As doenças pulmonares obstrutivas crônicas (DPOC) e as fibroses pulmonares intersticiais têm recebido pouca atenção da antropologia. Bastante estudadas do seu ponto de vista fisiológico e terapêutico, vale também atentar para seu quadro social, especialmente porque a debilidade provocada pelo comprometimento pulmonar e a oxigenoterapia, geralmente prescrita nas últimas etapas do adoecimento, são quadros que dependem de um arranjo familiar e clínico bastante complexo. Em particular, neste artigo, repousarei o foco sobre o "cansaço", uma categoria bastante central para as pessoas entrevistadas ao narrarem suas experiências com as DPOC. Ao todo, 28 pessoas foram entrevistadas em suas casas, muitas vezes em companhia de suas cuidadoras, numa grande metrópole brasileira, a partir de roteiro semiestruturado. O cansaço figura como principal sintoma identificado e referido ao longo dos itinerários diagnósticos e terapêuticos pelos diferentes serviços de saúde da cidade, de menor a maior complexidade. O cansaço retoma, ao final, como categoria que descreve também a busca que adoecidos e familiares empreenderam por atendimento, internação, medicação e disponibilização dos equipamentos para a oxigenoterapia domiciliar. Ao final, discuto alguns dos motivos que levaram os entrevistados a concentrar sua longa resposta na busca por tratamento, embora essa etapa tenha acontecido há muitos anos. Atenta à forma e ao conteúdo das narrativas dos adoecidos, conforme sugere Arthur Frank, percebo como pode ser mais heroico essas pessoas escolherem contar aventuras, sobressaltos e coragem no passado (quando buscavam os primeiros atendimentos), do que falar sobre dependência, enfado e cansaço, no presente (quando enfrentam o cotidiano da oxigenoterapia paliativa).
Doenças Pulmonares Obstrutivas Crônicas; Narrativa; Cansaço
Abstract
Chronic obstructive pulmonary diseases (COPD) and pulmonary fibrosis have received little attention from Anthropology. Studied from the physiological and therapeutical perspectives, their social conundrum is also worthy of note, especially because the weakness caused by pulmonary limitation and oxygen therapy-usually prescribed during the last stages of the disease-depend on complex familial and clinical arrangements. In particular, this paper will focus on "fatigue", as the central category pointed out by the respondents that narrated their experiences with COPD. In total, 28 people were interviewed in their home-usually in the company of their caretakers-in a big Brazilian metropolis, using a semi-structured list of questions. Fatigue was the main symptom identified and referred throughout the diagnostic and therapeutic itineraries around different health services-of lower and higher complexity-of the city. Fatigue resumes, in the end, as a category that also describes the search the respondents and their families endured for treatment, hospitalization, medication and in-home oxygen therapy equipment. In the end, I discuss some of the reasons that led respondents to focus their long answers in the search for treatment, although the search took place a long time ago. Form and content of the narratives are taken into account, as suggested by Arthur Frank, and I realize that it can be more heroic to tell tales of adventure, overcoming, and courage in the past (when they searched for the first treatments); than tales of dependence, boredom, and fatigue in the present (when they have to deal with daily palliative oxygen therapy).
Chronic Obstructive Pulmonary Diseases; Narrative; Fatigue
Introdução
Segundo Sousa et al. 2011SOUSA, C. A. de et al. Doença pulmonar obstrutiva crônica e fatores associados em São Paulo, SP, 2008-2009. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 45, n. 5, p. 887-896, 2011., (p. 888), as doenças pulmonares obstrutivas crônicas (DPOC) e as fibroses pulmonares intersticiais são "[...] caracterizada[s] por limitação do fluxo aéreo não totalmente reversível, progressiva e associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões à inalação de partículas ou gases nocivos. Os principais fatores de risco são: fumaça do cigarro, poeiras ocupacionais, irritantes químicos, poluição ambiental, baixa condição socioeconômica e infecções respiratórias graves na infância". As DPOC "[...] são a sétima causa de morte no Brasil e também a quinta maior causa de internação no Sistema Único de Saúde. Sua incidência, segundo dados da Organização Mundial de Saúde, tem aumentado em todo o mundo e, por isso, estima-se que em 2020 seja a terceira causa de morte a nível mundial" (Martins, 2014MARTINS, R. M. Mergulhadores no Distrito Federal: um estudo antropológico sobre doenças pulmonares e o uso de oxigenoterapia. 2014. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2014., p. 9). Além dos casos conhecidos, que informam as estatísticas, Martins explica que a
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia ressalta a subestimação do diagnóstico, isto é, muitas pessoas morrem com DPOC sem saber que padeciam desta enfermidade. Segundo levantamento do Instituto Nacional do Câncer (Inca), estima-se que 6% a 7% da população com mais de 40 anos tenha o problema. Percentagem bastante próxima dos 7,4% da população que convive com a diabetes, outra doença que se encaixa na classificação das "crônicas" e que, ao contrário da DPOC, é popularmente conhecida. Temos, portanto, uma expressiva população que convive com doenças pulmonares não reversíveis, especificamente as DPOCs, e ao que parece, em grande medida, invisibilizada (2014, p. 10).
Essa invisibilidade se estende à antropologia. No cenário nacional, até o momento, há apenas duas pesquisas especificamente voltadas para entender as DPOC pela perspectiva antropológica (Pinto; Vieira; Nations, 2008PINTO, J. M. de S.; VIEIRA, L. J. E. de S.; NATIONS, M. K. Sopro de vida: experiência com a doença pulmonar obstrutiva crônica na pobreza urbana de Fortaleza, Ceará, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 12, p. 2809-2818, 2008.; Martins, 2014MARTINS, R. M. Mergulhadores no Distrito Federal: um estudo antropológico sobre doenças pulmonares e o uso de oxigenoterapia. 2014. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2014.) e poucos são os trabalhos sobre outras doenças pulmonares (Gonçalves et al., 1999GONÇALVES, H. et al. A adesão à terapêutica da tuberculose em Pelotas, Rio Grande do Sul: na perspectiva do paciente. Cadernos de Saúde Pública, São Paulo, v. 15, n. 4, p. 777-787, 1999.), embora possamos contar com um dos primeiros clássicos da sociologia brasileira nesse sentido (Nogueira, 2009NOGUEIRA, O. Vozes de Campos do Jordão: experiências sociais e psíquicas do tuberculoso pulmonar no estado de São Paulo. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2009.). Bastante estudadas do seu ponto de vista fisiológico e terapêutico, vale também contribuir para seu quadro social, especialmente porque a debilidade provocada pelo comprometimento pulmonar e a oxigenoterapia, geralmente prescrita nas últimas etapas paliativas do adoecimento, são quadros que dependem de um arranjo familiar e clínico bastante complexo. Essa pesquisa teve, portanto, o intuito de conhecer mais de perto o cotidiano desses adoecidos e os desafios que enfrentavam para lidar com a doença, os tratamentos, os itinerários terapêuticos e as formas de cuidado. Em particular, neste artigo, repouso o foco sobre o "cansaço", uma categoria bastante central para as pessoas entrevistadas ao narrarem suas experiências com o adoecimento pulmonar. Parece ser uma categoria que ajuda a explicar várias das facetas do cotidiano dessas pessoas. Contudo, efeitos da oxigenoterapia domiciliar sobre a higiene e mobilidade pessoais, conjugalidade e sociabilidade não serão aqui meu foco e, do ponto de vista antropológico, podem ser mais bem conhecidos alhures (Martins, 2014MARTINS, R. M. Mergulhadores no Distrito Federal: um estudo antropológico sobre doenças pulmonares e o uso de oxigenoterapia. 2014. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2014.).
Passos metodológicos
A pesquisa que subsidia este artigo foi realizada de forma coletiva dentro de um hospital universitário de uma grande capital brasileira (doravante, HU). O projeto foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa11CAAE: 13702613.0.0000.5540.. Em seguida, entre os meses de março e julho de 2013, no âmbito de uma disciplina de graduação ("Antropologia da saúde"), convidei os 28 estudantes matriculados na disciplina e que provinham das áreas de antropologia, sociologia, psicologia, saúde coletiva e enfermagem para participar do projeto de pesquisa. Ao aceitarem, essas estudantes entrevistaram - em duplas interdisciplinares - pacientes que faziam uso da oxigenoterapia domiciliar e estavam arrolados na clínica de pneumologia do hospital22Como importante informação contextual, vale saber que "[...] o programa de oxigenoterapia do HU possuía um fôlego menor e assistia em média 60 pessoas, com base nos documentos fornecidos por este programa. Já o programa de oxigenoterapia da Secretaria de Saúde era a instituição que abarcava a maior parte dessa população, possuindo 689 pacientes cadastrados, conforme dados disponibilizados pelos responsáveis por este programa [na cidade]. (...) Os objetos prescritos para a efetividade da oxigenoterapia e utilizados pelos frequentadores do ambulatório de pneumologia do HU eram o cilindro de oxigênio (bala de backup) e o concentrador de oxigênio, ambos fornecidos aos assistidos pelos programas de oxigenoterapia (ou alugados pelos não amparados pelos programas), e o cilindro de oxigênio portátil, utilizado para deslocamentos fora do âmbito domiciliar, principalmente para consultas no HU. Esse equipamento precisava ser comprado ou alugado, pois nem sempre eram fornecidos pelos programas ou apenas lhes era fornecido o reabastecimento. O programa de oxigenoterapia do HU fornecia o cilindro portátil e também garantia o reabastecimento deste a todos os que necessitassem, mesmo aos não vinculados a esse programa, nas ocasiões de consulta" (Martins, 2014, p. 18-19)..Os contatos nos foram passados pela clínica e as entrevistas foram realizadas nas casas das pessoas, conforme seu interesse, disponibilidade e conveniência. A casa foi escolhida não apenas para conforto do paciente, mas também para evitar que nossa equipe fosse necessariamente identificada com as autoridades biomédicas33Tenho sido ciosa ao procurar refletir sobre os efeitos do "jaleco invisível" nas pesquisas antropológicas sobre fenômenos de adoecimento (Fleischer, 2011a, p. 72).. Ao todo, 28 pessoas foram entrevistadas, muitas vezes em companhia de suas cuidadoras, em geral esposa, filha e/ou neta. O material foi gravado em áudio e transcrito integralmente. Como alguns produtos da pesquisa, ainda em 2013, artigos foram produzidos pelas estudantes44Como a grande maioria da equipe era composta por jovens mulheres, opto por usar o plural feminino ao me referir à turma de estudantes. O mesmo se passou com as entrevistadas e suas cuidadoras, ao longo da pesquisa. Tanto as primeiras quanto as segundas receberão pseudônimos. Os hospitais e seus profissionais de saúde também receberam outras denominações. Aproveito para agradecer à participação de todas elas, bem como à Raysa Martins e Natharry Almeida, estagiárias docentes, e Antonio Cyrino, professor de Medicina da UNESP/Botucatu em estágio pós-doutoral, que muito contribuíram com o referido curso, e de todos os profissionais do HU que nos facultaram a entrada e permanência durante a pesquisa. Também agradeço aos aportes dos colegas Pedro Nascimento e Marcia Longhi, que atentamente leram e comentaram um primeiro rascunho deste texto durante a III Semana de Antropologia da Universidade Federal da Paraíba, em novembro de 2013., um relatório final e um seminário de devolução dos dados foram oferecidos à equipe da pneumologia.
O perfil dos entrevistados pela pesquisa assemelha-se ao perfil geral dos pacientes desse ambulatório de pneumologia. Essas pessoas eram, em geral, mulheres, religiosas e migrantes entre 60 e 70 anos de idade. Além disso, eram casadas ou viúvas e contavam com filhos morando na cidade para auxiliar no cuidado das DPOC. Muitas mulheres se definiram como "donas de casa", enquanto outras atuavam como costureiras, lavadeiras, lavradoras, faxineiras, comerciárias e comerciantes. Com diploma de ensino médio completo, duas haviam sido técnicas administrativas. Com nível de ensino superior, foram entrevistadas uma psicóloga e uma professora do ensino médio. Os homens foram comerciários, marceneiros, sapateiros, pedreiros, operários fabris. Vale lembrar que várias dessas profissões lidam com substâncias tóxicas, como cola para sapato, serragem de madeira, pó de cimento, poeira doméstica, penugem de tecido, agrotóxicos, sabão, produtos químicos de limpeza etc.
O roteiro que orientou as entrevistas contava com 38 perguntas, organizadas em seis blocos de assuntos ou temas orientadores da pesquisa: identificação da pessoa, trajetória da doença, redes de serviços, redes de cuidados, convivência com a doença no dia a dia e tratamentos para o problema. Logo depois de um panorama biográfico, no primeiro bloco, a primeira pergunta substantiva era: "Por que o senhor ou a senhora é paciente do HU?". Aqui, a ideia era entender se, além de "paciente", as pessoas se enxergavam também como "doentes". Caso sim, desejávamos saber que doença era essa, como era por eles nomeada, que caminho haviam percorrido para chegar até ali etc.
Contudo, essa pergunta nos remeteu, repetidamente, a um conjunto de depoimentos que não necessariamente passou pela relativização da ideia de "doença", já que, em geral, as pessoas se percebiam "doentes"55É bom lembrar que não necessariamente pessoas que utilizam um serviço de saúde ou que entram em contato com autoridades e diagnósticos biomédicos se percebem como tendo uma "doença" ou como "adoecidas" (Kleinman, 1980; Helman, 2009). Neste artigo, contudo, estou me referindo a pessoas que, por experiência corporal e biográfica e por reforço do contato com terapeutas biomédicos e outros, já haviam elaborado uma explicação para sua condição física como um "adoecimento" intenso e prolongado, mas não exatamente fatal. Entendiam haver uma imbricação de sua condição com a vida cotidiana, com as possibilidades de esta última ter originado a doença, mas também de poder zelar por essa doença a partir de uma complexa rede de cuidadores, como este artigo mostra.. Mas a pergunta foi entendida como um convite para que nos contassem sobre os primeiros sinais identificados com as doenças pulmonares. As pessoas retomaram vários anos atrás, localizando o início do que haviam percebido como um caminho que desembocou no HU. Assim, estavam a nos contar sobre seus "itinerários terapêuticos" pelos serviços (Gerhardt, 2006GERHARDT, T. Itinerários terapêuticos em situações de pobreza: diversidade e pluralidade. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, p. 2449-2463, 2006.; Ferreira; Espírito Santo, 2012FERREIRA, J.; ESPIRITO SANTO, W. Os percursos da cura: abordagem antropológica sobre os itinerários terapêuticos dos moradores do complexo de favelas de Manguinhos, Rio de Janeiro. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 179-198, 2012.), mas, sobretudo, sobre a "trajetória da doença" (Corbin; Strauss, 1985CORBIN, J.; STRAUSS, A. Managing chronic illness at home: three lines of work. Qualitative Sociology, New York, v. 8, n. 3, p. 224-247, 1985.). Portanto, notamos que as pessoas e suas doenças andam juntas: as primeiras se movimentam em busca de soluções para os incômodos (por algum tempo, incompreensíveis), enquanto as segundas parecem também ter movimento de melhora, de piora, de transitoriedade etc. Eram itinerários pelos serviços e também pelos sinais patológicos. As respostas à primeira pergunta do roteiro suscitaram desassossego e, ao mesmo tempo, diferentes iniciativas por parte desses adoecidos que, como será visto ao longo do artigo, nada têm de inativos ou passivos. Houve um grande empenho em "caçarem soluções", como diziam, ou, pelo menos, de nos comunicarem esta intenção durante as entrevistas. Ao centrar-me nesse tipo de narrativas, sou inspirada por etnografias sobre os serviços de saúde a partir da mirada de quem os utiliza (Nascimento, 2009NASCIMENTO, P. F. G. do. Reprodução, desigualdade e políticas públicas de saúde: uma etnografia da construção do desejo de filhos. 2009. Tese (Doutorado de Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.; Giglio-Jacquemot, 2005GIGLIO-JACQUEMOT, A. Urgências e emergências em saúde: perspectivas de profissionais e usuários. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2005.; e Loyola, 1984LOYOLA, M. A. Médicos e curandeiros: conflito social e saúde. São Paulo: DIFEI, 1984., por exemplo). Acredito que haja uma grande contribuição ao considerarmos a experiência de quem passa bastante tempo tentando entender e receber os serviços de saúde públicos do país.
Em comparação com as dezenas de perguntas seguintes no roteiro, é nítido como essa primeira gerou as respostas mais longas. Aqui, encontramos histórias cheias de movimento, suspense, autoria. Esse é o momento em que a adoecida conta, num único fôlego, a trajetória da doença, as tentativas de definição do diagnóstico, os serviços acionados, os profissionais envolvidos etc. Embora a falta de "fôlego" seja um dos sintomas mais comuns às doenças pulmonares em questão (como os entrevistados lembram, abaixo), no momento da narrativa, diante das pesquisadoras, o fôlego acompanhou a intensidade das memórias e raramente chegou a faltar. É claro que muitas dessas pessoas estavam usando cateteres que lhes forneciam oxigênio, o que tendia a ajudar a manter conversações continuadas. Ainda assim, sugiro que o envolvimento na história foi o que manteve a resiliência respiratória nesse momento inicial, sobretudo. Suspeito que essa pode ter sido uma das vezes em que muitos sistematizaram uma experiência até então fragmentada ou narrada em terceira pessoa (por familiares, vizinhos ou profissionais de saúde).
Por isso, optei por privilegiar as respostas dadas a essa pergunta à luz dos ensinamentos de Arthur Frank (1995)FRANK, A. The wounded storyteller: body, illness, and ethics Chicago: University of Chicago, 1995., tão inspirado pelas narrativas sobre processos de adoecimento. O autor toma a pessoa adoecida como "contadora de histórias", mas isso só é possível porque ele pressupõe uma virada paradigmática da condição como "adoecido", em que as pessoas deixam de ser testemunhas passivas das narrativas formuladas alhures sobre sua doença. Tomar a palavra e assumir a própria voz que (re)conta a experiência do adoecimento é ser, segundo Frank, um "adoecido pós-colonial" que desafia as diferentes fontes de autoridade médica (biomédica ou não) que tradicionalmente falaram por ele. Isso quer dizer, na prática, responsabilizar-se por contar sobre o sentido que aquela doença tem em sua biografia (1995, p. 1-13). Esse sentido pode ser comunicado por muitas formas narrativas e Frank sugere que atentemos para a ordem em que os fatos são contados, a ênfase e os silêncios conferidos, o tom da história (redentorista, caótico, fatalista, por exemplo) etc.
Julgo que algumas das respostas à primeira pergunta de nosso roteiro podem ser úteis para conhecermos como essas pessoas percebem as doenças que lhes acometeram, como se projetaram para dentro dessas histórias e quem escolheram para lhes acompanhar. Seria, fazendo uma comparação provocadora, uma contraparte aos prontuários. Recuperar narrativas de adoecidos, pouco conhecidas e quase nada registradas, serviria para criarmos um acervo não oficial e não hegemônico, mas cumulativo e muito poderoso sobre as doenças e as experiências de conviver com elas, do ponto de vista de quem enfrenta diariamente o sofrimento, a dor, a memória. São narrativas que facilmente poderiam ser aproveitadas como um "prontuário paralelo", como sugerido por Charon 2006CHARON, R. Narrative medicine: honoring the stories of illness. Oxford: Oxford University Press, 2006., (p. 155-175).
Em sua grande maioria, as entrevistadas mencionaram seu caminhar pelo SUS, até "descobrirem" o HU, uma das poucas referências em saúde pulmonar na cidade. As narrativas, em geral, começam em primeiro lugar com a incompreensão de sintomas inesperados; passam, em segundo lugar, a uma intensa etapa de busca por explicações, bem como diagnósticos equivocados, tratamentos ineficientes e falta de opções; e, em terceiro lugar, parece haver um clímax ao descobrir o HU e suas possibilidades terapêuticas. O artigo analisa esses três temas trabalhados, que são três etapas do itinerário terapêutico, sempre orientando o fio da meada pela categoria "cansaço". Noto como os "encaminhamentos" figuram como prática fundamental que os "DPOCíticos", "os DPOC" ou os "DP intersticiais" (como as equipes do HU se referiam a esse conjunto de pacientes) utilizavam para chegar a um serviço especializado. Este artigo não discutirá as etapas seguintes, pós-diagnóstico, em que a relação com a oxigenoterapia se estabelece mais amiúde, o dia a dia de cuidados se consolida, as adaptações nas tarefas e papéis domésticos acontecem.
As histórias contadas pelos adoecidos
O "cansaço" como primeiro e estranho mal-estar
O primeiro mal-estar foi físico, facilmente perceptível publicamente ao mudar a apresentação corporal e a rotina, sobretudo de trabalho. As entrevistadas relataram estranhamento diante de repentinas e inesperadas "fraquezas" e "faltas de ar", mas principalmente do "cansaço" ao realizar tarefas simples como trocar de roupa ou tomar banho. Outra pesquisa antropológica sobre as DPOC, na cidade de Fortaleza, apontou que o "catarro" foi o primeiro sinal e só em seguida se atingiu um quadro de "cansaço" (Pinto; Vieira; Nations, 2008PINTO, J. M. de S.; VIEIRA, L. J. E. de S.; NATIONS, M. K. Sopro de vida: experiência com a doença pulmonar obstrutiva crônica na pobreza urbana de Fortaleza, Ceará, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 12, p. 2809-2818, 2008.). As autoras notaram que o "catarro" remetia, segundo seus entrevistados, às ideias, por um lado, de infecção e contágio, provocando estigma e retraimento, e, por outro, de entupimento, aparecendo como resultado o "cansaço": "Na medida em que 'enche' ou 'gruda o catarro no peito', sente a 'falta de ar'; a respiração se torna mais difícil causando outro sinal de alerta - 'o cansaço'" (Pinto; Vieira; Nations,2008PINTO, J. M. de S.; VIEIRA, L. J. E. de S.; NATIONS, M. K. Sopro de vida: experiência com a doença pulmonar obstrutiva crônica na pobreza urbana de Fortaleza, Ceará, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 12, p. 2809-2818, 2008., p. 2811). Em nosso cenário, o "cansaço" surgiu como principal aspecto mencionado e o "catarro" quase não foi notado ao longo das entrevistas.
Dona Adriana morava na cidade desde 2006, tinha vindo passear e ficou para se tratar. Vários dos entrevistados mais idosos haviam sido trazidos por filhos e familiares em busca de tratamentos de saúde. Nascida em 1944 no Piauí, criou 12 dos 14 filhos; aposentou-se como lavradora. Era viúva e morava com uma das filhas em um bairro privilegiado da cidade.
Eu vim não foi pra fazer tratamento; eu vim pra passear. Quando eu cheguei aqui, fazia tempo que eu tinha meu fôlego ruim, sabe? Eu caminhava e meu fôlego ruim. Aí, eu olhava as minhas mãos e as mãos roxas. Aí, eu perguntava: "Fulano" - assim, para as pessoas que andavam comigo - "eu estou com meu beiço roxo?" As pessoas diziam: "Tá não!" Estavam era me metendo coragem, sabe? Eu caminhava, era cansada. Aí, quando eu cheguei aqui, eu saí mais a minha filha para ali; e continuamos caminhando e eu cansando. Aí ela: "Mamãe, a senhora está com os beiços roxos!" Eu disse: "Minha filha, tem é tempo que eu estou desse jeito, caminhando e descansando". Era fazendo as coisas e cansava muito. Ixi, eu estava era com tempo me sentindo muito cansada; eu caminhava e o fôlego era curto demais. Mas eu achava que o cansaço não era nada demais. Qualquer coisa que eu fazia, faltava o fôlego; eu pegava um balde d'agua numa distância daqui até ali na porta da frente, aí eu cansava e botava para baixo o balde e descansava. Acredita? Era desse jeito. Até quando eu andava daqui e até ali eu descansava umas três ou quatro vezes, até ali onde era o supermercado [a cerca de 400 metros de sua casa].
Senhor João contou algo semelhante. Esse gaúcho, à época com 73 anos de idade, tinha uma oficina de marcenaria. Vivia com a esposa num bairro periférico da cidade havia 30 anos:
Se eu fizesse muito movimento prolongado, me dava uns cansaços, cansaços que estavam fora daquela normalidade. Foi indo, foi indo e foi indo devagarzinho. De vez em quando, eu me movimentando tinha que parar um pouquinho. E não era só no trabalho; às vezes até caminhando. Eu tinha uns 60 anos, por aí. Mas era assim: não me atrapalhava, não me atrapalhava em nada. Tanto é que eu trabalhei até uns seis anos atrás, até no dia que me deu a crise de falta de ar. [...] Foi, foi, o cansaço, já era o início, né? O pulmão vai cada vez diminuindo mais, perdendo a capacidade de respirar. Então, na medida em que foi se agravando, eu ia sentindo a intensidade disso. Mas não me atrapalhava a fazer nada, até que me deu a crise.
Senhor Agenor era um pedreiro baiano que chegou à cidade em 1960. Veio casado e teve seis filhos. Quando o conhecemos, ele tinha 81 anos e estava aposentado. Durante a entrevista, ouviu a conversa passivamente até a metade, quando desandou a falar por si mesmo, apesar do fôlego restrito. Antes, porém, diante de nossa primeira pergunta, sua esposa, dona Laura, disse:
Ele começou a se sentir cansado. Até cair, ele caía. Ele chegava aqui: "Ai, levei uma queda". Mas não era só uma queda, já era o problema do oxigênio. Começou achando que era câncer. Aí, quando foi ver, não era o problema que pensava que era. Não era câncer. Era uma coisa no pulmão, mas não era câncer.
O cansaço foi sentido, mas dona Adriana, senhor João e senhor Agenor continuaram a realizar as tarefas corriqueiras. Tentaram encontrar formas de conviver com ele, descansando com mais frequência, intervalando tarefas. Pareciam querer manter o cansaço no plano dos processos naturais do envelhecimento, sem necessariamente transformá-lo em um "sintoma". Eu poderia chamar esse momento de "fase de ambivalência", como denominou Nascimento (2009)NASCIMENTO, P. F. G. do. Reprodução, desigualdade e políticas públicas de saúde: uma etnografia da construção do desejo de filhos. 2009. Tese (Doutorado de Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009., ao estudar os esforços de entendimento por parte de casais de Porto Alegre sobre sua infertilidade. Essa é "[...] uma fase de desconfiança e descobertas sem que se tenha muita clareza do que está ocorrendo. É um período de dúvidas e incertezas" (Nascimento, 2009NASCIMENTO, P. F. G. do. Reprodução, desigualdade e políticas públicas de saúde: uma etnografia da construção do desejo de filhos. 2009. Tese (Doutorado de Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009., p. 79). Nessa fase, algumas possibilidades explicativas foram aventadas para o problema, nem sempre localizadas como "problema no pulmão". Várias pessoas atribuíram o cansaço ao câncer, problema cardíaco, gripe ou, no caso de identificarem o pulmão, à pneumonia, enfisema pulmonar, asma e tuberculose mal cuidadas no passado.
As primeiras ações para "caçar solução"
A partir da preocupação das pessoas ao redor, como dona Adriana e dona Laura mostraram, ou até mesmo de uma crise, como a que o senhor João contou, noto que os sinais estavam sendo transformados em "sintomas", ao contarem com respostas mais estruturadas para esse mal-estar e com soluções menos versáteis no espaço doméstico e vicinal. Seguindo Nascimento, poderia chamar essa de "fase da busca", já que "[...] nasce de uma identificação de um 'problema' ou a desconfiança de que 'alguma coisa está errada'" (2009, p. 80). Assim, nossos interlocutores passaram a narrar as sucessivas ações realizadas para encontrar um diagnóstico e, se necessário, também um prognóstico. Claro que um tratamento seria bem-vindo, mas, antes de tudo, era preciso lidar com o incompreensível. Sabemos que a narrativa vai chegar ao HU, mas até lá o narrador se demora em um itinerário ziguezagueante que vai, aos poucos, fazendo sentido do tal "cansaço". A mensagem que nos fica é de que foram muitas etapas, muitas "cabeçadas".
As pesquisadoras, por vezes, se perdiam naquele recontar, a ponto de não saber se e quando o HU seria alcançado. Era mantida certa aura de suspense. Parecia haver uma estratégia de fidelização das entrevistadoras, numa tentativa de mantê-las curiosas. Diante de um público interessado, esses itinerários terapêuticos são transformados em histórias. Dona Adriana, por exemplo, continuou a mesma narrativa, somente interrompida por mim neste artigo para efeitos analíticos:
Quando chegamos aqui na cidade, tinha uma campanha, né? Uma campanha de respiração. Até me deram um papel. Aí, me mandaram procurar. Aí, eu fui, enfrentei fila, tudo, dois dias enfrentando fila. Aí, nós fomos à rodoviária, dois dias, a fila grande demais. Quando a gente chegou, a fila era grande e eu estava cansada demais e disse: "Vamos voltar, meu filho?" Cansada demais. E a gente foi embora, tinha que passar no mercado. Aí, quando eu cheguei ao [supermercado] Carrefour, uma mulher disse assim: "A senhora sabe por que andei procurando vocês? Vocês foram embora e eu andei procurando vocês". Porque ela me viu e ficou lá me procurando. Ela disse assim: "Sabia que eu andei lhe procurando porque achei a senhora com o fôlego tão pequenininho". Aí, eu também fui atendida logo e me mandaram procurar o médico mais perto de onde eu morava. Eu: "Ai, meu Deus, um médico do pulmão, ai meu Deus!" Aí, minha filha disse que não sabia onde tinha esse tal médico de pulmão. Aí, tinha o Dr. Caio e ela logo perguntou pra ele se sabia onde tinha um pneumologista. Aí, ele disse que sabia: "Tem o Dr. Rui [do HU]"
Já senhor João foi interrompido pela esposa, que o ajudou a lembrar com maior detalhe dos passos seguidos para cuidar da "crise". Serviços de emergência domiciliar, pronto socorro e hospital regional foram acionados, numa clara alusão da complexificação do atendimento:
- Fui tendo esse cansaço até dar essa crise, que foi há seis anos (João).
- Em agosto de 2008 (Margarida).
- A gente procurou o SAMU. Chamamos o SAMU e ela me levou pro hospital do bairro ao lado (João).
- Aliás, a gente foi pra cá, pra UPA de 24 horas no nosso bairro mesmo. E a médica ficou observando ele e chamou o motorista. Ela falou que ele tinha que chegar lá no hospital do bairro ao lado em cinco minutos. Não podia passar disso porque era fria. O João foi nas últimas. Aí ficou três meses lá no hospital, internado direto (Margarida).
- Eu comecei a usar o oxigênio desde quando eu fui pro hospital [risos]. Porque o principal recurso é o oxigênio (João).
Mesmo não sendo mais a principal cuidadora do senhor Agenor, devido à sua idade avançada, dona Laura faz questão de assumir o lugar de porta-voz durante a entrevista, ao contar sobre o périplo institucional que empreenderam:
Ele é pedreiro, e dizia: "Ai, eu mexendo no cimento, estou achando assim difícil". Ele estava fazendo uma nova casa e pegou uma chuva, pegou uma tosse e foi tossindo, tossindo. Aí vinha ruim, ruim, ele sentou e "pow"! Eu levei aí nesse... como é que chama? Aí no hospital do bairro do lado. Aí, eles passaram um remédio que até hoje ele toma. Aí, disseram: "Não, vai pro hospital regional [de outro bairro próximo]". Aí, eu fui com ele pra lá. Quando chegamos, eles mandaram um encaminhamento pra ir pro Hospital Central e pro HU. Aí, eu não sabia de nada, ainda fui ao Central, fiz o cartão e tudo. Aí, quando começou o HU, ele foi e deixou o Hospital Central, porque ficava muito pesado pra mim e ele, muito cansado pra andar. Aí, foi quando ele passou a consultar com a Dra. Telma, que pediu pra minha filha: "Olha, você toma conta do seu pai que a sua mãe não dá conta mais não". Eu agora estou com 83 anos, naquele tempo eu estava mais nova, mas já cansada. Aí eu disse: "Não, toma conta aí, meu genro". Aí, ele tomou de conta. Eles [filha e genro] que levam e trazem meu marido do HU. Mora aqui um neto também que leva, mas é junto com ela. Porque é a minha filha que é responsável por tudo dele. É ela.
Um primeiro dado bastante importante, e também encontrado em outras etnografias sobre a busca por ajuda médica, é a "[...] verdadeira peregrinação feita pelos serviços em busca de atendimento" (Ferreira; Espírito Santo, 2012FERREIRA, J.; ESPIRITO SANTO, W. Os percursos da cura: abordagem antropológica sobre os itinerários terapêuticos dos moradores do complexo de favelas de Manguinhos, Rio de Janeiro. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 179-198, 2012., p. 192). Essas autoras, que pesquisaram quais serviços eram buscados e acionados pelos moradores do Complexo de Manguinhos, no Rio de Janeiro, notaram verdadeiras "maratonas urbanas" vivenciadas pelos seus entrevistados. Idêntica foi a imagem transmitida pelos partícipes de nossa pesquisa. As autoras reforçaram que "[...] a peregrinação do doente em busca de atendimento mostra que a fragilidade do sistema vigente, calcado no modelo médico, corresponde às variadas formas simbólicas de esses usuários viverem a violência institucional" (Ferreira; Espírito Santo, 2012FERREIRA, J.; ESPIRITO SANTO, W. Os percursos da cura: abordagem antropológica sobre os itinerários terapêuticos dos moradores do complexo de favelas de Manguinhos, Rio de Janeiro. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 179-198, 2012., p. 192). As maratonas, contudo, levam à linha de chegada, ou a uma "luz no fim do túnel", como explica Nascimento (2009)NASCIMENTO, P. F. G. do. Reprodução, desigualdade e políticas públicas de saúde: uma etnografia da construção do desejo de filhos. 2009. Tese (Doutorado de Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.. Essa seria, depois da ambiguidade e da busca, a terceira fase:
Dada à importância da referencia à "descoberta" do serviço do Hospital, este é o terceiro momento da trajetória [...]: o encaminhamento e a chegada ao Hospital [...]. Há uma conotação de luz no fim do túnel na descoberta desse serviço e este momento inaugura a aproximação a um conjunto novo de informações e rotinas que cada [família] passará a incorporar em seu dia a dia (Nascimento, 2009NASCIMENTO, P. F. G. do. Reprodução, desigualdade e políticas públicas de saúde: uma etnografia da construção do desejo de filhos. 2009. Tese (Doutorado de Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009., p. 83).
Além disso, parece que descrever todos os passos tomados revela como a busca pela solução foi tomada como uma responsabilidade do adoecido e/ou de suas cuidadoras. Não negligenciaram os sintomas, não se resignaram com os primeiros tratamentos, até mesmo os caseiros. Mais do que o périplo, nos depoimentos acima, dona Adriana, senhor João e sua esposa dona Margarida e dona Laura, estavam nos revelando, primeiro, a gravidade de um quadro que se manteve inexplicável por muito tempo; segundo, a dimensão de sobrevivência que estava em jogo, já que a "crise de falta de ar" poderia, a qualquer momento, inviabilizar a vida; e, terceiro, o protagonismo de vários atores. Construíam, ao longo da narrativa, um drama pessoal vivido por esses adoecidos.
As protagonistas não apenas participaram das entrevistas, mas também se apresentaram ao lado dos adoecidos desde as primeiras buscas por ajuda médica. Conseguimos imaginar, por exemplo, esposas, filhas e netos dentro de ambulâncias, preenchendo fichas nos balcões de atendimento, pedindo aos médicos generalistas que lhes indicassem colegas especialistas, conduzindo o carro até as repetidas consultas. Ainda que os entrevistados tenham sido, em sua maioria, os adoecidos, esses outros personagens ampliaram a história, tornando-a um drama familiar.
A inclusão de certos atores na narrativa não é fortuita. Reforçar que uma senhora da "campanha" tenha ficado preocupada com a falta de fôlego de dona Adriana e tenha caminhado pela redondeza até reencontrá-la, lembrar que a médica exigiu que o motorista da ambulância fizesse o senhor João chegar ao próximo hospital em cinco minutos ou pontuar que outra médica tenha recomendado que os filhos cuidassem da saúde delicada do senhor Agenor são exemplos de terceiros trazidos para dentro da história com o objetivo de se tornarem testemunhos externos. Seguindo a orientação de Fassin (2008)FASSIN, D. The humanitarian politics of testimony: subjetification through trauma in the Israeli-Palestinian conflict. Cultural Anthropology, Washington, DC, v. 23, n. 3, p. 531-558, 2008., há um peso estratégico em termos de veracidade ao se envolver testemunhas na asserção da gravidade de uma situação. Não apenas os envolvidos atestaram a seriedade da patologia, mas as cuidadoras entrevistadas revelaram como médicos, motoristas, voluntários notaram com facilidade a agudeza do sofrimento.
No caso das doenças pulmonares em questão, vale lembrar, não havia um exame rápido e certeiro como o raio X, bastante útil para definir quadros de pneumonia, por exemplo. Isso complicou um pouco a busca por ajuda, já que exames mais complexos e também onerosos foram necessários. Algumas famílias, sem planos de saúde privados, acionavam suas economias para pontualmente realizar os exames em laboratórios particulares. A expectativa foi de acelerar essa etapa, servindo como um atalho para entender, de volta aos consultórios públicos, o cansaço até então inexplicável.
Outro aspecto importante, mostrado pelo senhor João e por outras entrevistadas, foi a internação hospitalar. Embora a internação seja temida por muitas desses idosos, dadas às experiências anteriores e dado que o cuidado domiciliar era identificado como mais desejado, havia uma aceitação estratégica da prática de internação. Primeiro, foi notado que só se administrou a "crise" e se chegou ao diagnóstico quando dentro de um hospital. Segundo, o tempo de hospitalização foi necessário para que as equipes profissionais conseguissem identificar, muitas vezes em outro hospital, os médicos especialistas para aquele caso. Terceiro, esse tempo também serviu para que, uma vez definido o tratamento, os equipamentos de oxigênio fossem disponibilizados para o uso em casa. Muitas vezes, a pessoa permaneceu internada apesar de já estar estabilizada, porque a família negou-se a levá-la de volta em razão da aparelhagem não ter sido instalada na casa do adoecido pela Secretaria Municipal de Saúde. Nos três cenários, permanecer internado previu uma pressão (micro)política, seja pela definição sobre a doença, seja pela garantia do atendimento ou do tratamento adequado.
Dona Ceci tinha história semelhante à de dona Adriana: era uma senhora baiana, viúva e de 85 anos de idade, que também tinha vindo já idosa à cidade para ser cuidada pelos filhos. Dois de seus três filhos e alguns netos moravam nas redondezas de sua casa, na periferia da cidade. Como ela apresentava muita rouquidão para falar, sua neta Liliana respondeu muitas das perguntas da pesquisa:
Lá no HU, eles disseram que era pra comprar o aparelho, porque lá não tinha, como sempre fazem na rede pública. Aí a vovó tinha que sair do hospital. Mas a minha tia, que trabalha lá até hoje, ficou atrás de um, atrás de outro. Vó já estava pronta, acho que foram só uns trinta dias de internação. Aí o Dr. Armando falou que se vó quisesse sair, ela já podia sair, mas tinha que ter essa máquina aí, tinha que comprar ou alugar, só que é muito caro. Aí ele falou que poderia deixar ela lá [internada] até conseguir, porque a gente disse que não tinha condições de comprar ou alugar. Fora a energia [elétrica] que tem que pagar. Aí, o Dr. Armando deixou ela lá. A gente bateu o pé, a gente falou: "Enquanto não arrumar a máquina pra ela, ela não sai daqui. Ela vai ficar, porque a gente não tem condições de comprar e a gente não vai levar ela pra morrer". Aí eles entraram no Ministério Público; eu sei que foi uma luta pra conseguir. Mas aí conseguiu e estamos até hoje. Estraga o aparelho, eles vêm e trocam.
A pressão não foi feita somente pelas famílias das internadas; também as equipes perceberam que essa era uma estratégia dentro de um quadro de limitações materiais (das famílias e dos serviços de saúde). Primeiro, o médico tenta privatizar a solução, ao sugerir a compra do equipamento. Depois, considera a possibilidade de manter dona Ceci internada para fazer os próximos passos acontecerem. Ainda assim, foi necessário acionar esferas extra-hospitalares, como o MPF. Não posso perder de vista como esse quadro tornava-se extremo para essas famílias já que, depois de muito rodar pela cidade em busca de um diagnóstico, quando esse foi finalmente definido, junto com o prognóstico da oxigenoterapia, elas deparavam-se com a escassez dos equipamentos. Ao mesmo tempo em que se descobria que a adoecida nunca mais poderia viver sem o oxigênio suplementar, a ela era negado o acesso a tal tratamento. Ao dizer "A gente não vai levar ela pra morrer", Liliana deixou bem clara a angústia diante desse paradoxo.
Os caminhos e os encaminhamentos: a chegada ao HU
Dona Adriana, senhor Agenor e dona Ceci já adiantaram, nos trechos acima, que em meio às buscas por ajuda médica surgiu o hospital universitário. Mas foi preciso encontrar alguma pista que os levasse até lá. A primeira delas foi entender que o problema de saúde precisava de um especialista, não sendo mais possível ficar no SAMU, na UPA ou com tratamentos tópicos em casa. Além disso, narrar o périplo não somente demonstrou os esforços empreendidos, mas deixou claro como é nesse "bater perna e ficar em fila" que se acumularam aprendizados sobre a doença e os serviços de saúde da cidade. Nem sempre o HU foi encontrado diretamente ou, mesmo já dentro dele, chegar à clínica da especialidade foi uma circulação evidente. Essas pessoas precisaram ainda passar por outras barreiras e desafios como, por exemplo, outros hospitais de menor complexidade ou especialidade ou, já dentro do HU, a busca ativa pelo destinatário do "encaminhamento".
Dona Adriana continuou seu relato de onde parou:
O Dr. Rui, lá no [hospital particular], viu o que eu tinha. Aí, ele disse que eu ia precisar fazer muitos exames: "Aqui no hospital tem muitos aparelhos bons". Eu disse: "Ih, doutor, se for pra eu fazer os exames aqui, fica difícil. Nesse tempo, eu paguei a consulta de oitenta reais. Quem pagou foi meu genro. Vixe, Dr. Rui, pois se for pra eu fazer esses exames, pra eu pagar, pois pode o senhor me liberar porque eu vou tomar o rumo de casa". Ele disse assim: "Nada disso, nada disso. Pois vamos pro HU fazer o tratamento. Você vai lá, eu trabalho lá, aí eu vou lhe encaminhar". Aí, ele deu o endereço e tudo pra ir lá pro HU: "Você vai lá e quando chegar lá, se as meninas não quiserem receber, que elas não vão querer, aí você diga que não tem nada não, que você vai falar com o Dr. Rui". Foi o que eu fiz, nós fomos. Quando chegou lá, as mulheres olharam o papel e perguntaram: "Quem mandou você vir pra cá?". Eu falei que foi o Dr. Rui. "Mas ele não podia fazer isso, isso aqui é quem consulta de graça, aqui é publico" e não sei o quê. Aí, eu disse assim: "Não tem nada não. O Dr. Rui disse que se vocês não quisessem me atender, era para eu falar com ele". Aí, elas me aceitaram logo e eu fui atendida na hora. Marcamos as consultas. Eu fiz fisioterapia, passei seis meses fazendo, e quem passou foi a Dra. Tina. Depois, o Dr. Rui me deu o oxigênio, eu recebi foi ligeiro. Porque quando ele me mandou falar lá na sala, mandou um papel para sala, com um mês eu recebi o oxigênio, não foi? Quando nós voltamos lá, eu disse assim: "Dr. Rui, eu recebi o oxigênio". Ele disse: "Mas que bom, porque tem pessoas com três meses na fila e não estão recebendo". E eu recebi foi logo.
Ninguém relatou ter ido ao HU diretamente, como primeira opção. Isso aconteceu com frequência porque, como já mencionado, nem todos identificavam os sintomas com "problema de pulmão". Mesmo quando perceberam ser algo pulmonar, as UPA e os hospitais dos bairros foram primeiramente acionados e somente os casos mais graves foram enviados aos hospitais do centro da cidade. Pelo visto, chegar ao HU exigiu que se tivesse angariado algum conhecimento sobre os sintomas e sobre os serviços.
Já que nenhuma das 28 entrevistadas procurou o HU de primeira, vale entender como o encontraram. Identifiquei três caminhos para se chegar à unidade. Primeiro, médicos de outros hospitais da cidade haviam encaminhados essas pacientes ao hospital universitário. Bernadete, uma de nossas entrevistadas, havia sido atendida num grande hospital da cidade e explicou:
Eu conversei com o meu médico e ele me passou pra Dra. Ana Lúcia, porque aqui no HU tratava do meu caso. Ele falou: "Eu vou te passar pra uma amiga minha, que ela cuida desses casos aí". Ele ligou e conseguiu uma consulta pra mim. Aí, me transferiu pra cá.
Os profissionais de saúde encaminhavam os usuários diretamente para fazer exames e/ou consultas com colegas médicos do HU. Quando uma das entrevistadoras perguntou se a consulta no HU foi agendada com rapidez, uma senhora pareceu entender o potencial institucional do "encaminhamento":
Foi muito rápido porque, quando é encaminhado de médico conhecido pra conhecido, é rapidinho.
Quem conta exclusivamente com esse primeiro caminho, salvo quando telefonemas são dados imediatamente, como vimos na história de Bernadete, nem sempre identificava o hospital universitário ou um especialista dentro de seu quadro. O senhor João e sua esposa, dona Margarida, contaram como esse caminho podia ser demorado e sofrido.
- Primeiro, eu pedi aqui no posto um pneumologista e os clínicos me encaminhavam para o hospital regional. Mas foi difícil eu achar um. Até que conseguimos lá no HU, essa Dra. Telma. E de lá engatou até hoje. Eu custei a achar um pneumologista. Foi em 2008 ou 2009 que cheguei ao HU, foi por aí. Não me lembro bem (João).
- No começo de 2009 você chegou ao HU, meu bem. O oxigênio, mesmo, a gente recebeu em outubro de 2009 (Margarida).
Suspeito que a "dificuldade de achar um pneumologista" possa refletir diferentes aspectos. "Encaminhar" para um especialista nem sempre equivalia a conseguir marcar uma consulta em curto prazo ou simpatizar com o profissional, tampouco ter uma relação de confiança ou um diagnóstico correto. Considerando que a crise do senhor João ocorreu em meados de 2008, ele conseguiu firmar-se com uma especialista um semestre depois, recebendo o tratamento da oxigenoterapia um ano depois.
Segundo, médicos do HU que também clinicavam em outros serviços (públicos ou privados) da cidade recrutavam seus pacientes - sobretudo aqueles de baixa renda. Dona Adriana, como vimos acima, passou pelos dois caminhos. Doutor Caio, que conheceu no nível da atenção básica, lhe sugeriu o doutor Rui, de um hospital particular, que, por fim, lhe convidou a continuar o tratamento no HU, onde também atendia. Ainda assim, tanto no primeiro como no segundo cenário, os encaminhamentos deveriam ser eficientes porque, de certa forma, precisavam romper as barreiras da sobrecarga vivenciada pelos hospitais de alta complexidade na cidade, como era o caso do hospital universitário. Como dona Adriana lembrou, mesmo um médico da casa precisou fazer-se impor diante da equipe administrativa, responsável pela marcação de consultas.
Terceiro, muitos entrevistados acionaram suas redes de conhecidos para conseguir acesso ao HU, como já mostraram bem outras pesquisas sobre o acesso aos serviços de saúde (Nascimento, 2009NASCIMENTO, P. F. G. do. Reprodução, desigualdade e políticas públicas de saúde: uma etnografia da construção do desejo de filhos. 2009. Tese (Doutorado de Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.). Dona Laura contou que sua neta conhecia uma médica que lá havia trabalhado e que conseguiu ajudar o senhor Agenor. A doutora disse para ela:
Olha, eu não estou mais lá, mas eu vou te encaminhar, vou te dar uma carta e você dá essa carta pra um colega meu do HU.
Como vimos acima, a filha de dona Ceci trabalhou por muitos anos no HU e retomou seus contatos para conseguir marcar uma consulta para a mãe. Nas entrevistas, nos contaram de filhos, parentes e amigos que trabalhavam ou haviam trabalhado em instituições de saúde como copeiros, faxineiros, técnicos em enfermagem, padioleiros etc. Havia alguma familiaridade com os trâmites desse universo institucional.
Em princípio, com base no corporativismo, poderíamos pensar que o corpo profissional seria o único grupo a lograr consultas, exames e tratamentos em hospitais concorridos, por meio de sua rede de contatos. De forma mais interessante, contudo, os exemplos ouvidos ao longo da pesquisa demonstraram que também entre os adoecidos, geralmente de classes populares, essa rede foi fundamental como forma de ter acesso ao hospital universitário. Interessante notar que nenhuma dessas famílias contava com médicos entre seus membros, mas muitos tinham parentes atuantes na burocracia hospitalar ou em cargos de menor hierarquia. Parece que trabalhar nos hospitais, mesmo sem posições técnicas, era ingrediente importante para facultar acesso aos seus serviços (Lipsky, 1980LIPSKY, M. Street-level bureaucracy: dilemmas of the individual in public services. New York: Russell Sage Foundation, 1980.). O que parecia ser um privilégio - e, mais do que isso, um signo de distinção - apenas para quem estava no topo da rede de saúde (como os médicos), expande-se um pouco mais e inclui uma pequena parcela de adoecidos que descobrem caminhos exitosos. O privilégio não é apenas dos especialistas oficiais, mas também dos mais aptos entres os especialistas leigos (Taylor; Bury, 2007TAYLOR, D.; BURY, M. Chronic illness, expert patients and care transition. Sociology of Health & Illness, Oxford, v. 29, n. 1, p. 27-45, 2007.). Chamo os entrevistados e seus cuidadores imediatos dessa forma porque, a um só tempo, iam conhecendo a doença e as possiblidades para tratá-la ao circularem pelos serviços (de saúde, de justiça etc.) de menor até os de maior complexidade.
Quero reforçar que não apenas as pessoas comuns encontravam formas bastante criativas de conseguir agir e ter seus piores problemas de saúde resolvidos pelos melhores hospitais públicos da cidade, mas que essa era uma forma também utilizada pelas equipes profissionais para garantir atendimentos. A expressão aparentemente oficial e formal - "o médico encaminhou" -, que representaria o primeiro e segundo caminhos até o HU, também era uma forma de burlar a fila convencional. Tanto é que o "encaminhamento" poderia ser desde um formulário padronizado da Secretaria Municipal de Saúde assinado pela autoridade competente para que o paciente transitasse de um serviço a outro quanto um bilhete escrito à mão em qualquer pedaço de papel, um telefonema ou até um simples recado, como doutor Rui transmitiu às secretárias por meio de dona Adriana. "Encaminhar" era uma prática corrente do SUS, utilizada de variadas formas ao redor do país (Fleischer, 2011bFLEISCHER, S. Expectativas, diálogos e negociações sobre o trabalho das parteiras de Melgaço. In: NASCIMENTO, P.; RIOS, L. F. (Org.). Gênero, saúde e práticas profissionais. Recife: Editora Universitária, 2011b. p. 70-94.). No caso dessa pesquisa, "encaminhar" reunia um conjunto de senhas específicas, pouco a pouco descobertas, que orientavam os pacientes pelo intricado sistema de saúde local, como dona Adriana lembrou, visivelmente satisfeita:
O Dr. Rui foi tão bom que, se fosse outro médico, não tinha me mandado pra lá. Ele me deu o encaminhamento, tudo direitinho. Ele me deu o endereço certo e disse assim: "Olha, é perto de uma construção e tem um [supermercado] na frente". Deu todo o endereço certinho para gente não errar, porque a gente não fica já sabendo onde é tudo na cidade.
Portanto, ao que parece, a mais utilizada estratégia até o hospital universitário era a pessoalidade, nos exatos termos que nos foram ensinados por DaMatta (1997)DAMATTA, R. Carnavais, malandros e heróis: uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.. Adoecidos e equipes de saúde recorriam a um intricado sistema de favores, como outros estudos também têm mostrado em cenários de classes populares urbanas brasileiras (Ferreira; Espírito Santo, 2012FERREIRA, J.; ESPIRITO SANTO, W. Os percursos da cura: abordagem antropológica sobre os itinerários terapêuticos dos moradores do complexo de favelas de Manguinhos, Rio de Janeiro. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 179-198, 2012.; Machado, 2003MACHADO, L. Z. Entre o inferno e o paraíso: saúde, direitos e conflitualidades. Série Antropologia, Brasília, DF, n. 342, p. 1-20, 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie342empdf.pdf >. Acesso em: 31 ago. 2015.
http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie34... ). Assim, a "[...] assistência médica é percebida como um resultado de 'boa vontade' ou do 'bom coração' dos profissionais de saúde" (Ferreira; Espírito Santo, 2012FERREIRA, J.; ESPIRITO SANTO, W. Os percursos da cura: abordagem antropológica sobre os itinerários terapêuticos dos moradores do complexo de favelas de Manguinhos, Rio de Janeiro. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 1, p. 179-198, 2012., p. 193), exatamente no sentido que dona Adriana acabou de nos mostrar em relação ao doutor Rui, que "foi tão bom" a ponto de também oferecer orientação geográfica e marcos urbanos precisos.
Na verdade, se meu argumento de que os "encaminhamentos" por parte dos médicos e dos serviços também são maneiras oficiais de acionar a rede de contatos, o terceiro caminho até o HU, na prática, resumiria os três trajetos percorridos. O caminho, ao final, seria um só: o encaminhamento, formal ou não. Claro, embora tenhamos conversado com metade da totalidade dos pacientes que estão no programa de oxigenoterapia, é possível que, entre os poucos que não foram entrevistados, encontremos alguns que tenham chegado simplesmente se apresentando no balcão de atendimentos do HU. Também é preciso considerar que havia toda uma gama de pessoas que não estavam nesse programa, embora vivenciassem idênticas "crises de falta de ar" e desespero para sobreviver. O que me preocupa é que, embora muitas pessoas fossem atendidas no HU, a cultura do encaminhamento, protagonizada por equipes e usuários, contribuía para que se mantivesse essa gama de desassistidos.
Assim, a pesquisa revela que, ainda que o público da clínica de pneumologia seja, primordialmente, formado por pessoas de camadas populares, não é possível generalizá-lo como absolutamente depauperado. Estamos falando de senhoras e senhores de baixa renda, quase sempre analfabetos, migrantes e pouco familiarizados com os caminhos dessa cidade. Contudo, foi bem aprendido ao longo do périplo institucional que o HU só seria acessado por uma entrada alternativa. Esse aprendizado distinguia essas pessoas de todas as outras que, embora adoentadas, não possuíam contatos eficientes que as levassem até o hospital universitário. E o fato de nossos entrevistados estarem sempre acompanhados de seus filhos, netos e conhecidos mais jovens e mais íntimos das redes locais permitiu que compensassem a falta material, escolar, geográfica ou simbólica.
Mas tampouco as equipes do HU viam seus pacientes como completamente depauperados. Num primeiro momento, tentava-se manter o paciente na esfera dos serviços privados, como lá atrás dona Adriana nos lembrou de ter sido o caso quando, no hospital particular, o médico supôs que, por ter conseguido pagar a consulta, ela também poderia fazer os exames nos "bons aparelhos" do lugar. Imagino, contudo, que a família de dona Adriana, incluindo aí o seu genro, tenha se desdobrado para custear essa consulta, talvez numa medida extrema depois de passar por vários serviços sem conseguir um diagnóstico certeiro. Num segundo momento, parece que esse baixo status socioeconômico foi aceito e evidenciado por doutor Rui para sustentar a transferência ao hospital universitário. Porém, num terceiro momento, diante da insuficiência de equipamentos domiciliares de oxigenoterapia, as equipes sugeriram a possibilidade de a família adquiri-los por conta própria, como nos contou acima Liliana, a neta de dona Ceci. Ao perceber e oferecer o atendimento do HU como uma dádiva rara, parece que as equipes esperavam que o pagamento de exames ou a compra das balas e concentradores de oxigênio fosse devolvido pelas famílias como uma contradádiva. O comentário de dona Adriana de que o doutor Rui era um "médico tão bom" reforça a ideia de dádiva oferecida pelo mesmo. A ambiguidade em relação à limitação orçamentária dessas famílias me faz pensar que a inclusão dos pacientes "carentes" nas consultas do hospital universitário não se justificava apenas pela solidariedade socioeconômica ou pelo compromisso com a ética médica, mas também como evidência, por um lado, do poder pessoal que aquele médico tinha para fazer essa inclusão e, por outro, da manutenção do HU como referência disputada na atenção pulmonar na cidade. De forma perversa, "encaminhar" podia até salvar algumas vidas, mas de certa forma reforçava o serviço como inatingível ou inacessível.
Por fim, vale mencionar que a interferência pessoal do médico para garantir a consulta e depois o tratamento com oxigenoterapia ficava, ao final, como um crédito perante o paciente. De certa forma, esse crédito poderia ajudar a fidelizar o segundo em relação ao primeiro. Quer dizer, os pacientes poderiam se sentir constrangidos em não seguir o que o médico, tão voluntarioso na etapa de acesso ao HU, prescrevesse, mesmo que isso significasse ficar ligado a uma máquina por uma dúzia de horas por dia. Dona Adriana demonstrou isso no trecho seguinte, ao responder se seguia o que doutor Rui lhe recomendava:
Eu concordo com o que ele fala. Confio demais nele. Eu digo: "Olha, Dr. Rui, meu nome mudou". Ele pergunta: "Que que foi? Casou?" Ele sabe que meu marido morreu, né? Eu digo: "Não, casei não. Eu estou viúva e meu nome mudou, foi por isso. Mudou porque meu nome é Maria Adriana, mas como eu sentia muita dor, eu era Maria das Dores. Aí, quando eu tomava muitos remédios meu nome era Maria dos Remédios. Aí o médico me curou e eu sou Maria do Socorro". Ele achava era graça.
Como Machado 2003MACHADO, L. Z. Entre o inferno e o paraíso: saúde, direitos e conflitualidades. Série Antropologia, Brasília, DF, n. 342, p. 1-20, 2003. Disponível em: <Disponível em: http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie342empdf.pdf >. Acesso em: 31 ago. 2015.
http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie34... , (p. 5-6) mostrou, esse é um padrão conhecido e reconhecido do circuito ideal de dádivas trocadas entre pacientes e profissionais de saúde:
Dos médicos, esperam-se os dons da atenção/escuta/cuidado e os atos curativos; dos usuários, esperam-se os dons da atenção/fala/gratidão e os atos de adesão aos procedimentos de cura. Médicos e usuários parecem compartilhar e participar de uma mesma definição do que esperar de uns e outros. [...] Quando a circulação positiva da reciprocidade das formas de prestígio esperadas se dá, o testemunho dos usuários se presentifica não só em agradecimentos, como através de cartazes espalhados no espaço hospitalar agradecendo a cura ou a vida de um ente querido a um médico, nomeado e identificado.
Considerações finais
Gostaria de retomar a categoria com que abri o artigo, já que me parece versátil para entender esse quadro. O "cansaço" foi o primeiro sinal a indicar as doenças pulmonares. Era um cansaço interminável que justificava outros problemas (como uma queda ou os lábios roxos, por exemplo), que não tinha explicação aparente e que muito atrapalhava na realização de atividades cotidianas (como simplesmente andar até o supermercado ou carregar um balde d'água). O cansaço era literal e se intensificava ao tentar ser resolvido, porque era necessário caminhar por toda a cidade para encontrar alguma solução. Além disso, era preciso contar e recontar sobre o problema, conversar demais também "cansava muito". Até os tratamentos prescritos retomavam e agravavam os sintomas. Uma senhora disse que, depois da espirometria, ficava com mais falta de ar66"O diagnóstico das DPOC é confirmado através do exame de função pulmonar, conhecido como exame de espirometria, [...] que possibilita a medição do ar que entra e sai do pulmão" (Martins, 2014, p. 16).. Sobre o mesmo exame, o senhor João explicou:
Eu acho esse um testezinho brabo que tem que assoprar. Soprar, soprar, soprar, soprar, soprar até... É um pouco chato porque cansa. Tem que respirar fundo e soprar o máximo. Não é fácil e parece que é duas vezes que tem que fazer.
Depois, quando a oxigenoterapia era prescrita, o "cansaço" continuava como categoria norteadora da quantidade de horas que se fazia uso do concentrador, como dona Laura lembrou:
No caso do Agenor, o aparelho fica ligado a noite inteirinha. E de dia, só quando a gente vê que ele está, assim, meio cansado é que a gente o põe no aparelho. Ele fica assistindo jogo com o aparelho ligado. Quando ele está sem, se passa mal, a gente corre e põe no oxigênio. Aí, no mesmo instante ele fica bom, tira e sai andando por aí.
Vê-se como o cansaço, mesmo depois da fase de definição do diagnóstico, se mantinha como um sinal eloquente e monitorado.
Em geral, entendo que estavam nos explicando que o cansaço se referia a muitos estados corporais, desde a "falta de fôlego" até a "falta de coragem", como mencionavam. Dores nas pernas, ausência de força no corpo, dificuldade para pensar eram todas manifestações reunidas na ideia de não terem "coragem" para fazer uma faxina, consertar algo em casa, visitar um parente, cumprir os compromissos na igreja.
O cansaço, alguns nos lembraram, era também motivo de "vergonha". No caso das mulheres mais velhas, exclusivamente dedicadas à função de dona de casa por toda a vida, não poder limpar, lavar, passar ou cozinhar era uma condição que lhes destituía de referência identitária importante no mundo familiar. No caso dos homens, não poder manter-se no trabalho, que lhes fazia reconhecidos como provedores daqueles lares, também abalava sua constituição social no mundo. Além disso, como lembram Pinto et al. 2008PINTO, J. M. de S.; VIEIRA, L. J. E. de S.; NATIONS, M. K. Sopro de vida: experiência com a doença pulmonar obstrutiva crônica na pobreza urbana de Fortaleza, Ceará, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 24, n. 12, p. 2809-2818, 2008., (p. 2813), o cansaço e a falta de ar "desmoraliza[m] o paciente, ameaçando sua autoestima. Progressivamente, veem sua reputação pessoal estigmatizada e desvalorizada nas interações sociais. A vida social ativa, as celebrações com amigos e os desejos dos amores acabam, lamentam nossos informantes".
O cansaço e, num momento terapêutico, as balas e concentradores limitavam enormemente a circulação dessas pessoas, que passavam a ser impedidas de cumprir suas obrigações morais nas festas e ritos de sociabilidade. Ainda assim, elas não conseguiam desempenhar plenamente o sick role, esse papel social que permite que a pessoa, pelo fato de estar adoecido, possa ser poupada de tarefas e responsabilidades compartilhadas por todos. O sick role é um modelo conceitual que por muito tempo se manteve nas ciências sociais, refere-se sobretudo às doenças agudas e permite, dentre várias coisas, que os adoecidos possam eventualmente se retirar de atribuições corriqueiras (Parsons, 1951PARSONS, T. The social system. London: Routledge, 1991.). O sick role é um conceito pouco rentável no cenário das doenças de longa duração e exige uma atualização etnográfica, já que nos casos da DPOC ou da fibrose pulmonar, por exemplo, essas pessoas não são temporárias, mas permanentemente percebidas como "doentes". Com o tempo longo da cronicidade há um processo de normalização desse "papel do doente", e a exculpação social torna-se um processo em constante negociação. O "sick role" no caso dessas DPOC, portanto, é parcial, disputado, instável. Por isso, encontramos o sentimento de vergonha e dívida moral entre alguns entrevistados, isto é, não conseguiam ser plenamente poupados e sendo-lhes ainda exigido participar de tarefas, eventos, ritos. O cansaço não se limitava ao adoecido, mas também envolvia seus cuidadores, como dona Laura bem demonstrou ao acompanhar o marido, seu Agenor. No cenário das entrevistas, muitos cuidadores apareceram, como neste texto: dona Margarida, esposa de seu João; Liliana, neta de dona Ceci; dona Laura, a filha e o genro de seu Agenor; ou os dois filhos de dona Adriana. Depois do diagnóstico acertado, começava outro estirão cansativo: conseguir inserir-se no programa de oxigenoterapia e, sobretudo, certificar-se da instalação e manutenção dos equipamentos de oxigênio em casa. Os parentes (consanguíneos e afins), vizinhos, amigos e conhecidos desses adoecidos pulmonares se destacaram como personagens centrais no suporte coletivo à experiência de sofrimento. Antropólogos da saúde já notaram a recorrência dessa configuração, como, para ficar em alguns exemplos etnográficos recentes e de diferentes realidades patológicas, o papel desses personagens e dessas redes para acompanhar, reforçar e interceder durante os itinerários terapêuticos (Pereira, 2008PEREIRA, D. N. Itinerários terapêuticos entre pacientes do Hospital de Base (DF). 2008. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2008.; Nascimento, 2009NASCIMENTO, P. F. G. do. Reprodução, desigualdade e políticas públicas de saúde: uma etnografia da construção do desejo de filhos. 2009. Tese (Doutorado de Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.), para negociar junto aos profissionais da saúde (Longhi, 2014LONGHI, M. R. 'Ser' cuidado, 'ser' cuidador: reflexões a partir de narrativas de casais homossexuais sorodiscordantes. In: REUNIÃO BRASILEIRA DE ANTROPOLOGIA, 29., 2014, Natal. Anais... Natal: ABA, 2014. CD virtual.), para manter o manejo cotidiano e também judicial de cuidado de longo prazo (Silva, 2004SILVA, T. C. Desastre como processo: saberes, vulnerabilidade e sofrimento social no caso de Goiânia. In: LEIBING, A. (Org.). Tecnologias do corpo: uma antropologia das medicinas no Brasil. Rio de Janeiro: NAU, 2004. p. 201-225.).
As narrativas, contudo, em primeira ou terceira pessoa, comunicavam como as pessoas entrevistadas nesta pesquisa eram incansáveis na "fase da busca". Eram assíduas e empenhadas em procurar por um serviço que as auxiliasse. A disposição de esposas, filhas, genros e netos compensava, muitas vezes, o parente adoecido e cansado. Falavam e intercediam por eles, buscavam compreender as novas informações sobre as doenças pulmonares e tentavam percorrer os labirínticos caminhos da burocracia hospitalar. Ainda que esses familiares também se mostrassem eventualmente cansados, não se deixavam abater. Pelo menos, essa é a mensagem que nos foi comunicada por muitas das entrevistadas ao ouvirem nossa primeira pergunta sobre o hospital universitário. Demonstravam também, claro, o quanto as iniciativas para "caçar soluções", que se aprimoram a cada desafio enfrentado, contribuíam para um aprendizado cumulativo em relação às DPOC, ao fenômeno social da cronicidade e, sobretudo, aos serviços de saúde da cidade.
Sugiro terminar com três importantes ressalvas. Primeiro, as práticas de circulação e acesso que aqui descrevo provavelmente não se restringiam à clínica em voga, mas poderiam ser encontradas em todo o HU e nos outros hospitais da cidade. Segundo, precisar recorrer à rede de contatos demonstra a gravidade da situação de saúde enfrentada por essas pessoas, bem como a dificuldade de adentrar no sistema de saúde de alta complexidade - essas pessoas não se endividariam moralmente com seus conhecidos por qualquer coisa. Em meio às narrativas de idas e vindas por outros serviços procurados em etapas anteriores, era possível acumular um julgamento comparativo e, nessa perspectiva, o hospital universitário e seu programa de oxigenoterapia figuravam como acima da média.
Terceiro, seguindo a sugestão de Frank (1995)FRANK, A. The wounded storyteller: body, illness, and ethics Chicago: University of Chicago, 1995., para notar o que as pessoas escolhiam nos contar e a forma (ordem, quantidade, foco, exemplos etc.) pela qual o faziam, percebo que o fato de as respostas à nossa primeira pergunta ficarem nas etapas iniciais - do primeiro cansaço até a chegada ao HU - demonstra uma opção enfática. Só depois, ao longo da entrevista, elas falaram das etapas mais recentes. Elas poderiam simplesmente ter mencionado o HU e seus especialistas em doenças pulmonares como apenas uma das etapas de atendimento, por exemplo. Mas escolheram falar da trajetória de sua doença pelos serviços. Nas etapas iniciais, o protagonismo dos adoecidos e suas famílias ficou notório, havia muito o que fazer. Mais recentemente, no cuidado diário de doenças que não têm cura, há pouquíssimo a fazer, gerando inclusive sensação de impotência, suspensão, desesperança. À época da pesquisa, talvez houvesse mais cansaço do que outrora, quando tantas dúvidas estavam por ser respondidas. Anos depois de conseguirem adentrar as portas do HU, talvez não sentissem com tanta veemência as dívidas acumuladas com os profissionais e conhecidos que lhes facultaram acesso. Talvez fosse outro médico a acompanhar o caso e o adoecido tenha percebido que era por direito - e não por favor - que estava sendo tratado em um hospital público. Ao se apropriarem da doença e seu cuidado, essas entrevistadas estavam tomando também decisões domésticas além daquelas biomédicas ou burocráticas. Anos depois, um pouco mais independentes das instituições e com muito mais informação sobre as DPOC, suponho que fosse difícil as cuidadoras lidarem com uma adoecida que já não aguentava mais respirar por um cateter. Sugiro que tudo isso contribuía para que essas famílias estivessem, à época da pesquisa, mais cansadas do que no passado, quando primeiro viram seus parentes fraquejarem sem fôlego e foi necessário fazer alguma coisa em regime de urgência.
Concentrar a narrativa no início da doença era desafiar a primeira impressão que nós, como pesquisadoras, tínhamos nas casas visitadas: pessoas idosas, ofegantes, debilitadas, acamadas ou restritas a uma cadeira de rodas ou a um sofá, circulando com parcimônia dentro de um raio de 15 metros, medida da mangueira que lhes ligava ao concentrador de oxigênio. Esse conjunto de passividade, dependência e limitação era tencionado com a escolha por narrativas que envolviam opinião, decisão e ação, tão comuns e necessárias no início da doença. Torna-se difícil, portanto, descrever a debilidade como uma imagem homogênea entre essas pessoas com DPOC - a resistência face à condição patológica existia, mesmo que localizada no passado. Dedicar mais tempo à primeira das 38 perguntas do roteiro de entrevista era também estratégico para construir uma imagem de paciente comprometida e de cuidadora responsável. Mas também era falar de uma época em que as respostas imediatas precisavam vir dos serviços de saúde e não tanto da continuidade de rotinas terapêuticas no âmbito da casa e da família. O fato de nossa equipe encontrar as histórias mais longas sobre o início dessas doenças pulmonares me sugere como pode ser mais heroico contar sobre aventuras, sobressaltos e coragem, no passado, do que sobre dependência, enfado e cansaço, no presente.
Referências
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» http://www.dan.unb.br/images/doc/Serie342empdf.pdf - MARTINS, R. M. Mergulhadores no Distrito Federal: um estudo antropológico sobre doenças pulmonares e o uso de oxigenoterapia. 2014. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2014.
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- TAYLOR, D.; BURY, M. Chronic illness, expert patients and care transition. Sociology of Health & Illness, Oxford, v. 29, n. 1, p. 27-45, 2007.
- 1CAAE: 13702613.0.0000.5540.
- 2Como importante informação contextual, vale saber que "[...] o programa de oxigenoterapia do HU possuía um fôlego menor e assistia em média 60 pessoas, com base nos documentos fornecidos por este programa. Já o programa de oxigenoterapia da Secretaria de Saúde era a instituição que abarcava a maior parte dessa população, possuindo 689 pacientes cadastrados, conforme dados disponibilizados pelos responsáveis por este programa [na cidade]. (...) Os objetos prescritos para a efetividade da oxigenoterapia e utilizados pelos frequentadores do ambulatório de pneumologia do HU eram o cilindro de oxigênio (bala de backup) e o concentrador de oxigênio, ambos fornecidos aos assistidos pelos programas de oxigenoterapia (ou alugados pelos não amparados pelos programas), e o cilindro de oxigênio portátil, utilizado para deslocamentos fora do âmbito domiciliar, principalmente para consultas no HU. Esse equipamento precisava ser comprado ou alugado, pois nem sempre eram fornecidos pelos programas ou apenas lhes era fornecido o reabastecimento. O programa de oxigenoterapia do HU fornecia o cilindro portátil e também garantia o reabastecimento deste a todos os que necessitassem, mesmo aos não vinculados a esse programa, nas ocasiões de consulta" (Martins, 2014MARTINS, R. M. Mergulhadores no Distrito Federal: um estudo antropológico sobre doenças pulmonares e o uso de oxigenoterapia. 2014. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2014., p. 18-19).
- 3Tenho sido ciosa ao procurar refletir sobre os efeitos do "jaleco invisível" nas pesquisas antropológicas sobre fenômenos de adoecimento (Fleischer, 2011aFLEISCHER, S. Rios, florestas e alteridade: chegando à região de Melgaço, Pará. In: ______. Parteiras, buchudas e aperreios: uma etnografia do atendimento obstétrico não oficial em Melgaço, Pará. Santa Cruz do Sul: EDUNISC; Belém: Paka Tatu, 2011a. p. 53-88., p. 72).
- 4Como a grande maioria da equipe era composta por jovens mulheres, opto por usar o plural feminino ao me referir à turma de estudantes. O mesmo se passou com as entrevistadas e suas cuidadoras, ao longo da pesquisa. Tanto as primeiras quanto as segundas receberão pseudônimos. Os hospitais e seus profissionais de saúde também receberam outras denominações. Aproveito para agradecer à participação de todas elas, bem como à Raysa Martins e Natharry Almeida, estagiárias docentes, e Antonio Cyrino, professor de Medicina da UNESP/Botucatu em estágio pós-doutoral, que muito contribuíram com o referido curso, e de todos os profissionais do HU que nos facultaram a entrada e permanência durante a pesquisa. Também agradeço aos aportes dos colegas Pedro Nascimento e Marcia Longhi, que atentamente leram e comentaram um primeiro rascunho deste texto durante a III Semana de Antropologia da Universidade Federal da Paraíba, em novembro de 2013.
- 5É bom lembrar que não necessariamente pessoas que utilizam um serviço de saúde ou que entram em contato com autoridades e diagnósticos biomédicos se percebem como tendo uma "doença" ou como "adoecidas" (Kleinman, 1980KLEINMAN, A. Patients and healers in the context of culture: an exploration of the borderland between anthropology, medicine and psychiatry. Berkeley: University of California Press, 1980.; Helman, 2009HELMAN, C. Doença versus enfermidade na clínica geral. Campos, Curitiba, v. 10, n. 1, p. 119-128, 2009.). Neste artigo, contudo, estou me referindo a pessoas que, por experiência corporal e biográfica e por reforço do contato com terapeutas biomédicos e outros, já haviam elaborado uma explicação para sua condição física como um "adoecimento" intenso e prolongado, mas não exatamente fatal. Entendiam haver uma imbricação de sua condição com a vida cotidiana, com as possibilidades de esta última ter originado a doença, mas também de poder zelar por essa doença a partir de uma complexa rede de cuidadores, como este artigo mostra.
- 6"O diagnóstico das DPOC é confirmado através do exame de função pulmonar, conhecido como exame de espirometria, [...] que possibilita a medição do ar que entra e sai do pulmão" (Martins, 2014MARTINS, R. M. Mergulhadores no Distrito Federal: um estudo antropológico sobre doenças pulmonares e o uso de oxigenoterapia. 2014. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) - Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2014., p. 16).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2015
Histórico
- Recebido
24 Maio 2014 - Revisado
20 Out 2014 - Aceito
19 Nov 2014