentou-se como um dos componentes mais demandados para o êxito de políticas que não fiquem presas à lógica policialesca e ainda campanhista de combate ao vetor, prevalecente nos espaços de atuação dos órgãos de controle, em especial na comunidade, onde aspectos relacionados à cultura, hábitos, crenças e risco ambiental particular se perdem no arcabouço desse modelo generalista repassado pela mídia e pelos documentos oficiais.
Fica ainda patente a dificuldade de alterar o comportamento das pessoas no curto prazo, seja ao nível individual ou coletivo, já que percepções e costumes estão arraigados no seu íntimo e são repassados automaticamente de geração a geração. Grande parte das pessoas envolvidas nas pesquisas apresenta bom nível de conhecimento sobre a doença, porém, atitudes e práticas predatórias favoráveis ao aumento do número de casos persistem, demonstrando que a mudança de hábitos requer uma nova abordagem interdisciplinar e multissetorial, como exposto por (Caprara, Peixoto e Lima 2013CAPRARA, A.; PEIXOTO, A. C. R.; LIMA, J. W. O. Ecossaúde, uma abordagem eco-bio-social: percursos convergentes no controle do dengue. Fortaleza: EdUECE, 2013.).
Daí decorre o papel central a ser exercido pelo governo em sintonia com outros setores, a exemplo da escola, com vistas a ultrapassar o conservadorismo das políticas predominantes, que dão pouco espaço para a construção de uma forma de intervenção holística e que integre um novo olhar sobre os mais diversos componentes que interferem no ciclo de vida do mosquito, como os socioeconômicos, educacionais, epidemiológicos, etc., e tomando o indivíduo e suas relações culturais entre si e com o meio ambiente como epicentro do fenômeno.
Condições socioeconômicas desfavoráveis, no geral, apresentaram relação direta com a incidência de comportamentos propícios à proliferação do mosquito no espaço intra e extradomiciliar. A pobreza gera um círculo vicioso capaz de condicionar o aumento dos criadouros do mosquito. Isso pode ser mais acentuado em áreas com baixa ou nenhuma infraestrutura de abastecimento de água, coleta de resíduos sólidos e saneamento geral, por exemplo.
Dessa forma, combater a dengue em contextos de desigualdades deve ir além das medidas meramente paliativas e sazonais. Torna-se, assim, uma questão de ruptura com adversidades engendradas dentro da própria estrutura secular de exclusão social e econômica, que tem na educação geral da população forte aliada para suplantar essa realidade, principalmente em contextos endêmicos dos países em desenvolvimento.
Em linhas gerais, com base nos resultados encontrados, torna-se necessário inverter a lógica negativa observada por meio das seguintes intervenções/ações que envolveriam a comunidade como sujeito ativo do processo: 1) Incentivar a lógica de integração do Programa de Saúde ao nível comunitário (ASF e ACV) para a não superposição de atividades e ganho de escala na consecução das atividades, além de uma boa receptividade da população; 2) Informar, educar e comunicar a comunidade de maneira mais efusiva e de acordo com as particularidades de cada contexto específico; 3) Desverticalizar o modelo nacional de controle, incentivando alternativas para o controle vetorial com abordagem multissetorial por meio de práticas de educação continuada; 4) Empoderar a população para que ocupe posição privilegiada na formulação das políticas de saúde referentes à dengue; 5) Desenvolver o sentimento de responsabilidade individual de todos em detrimento da culpabilização dos vizinhos, principalmente entre as mulheres; 6) Suplantar equívocos ainda arraigados, como a associação do problema da dengue à falta de higiene, a relação entre casa limpa e ausência de criadouros e, especialmente, superar a crença de que, nos períodos interepidêmicos, a queda dos casos da doença é resultado do seu controle; 7) Incentivar a promoção e a educação em saúde no combate à doença durante o ano inteiro, a despeito das atividades sazonais, tais como cobertura jornalística e campanhas majoradas apenas durante a iminência de epidemias; e 8) Promover o diálogo entre ciência e senso comum a fim de que diversos conhecimentos sociais possam servir de suporte para a implementação de estratégias adequadas que levem em conta interesses, necessidades, desejos e visões de mundo de cada comunidade. Esse diálogo deve ser aberto para o ensinar e o aprender, mas, sobretudo, para construir junto. Deve-se buscar a construção compartilhada do conhecimento em saúde, a qual, segundo (Carvalho, Acioli e Stotz 2001CARVALHO, M. A. P.; ACIOLI, S.; STOTZ, E. N. O processo de construção compartilhada do conhecimento: uma experiência de investigação científica do ponto de vista popular. In: VASCONCELOS, E. M. (Org.). A saúde nas palavras e nos gestos: reflexões da Rede de Educação Popular e Saúde. São Paulo: Hucitec, 2001. p. 101-114.), pressupõe uma interação comunicacional em que sujeitos detentores de saberes diferentes - porém não hierarquizados - se relacionam a partir de interesses comuns. Essa metodologia, desenvolvida na prática da educação popular e da saúde, seria legitimada pelas características particulares do conhecimento sobre a saúde e a doença, a saber: a complexidade do adoecer humano e os limites do conhecimento sobre as causas e curas das doenças; a experiência da enfermidade na produção do senso comum e a medicalização de comportamentos sociais; a existência de vários sistemas médicos, alternativos e concorrenciais. Os autores consideram, pois, as lacunas de conhecimento tanto do saber tecnocientífico quanto daquele proveniente do senso comum, propondo seu envolvimento simultâneo. Nesse caso, a pedagogia é o processo que regula o relacionamento entre conhecimentos desiguais, rompendo sua hierarquia. Em última instância - conforme os autores -, o que se quer é a conquista, para as pessoas e grupos sociais, de maior poder de intervenção nas relações sociais que interferem na sua qualidade de vida.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Apr-Jun 2015
Histórico
- Recebido
25 Ago 2013 - Revisado
09 Abr 2014 - Aceito
23 Maio 2014