Resumo
O objetivo deste estudo foi analisar a atuação dos enfermeiros das Estratégias de Saúde da Família no controle de dengue e febre chikungunya nos municípios de Parnamirim e Santa Cruz/RN. Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, com abordagem qualitativa de tratamento e análise de dados. A coleta foi realizada entre novembro e dezembro de 2015 por meio de uma entrevista gravada, voltada às questões que abordam a ação da enfermagem e sua equipe no controle de dengue e febre chikungunya no campo de atuação da ESF. Utilizou-se como método de observação dos dados a análise de conteúdo de Bardin. Após análise, houve criação de duas categorias - educação em saúde e campanhas pontuais. Na primeira, os entrevistados informaram realizar palestras educativas, mas não explicam a metodologia usada e nem a participação popular, como também a articulação com o setor de endemias da cidade para fortalecer a discussão. Na segunda, algumas ações são assistencialistas de caráter campanhista/higienista, realizadas pelos enfermeiros dos municípios em campanhas de “higienização” e “limpeza”, as quais se mostram bastante presentes nas falas dos entrevistados. Há uma forte presença desse modelo enraizada tanto nas ações quanto na realização de atividades educativas, usando como metodologia a palestra. Além disso, há necessidade de se realizar mais estudos que aprofundem o tema abordado, a julgar por uma amostra pequena, especialmente no município de Parnamirim.
Palavras-chave:
Estudo Comparativo; Enfermagem; Dengue; Vírus Chikungunya
Abstract
To analyze the role of the nurses of the Family Health Strategies in control of dengue and chikungunya fever in the municipalities of Santa Cruz and Parnamirim/RN. This is an exploratory, descriptive study, with a qualitative approach to data processing and analysis. Data collection was conducted between November and December 2015 through an interview, recorded and emphasized on issues that address on nursing practice and his team in control of dengue and chikungunya fever in the FHT acting area. It was used as a method of observation data Bardin content analysis. After analysis, there was the creation of two categories - health education and specific campaigns. First, the respondents reported performing educational lectures, but do not explain the methodology used and not requesting public participation, as well as coordination with the city endemics sector to strengthen the discussion. Second, some actions are character welfare campaigner/hygienist performed by nurses of the municipalities in which they become quite present in the statements, and these actions taken by campaigns of “cleaning”, “cleaning” by the health team. There is a strong presence of the campaigner model/hygienist rooted both in actions and in educational activities, using as methodology the lecture. Moreover, there is need to conduct more studies to further investigate the issue addressed, given a small sample, especially in the city of Parnamirim.
Keywords:
Comparative study; Nursing; Dengue; Chikungunya virus
Introdução
Atualmente, as discussões acerca das ações desenvolvidas pelas equipes de saúde sobre as doenças causadas por vetores têm sido questionadas, principalmente sobre o controle do Aedes aegypti, transmissor das doenças dengue e febre chikungunya, que são consideradas problemas de saúde pública no mundo.
A dengue é uma das mais importantes arboviroses que afetam o homem. A sua disseminação ocorre principalmente em países tropicais e subtropicais. Anualmente, aproximadamente 50 milhões de pessoas são infectadas pelo vírus da dengue e, desses infectados, 2,5 milhões vivem em países onde a doença é endêmica (Brasil, 2014BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/4Qepm0 >. Acesso em: 20 dez. 2015.
https://goo.gl/4Qepm0... ).
Assim como a dengue, a febre chikungunya (CHIKV) também é uma doença de notificação compulsória transmitida por mosquitos do mesmo gênero Aedes. Esta, por sua vez, apresenta os estágios patológicos: agudo, subagudo e crônico. Como o Aedes aegypti encontra-se amplamente no Brasil, e este possui condições favoráveis para surgimento e propagação, há a coexistência dessas duas doenças, transmitidas pelo mesmo vetor. (Pinto Junior, 2014PINTO JUNIOR, V. L. Dengue e Chikungunya: coexistência possível no Brasil. Revista de Medicina e Saúde de Brasília, Brasília, DF, v. 3, n. 1, p. 2-3, 2014.).
No Brasil, o primeiro caso de febre chikungunya registrado ocorreu no ano de 2010 por um paciente do sexo masculino que realizara uma viagem a Sumatra (Indonésia) no mês de agosto. A proliferação da doença foi, de fato, muito rápida, levando em consideração o grande fluxo de pessoas que entravam e saíam do país, um dos motivos que fizeram com que a doença se espalhasse pelo mundo (Albuquerque, 2012ALBUQUERQUE, I. G. C. et al. Chikungunya virus infection: report of the first case diagnosed in Rio de Janeiro, Brazil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Brasília, DF, v. 45, n. 1, p. 128-129, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsbmt/v45n1/26.pdf >. Acesso em: 22 jan. 2015.
http://www.scielo.br/pdf/rsbmt/v45n1/26.... ). Além disso, devido à grande propagação do vetor, e também às condições climáticas favoráveis à dispersão da doença, coloca em risco a população do país, tornando-se mais um problema de saúde pública (Brasil, 2014BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/4Qepm0 >. Acesso em: 20 dez. 2015.
https://goo.gl/4Qepm0... ).
No ano de 2013 foram registrados os primeiros casos autóctones do vírus chikungunya nas ilhas do Caribe. Em 2014, o primeiro caso autóctone é registrado na cidade de Oiapoque, localizada no Estado do Amapá, além de Feira de Santana na Bahia (Donalisio; Freitas, 2015DONALISIO, M. R.; FREITAS, A. R. R. Chikungunya no Brasil: um desafio emergente. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 283-285, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/ZGjj4W >. Acesso em: 27 dez. 2015.
https://goo.gl/ZGjj4W... ).
O vírus da febre chikungunya, assim como o da dengue, possui como material genético o RNA, porém pertencente à família Togaviridae e ao gênero Alphavirus. Seu nome em língua Makonde, dialeto falado na Tanzânia, significa “curvar-se ou tornar-se contorcido”, devido a artralgias intensas que podem perpetuar por meses ou anos (Brasil, 2014BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de Vigilância em Saúde. Brasília, DF, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/4Qepm0 >. Acesso em: 20 dez. 2015.
https://goo.gl/4Qepm0... ).
A infecção assemelha-se com a da dengue, embora os quadros de hemorragias ou choques não ocorram, os pacientes podem apresentar sinais e sintomas, como: cefaleia, fotofobia, mialgia e rash cutâneo (Tauil, 2001TAUIL, P. L. Urbanização e ecologia da dengue. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 17, p. 99-102, 2001. Suplemento. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/7KPXlh >. Acesso em: 4 dez. 2015.
https://goo.gl/7KPXlh... ). Além disso, chama atenção o fato de a poliartrite/artralgia ser simétrica, principalmente nos punhos, tornozelos e cotovelos (Donalisio; Freitas, 2015DONALISIO, M. R.; FREITAS, A. R. R. Chikungunya no Brasil: um desafio emergente. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 283-285, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/ZGjj4W >. Acesso em: 27 dez. 2015.
https://goo.gl/ZGjj4W... ).
O trabalho com essas duas doenças, dengue e febre chikungunya, é de extrema relevância, principalmente porque a primeira existe há anos no Brasil e com isso prevalecem tentativas de controle da mesma; enquanto que a segunda surgiu recentemente no país, tornando-se mais um problema de saúde pública.
A partir dos índices de notificação e confirmação das doenças transmitidas pelo mesmo vetor, características semelhantes quanto aos sinais e sintomas da doença, os índices de infestação predial do mosquito, e a vulnerabilidade para ocorrência de epidemias, este artigo visa promover uma discussão sobre o estudo comparativo acerca da atuação dos enfermeiros da Equipe de Saúde da Família no combate da dengue e febre chikungunya em dois municípios distintos do Estado do Rio Grande do Norte.
O desafio de realizar um estudo comparativo entre as duas cidades se apresenta através de perspectivas heterogêneas: fatores evolutivos e históricos, localização geográfica, condições climáticas, índices de desenvolvimento econômico, político, social e cultural.
Destarte, este projeto denota relevância por outros fatores, tais como a lacuna de estudos relativos à temática no Estado do Rio Grande do Norte, abarcamento dimensional da morbimortalidade da dengue e da febre chikungunya no Estado, e conhecer a atuação dos enfermeiros no controle ao vetor nos municípios de Santa Cruz e Parnamirim, que são considerados prioritários e estão entre os cinco municípios com maior número de casos notificados de dengue.
Materiais e métodos
Trata-se de um estudo exploratório, descritivo, com abordagem qualitativa de tratamento e análise de dados. A pesquisa exploratória é o primeiro passo para qualquer pesquisador que esteja averiguando um fenômeno com o objetivo de informá-lo com maior precisão. Entre outras finalidades, pode ser utilizada para formular um problema, desenvolver hipóteses e estabelecer prioridades para pesquisas posteriores (Malhotra, 2011MALHOTRA, N. K. Pesquisa de marketing: uma orientação aplicada. Porto Alegre: Bookman, 2011.). A população escolhida para a pesquisa foi composta por enfermeiros que atuam na Estratégia de Saúde da Família nos municípios de Parnamirim e Santa Cruz, ambos no Estado do Rio Grande do Norte.
O município de Santa Cruz está localizado a 115 km de Natal, na Mesorregião Agreste Potiguar, Microrregião da Borborema Potiguar, apresentando clima tropical semiárido e uma população estimada em 39 mil habitantes, coberta por doze equipes de ESF, sendo uma na zona rural (IBGE, 2011IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Brasília, DF, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/uf.php?lang=&coduf=24&search=rio-grande-do-norte >. Acesso em: 8 dez. 2015.
http://cidades.ibge.gov.br/xtras/uf.php?... ).
O município de Parnamirim, localizado a 12 km da capital, na Região Metropolitana, Mesorregião Leste Potiguar e Microrregião de Natal, apresenta clima tropical e população estimada em 235.983 indivíduos, com densidade demográfica de 1.639,70 hab./km². Possui uma área territorial em torno de 123.471 km² e a cobertura de quarenta e quatro equipes de ESF (IBGE, 2011IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010. Brasília, DF, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/uf.php?lang=&coduf=24&search=rio-grande-do-norte >. Acesso em: 8 dez. 2015.
http://cidades.ibge.gov.br/xtras/uf.php?... ).
Foi utilizado para a pesquisa um questionário semiestruturado, aplicado em enfermeiros que atuam na ESF desses municípios. Para o cálculo da amostragem desses profissionais, utilizou-se as fórmulas de cálculo de amostras finitas de Barbetta (2008BARBETTA, P. A. Estatística aplicada às ciências sociais. Florianópolis: UFSC, 2008.):
N = tamanho da população
E2 0 = erro amostral tolerável (5%)
no = primeira aproximação do tamanho da amostra
n = tamanho da amostra
Cálculo do número de profissionais:
N = 56 enfermeiros
no = 60 enfermeiros
n = 56 * 60 / 56 + 60 = 29 enfermeiros
Sendo assim, de um total de 56 (n = 12 de Santa Cruz somado a n = 44 de Parnamirim), 29 enfermeiros seria uma quantidade significativa para responder ao questionário do estudo a respeito de suas atuações de controle à dengue e à febre chikungunya. Entretanto, somente 18 enfermeiros participaram, sendo 6 de Santa Cruz e 12 de Parnamirim, a maioria do sexo feminino. Foram inclusos os enfermeiros que atuavam há mais de um ano na Estratégia de Saúde da Família, concursados ou contratados.
A enfermagem foi a única profissão incluída em virtude de seu papel de grande responsabilidade e por estar incumbida da supervisão e coordenação dos Agentes Comunitários de Saúde. Sendo assim, não foram incluídos os demais profissionais que compõem a força de trabalho das ESF, como médicos, farmacêuticos, técnicos de enfermagem, cozinheiros, copeiros, secretários, recepcionistas, motoristas, vigilantes, auxiliares de serviços gerais, porteiros, técnicos administrativos e agentes comunitários de saúde.
O projeto foi apresentado às Secretarias Municipais de Saúde dos municípios de Santa Cruz e Parnamirim para as devidas autorizações e, posteriormente, cadastrado no sistema Plataforma Brasil, que fora submetido a um comitê de ética em pesquisa da UFRN, sendo aprovado com o CAAE 48378515.8.0000.5537. Ressalta-se ainda que, durante todo o processo da pesquisa, o projeto obedeceu aos princípios éticos dispostos na Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde a respeito de pesquisas com seres humanos.
Para garantir o anonimato, os sujeitos foram identificados com nomes de países que sofrem constantemente epidemias de dengue e/ou febre chikungunya. Exemplo: Vietnã, Brasil, Haiti, República Dominicana. Como modelo de identificação, os enfermeiros de Santa Cruz foram denominados por nomes de países da América Latina, enquanto que os de Parnamirim, de países da África ou da Ásia. A transcrição das falas ocorreu na íntegra para o computador, possibilitando melhor análise de conteúdo. O material coletado passou por correções linguísticas, sem eliminar o caráter natural das falas e, para este fim, utilizou-se a análise do conteúdo das falas desses sujeitos.
A análise de conteúdo é um método usado para compreender criticamente os sentidos de falas, passagens e comunicações dos entrevistados, e suas significações implícitas e explícitas (Chizzotti, 2006CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 2006.). A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de comunicação que permite analisar mensagens do receptor e do emissor, em que ela enriquece e enaltece a descoberta de outros sentidos por trás dos discursos (Bardin, 1994BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1994.).
Resultados e discussão
Os resultados desta pesquisa, diante da questão proposta sobre as ações desenvolvidas pelos enfermeiros no controle da dengue e da febre chikungunya, resultaram em duas categorias intituladas “Educação em saúde” e “Campanhas higienistas e informações”.
Educação em saúde
Neste tópico serão abordadas as ações de educação em saúde as quais os enfermeiros dos municípios se referiram durante a entrevista. A atenção básica apresenta característica privilegiada em relação às ações de educação em saúde, que se caracteriza pela proximidade com a comunidade, enfatizando as ações de prevenção e promoção da saúde (Souza; Jacobina, 2009SOUZA, I. P. M. A.; JACOBINA, R. R. Educação em saúde e suas versões na história brasileira. Revista Baiana de Saúde Pública, Salvador, v. 33, n. 4, p. 618-627, 2009.). A educação em saúde é o ponto central para promovê-la e teve mais ênfase no Brasil após a reforma sanitária (Feijão; Galvão, 2007FEIJÃO, A. R.; GALVÃO, M. T. G. Ações de educação em saúde na atenção primária: revelando métodos, técnicas e bases teóricas. Revista Rene, Fortaleza, v. 8, n. 2, p. 41-49, 2007.).
Os enfermeiros, tanto de Parnamirim quanto de Santa Cruz, afirmaram realizar atividades de educação em saúde, dar orientações tanto nas UBS e nas escolas, como também nas residências durante as visitas domiciliares. Nota-se no transcorrer do trabalho que as ações realizadas por eles são características das práticas campanhistas/higienistas.
Vale ressaltar que a febre chikungunya foi introduzida no país no ano de 2014 e que os enfermeiros das duas cidades iniciaram suas ações no ano seguinte após passarem por uma capacitação. Entretanto, a ação realizada pelos enfermeiros era o uso de palestras conscientizadoras, como pode ser observado nas falas dos sujeitos:
Realizamos palestras educativas na Unidade Básica de Saúde (África do Sul).
Realizamos palestras educativas na Unidade Básica de Saúde mais o combate ao mosquito transmissor das doenças (Malásia).
A gente realiza ações de promoção e prevenção com atividades educativas para a população e orientações durante a visita domiciliar (Brasil).
Os entrevistados informaram realizar palestras educativas, mas não explicam a metodologia usada e a participação popular, como também a articulação com o setor de endemias da cidade para fortalecer a discussão. Isso vale também quando referenciam o combate ao vetor Aedes aegypti que ocorre através da eliminação dos focos, destruindo depósitos e/ou orientando a população quanto aos riscos de deixar recipientes com água abertos.
As práticas de educação em saúde têm como objetivo adequar rotinas executadas pela população que são consideradas inadequadas pelos profissionais de saúde. Essas ações são em sua maioria autoritárias e repetidas constantemente nos serviços de saúde (Chiesa, 2001). A comunicação e a educação são ações que devem estar em união, gerando significados mútuos, sabendo que todos são receptores e emissores ativos capazes de interpretar mensagens (Rangel-S, 2008RANGEL-S, M. L. Dengue: educação, comunicação e mobilização na perspectiva do controle - propostas inovadoras. Revista Interface - Comunicação, saúde e educação, Botucatu, v. 12, n. 25, p. 433-441, 2008.).
Os profissionais da área devem usar a educação em saúde para o empoderamento da população, tornando-a responsável pelo seu ambiente. Com isso, observa-se que tanto os enfermeiros de Parnamirim quanto os de Santa Cruz realizam o trabalho de vigilância:
As ações que realizamos na unidade são palestras com a comunidade, fazemos intervenção nos locais que a gente acha propício com os agentes de saúde. A gente faz visita para averiguar imóveis, locais que acumulem água (Venezuela).
Entretanto, existe uma contradição entre o conhecimento da população sobre a doença e o índice de infestação. A população possui um elevado nível de conhecimento sobre a dengue, porém os níveis de infestação do mosquito permanecem altos (Claro; Tomassini; Rosa, 2004CLARO, L. B. L.; TOMASSINI, H. C. B.; ROSA, M. L. G. Prevenção e controle da dengue: uma revisão de estudos sobre conhecimentos, crenças e práticas da população. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 6, p. 1447-1457, 2004.). Os enfermeiros afirmam realizar ações educativas nos mais variados locais, porém os índices de infestação do Aedes aegypti nesses municípios ainda prevalecem.
Sobre o processo de comunicação e educação para o controle desse vetor, esse se caracteriza por possuir um modelo verticalizado, centralizado e unidirecional sob a perspectiva de que as informações devem ser difundidas e que a população reflita sobre sua prática de hábitos e costumes (Rangel-S, 2008RANGEL-S, M. L. Dengue: educação, comunicação e mobilização na perspectiva do controle - propostas inovadoras. Revista Interface - Comunicação, saúde e educação, Botucatu, v. 12, n. 25, p. 433-441, 2008.).
As atividades desenvolvidas pelos enfermeiros são constituídas meramente por palestras, ou seja, a metodologia tradicional. Sabe-se hoje que esse sistema não obtém resultados satisfatórios e que novas estratégias necessitam ser desenvolvidas e organizadas de acordo com o conhecimento popular.
Campanhas pontuais
Nesta categoria serão abordadas as ações assistencialistas de caráter campanhista/higienista realizadas pelos enfermeiros dos municípios, as quais se tornam bastante presentes nas falas.
O higienismo surgiu no século XIX e influenciou bastante o campo educacional. Tem a educação em saúde como base para as transformações sociais em relação aos hábitos de higiene (Acioli; David; Faria, 2012ACIOLI, S.; DAVID, H. M. S. L.; FARIA, M. G. A. Educação em saúde e a enfermagem em saúde coletiva: reflexões sobre a prática. Revista Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 4, p. 533-536, 2012.). Durante esse período, as ações educativas estavam voltadas apenas para a transmissão de conhecimentos científicos para o popular, sendo este desconsiderado (Souza; Jacobina, 2009SOUZA, I. P. M. A.; JACOBINA, R. R. Educação em saúde e suas versões na história brasileira. Revista Baiana de Saúde Pública, Salvador, v. 33, n. 4, p. 618-627, 2009.).
O modelo campanhista/higienista está voltado intimamente para o combate do Aedes aegypti pelo setor da saúde, que possui característica de higienização. Na saúde pública, em seu contexto histórico, está enraizado culturalmente o conceito de sujeira, lixo e água suja com o surgimento de doenças. Para o controle vetorial, esse processo está vinculado à questão de água limpa em recipientes e outros criadouros do mosquito (Rangel-S, 2008RANGEL-S, M. L. Dengue: educação, comunicação e mobilização na perspectiva do controle - propostas inovadoras. Revista Interface - Comunicação, saúde e educação, Botucatu, v. 12, n. 25, p. 433-441, 2008.).
Grande parte dos potenciais criadouros do mosquito está dentro dos domicílios e existe certa cobrança do poder público sobre a participação da população em seu controle. Os próprios manuais do Ministério da Saúde enfatizam que a população deve ter a compreensão de que a dengue, por exemplo, é um problema de saúde pública e por isso aquela deve ser ator responsável para o sucesso do controle vetorial.
Diante disso, se não há interação entre outros setores, há uma predisposição em julgar o setor de saúde como único responsável pelo controle do Aedes aegypti; assim como também de julgar a população como resistente a mudanças de hábitos e atitudes, tendo, por exemplo, outros condicionantes que não são de responsabilidade da população, como a coleta de lixo, o abastecimento de água, entre outros (Rangel-S, 2008RANGEL-S, M. L. Dengue: educação, comunicação e mobilização na perspectiva do controle - propostas inovadoras. Revista Interface - Comunicação, saúde e educação, Botucatu, v. 12, n. 25, p. 433-441, 2008.). Contudo, esse papel acaba sendo realizado pelos profissionais:
Nossas ações são de caminhadas nas ruas com sacolas recolhendo objetos que possam acumular água, entregando panfletos nas residências, dando orientações. Também realizamos palestras nas escolas e na Unidade Básica de Saúde (Tailândia).
As ações campanhistas de comunicação e educação se tornam mais intensas quando existe um número crescente de casos da doença (Rangel-S, 2008RANGEL-S, M. L. Dengue: educação, comunicação e mobilização na perspectiva do controle - propostas inovadoras. Revista Interface - Comunicação, saúde e educação, Botucatu, v. 12, n. 25, p. 433-441, 2008.). Além disso, as campanhas no Brasil são pontuais e não permanentes, sendo realizadas em períodos nos quais há crescimento populacional do vetor (Lenzi; Coura, 2004LENZI, M. F.; COURA, L. C. Prevenção da dengue: a informação em foco. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Brasília, DF, v. 37, n. 4, p. 343-350, 2004.), como pode ser observado abaixo:
A gente faz palestra, orientação, as vezes faz blitz. Geralmente quando há muitos casos a gente realiza Blitz, vai até as casas e tem um dia de paralização para cuidar só disso (Cuba).
Percebe-se que as práticas de controle vetorial usadas pelos enfermeiros dos municípios são as mesmas, apesar das características heterogêneas existentes. As implementações são verticalizadas, constituídas por palestras, e as ações assistencialistas, por meio de mutirões e uso de folders/panfletos para informar a população sobre os riscos, prevenção e controle do Aedes aegypti.
Em um estudo realizado por Feijão e Galvão (2007FEIJÃO, A. R.; GALVÃO, M. T. G. Ações de educação em saúde na atenção primária: revelando métodos, técnicas e bases teóricas. Revista Rene, Fortaleza, v. 8, n. 2, p. 41-49, 2007.) é notório o uso de equipamentos gráficos e/ou visuais pelos profissionais para chamar a atenção da população quanto aos aspectos da doença e os perigos que ela representa. Os materiais informativos e difundidos em campanhas têm o objetivo de disseminar informações para a população sobre essas doenças e os métodos preventivos, os sinais e os sintomas, além dos cuidados com os criadouros, para evitar a proliferação do mosquito e, consequentemente, um surto epidêmico (Lenzi; Coura, 2004LENZI, M. F.; COURA, L. C. Prevenção da dengue: a informação em foco. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Brasília, DF, v. 37, n. 4, p. 343-350, 2004.).
As práticas educativas de informação e mobilização social devem enfatizar informações pertinentes e coerentes com a realidade da população, e ser destinadas a promover saúde em consonância com outros setores de natureza jurídica, econômica, social, entre outros (Rangel-S, 2008RANGEL-S, M. L. Dengue: educação, comunicação e mobilização na perspectiva do controle - propostas inovadoras. Revista Interface - Comunicação, saúde e educação, Botucatu, v. 12, n. 25, p. 433-441, 2008.). Quando as implementações não condizem com a realidade, as ações permanecem assistencialistas e a população mantém seus hábitos passivos, sendo os profissionais responsáveis pelas atividades que deveriam ser da população.
A repetição de ações que envolvam grande número de pessoas, sem levar em conta o impacto social, possui imensa visibilidade para os gestores municipais, estaduais e/ou federais se promoverem diante da mídia. Há uma necessidade urgente de mudar esse modelo que não vem obtendo êxitos para reduzir a ocorrência de epidemias, já que as ações tornam-se mais intensas apenas quando o número de casos está crescendo:
Damos orientações aos pacientes com ações de prevenção e promoção. Realizamos também mutirão com músicas, panfletos, sacos de lixo para recolher entulhos/lixo pelo bairro. Orientamos a população quanto à denúncia de terrenos baldios. Temos disponível uma página no facebook que eu atualizo constantemente com informações pertinentes (Filipinas).
Realizamos educação permanente com a equipe. Mutirão também com a equipe nas ruas, domicílios e escolas. Realizamos também em sala de espera discussões sobre o tema com a população (Colômbia).
No estudo realizado por Lenzi e Coura fora notado que os materiais impressos só abordam questões relacionadas aos cuidados com os reservatórios mais possíveis de ter focos do mosquito, mas não reais às questões socioculturais, ou seja, as intervenções com uso desses materiais gráficos ainda se encontram bastante longínquas da realidade social (Lenzi; Coura, 2004LENZI, M. F.; COURA, L. C. Prevenção da dengue: a informação em foco. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Brasília, DF, v. 37, n. 4, p. 343-350, 2004.). Além disso, há limitações nas informações sobre a própria doença.
O uso das redes sociais tem sido amplamente difundido na área da saúde e é citado como forma de orientar a população sobre as doenças. O uso da web torna-se uma via para o acesso a informações, tendo em vista a grande quantidade de pessoas que interagem diariamente devido à sua popularidade (Facebook, Twitter, Myspace) e outras que têm como função o compartilhamento de conteúdos mais específicos (Santos et al, 2014SANTOS, B. N. et al. Monitoramento para prevenir epidemias utilizando redes sociais. Revista Colloquium Exactarum, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 65-79, 2014.).
A popularidade dessas redes sociais é possível pela facilidade que oferecem, permitindo aos usuários criarem e compartilharem conteúdos (de uma simples mensagem até conteúdo de multimídia, como fotos e vídeos) nesses ambientes (Santos et al, 2014SANTOS, B. N. et al. Monitoramento para prevenir epidemias utilizando redes sociais. Revista Colloquium Exactarum, São Paulo, v. 6, n. 1, p. 65-79, 2014.). As redes sociais também possibilitam aos usuários criarem grupos que objetivam trocar informações e experiências.
Conclusão
As ações desenvolvidas pelos enfermeiros são pontuais, realizadas quando há crescimento no número de casos da doença, com o objetivo de tentar reduzi-lo. A principal metodologia usada por eles é a palestra e as orientações advindas de campanhas e visitas domiciliares, uso de panfletos, e redes sociais.
As campanhas realizadas pela equipe de saúde são assistencialistas, típicas das práticas campanhistas/higienistas, as quais visam realizar limpeza dos locais e combater o mosquito Aedes Aegypti, destruindo os prováveis depósitos favoráveis para sua proliferação. Destarte, torna-se preocupante a forma como está sendo feito o combate a esse vetor, haja vista que as ações são realizadas somente no período em que há surtos das doenças. Diante disso, com a entrada do zika vírus no país, a população torna-se vulnerável por não haver ações efetivas que reduzam os índices de infestação do Aedes aegypti e consequente controle vetorial.
Por fim, conclui-se que há uma forte presença do modelo campanhista/higienista, enraizado tanto nas ações quanto na realização de atividades educativas, usando como metodologia a palestra. Além disso, há necessidade de se realizar mais estudos que aprofundem o tema abordado, a julgar por uma amostra pequena, especialmente no município de Parnamirim.
Referências
- ACIOLI, S.; DAVID, H. M. S. L.; FARIA, M. G. A. Educação em saúde e a enfermagem em saúde coletiva: reflexões sobre a prática. Revista Enfermagem UERJ, Rio de Janeiro, v. 20, n. 4, p. 533-536, 2012.
- ALBUQUERQUE, I. G. C. et al. Chikungunya virus infection: report of the first case diagnosed in Rio de Janeiro, Brazil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, Brasília, DF, v. 45, n. 1, p. 128-129, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsbmt/v45n1/26.pdf >. Acesso em: 22 jan. 2015.
» http://www.scielo.br/pdf/rsbmt/v45n1/26.pdf - BARBETTA, P. A. Estatística aplicada às ciências sociais. Florianópolis: UFSC, 2008.
- BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1994.
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Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2016
Histórico
- Recebido
03 Mar 2016 - Revisado
21 Jun 2016 - Aceito
08 Jul 2016