A atuação do profissional de saúde residente em contato com a morte e o morrer11Esta pesquisa possui financiamento próprio.

The work of the resident health professional in contact with death and dying

Resumo

Decorrente de um processo sócio-histórico, a morte tornou-se um tabu: há uma constrição do tema que o afasta do cotidiano e isola sua vivência. Assim, a formação dos profissionais de saúde em torno da temática é insuficiente em níveis de graduação e pós-graduação, este último na modalidade de residência em saúde, interferindo no cuidado para com pacientes em processo de morte e morrer. Este artigo visa compreender a percepção do profissional de saúde residente diante da atuação na morte e no morrer, e investigar a formação dos residentes sobre essa temática, a experiência de atuação nessas situações e o aparato teórico e técnico obtido. A pesquisa é de natureza qualitativa, fundamentada na hermenêutica fenomenológica, e seus dados foram coletados mediante entrevistas semiestruturadas com 14 médicos residentes de um hospital infantil vinculado à Secretaria de Saúde do Estado do Ceará. Através das categorias de sentido encontradas, demarcou-se a carência de formação dos profissionais a respeito do tema, além dos sentimentos de despreparo, impotência e sofrimento relacionados à atuação diante da morte e do morrer. Destacou-se, ainda, a importância da interdisciplinaridade em saúde no trato com os pacientes nessa situação. Os resultados obtidos indicam o lugar dos programas de residência na tentativa de minimizar as complicações da carência da formação; apontam para a necessidade de espaços de cuidado para os profissionais; e destacam que a dimensão ética do cuidado a esses pacientes se sobrepôs às relações técnicas.

Palavras-chave:
Profissional de Saúde; Morte; Cuidado

Abstract

Due to a social and historical process, death has become a taboo and has been treated under constraint, distant from the everyday life. Thus, the training of health professionals on this subject is insufficient at the undergraduate level and it lingers in graduate programs of medical residency, interfering in the care with patients in the process of death and dying. This research’s objective is to understand the perception of graduating medics in contact with death and dying cases and to investigate both the training that they received on this subject and the experience they have while dealing with these situations. It was applied a method of qualitative research based on phenomenological hermeneutics, and the data was collected through semi-structured interviews with 14 medical residents of a children’s hospital linked to the Ceará State Health Department. The results pointed out the lack of training of the professionals on this matter - they felt unprepared and impotent deal with death and dying, and with the importance of interdisciplinarity in dealing with patients in this context. Furthermore, it was clear the residency programs try to minimize the complications of the lack of training; the need of care spaces for professionals; and that ethical dimension of care is more important than the technical relations between doctors and dying patients.

Keywords:
Professional Health; Death; Care

Introdução

A morte tornou-se um tabu para a sociedade atual. Há uma constrição do tema, afastando-o das discussões cotidianas e isolando sua vivência. No entanto, nem sempre foi assim. Ariès (1977ARIÈS, P. A história da morte no ocidente. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977.), em um resgate da historiografia da morte, demonstra que as transformações no trato com a temática são fruto de um processo sócio-histórico que indica o lugar do homem atual diante das questões da morte e do morrer. Conforme o autor, antigamente compreendida como um processo natural e vivenciada de maneira coletiva, a morte passou a ocupar outro lugar dentro da sociedade a partir das transformações sociais, culturais, tecnológicas e econômicas da Idade Moderna, tornando-se selvagem, com os indivíduos passando a temê-la veementemente. Desde então, a morte e as doenças repugnam, e o hospital é constituído como lugar de excelência para ocultá-las.

De acordo com Lisboa e Covas (2002LISBOA, C. F.; COVAS, T. Breve história dos hospitais: da Antiguidade à Idade Contemporânea. Notícias Hospitalares, São Paulo, n. 37, jun./jul. 2002. Encarte especial.), com o avanço da burguesia e das novas tecnologias, os hospitais foram estabelecidos cada vez mais próximos dos centros urbanos, organizando-se em torno da medicina e do domínio dos corpos. Assim, a instituição hospitalar começa a assumir características fortemente curativas, defendendo um modelo de saúde pautado no trato com os sintomas e desconfortos físicos, não levando em consideração os processos sociais, psíquicos e espirituais que permeiam o adoecimento, afastando-se dos processos de finitude.

Segundo Ariès (1977ARIÈS, P. A história da morte no ocidente. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1977., p. 53), a morte é concebida como “um fenômeno absolutamente inaudito […]. [De] tão presente no passado, de tão familiar, vai se apagar e desaparecer. Torna-se vergonhosa e objeto de interdição”. E, ressalta Souza (2009SOUZA, C. P. A morte interdita: o discurso da morte na história e no documentário. Doc On-line: Revista Digital de Cinema Documentário, n. 7, p. 17-28, dez. 2009. Disponível em: <Disponível em: https://goo.gl/j6mDXU >. Acesso em: 26 out. 2017.
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, p. 18), a morte se torna “uma violação à vida cotidiana, uma ruptura, um interdito; a morte é a reafirmação de que a prosperidade do coletivo está ameaçada. Na impossibilidade de impedi-la, vamos silenciá-la”.

O modo como culturalmente lidamos com esses processos influi de maneira direta no cuidado que ofertamos aos pacientes sem possibilidade de cura ou em processo de finitude. Em um contexto em que o tratamento de doenças inclui, predominantemente, a administração de fármacos e a busca pela cura, percebe-se a constrição do espaço das perdas e do luto, sendo a morte, assim, considerada um fracasso, de modo que se limitam as possibilidades de se pensar, falar e estudar o assunto.

Machado, Pessini e Hossne (2007MACHADO, K. D. G.; PESSINI, L.; HOSSNE, W. S. A formação em cuidados paliativos da equipe que atua em unidade de terapia intensiva: um olhar da bioética. Bioethikos, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 34-42, 2007.) destacam que os profissionais de saúde costumeiramente lidam com situações de morte, mas não possuem formação suficiente sobre o tema. Hermes e Lamarca (2013HERMES, H. R.; LAMARCA, I. C. A. Cuidados paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 9, p. 2577-2588, 2013.) apontam que há carência de disciplinas que tratam da temática da morte nos currículos profissionais da área da saúde, ocasionando, por conseguinte, barreiras estruturais e formativas que se colocam frente ao cuidado de pacientes em processo de morte e morrer.

No entanto, para que a atuação da equipe de saúde seja relevante e efetiva, os profissionais precisam compreender esse processo como algo natural, desenvolvendo alternativas humanizadas de cuidado (Machado; Pessini; Hossne, 2007MACHADO, K. D. G.; PESSINI, L.; HOSSNE, W. S. A formação em cuidados paliativos da equipe que atua em unidade de terapia intensiva: um olhar da bioética. Bioethikos, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 34-42, 2007.). No cumprimento de uma abordagem humanizada acerca da morte deve-se haver o trabalho integrado de toda equipe interdisciplinar. Os objetivos das ações dessa equipe devem ser “ajudar o paciente a adaptar-se às mudanças de vida impostas pela doença, pela dor, e promover a reflexão necessária para o enfrentamento desta condição de ameaça à vida para pacientes e familiares” (Hermes; Lamarca, 2013HERMES, H. R.; LAMARCA, I. C. A. Cuidados paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 9, p. 2577-2588, 2013., p. 2578).

Neste trabalho nos debruçaremos sobre a percepção dos profissionais de saúde residentes de um hospital pediátrico vinculado à Secretaria de Saúde do Estado do Ceará diante da atuação na morte e no morrer. A proposta desta pesquisa surgiu das indagações produzidas no cotidiano do trabalho, no qual se percebeu que, na atuação dos residentes em saúde do referido hospital, corriqueiramente entrava-se em contato com situações de morte e morrer, seja nas pioras clínicas dos pacientes, nos processos de óbito ou na assistência a usuários fora de possibilidade terapêutica. Percebeu-se, na prática, uma dificuldade dos profissionais residentes no trato com essas situações, visto que há o relato de que não se sentem preparados ou que não têm suporte emocional para lidar com a temática.

Dessa forma, o objetivo geral desta pesquisa é compreender a percepção do profissional de saúde residente diante da atuação na morte e no morrer. Busca-se compreender a percepção dos residentes gerada em face às vivências em situações de morte e morrer, bem como conhecer a preparação em torno do tema e investigar a formação teórica e técnica sobre a temática.

Aspectos metodológicos

Esta pesquisa é de natureza qualitativa, fundamentada na hermenêutica-fenomenológica de Paul Ricœur (2002RICŒUR, P. O único e o singular. São Paulo: Unesp, 2002.). Para o autor, essa abordagem está direcionada ao mundo da vida e à compreensão do comportamento humano, tornando-se base para análise e interpretação dos dados. A partir da hermenêutica-fenomenológica, a interpretação requer um constante movimento de retorno às coisas mesmas e uma constante tentativa de suspensão de pressupostos que possam ferir o fenômeno. O pesquisador, portanto, deve entrar em contato com o fenômeno no que ele tem de mais singular e único, não o enviesando.

Como destaca Ekman (2000EKMAN, I. et al. The meaning of living with severe chronic heart failure as narrated by elderly people. Scandinavian Journal of Caring Sciences, Estocolmo, v. 14, n. 2, p. 130-136, 2000.), para analisar o fenômeno estudado, o pesquisador considera a linguagem e a experiência vivida através da objetivação do texto. Para chegar a essa objetivação, há uma sequência de passos a ser realizada, ou uma “sequência de estágios de compreensão”. São elas, segundo Geanellos (2000GEANELLOS, R. Exploring Ricœur’s hermeneutic theory of interpretation as a method for analyzing research texts. Nursing Inquiry, Carlton, v. 7, n. 2, p. 112-119, 2000.): distanciação, apropriação, explicação, compreensão simples e compreensão profunda.

A distanciação diz respeito à atitude do pesquisador em colocar seus pré-juízos em suspensão. Por apropriação, entende-se que o pesquisador tem que tornar o texto algo próprio a ele mesmo, se apropriando do significado e tornando-o familiar. Esse movimento de distanciação e apropriação forma uma dialética interpretativa (Geanellos, 2000GEANELLOS, R. Exploring Ricœur’s hermeneutic theory of interpretation as a method for analyzing research texts. Nursing Inquiry, Carlton, v. 7, n. 2, p. 112-119, 2000.). Na explicação, escolhe-se os principais detalhes do texto e através deles pode-se desenvolver uma consideração inicial sobre o que o escrito diz. Com a compreensão inicial, tem-se uma percepção geral e superficial dos significados do texto. O pesquisador escolhe, a partir disso, as partes consideradas importantes e debruça-se sobre elas, em uma compreensão profunda.

Após a leitura superficial e geral do texto, “o pesquisador categoriza o material encontrado em unidades de significado, que, quando demonstram um padrão de similaridade, são unidas em subtemas; esses subtemas dão origem aos temas que serão analisados na pesquisa” (Geanellos, 2000GEANELLOS, R. Exploring Ricœur’s hermeneutic theory of interpretation as a method for analyzing research texts. Nursing Inquiry, Carlton, v. 7, n. 2, p. 112-119, 2000., p. 113, tradução nossa). Interpreta-se o todo em relação às partes e as partes em relação ao todo, e a esse movimento dá-se o nome de círculo hermenêutico (Ricœur, 2002RICŒUR, P. O único e o singular. São Paulo: Unesp, 2002.).

No tocante à análise do material desta pesquisa, inicialmente houve a leitura superficial do texto, na qual fez-se a leitura flutuante, sem se apegar aos detalhes. Posteriormente, o texto foi analisado com mais profundidade, destacando-se as partes consideradas relevantes. Após essa fase, as falas consideradas relevantes foram categorizadas segundo o sentido que condensavam; estas foram agregadas em blocos por similaridade ou oposição, dando origem, por sua vez, a unidades mais amplas, que condensavam os sentidos mais gerais acerca do tema: as unidades de sentido.

Os dados da pesquisa foram coletados mediante entrevistas semiestruturadas, previamente estabelecidas, com perguntas que visavam acessar a experiência dos sujeitos, facilitando o diálogo entre entrevistador e entrevistado e proporcionando uma maior interação empática entre eles. As entrevistas foram realizadas em local seguro e sigiloso, em data e hora acordadas entre pesquisador e sujeitos da pesquisa. As gravações foram feitas mediante autorização e transcritas pela pesquisadora para posterior leitura e análise do texto.

Participaram da pesquisa uma equipe de profissionais residentes R1 e R2 da Residência Integrada em Saúde (RIS), com ênfase em pediatria, e profissionais residentes médicos22No Hospital Infantil Albert Sabin, a Residência Médica em Pediatria foi implantada em 1977, com coordenação do corpo técnico e pedagógico do próprio hospital, e a Residência Integrada em Saúde, em 2014, com a primeira turma com ênfase em pediatria. Esta, porém, foi instruída em 2013 pela Escola de Saúde Pública e contava com o componente comunitário em diversos municípios do Ceará, e apenas uma ênfase do componente hospitalar, que se tratava da atuação em cancerologia, tendo sua ampliação no ano de 2014. Os residentes de ambos os programas atuam em equipe e rodiziam nos diversos setores do hospital a fim de se apropriarem de todas as especialidades relacionadas à pediatria., no total de 14 profissionais, sendo estes: dois enfermeiros, dois psicólogos, dois assistentes sociais, dois terapeutas ocupacionais, dois nutricionistas, um médico, um dentista, um fisioterapeuta e um farmacêutico, com médias de idade de 25 anos e de dois anos e sete meses de formados.

O local de coleta foi o Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), instituição de pesquisa e ensino e hospital terciário estadual de referência para tratamento de doenças e agravos de crianças e adolescentes, vinculado à Secretaria de Saúde do Estado do Ceará. O hospital conta com 37 unidades e realiza, em média, 25 mil atendimentos por mês.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) do Hospital Infantil Albert Sabin sob o número 45741215.9.0000.5042, garantindo o sigilo quanto à identificação dos sujeitos, assim como a sua aquiescência em participar do estudo, obtida por meio da assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido, de acordo com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2013BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Trata de pesquisas em seres humanos e atualiza a Resolução nº 196. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jun. 2013. Seção 1, p. 59.).

Análise dos resultados

A partir da análise das entrevistas, foi possível compreender a percepção do profissional de saúde residente diante da atuação na morte e no morrer. As unidades de sentido encontradas condensaram os significados originários da formação, versando acerca do investimento das graduações e pós-graduações em saúde para o estudo da morte; acerca do preparo para o tema, apontando o quanto o residente se sente amparado pessoalmente e profissionalmente para lidar com a temática; acerca da interdisciplinaridade do cuidado, tomando a atuação da equipe interdisciplinar como um potencializador para a melhoria do cuidado aos pacientes em morte e morrer; e acerca da vivência dos residentes, indicando como eles se situam diante das experiências pessoais e profissionais no trato com a morte. Essas unidades e as subunidades que as compõem serão discutidas a partir das falas dos sujeitos e da literatura disponível, fundamentando-se em discussões e referências do campo da saúde coletiva, da psicologia hospitalar e da psicologia da saúde.

A morte discutida no processo de formação

A questão da formação tornou-se central para a compreensão do problema de pesquisa, visto que dela dependem, por vezes de forma decisiva, as formas com as quais os profissionais de saúde lidam com a atuação na morte e no morrer.

Formação na graduação

Carvalho e Ceccim (2007CARVALHO, Y. M.; CECCIM, R. B. Formação e educação em saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W. S. et al (Org.). Tratado em saúde coletiva. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 137-168.), em uma análise mais ampla dos currículos dos cursos da área da saúde, apontam que o ensino de graduação pauta-se numa tradição pedagógica centrada no conteúdo e na transmissão passiva de conhecimento, orientada para a doença e a reabilitação. Nesse sentido, as falas dos residentes demarcaram a ausência de formação, na graduação, orientada para o cuidado aos pacientes em processo de morte e morrer.

Não prepara, não prepara, você passa a ter um contato maior e com isso passa a saber lidar melhor, mas assim, não existe um momento na sua formação em que você é posto de frente com uma situação dessas. (S3, Odontologia)

Alguns trouxeram que a categoria profissional limita a aproximação com o tema devido ao caráter mais técnico da formação, a exemplo dos cursos de odontologia e farmácia.

Na graduação não, porque, assim, a odonto é um curso da saúde, mas a gente atende pacientes saudáveis, assim, se parte do princípio que pacientes doentes não vão ao dentista. E aí a gente não atende muitos pacientes doentes durante a graduação e nem tem formação pra isso. (S3, Odontologia)

Na minha formação de farmacêutico não tem. (S7, Farmácia)

Carvalho e Ceccim (2007CARVALHO, Y. M.; CECCIM, R. B. Formação e educação em saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W. S. et al (Org.). Tratado em saúde coletiva. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 137-168.) apontam que a cartografia epistemológica nas universidades modernas foi configurada em disciplinas e departamentos. Esse recorte histórico se fez, porém, epistemológico, e inaugurou o corporativismo das categorias da saúde, delimitando rigidamente suas fronteiras e dificultando as práticas interdisciplinares. Desse modo, há uma espécie de divisão entre as formações que destinam conteúdos mais técnicos e mais humanísticos a um ou outro curso. Os autores reforçam que “os conteúdos foram cristalizados em disciplinas, subdividas em ciências básicas e ciências clínicas, área biológica e área profissional, conhecimentos aplicados e conhecimentos reflexivos” (Carvalho; Ceccim, 2007CARVALHO, Y. M.; CECCIM, R. B. Formação e educação em saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W. S. et al (Org.). Tratado em saúde coletiva. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 137-168., p. 142). Fragmentam-se, assim, os conteúdos e os fazeres dos profissionais de saúde, limitando a amplitude do cuidado.

Ao contrário de alguns residentes que declararam nunca ter tido formação voltada para a morte e o morrer, outros disseram já ter entrado em contato com a temática em algum curso ou disciplina, mas que este contato foi insuficiente, tendo em vista o que a prática demandou deles.

Bastante insuficiente. Bastante insuficiente, quando você entra aqui você sabe que isso acontece, você aprende desde criança que as pessoas nascem, crescem, têm frutos e morrem, mas você não tem uma preparação. (S12, Nutrição)

A gente tem algumas aulas perdidas e algumas aulas de ética que falam um pouco, mas não existe curso, pelo menos na minha graduação não teve curso nem prática. A gente tem algumas aulas, mas aulas bem esparsas, e algumas aulas de ética que focam essa questão, mas coisas bem poucas. (S14, Medicina)

Destacam Carvalho e Ceccim (2007CARVALHO, Y. M.; CECCIM, R. B. Formação e educação em saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W. S. et al (Org.). Tratado em saúde coletiva. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 137-168.) que é imprescindível que haja coerência entre a formação e as exigências da atuação profissional. Os residentes trouxeram a insuficiência de formação voltada ao tema da morte, apontando que sentiram necessidade de um maior aprofundamento a partir do que vivenciaram na prática.

Borges e Mendes (2012BORGES, M. S.; MENDES, N. Representações de profissionais de saúde sobre a morte e o processo de morrer. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 65, n. 2, p. 324-331, 2012.) defendem a necessidade de instituições formadoras em saúde investirem na capacitação dos alunos com o objetivo de fomentar não apenas o desenvolvimento de habilidades técnicas assistenciais, mas também de habilidades interpessoais, tais como empatia, congruência, acolhimento e diálogo, considerados pelos autores como elementos fundamentais para o cuidado humano, sobretudo diante da morte. A formação em saúde voltada para as reais necessidades dos usuários aponta, portanto, para novas práticas de cuidado voltadas para o sujeito em suas múltiplas dimensões.

Formação na residência

Diante dessa discussão, a residência apareceu como lugar de potência para a complementaridade da formação na graduação, considerando, porém, que esta também apresentou lacunas em relação à formação para o tema da morte.

Teve algumas discussões voltadas pra esse tema, mas não que fosse preparar você pra tá ali. (S1, Psicologia)

Teve um módulo específico, mas esse módulo foi recente, então eu já passei por situações de óbito antes desse módulo. (S5, Enfermagem)

Essas foram falas de estudantes da Residência Integrada em Saúde, da primeira turma de pediatria, que no momento da pesquisa já haviam cumprido um ano de formação em serviço e já haviam passado por aulas e cursos ofertados acerca do tema. Apesar disso, ainda sentiam certa insatisfação com a formação. Outros, no entanto, consideraram satisfatórias as experiências formativas sobre o tema.

Teve dois cursos, um sobre luto e terminalidade. Foi de uma semana e também um dia, com um professor, e talvez assim [o tema] tenha se tornado mais concreto, presente. (S2, Nutrição)

Com as aulas que tiveram, acho que eu comecei a abrir mais um pouco minha cabeça. Pensar um pouquinho… (S6, Serviço Social)

Os residentes da segunda turma e os residentes médicos, porém, apresentam uma grande lacuna em suas formações, relatando que não adquiriram na residência algo que suplantasse essa carência.

Na residência não teve nada, nadinha. Eu acho que se a gente tivesse, por exemplo, uma formação que contemplasse isso, eu acho que na internação isso não teria me angustiado tanto, teria me dado suporte pra lidar não só em relação à morte, mas ao luto, o luto de maneira geral, luto de uma parte do corpo; mas a gente não tem nada e eu me sinto muito na obrigação de ir buscar por fora. (S8, Psicologia)

Não, na residência nunca teve nenhuma aula, nenhuma discussão sobre isso, não. Não em abordagem mesmo da preceptoria, da residência. Pelo menos que eu me lembre, não. A gente tem até umas aulas de humanidades do primeiro ano, que foram abordados vários outros temas, mas a morte não lembro de ter sido abordada, não. (S14, Medicina)

Eles se queixaram de já ter vivenciado situações de morte e morrer sem terem passado por um preparo para tal, indicando a necessidade de haver momentos formativos e de discussão sobre o tema no início da residência, como condição básica para prepará-los para a atuação em suas linhas de cuidado.

Nesse sentido, consideramos a proposta de uma educação para a morte (Kovács, 2005KOVÁCS, M. J. Educação para a morte. Revista Psicologia Ciência e Profissão, Brasília, DF, v. 25, n. 3, p. 484-497, 2005.) como uma tentativa de encontrar estratégias que facilitem o trato com a temática33 Tal perspectiva vem sendo trabalhada desde 2000 pelo Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM), do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade, do Instituto de Psicologia da USP, sob coordenação de Maria Julia Kovács.. Kovács defende que a educação para a morte busca o desenvolvimento pessoal de uma maneira mais integral, visando a encontrar o sentido que esta pode oferecer à vida. Portanto, tal educação é uma forma de preparar os profissionais de saúde para lidar com a morte nas suas histórias pessoais e com a morte daqueles que estão sob seus cuidados. Essa educação não é realizada através de receitas prontas ou doutrinação, mas no cotidiano do trabalho em saúde, envolvendo aspectos cognitivos e afetivos, com os profissionais tendo a oportunidade de refletir sobre suas práticas, revisando sua práxis para um cuidado mais humanizado (Kovács, 2005KOVÁCS, M. J. Educação para a morte. Revista Psicologia Ciência e Profissão, Brasília, DF, v. 25, n. 3, p. 484-497, 2005.).

Aqui, abre-se um parêntese para discutirmos as residências em saúde, seus propósitos e constituição, apontando o lugar delas na formação do estudante e em seu preparo teórico e prático para o fazer em saúde. Segundo Ceccim e Ferla (2003CECCIM, R. B.; FERLA, A. A. Residência integrada em saúde: uma resposta da formação e desenvolvimento profissional para a montagem do projeto de integralidade da atenção à saúde. In: PINHEIRO, R.; MATOS, R. (Org.). Construção da integralidade: cotidianos, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: UERJ, 2003. p. 211-226.), as residências são uma modalidade de pós-graduação lato sensu, que se utilizam da formação em serviço sob supervisão como metodologia de ensino.

No Brasil, a residência consolidou-se como área de especialização da categoria médica, veiculando, segundo Dallegrave (2008DALLEGRAVE, D. No olho do furacão, na ilha da fantasia: a invenção da residência multiprofissional em saúde. 2008. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.), um modelo de saúde fragmentado, individual, curativo e privado. Sentiu-se, pois, a necessidade de pensar o fazer em saúde não apenas no sentido de uma categoria, mas na dimensão macro e coletiva, voltada ao fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e à integralidade do cuidado. Esse movimento culminou na criação da primeira turma de Residência Integrada em Saúde do Brasil, no Rio Grande do Sul, numa perspectiva multiprofissional e de integração dos saberes. Em 2003, esse modelo de residência ganhou dimensão nacional, e desde então programas de residência nessa perspectiva vêm sendo criados e ampliados (Dallegrave, 2008DALLEGRAVE, D. No olho do furacão, na ilha da fantasia: a invenção da residência multiprofissional em saúde. 2008. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.).

Para Ceccim e Ferla (2003CECCIM, R. B.; FERLA, A. A. Residência integrada em saúde: uma resposta da formação e desenvolvimento profissional para a montagem do projeto de integralidade da atenção à saúde. In: PINHEIRO, R.; MATOS, R. (Org.). Construção da integralidade: cotidianos, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: UERJ, 2003. p. 211-226.), a residência ocupa a posição de complementar e fomentar o desenvolvimento de habilidades e competências que vão para além da formação fragmentada e limitada das disciplinas da graduação. Cabe, então, às instituições formadoras e executoras dos programas de residência, a percepção das lacunas deixadas na graduação, voltando-se às demandas de formação dos residentes com base nas necessidades de saúde da população.

Relação teoria e prática

Diante desse panorama atual da formação em saúde, as falas dos residentes elucidaram o distanciamento entre a formação e a prática, demandando que a formação em serviço da residência dê subsídios para uma prática mais embasada.

Então você vem com uma carga teórica achando que vai ser tudo daquele jeito na prática, mas não é bem assim. (S1, Psicologia)

Eu não sei se uma preparação me faria agir diferente por conta da diferença de teoria e prática, mas eu gostaria de ter [uma preparação] pelo menos pra saber o que dizer. (S9, Terapia Ocupacional)

Os estudantes destacaram que a formação, afastada do cotidiano do serviço e dos usuários, torna-se vazia, e que o dia a dia em contato com pacientes e com a prática em saúde dá embasamento para um fazer mais qualificado.

Não tem formação, você meio que vai aprendendo na prática mesmo. (S3, Odontologia)

A formação ficou muito a desejar. Acho que com a experiência a gente tem mais segurança de vivenciar isso. (S13, Enfermagem)

A morte apareceu como tema difícil de ser apreendido, cabendo ao cotidiano de trabalho a função do ensinamento de como lidar com a situação.

Em relação à morte, eu acho que não existe preparação. Acho que vai, e na hora você vê o que é que faz. Não tem uma preparação. (S14, Medicina)

Não que eu ache que exista uma preparação, mas eu acho que quando você vai passando mais pela situação, você acaba tendo mais vivência. Eu acho que nos casos que eu atuei, o que eu fiz não foi advindo de uma preparação teórica, foi por tentativa e erro, fui fazendo até onde eu podia ir pra ver se dava certo. (S4, Terapia Ocupacional)

Outros, porém, apontaram que a formação é a base para o fazer em saúde e que sentem a necessidade de conteúdos voltados à temática da morte e do morrer.

Quanto à formação, eu acho mesmo que ela é uma base. (S1, Psicologia)

Eu queria esse suporte só pra eu saber o que dizer, e não falar besteira. Com certeza se a gente tivesse uma preparação seria diferente. (S9, Terapia Ocupacional)

Em meio a esse complexo conflito entre a prática e a teoria, Carvalho e Ceccim (2007CARVALHO, Y. M.; CECCIM, R. B. Formação e educação em saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W. S. et al (Org.). Tratado em saúde coletiva. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. p. 137-168., p. 157-158) destacam:

Para ser um profissional de saúde há necessidade do conhecimento científico e tecnológico, mas também de conhecimento da natureza humanística e social relativa ao processo de cuidar. O diploma em qualquer área de saúde não é suficiente para garantir a qualificação necessária, já que o conhecimento e a informação estão em permanente mudança e exigem atualização do profissional. Assim, como não é possível aprender a cuidar em uma aula, duas ou vinte, o desenvolvimento do cuidar deve envolver o contato com o outro e as relações entre as pessoas. Essas aprendizagens são dinâmicas e imprevisíveis. A responsabilidade do cuidar exige uma reavaliação constante do profissional para que ele tenha condições de atender às necessidades do outro e as suas também, como pessoa e como profissional, à medida que as dificuldades, os impasses e as soluções aparecem no dia a dia do trabalho.

Não há como quantificar, portanto, o peso da formação ou da prática na constituição de um profissional, mas entende-se que o cuidado em saúde exige um refazer-se continuamente através de formações baseadas nos problemas do cotidiano do trabalho. Isso demanda um estar em contato com o outro em sua plenitude, estando atento às suas necessidades e aos seus modos de produção de saúde e doença, de modo ético e implicado.

O cuidado no morrer e a interdisciplinaridade

Experiência na residência como possibilitadora de vivências agregadoras

Como já trabalhado na unidade de sentido anterior, existe na formação em saúde a divisão entre categorias mais técnicas, nas quais há um distanciamento dos temas mais voltados às questões relacionais e intersubjetivas do fazer em saúde, e outras de cunho mais humanístico. Destaca-se, porém, que o programa de residência surgiu como possibilitador de vivências agregadoras, permitindo que profissionais de áreas tidas como mais técnicas pudessem ter um contato mais próximo com os usuários.

Foi a residência que me proporcionou esse contato, porque, se fosse só pela minha categoria mesmo, seria muito difícil, por que a farmácia é uma coisa bem restrita. Eu não conheço nenhum farmacêutico que lide com essa questão do óbito, e isso foi uma possibilidade da residência e eu vejo isso como uma possibilidade de ajudar. É uma oportunidade de estar vivenciando isso, e acredito que em nenhum outro lugar eu vejo o farmacêutico tendo essa oportunidade de ter tanto contato assim com o paciente, o que eu acho de fundamental importância. (S7, Farmácia)

Aqui, a estudante de farmácia aponta que a residência possibilitou um contato com os usuários de tal forma que a permitiu participar do processo de finitude de alguns pacientes, e que isto lhe enriqueceu muito enquanto profissional e pessoa, destacando também esse diferencial em relação às vivências corriqueiras dos farmacêuticos.

O suporte na equipe interprofissional

Nesse mesmo sentido, os estudantes da Residência Integrada em Saúde assinalaram que o trabalho interprofissional cotidiano e intenso, de acordo com a proposta da RIS, favoreceu o contato com a temática da morte e do morrer, encontrando nos colegas de equipe suporte formativo e emocional para lidar com as situações.

Na realidade, os pacientes são assim da equipe, e tá todo mundo sentindo aquele mesmo sentimento, com aquela mesma energia envolvida. Antes do morrer mesmo, no cuidado, tá todo mundo envolvido. Muitas vezes é uma criança que você não espera e na hora da notícia é meio que um amparo uma pra outra, cada uma do seu jeito. (S3, Odontologia)

Às vezes, no contato da equipe, você acaba sabendo um pouco mais o que fazer, se sentindo mais preparado, você observa e acaba aprendendo por observar o que eles estão fazendo ou deixam de fazer, eu acho que a residência vem contribuir nisso, nessa junção de pegar o que tem de melhor no outro e dar o que tem de melhor no seu pra contribuir também. (S10, Fisioterapia)

É um fortalecimento, porque sempre tem aquele na sua equipe que é o mais forte emocionalmente falando ou então que já vivenciou outras situações… E ele consegue te fortalecer, te passa aquela segurança, aquele apoio e até te ensina algumas estratégias pra você não ficar apático, atônito na frente do paciente ou acompanhante. (S12, Nutrição)

Discurso diferente do encontrado na fala da estudante de medicina, que, pelo próprio formato da residência e pelas questões culturais que perpassam a categoria, tem atuação mais individual e distanciada dos aspectos psíquicos e emocionais.

Pode até ser que outras pessoas tenham vivências diferentes, porque a gente roda separado, mas da minha equipe foi só uma coisa pontual de falar no WhatsApp quando uma paciente morreu ou de conversar com uma outra residente amiga minha. (S14, Medicina)

Destaca-se, contudo, que toda a equipe de saúde deve estar integrada e atuar no sentido de proporcionar aos pacientes e familiares a melhor assistência possível. Segundo Matuda (2012MATUDA, C. G. Cooperação interprofissional: percepções de profissionais da Estratégia Saúde da Família no município de São Paulo (SP). 2012. Dissertação (Mestrado em Ciências) - Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.), a colaboração ou cooperação interprofissional são termos emergentes e estão se tornando cada vez mais presentes na prática cotidiana na área da saúde. Essa colaboração contrapõe-se às relações hierarquizadas tradicionais, caracterizadas por relações paternalistas, autoritárias e unilaterais, nas quais os usuários são fragmentados em diversos aspectos, e cada profissional trabalha com um deles, não havendo interação e diálogo. Na atuação interprofissional, os membros trabalham com um objetivo comum (o cuidado integral ao usuário), compartilhando responsabilidades e contribuindo com o desenvolvimento do outro, por meio dos atravessamentos dos saberes e do contato mais próximo uns com os outros.

O cuidado como fator primordial

Na atuação em prol do paciente, até mesmo a formação insuficiente em torno de alguns temas, como o da morte e do morrer, toma outro lugar dentro do discurso, e o foco do fazer em saúde passa a ser o cuidado.

É uma coisa que vem ficando muito forte, meu interesse em cuidar de pacientes em cuidados paliativos, que você sabe que vão morrer, que você vai dar uma qualidade de vida pra eles, mas, assim, não sei, não consegui ver ainda o que é, o que me move, mas acho que é o cuidado, a vontade de cuidar. (S3, Odontologia)

A gente tem que ter em mente que o paciente não é apenas a doença ou aquele medicamento que ele precisa, e muitas vezes o que ele precisa é de um apoio, de uma conversa, e que o farmacêutico pode fazer isso. E é isso que eu tento fazer, que foge um pouco da questão da medicalização. (S7, Farmácia)

O que me fez conseguir atuar foi o contato humano mesmo, a sensibilidade, o afeto, eu acho que foi isso. (S8, Psicologia)

Backes et al. (2006BACKES, D. S. et al. Concepções de cuidado: uma análise das teses apresentadas para um programa de pós-graduação em enfermagem. Texto & Contexto-Enfermagem, Florianópolis, v. 15, p. 71-78, 2006. Número especial.) argumentam que a categoria do cuidado se apresenta como uma característica ontológica responsável por tornar humano o homem. É pela relação com o outro e, consequentemente, pelo cuidado com o outro que o ser humano se inscreve na cultura e nas relações propriamente humanas.

É sempre muito difícil perder alguém, mas você sempre tenta. Acho que o mais importante é se colocar no lugar da pessoa, da família. O que é que essa família tá precisando ouvir? O que é que essa família tá querendo de mim? Se eu tivesse no lugar dela, o que é que queria que fosse passado pra mim? (S10, Fisioterapia)

Boff (1999BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano: compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1999.) apresenta o cuidado não apenas como um ato, mas como uma atitude, abrangendo, portanto, mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. O cuidado, para o autor, representa uma atitude de ocupação, preocupação, responsabilidade e envolvimento afetivo com o outro, não dependendo, portanto, do componente técnico, mas da atitude diante do outro que sofre.

Eu acho que não é questão de… A nutrição em si fica em segundo plano, você tá ali não como nutricionista, mas como profissional de saúde. Por que aquela mãe não quer saber. Muitas vezes, nem só nessa parte do falecimento, mas no próprio internamento. Ela não quer saber de orientação. Vou dar orientação, mas ela não tá precisando daquilo, ela tá precisando que você escute, que você se importe com ela. (S12, Nutrição)

Pessini (2001PESSINI, L. Distanásia: até quando prolongar a vida? São Paulo: Centro Universitário São Camilo: Loyola, 2001.) defende que há dois paradigmas vinculados ao fazer em saúde: o curar e o cuidar. Quando o investimento é apenas na cura, a morte é percebida como inimiga e deve ser combatida a todo custo, não havendo espaço para se falar ou se trabalhar o tema. Já quando o foco é o cuidado, a morte, mesmo com dor e sofrimento, passa a ser compreendida como parte da condição humana, compreendendo-se que o sujeito não se limita a sua doença, e suas outras questões são valorizadas e trabalhadas em equipe, voltando-se, portanto, para a multidimensionalidade do processo de morte e morrer.

Aqui já não se fala mais do que faz o farmacêutico, o nutricionista, o dentista ou o psicólogo. Já não são mais os saberes que vão determinar o que se pode ou não fazer, o que se tem a capacidade ou não para fazer, mas é o contato humano entre profissional e usuário que irá basear o cuidado, aspecto fundamental do fazer em saúde e forte componente da atuação dos residentes.

Preparo profissional e pessoal no trato com a morte

A discussão em torno da formação voltada para a atuação na morte e no morrer trouxe explanações acerca da possibilidade de se preparar para lidar com um tema tão complexo que envolve, além de questões socioculturais, aspectos muito próprios de cada sujeito em ação, constituídos ao longo da sua história de vida e de sua constituição psíquica. Entende-se, portanto, que uma formação voltada para o preparo de profissionais no trato com a morte e o morrer não pode se limitar à transmissão passiva de conteúdos, devendo abarcar as dimensões éticas e relacionais do cuidado com o outro.

Ressalta-se que o labor educativo se direciona ao entendimento do mundo e deve ter um olhar ampliado que conduza cada um a pensar não somente em si próprio, enfatizando a humanidade da qual é integrante, assim como as modificações que precisam ser efetuadas. Nesse sentido, a humanidade apresenta-se como “o ideal prático de si mesmo” (Ricœur, 1991RICŒUR, P. O si mesmo como um outro. Campinas: Papirus, 1991., p. 91), norteando as ações em saúde.

Sentimento de despreparo

Nas falas dos residentes, destacaram-se o sentimento de despreparo para lidar com a questão.

Assim, é um assunto que eu não sinto naturalidade em tá abordando com as pessoas. Eu, realmente, a gente fica tentando achar palavras confortadoras para lidar com isso. (S13, Enfermagem)

Fico meio perdida, acho que por nunca ter tido esse preparo durante a faculdade. Durante o curso, você não vê muita coisa sobre isso, pelo menos a gente da fisioterapia não tem, e acho que eu me sinto um pouco despreparada. Assim, se acontecer um caso desse, como lidar com isso? (S10, Fisioterapia)

É horrível, eu não sei lidar, eu tenho que aprender e a lidar com isso, eu não sei o que dizer, eu não sei. Eu queria esse suporte só pra eu saber o que dizer, e não falar besteira. (S9, Terapia Ocupacional)

Os residentes sentiram-se perdidos, não sabiam o que fazer, o que falar, como se aproximar da família, como abordar o tema; afirmaram a ausência de preparo e destacaram a necessidade de algo que os norteie no momento da atuação, dando-lhes suporte.

Kubler-Ross (2011)KUBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes, 2011. destaca que a falta de preparo e de habilidade dos profissionais da saúde para encararem o óbito e o processo de finitude são um grande empecilho que prejudica de forma considerável o cuidado eficaz ao paciente e aos seus familiares em suas questões quanto à morte e ao morrer.

Afastamento e impotência

Por sentirem-se despreparados e sem suporte para lidar com o tema, muitos residentes relataram que se afastam dos pacientes em finitude ou de suas famílias, não conseguindo ofertar apoio.

A maioria eu fujo. Foram poucos os óbitos que eu acompanhei aqui no hospital. (S6, Serviço Social)

Eu acho que ainda com muito receio. Com medo de acontecer, rezando pra não acontecer no meu plantão. (S13, Enfermagem)

Não consegui ir no velório, aí assim, a primeira coisa que eu fiz, foi acabar me esquivando e foi uma coisa involuntária mesmo. (S4, Terapia Ocupacional)

Além do despreparo e do afastamento das situações de morte e morrer, os residentes destacaram o forte sentimento de impotência diante da morte.

E depois que a gente seguiu os protocolos, o paciente não voltou. Então, como foi a primeira vez, vieram aqueles questionamentos: será que foi feito tudo certo? Será que faltou fazer alguma coisa por essa pessoa? (S5, Enfermagem)

Quando o paciente tá sendo acompanhado pela equipe ou por você é uma sensação de muita impotência, de não ter feito, de não ter podido ter feito muita coisa e de muitos questionamentos também que até então você não se questionava. (S3, Odontologia)

Quando a prioridade da atuação em saúde é a cura e a concepção de que se deve salvar o paciente a qualquer custo, lidar com a morte ou com sua possibilidade iminente desencadeia nos profissionais intensos sentimentos de fracasso e impotência. “Não conseguir evitar, adiar a morte ou não poder aliviar o sofrimento pode trazer ao profissional a vivência dos seus limites, impotência e finitude, o que pode ser extremamente doloroso” (Kovács, 2003KOVÁCS, M. J. Educação para a morte: desafio na formação de profissionais de saúde e educação. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003., p. 495).

Necessidade de cuidado

Diante do sofrimento vivenciado, alguns residentes trouxeram a necessidade de serem cuidados.

Acho que teria que ter mais momentos que a gente se abre mais e conversar sobre isso. (S7, Farmácia)

Todo mundo fica muito triste e tal, mas é uma coisa que não se conversa muito. Só diz: ah, que pena e tal. Quem era mais próximo ao paciente fica mais abalado, mas não se desenvolve muito sobre o assunto, não. Sempre assuntos mais ligados à religião, mas não se discute isso, só se sente, mas não se debate. Eu acho que seria um momento importante de ser abordado, de ser discutido em grupo. (S14, Medicina)

Lidar com a morte no cotidiano do trabalho não é tarefa fácil, ainda mais quando não há formação e preparo para isso. Para Campos (2005CAMPOS, E. P. Quem cuida do cuidador: uma proposta para os profissionais da saúde. Petrópolis: Vozes , 2005.) os trabalhadores em saúde que estão em contato direto com o sofrimento e a morte tornam-se vulneráveis às doenças de ordem física e psíquica, e necessitam também de apoio e suporte.

De acordo com Campos (2005CAMPOS, E. P. Quem cuida do cuidador: uma proposta para os profissionais da saúde. Petrópolis: Vozes , 2005.), os profissionais do cuidado necessitam de um espaço cuidador, no qual manifestam seus atos de saúde; mas necessitam também de espaços protetores que os acolham, os escutem, os compreendam e validem suas experiências, construindo ferramentas e mecanismos para a efetivação de um cuidado de qualidade e terapêutica. Faz-se, pois, de extrema importância a existência de espaços de escuta e acolhimento destes profissionais, para que seja possível o compartilhamento dos sentimentos.

Vivência diante da morte

Vivência pessoal diante da morte

A vivência pessoal da morte foi um tema que apareceu em grande parte das entrevistas.

Pessoalmente, há um ano, foi minha perda realmente grande, de uma pessoa que morreu e tal, que foi minha avó. Até então era tudo muito obscuro, de como seria lidar, mas pela minha surpresa ou pelo processo mesmo de amadurecimento é uma coisa assim que eu considerei lidar até com grandeza ou maturidade. E eu espero que, por mais que eu não saiba como vai ser, que seja assim que eu leve também. (S2, Nutrição)

A vivência da perda de entes queridos, apesar de ter sido fonte de grande sofrimento, trouxe uma nova forma de lidar com a morte para esse sujeito. Outros, porém, trouxeram a perda de pessoas queridas com bastante pesar e sofrimento, denotando o quão difícil foi lidar com suas próprias perdas.

Acho que é complicado, muda muito, como eu tô te dizendo, algumas coisas, chocam mais, me deixam…acho que com a família isso me deixa…eu perdi um irmão…é muito difícil…eu nem gosto de falar [bastante emocionada] faz pouco tempo, é muito difícil [chora]. (S10, Fisioterapia)

A morte da minha avó ainda mexe muito comigo. Eu tento lidar bem com isso, mas não consigo. (S8, Psicologia)

A vivência pessoal com a morte interfere de maneira positiva ou negativa no modo como o sujeito lidará com a situação no âmbito profissional. É, portanto, diante disso que consideramos que a percepção e a vivência pessoal dos sujeitos com o tema apontam para uma melhor compreensão acerca da atuação destes em situações de morte e de morrer. Destaca-se, deste modo, que há uma unicidade do sujeito em ação, que se compõe por elementos da postura profissional aprendida na formação e por elementos do campo dos afetos e das relações que se mantêm mesmo no ambiente de trabalho, não havendo uma separação tão clara entre o âmbito pessoal e profissional.

A morte e o vínculo

Os residentes destacam o sofrimento vivenciado ao se depararem com a morte.

Quando eu soube que ele tinha morrido, eu fiquei super mal mesmo no dia. (S6, Serviço Social)

Fica você com o sentimento ruim, então fica com uma carga emocional muito grande, é… eu não sei assim lidar muito, não. (S14, Medicina)

Eu passei a semana toda sem conseguir dormir sozinha, porque eu tava no meu quarto e eu via ela. Eu passei a semana toda dormindo com minha mãe. (S9, Terapia Ocupacional)

Conviver com o sofrimento de terceiros afeta os envolvidos que lidam com essa situação de acordo com seu histórico de enfrentamento e com os mecanismos que dispõem para tal, além dos que conseguem desenvolver (Campos, 2005CAMPOS, E. P. Quem cuida do cuidador: uma proposta para os profissionais da saúde. Petrópolis: Vozes , 2005.). Os profissionais sofrem porque se apegam, se vinculam e se afeiçoam, porque depositam esperanças e desejos de melhora nos sujeitos dos quais cuidam. Os residentes não atuam tão somente com o cuidado técnico, mas também como profissionais de saúde que têm empatia e são responsáveis pelos pacientes e por suas famílias.

Depende muito do grau de vinculação que eu tenho com aquela família, então já chegou paciente na emergência que eu nunca tinha visto, que já chegou em óbito, então não dá tempo da gente vincular, a gente realmente tem a empatia, mas não teve vinculação. E já teve paciente que eu acompanhei por vários meses e acompanhei a terminalidade, e aí as vezes é um pouco difícil. (S1, Psicologia)

Quando tem um vínculo, a gente sofre mais, mas quando eu não tenho tanto vínculo eu não sofro tanto. (S11, Serviço Social)

Cavalcante (2006CAVALCANTE, C. M. Relações interpessoais na atenção à saúde mental de crianças residentes em lares substitutos. 2006. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) - Centro de Ciências da Saúde da Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2006.) destaca que as separações geram sofrimento, e esse sofrimento é geralmente relacionado à quantidade de sentimento envolvido na relação. As separações e o sofrimento acarretam dor no nível em que há a vinculação e o apego. Os profissionais sofrem porque se vinculam aos pacientes, e o vínculo, considerado elemento basilar do cuidado, mostra-se também como fonte de sofrimento.

Em alguns casos, porém, os residentes trouxeram o maior vínculo como fator de suporte emocional, pois, assim, tinham a possibilidade de acompanhar longitudinalmente o caso, despedirem-se e sentirem-se satisfeitos com suas atuações.

Depois que você acompanha um paciente e acompanha o processo de morte, acredito que você fica mais ciente do seu papel, qual foi sua contribuição naquele tratamento, durante o percurso que aquele paciente passou. (S5, Enfermagem)

Eu tenho até medo de me envolver demais e o paciente acabar indo a óbito, mas a gente vê que esse contato é necessário e até fortalece a gente mais, se você participar até o fim, ao óbito. (S7, Farmácia)

Aqui o cuidado é trazido como primordial, mesmo quando não há possibilidade de cura; o olhar ao sujeito vai de encontro à perspectiva puramente curativa, que interdita a possibilidade de proporcionar uma melhor qualidade de vida aos pacientes em processo de morte e morrer.

A morte de crianças como intensificadora do sofrimento

Outra categoria de destaque foi a morte de crianças como fator de intensificação do sofrimento emocional dos residentes. A morte de crianças, segundo Costa e Lima (2005COSTA, J. C.; LIMA, R. A. G. Luto da equipe: revelações dos profissionais de enfermagem sobre o cuidado à criança/adolescente no processo de morte e morrer. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 13, n. 2, p. 151-157, 2005.), é algo bem dificultoso para a equipe de saúde lidar, pois, além da morte por si só ser tema velado e pouco debatido, a morte de crianças aparece como uma ruptura, visto que estas são consideradas como o símbolo da vitalidade, da energia e do progresso. A morte de crianças, assim, afeta e angustia quem a vivencia e trabalha diretamente com ela.

E aqui, como é um hospital pediátrico, você fica com esse medo, fica com essa inversão de valores, as crianças, era pra gente ir embora e as crianças ficando, a gente indo embora e elas crescendo, ficando adultos. E é como se fosse uma inversão cronológica. (S12, Nutrição)

Com adulto é ruim, mas, de qualquer forma, muitas vezes eram meio que preparados, eram senhores, então já tem uma sensação de era assim mesmo, chegou a hora, era aquele momento. Aqui é pior porque criança você nunca quer que vá, nunca quer que morra. (S14, Medicina)

Os profissionais sentem que crianças não deveriam morrer, trazendo maior conformação com a morte de adultos e idosos. A morte de uma criança é tida por eles como uma interrupção do ciclo biológico, uma inversão cronológica que deixa lacunas nos planos e nas expectativas para o futuro, provocando sentimentos de angústia, tristeza, frustração e dor e prejudicando o cuidado ofertado a esse público nos centros de saúde.

Considerações finais

A carência de formação voltada para a morte e o morrer foi mencionada como uma importante limitação na formação dos profissionais de saúde residentes, tanto na graduação quanto nos programas de residência, acarretando em insegurança e despreparo nas atuações, além de ser fonte de significativo sofrimento emocional para os profissionais. Compreende-se que lidar com a temática da morte é algo bem delicado, pois toca em questões de cunho cultural, social e principalmente psíquico e emocional, e que não há uma forma correta ou incorreta de trabalhar o tema. Defende-se, porém, que há a necessidade de abordá-lo, principalmente quando adentramos na esfera do cuidado em saúde.

A partir da perspectiva de que é possível uma educação para a morte, entende-se que há a possibilidade de se trabalhar o tema em nível de graduação, com oferta de disciplinas, cursos e workshops, minimizando a lacuna existente entre a formação e as demandas do serviço. E em programas de residência em saúde, principalmente naqueles que têm como campo de trabalho a instituição hospitalar, demarca-se a necessidade de que a temática da morte e do morrer seja parte integrante do componente formativo. Nessa perspectiva, como desdobramento desta pesquisa, foi organizado pela pesquisadora um curso de curta duração para os residentes da segunda turma da RIS, com retorno bastante positivo. A proposta é que o curso também ocorra na residência médica em pediatria.

Diante do que foi encontrado nas falas dos sujeitos, aponta-se que, além de propostas que abarquem o componente formativo das profissões da saúde para a temática da morte e do morrer, há a necessidade de espaços de cuidado a esses profissionais, que trouxeram intensa carga de sofrimento ao atuarem nessas situações. Faz-se importante, portanto, que se ofertem espaços que permitam que os profissionais falem de suas angústias e das dores decorrentes do trato com a morte e o morrer, executando, a partir daí, um cuidado que não seja causador de sofrimento.

Destaca-se, contudo, que, apesar do sofrimento relacionado à atuação na morte e no morrer, complicado pela ausência ou carência de formação acerca do tema, a categoria que se sobressaiu nos discursos dos residentes foi o cuidado, contrapondo-se à perspectiva puramente técnica e curativa propagada na formação em saúde.

O cuidar exige uma postura diferenciada do profissional de saúde, através das atitudes de acolhimento e proteção, visando ao acolhimento do sofrimento e à melhor qualidade de vida do paciente e de sua família. Aqui é possível não falarmos mais de técnica profissional, mas da dimensão ética do cuidado, de investimento no outro e abertura a seu sofrimento, responsabilizando-se pelo seu cuidado e estando disposto ao acolhimento e ao afeto. Este modo de cuidado, portanto, mostra-se primordial em situações de morte e morrer, dignificando este processo e permitindo uma ampliação nos modos de cuidado em saúde.

Referências

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    » https://goo.gl/j6mDXU

  • 1
    Esta pesquisa possui financiamento próprio.

  • 2
    No Hospital Infantil Albert Sabin, a Residência Médica em Pediatria foi implantada em 1977, com coordenação do corpo técnico e pedagógico do próprio hospital, e a Residência Integrada em Saúde, em 2014, com a primeira turma com ênfase em pediatria. Esta, porém, foi instruída em 2013 pela Escola de Saúde Pública e contava com o componente comunitário em diversos municípios do Ceará, e apenas uma ênfase do componente hospitalar, que se tratava da atuação em cancerologia, tendo sua ampliação no ano de 2014. Os residentes de ambos os programas atuam em equipe e rodiziam nos diversos setores do hospital a fim de se apropriarem de todas as especialidades relacionadas à pediatria.

  • 3
    Tal perspectiva vem sendo trabalhada desde 2000 pelo Laboratório de Estudos sobre a Morte (LEM), do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade, do Instituto de Psicologia da USP, sob coordenação de Maria Julia Kovács.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Abr 2016
  • Revisado
    31 Ago 2017
  • Aceito
    02 Out 2017
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br