A cura em oncologia: uma ambição improvável

Marie Ménoret Sobre o autor

Resumo

Este artigo propõe uma reflexão sobre a noção de cura e seus usos em oncologia. Um primeiro ponto examina sua implementação como uma ambição suprema tanto médica quanto política da missão fundadora da oncologia francesa. Um segundo eixo aponta suas diversas acomodações sociais, observando as diferentes figuras e desventuras do conceito confrontado com o teste de incurabilidade de um certo número de cânceres. Finalmente, a terceira parte do artigo se centra sobre os efeitos da incerteza crônica inerente à oncologia. Com base em pesquisas empíricas inspiradas pela grounded theory, pelo interacionismo e sob a influência reivindicada de Anselm Strauss, esta reflexão pode ser vista como um resumo da obra do autor, feitas desde o final de 1900 até atualmente, sobre oncologia francesa. A incerteza médica e sua gestão, individual e coletiva, estão no centro deste trabalho.

Palavras-chave:
Sociologia; Câncer; Cura; Remissão; Incerteza Médica

A cura em oncologia: uma ambição improvável11Este artigo é resultado de uma pesquisa financiada pelo Instituto Nacional do Câncer (2013-2016) intitulada “Sobreviver ao câncer: sociologia de uma condição crônica”.

Figura 1
O caso Girassol

Imagine por um instante - exercício de medicina-sociologia-ciência-ficções - que o câncer é uma doença benigna: a provação dessa doença seria sem dúvida vivida de outra maneira pelas pessoas e abordada de outra forma pelas disciplinas que se dedicam a ela. Raramente tratado como tal, o tópico da cura ainda é um filtro frutífero para contrastar tanto a evolução da medicina moderna quanto a relação entre cuidador e paciente. É deste truísmo que este artigo trata, propondo iluminar o fundo da sociologia do câncer e os tópicos relacionados a ela: a incerteza. Ela engloba - pelo menos desde o advento da medicina clínica - todo diagnóstico de câncer e toda tentativa de erradicá-la. Esta incerteza está inscrita em múltiplas expectativas no centro dos mundos de câncer: íntimo e privado, coletivo e social, professional e político. O sentido de expectativa contida aqui é seu significado primário: uma expectativa designa literalmente uma espera baseada em promessas e probabilidades. É sobre este dispositivo de promessas e probabilidades que funciona a oncologia. A promessa é que tudo será feito para salvar o/a doente. A probabilidade é o argumento que equipa a promessa. Incerteza e expectativa impregnam toda a experiência do câncer: desde a mais pessoal até a mais pública.

Mostrei desde o início de meus trabalhos empíricos sobre oncologia, inspirando-me em modelos de trajetórias de doenças de Anselm Strauss, que: envolver-se em uma gestão terapêutica difícil, implementando tratamentos pesados, mais ou menos mutiladores e iatrogênicos, tudo por um objetivo cujo resultado é incerto, não se mostra uma sinecura simples (Ménoret, 1999MÉNORET M. Les temps du cancer. Paris: Editions du CNRS, 1999.). A oncologia não atingiu ainda os objetivos de erradicação total que aspirou o National Cancer Act de 1971 (Rettig, 1977RETTIG, R. A. Cancer crusade: the story of the National Cancer Act of 1971. Princeton: Princeton University Press , 1977.), a doxa medical modificou progressivamente seu discurso sobre a cura. No entanto, a metamorfose de suas diferentes figuras de cura, como vimos em declínio desde o fim do século XIX com o desenvolvimento da oncologia moderna, ilustram uma constante: não podemos nos livrar da incerteza em torno da noção de cura no mundo - nos mundos - de câncer. Esta incerteza que, como o esparadrapo do Capitão Haddock, cola-se a todas as imagens do câncer, mesmo os mais encorajadores e, precisamente, promissores, é o centro deste artigo.

Vou me apoiar em um desenvolvimento problemático, desenvolvendo sucessivamente três temas que se cruzam ao redor do tópico. O primeiro segue a implementação da cura como ambição suprema com a missão fundadora da oncologia francesa. A segunda aponta suas várias acomodações com a realidade, observando as figuras e desventuras do conceito. O terceiro trata dos efeitos da incerteza crônica sobre a cura do câncer.

A cura como ambição

A noção de cura é mobilizada, ou mesmo reivindicada, de maneira diferente, de acordo com as categorias dos autores que a procuram. Entre uma cura baseada em evidência médica e outra baseada na experiência das pessoas, abraçamos um certo número de debates ou polêmicas que provocam controvérsias ao redor de medicinas alternativas e complementares há décadas: prova médica contra prova antropológica, a cura de epidemiologistas e aquelas de pacientes e ex-pacientes. Este lembrete significa concretamente - se necessário - que colocamos ao redor da cura um sistema de valores, crenças e normas. Que distinguimos também um vasto registro de questões - professionais ou não. E, finalmente, que observamos um mundo de interações complexas no trabalho que constitui a atividade de curar. Normas, questões, interações: estes três grandes eixos que organizam uma grande parte da pesquisa de ciências humanas em saúde (Carricaburu; Ménoret, 2004CARRICABURU, D.; MÉNORET, M. Sociologie de la santé: institutions, professionnels et maladies. Paris: Armand Colin, 2004.) são trabalháveis ao redor do tema da cura.

Canguilhem (2002CANGUILHEM, G. Une pédagogie de la guérison est-elle possible? In: CANGUILHEM, G. Écrits sur la Médecine. Paris: Seuil, 2002. p. 69-99.), num texto intitulado “Uma pedagogia de cura é possível?”, publicado na primavera de 1978 - em uma revista de psicanálise - comparou duas figuras de cuidado: a do médico e do curandeiro. Duas figuras públicas que não só têm a mesma legitimidade, mas que a estabelecem de maneira bem diferente na área, precisamente, da cura. De acordo com Canguilhem, o médico permanece médico mesmo quando ele não está curando - porque seu status está estabelecido em seus títulos, eles mesmos distinguidos por seus conhecimentos, por seus resultados - enquanto o curandeiro deve constantemente provar seu status, porque este status, em contraste com o médico, não é baseado por seus conhecimentos, mas por seus sucessos. Para o médico e para o curandeiro, a relação com a cura é invertida. O médico tem o direito de reivindicar a cura, enquanto é a cura, experimentada pelo paciente, que atesta a solvência do trabalho do curandeiro. É nesta configuração especial que a cura pode se contentar em ser uma ambição inacabada. Sem que este estado das coisas prejudique a elaboração de sua reivindicação em termos de excelência ou avaliação. Notavelmente, sua definição permanece um desafio por mais de um século.

Uma definição impossível de uso

A cura em oncologia é uma questão velha, um velho problema que é abordado desde as primeiras teses feitas por aprendizes oncológicos, como atesta aquela apresentada para o doutorado em Medicina em 1929 na Faculdade de Medicina de Paris (Lainé, 1929LAINÉ, R. Le Centre Régional de Lutte contre le Cancer de Nantes: 1924-1929. 1929. Tese (Doutorado em Medicina) - Faculté de Médecine de Paris, Paris, 1929.). Enquanto seu autor tenta avaliar os primeiros resultados obtidos por radioterapia em um centro regional a partir de um certo número de casos observados no quadro de sua atividade, ele escreveu:

Gostaríamos de apresentar em nossas estatísticas as proporções dos doentes atualmente curados. Mas os últimos exames de muitos entre eles não são recentes o suficiente, e nós achamos impossível obter de todos eles detalhes sobre seu estado atual por correspondência, tivemos que nos limitar a indicar, com o número de pacientes tratados em cada ano, o número de sobreviventes atuais, incluindo, além da cura, pacientes com vida prolongada pelo tratamento em uma medida que as datas permitem avaliar.

Nenhum detalhe foi mencionado na tese - nem metodológico, nem epistemológico - que permitisse capturar os critérios de definição médica de cura. As expressões usadas para avaliar os resultados terapêuticos oscilam entre: “continua integralmente curado até esta data”, “doente sempre em excelente estado”, “persistência da cura”, “um parente traz as melhores notícias”, “a cura se mantém atualmente”, ou mesmo: “o estado de cura aparente foi mais uma vez verificado e se mantém três anos e meio após o começo do tratamento radioativo”.

Esta tese permite situar o problema da cura como ele se colocava naquela época: se a estatística já está há algum tempo comprovada no terreno da saúde, mais precisamente da saúde pública, a avaliação das terapias, ao contrário, ainda está no seu começo.

Uma ferramenta de avaliação

Estávamos, nos anos 1920, no centro de um grande conflito profissional que opõe cirurgiões a radioterapeutas. Até então, os cirurgiões eram os únicos especialistas de câncer e não tinham a intenção de perder esta hegemonia em favor dos radioterapeutas, que começavam a usar a descoberta de Röntgen22Descobridor, em 1895, do raio-X. desde o fim do século XIX. Quem cura? Quem cura melhor? A resposta para essa pergunta provavelmente determinará qual dessas especialidades pode ser declarada a mais legítima no campo da atividade médica. Se vemos na leitura da tese citada que sua definição e seu cálculo ainda são incertos, também adivinhamos os riscos que estão por trás dos números. A cura se tornou uma grande discussão desde o começo do século XX para justificar esta ou aquela prática em oncologia, mesmo que se trate de um cálculo difícil de estabelecer. Para o expert que deve defini-la e justificá-la, para o paciente que nem sempre sabe a quais figuras se dedicar e, finalmente, para o próprio oncologista que nem sempre está à vontade para apresentar essas taxas para um paciente em consulta. Porque a definição de cura em oncologia usa médias e probabilidade. E passar da média para um caso individual é uma tarefa delicada. Este primeiro uso da noção de cura para justificar uma prática, para avaliar um método, neste caso, de cirurgia comparada à radioterapia e vice-versa, refina a afirmação de Canguilhem de que os conhecimentos têm precedência sobre os resultados quando se é médico. Ele também confirma a afirmação de Porter (1996PORTER, T. Trust in numbers: the pursuit of objectivity in science and public life. Princeton: Princeton University Press, 1996.) de que “os números, as curvas e fórmulas” devem ser consideradas “acima de tudo como a base da estratégia de comunicação”.

Um segundo tema entra em jogo na problemática da cura do câncer, naquela época, do lado daquele que justifica esta ou aquela opção terapêutica. Ele se situa no nível de organização social e política da saúde pública (Berlivet, 2013BERLIVET, L. Les ressorts de la biopolitique: dispositifs de sécurité et processus de subjectivation au prisme de l’histoire de la santé. Revue d’Histoire Moderne et Contemporaine, Paris, v. 13/4, n. 60-4/4 bis, p. 97-121, 2013.): a cura se encontra de fato, no centro da discussão sobre a institucionalização do tratamento do câncer nos anos 1920.

A 1ª Guerra Mundial havia dado a oportunidade ao governo de estabelecer um inventário de morbidade na França e de observar que o câncer não tinha nada a invejar a tuberculose em termos de impacto na população. Em 1922, uma comissão de câncer foi criada com Paul Strauss, que era então Ministro da Saúde, Assistência e Segurança Social e que elevou a luta contra o câncer ao posto de causa nacional. Esta comissão apelou a Jean-Alban Bergonié para construir uma política de saúde pública contra o câncer.

A discussão econômica é de suma importância para justificar os esforços públicos necessários para estabelecer o mecanismo especializado. Em resumo, o tratamento de câncer estava se tornando uma medicina de alta tecnologia e o futuro centro de câncer prometia ser a estrutura hospitalar mais cara até o momento. Assim, é importante argumentar com eficácia a rentabilidade da empresa. Dada a distribuição, na época, dos clientes entre os setores privado e público, esta rentabilidade não podia ser prevista em termos puramente lucrativos para as instituições, uma vez que os centros de câncer, de acordo com as convenções iniciais propostas, apenas receberiam pacientes não pagantes. Os investimentos necessários para tratar estes pacientes serão, portanto, justificados com base em argumentos de “valor social”. E aqui está como Jean Bergonié, em 1923, em seu relatório sobre a comissão do câncer, exprimiu a necessidade de distinguir um bom doente com câncer do ruim em termos de valor social.

O paciente com câncer que vemos nestas consultas […] costuma ser um sujeito em toda a plenitude de sua atividade. Ele tem um valor social relativo às vezes considerável: é um pai ou uma mãe de família, um trabalhador qualificado, um agricultor sólido, uma mulher algum tempo depois da menopausa etc. Evidentemente, esse valor social é muitas vezes ainda maior em pacientes com câncer de classes altas, mas, seja em um outro, podemos dizer que o canceroso no início ou mesmo depois de um período muito longo, precisamente o período em que ele é curável pelos meios atuais, não é um desperdício social, longe disso. E se continuarmos, não é um não valor que recuperamos para a sociedade. Em uma palavra, socialmente falando, a luta contra o câncer pode pagar.

Não se pode ser dito mais claramente: o bom doente é aquele que se cura.

E mesmo que os pacientes não paguem, a luta contra o câncer pode, ela, pagar: o objetivo da oncologia seria, então, lucrativo em cura. Se ela cuidasse dos “incuráveis”, ela não seria rentável, e é por isso que a grande discussão a favor de sua criação se refere à eficácia das terapêuticas.

Ao contrário de outras políticas públicas que prevaleceram naquela época a favor, por exemplo, da infância em perigo, o tratamento da sífilis ou da tuberculose, não se trata de controlar os estados patológicos, impedindo-os de piorar: com o câncer, são as virtudes de uma atividade médica curativa que são apresentadas como um fator de lucratividade social. E, ao lado de “fábrica para curar”,33A expressão é do próprio Bergonié. criaremos, ao mesmo tempo, instituições de caridade para aqueles que Jean-Alban Bergonié chama de “desperdício social”.

A comissão adotou o programa de Bergonié e o Parlamento votou em 30 de junho de 1923 uma lei que lhe concedia seus subsídios.44O livro de P. Pinell (1992) e os arquivos do INH e do INSERM que pude coletar mostram que a cura é uma questão econômica e social para a sociedade como um todo e não apenas para os médicos (“Como devem ser organizados os centros regionais de luta contra o câncer”. Relatório para a comissão do câncer, Paris Médical, 1923, 48.)

Figuras e desventuras do conceito

Olhando o que a cura faz com a oncologia, observamos que o que a enquadrava naquela época era a oposição curável/incurável. Esta distinção é, em primeiro lugar, uma distinção de cirurgiões. E, embora se deva traduzir curável para “tratável”, Barron Lerner, historiador americano, considera que Halsted - cirurgião “histórico” do câncer - fez o câncer de mama se tornar uma doença curável no desenvolvimento de seu método de mastectomia radical (Lerner, 2001LERNER, B. The breast cancer wars. Oxford: Oxford University Press, 2001.). Esta foi um grande sucesso até os anos 1970, antes de ser julgado como totalmente injustificado - do ponto de vista das vidas salvas - depois de debates e de estatísticas controversas entre, especialmente, feministas e cirurgiões. Nos anos 1920, a distinção curável/incurável foi baseada em uma distinção operável/inoperável que excluía uma boa parte de pacientes das instituições. Antes de qualquer consideração moral ou ética sobre a exclusão de incuráveis do dispositivo terapêutico - estes serão expressos após 1945 (Ménoret, 2015MÉNORET, M. La prescription d’autonomie en médecine. Anthropologie et Santé, Paris, n. 10, 2015.) -, foi o desenvolvimento da radioterapia no sistema de cuidados que mudou o jogo nos anos 1930. Os radioterapeutas parariam de trabalhar nessa categorização em sua abordagem ao paciente porque, ao contrário dos cirurgiões, podiam tratar praticamente todos. Assim, saímos progressivamente desta dualidade curável/incurável, como mostra Pinell, em favor de uma certa gradatividade. Até então, uma teoria prevalecia: o câncer é uma doença de dois momentos. Um momento em que é possível curá-lo e outro onde é tarde demais. A gradatividade introduz algumas sutilezas dentro desta visão binária em favor de melhores prognósticos. Mas como dizer, como nomear os novos espaços de incerteza que criamos entre curável e incurável?

Remissão: o conceito da incerteza

Falar do estado de cura com certeza e de maneira definitiva é muito complicado. Vê-se na tese de Lainé, anteriormente mencionada, que as expressões retidas para avaliar os resultados da terapêutica oscilam entre “continua integralmente curado até esta data”, “doente sempre em excelente estado”, “persistência da cura”, “um parente traz as melhores notícias”, “a cura se mantém atualmente”, ou mesmo: “o estado de cura aparente foi mais uma vez verificado e se mantém três anos e meio após o começo do tratamento radioativo”.

Podemos ver por trás das expressões destes estados intermediários de situações pós-terapêuticas em que o doente certamente não está curado, mas em que a doença parece, no entanto, parada em sua evolução. Pode-se pensar, retrospectivamente, que a remissão é o conceito sonhado para falar sobre a incerteza da cura que se vê apontado nestas formulações, mas evidentemente esta categoria nunca é mobilizada no comentário do autor sobre suas estatísticas, uma vez que só apareceu na literatura científica no final da década de 1940.

De fato, esta noção de remissão, identificada pela primeira vez na Medicina em uma obra de Ambroise Paré em 1950, chegará muito tarde à oncologia. A primeira vez que a vi aparecer em minhas pesquisas sobre o tema (Ménoret, 2002MÉNORET, M. Genesis of the notion of stage in oncology: the French ‘Enquête Permanente Cancer’ (1943-1952). Social History of Medicine, Oxford, v. 15, n. 2, p. 291-302, 2002.) foi em um artigo de Goodman datado de 1946. Ela apareceu entre os primeiros resultados das primeiras quimioterapias em leucemias em particular. E ela se instalou no repertório dos oncologistas a partir dos anos 1950. A definição oficial da remissão aplicada ao campo médico é “desaparecimento momentâneo dos sintomas”. Uma entrevista realizada há alguns anos, com um testemunho histórico dos primeiros sucessos das primeiras quimioterapias a serviço de Jean Bernard no hospital Louis em Paris, nos lembra que, na hematologia, nenhuma das crianças tratadas sobreviveu antes da chegada das primeiras quimioterapias. Pouco a pouco, com esses novos tratamentos, começamos a identificar casos de melhoria que trouxeram muita esperança. Às vezes, a esperança é de curta duração, mas às vezes é prolongada. O que é a cura neste contexto?

A partir de então, soubemos como calcular a cura, defini-la, mas se fizemos progressos neste sentido, ainda não sabemos atribuí-la com certeza ao Sr. X ou Sra. Y. Ou seja, sempre é incerto passar da definição “média” para sua atribuição individual e pessoal. Porque, tanto hoje como ontem, nunca se sabe como um tratamento vai terminar. Os manuais são explícitos a esse respeito. A definição de cura é estatística: para uma população com câncer, podemos falar de cura quando a curva de sobrevivência desta população se torna paralela à curva de sobrevivência de uma população de referência sem câncer, comparável em idade, sexo, condição de vida etc. e considerada normal. Para um indivíduo, podemos falar de cura quando o tempo decorrido sem recorrência é suficiente para fazer uma recorrência improvável no caso do tumor considerado. O tempo assim definido varia consideravelmente em função do tumor. A expectativa de vida ou de cura é a avaliação das chances de um paciente estar vivo em um momento determinado; por exemplo, estar vivo ou aparentemente curado em cinco anos.

Da cura à sobrevivência

Sub-repticiamente, passamos da cura para a sobrevivência mesmo se o conceito é difícil de mobilizar além dos registros, em interação direta com os pacientes. Como o princípio binário curável/incurável se tornou obsoleto, examinaremos a questão do prognóstico para tentar direcionar os tratamentos em função das perspectivas de cura. A partir de 1942, foram os franceses que embarcaram neste projeto por meio da “pesquisa permanente em câncer” (Enquête Permanente Cancer, EPC) que, durante uma década, até 1952, trabalhou para elaborar a questão prognóstica com uma abordagem racional e deixar instituições empíricas. O EPC produziu em 1952 a nomenclatura TNM que permite racionalizar a ideia prognóstica em função desta classificação: T: tamanho do tumor; N: invasão ganglionar e M: metástases - e que permite determinar quatro estágios que medem o estado de gravidade da doença (Ménoret, 2002MÉNORET, M. Genesis of the notion of stage in oncology: the French ‘Enquête Permanente Cancer’ (1943-1952). Social History of Medicine, Oxford, v. 15, n. 2, p. 291-302, 2002.).

A recomposição da evolução do câncer em estágios é um passo muito importante no desenvolvimento do pensamento médico que transforma o raciocínio do câncer. O grau de incerteza inerente a cada caso, até então, se baseava mais em considerações empíricas mais ou menos intuitivas que no conhecimento sistemático. Tão logo a nomenclatura foi posta em prática em 1952, ela se tornou quantificável e colocada em probabilidades.

O comentário epistemológico do filósofo Ian Hacking, no qual a probabilidade nada mais é que o que reorganiza o conhecimento, que muda de fato nossa visão do mundo que se impõe aqui (Hacking, 1975HACKING, I. The emergence of probability. Cambridge: Cambridge University Press, 1975.). Ao colocar a promessa de cura em um sistema de pensamento probabilístico através de um prognóstico, as imagens anexadas ao câncer e aos pacientes começam uma nova alteração ligada ao uso de sua nova ferramenta probabilística.

Vamos resumir a transformação dos diferentes destinos de cuidados e de imagens do paciente à luz de suas promessas de cura. Em primeiro lugar, nos anos 1920, a cirurgia fez do câncer uma doença de dois momentos: um curável, outro não. A fábrica para curar só deve cuidar de doentes curáveis, esta é sua missão pública. Os incuráveis são relegados para instituições de caridade. Muito rapidamente, nos anos 1930, a população curável se expandiu porque o critério de distinção curável/incurável não funciona mais para a atribuição de cuidado de radioterapia. Em 1945, o julgamento de Nuremberg produziu uma consciência ética inovadora. A vontade de aceitar todos os pacientes nos centros é de fato expressa e a ambição original de erradicação será compartilhada com outras missões: monitorar (prevenção), tratar (cuidado), controlar (períodos de remissão). A oncologia se destina a públicos cada vez maiores, a questão da cura surge com mais e mais acuidade. A elaboração da Nomenclatura de cânceres levou, com a noção de estágio, a pensar sistematicamente sobre o desenvolvimento de um câncer e o futuro de uma pessoa doente em termos de probabilidade. Se a avaliação prognóstica que dela emerge permanece sempre inscrita numa profunda incerteza médica, a remissão tem o efeito, se não a carga, de nomeá-la e contê-la. Toda incerteza médica é reunida nesta noção de remissão, a antecâmara da cura ou da morte. A incerteza sobre a cura é a norma. Mas tabu.

Em termos demográficos, as instituições de câncer acolheram, depois da 2ª Guerra Mundial, mais e mais pacientes. Discursos oficiais tentaram dar credibilidade à ideia de que o câncer é curado em mais de um a cada dois casos. Além disso, onde alguns gostariam de ouvir sobre a taxa de cura, é mais em termos de sobrevivência que a comunicação é feita: o triunfo da retórica de Porter (1996PORTER, T. Trust in numbers: the pursuit of objectivity in science and public life. Princeton: Princeton University Press, 1996.) encontrou aqui um campo de extensão. Porque os estudos têm populações que sobrevivem 5 anos, ou 10 anos, a seus cânceres. Às vezes, estes números são oficialmente contestados. Há controvérsias sobre a confiabilidade das taxas de cura a partir de números de sobrevivência em apenas 5 anos. Nas décadas de 1970/1980, o debate entre os defensores da lumpectomia e os defensores da mastectomia de aumento mostram a fragilidade de certos números oficiais. A imagem do câncer permanece sombria para a sociedade por causa das taxas de cura difusas para o público geral, cuja incerteza é alimentada por debates enigmáticos que permanecem reservados na maioria do tempo aos profissionais. Em sua luta para a cura do câncer, o Estado implementou políticas públicas de saúde destinadas a resolver uma mortalidade persistente. A prevenção se encaixa nessas deficiências do curativo. Prevenção e detecção se desenvolvem nos discursos e em fatos. As autoridades consideram que as políticas de triagem poderiam ser mais bem seguidas se a imagem do câncer fosse melhorada, ou seja, se nós - o público em geral, os leigos - acreditássemos um pouco mais na cura. Regularmente, campanhas são organizadas sobre o tema desde o período entre guerras. Uma delas chama a atenção para nosso assunto. Em 2007, o Instituto Nacional do Câncer francês (INCa) recebeu a tarefa de lidar com representações negativas relacionadas ao câncer. E assim nasceu a noção de “heróis comuns”.

Oxímoro de cura

Porque temos muita dificuldade de falar de pessoas curadas 84 anos depois da “fábrica para curar”. Como chamá-los? Como colocá-los em cena e lhes dar valor? Em 2007, o INCa inventou os “heróis comuns” para designá-los. A discussão expressada no kit de imprensa que apresentou esta campanha para uma melhor imagem do câncer explica por que a expressão “heróis comuns” era preferível a “sobrevivente” e por que foi adotada. Nos seguintes termos: “Nos Estados Unidos, os chamamos de “survivors” e eles alegam alto e forte sua associação a essas comunidades que eles não escolheram. Como John Wayne ou Lance Armstrong, eles contribuem para levantar o silêncio que ainda pesa sobre esta doença. Na França, foi necessário encontrar um termo apropriado [grifo nosso]. É assim que, propositalmente, duas palavras foram reunidas designando realidades contraditórias, “heróis” e “comuns”.”

Então, em francês, ou na França mais exatamente, o termo apropriado para “survivor”, para os comunicadores de câncer, mas também, é claro, para as instituições que os fazem trabalhar, era, portanto, em 2007, “heróis comuns”.

Entre a fábrica para curar e o herói comum: 84 anos de dificuldades para falar de quem está curado de câncer, falar da cura das pessoas que tiveram câncer. Por trás de todas estas dificuldades, uma pergunta: nós estamos curados do câncer? Implicitamente, é esta pergunta que está contida nesse indescritível. E este indescritível também é um invisível na medida em que esta opacidade ainda é perpetuada nas populações em questão nos dias de hoje.

Além da doença e da cura

Para que um grupo social exista, é necessário que ele seja identificado. As ciências sociais fizeram muito pouco até agora na França, e nem sabemos nomear o momento do pós-câncer. Conhecemos os caracteres performativos da linguagem. Se não há nenhuma palavra para dizer o estado deste depois na França, a situação é bastante diferente do outro lado do Atlântico e do Canal da Mancha.

Uma única segurança: incerteza, um único estado: sobrevivente

Em julho de 1985, apareceu no New England Journal of Medicine um artigo intitulado “Seasons of survival: reflections of a physician with cancer” (Estações de sobrevivência: reflexões de um médico com câncer). Este estudo muito pessoal assinado pelo Dr. Fitzhugh Mullan descreve publicamente o início de uma importante mudança médica e cultural nos Estados Unidos. Ele desenvolve a ideia de que qualquer paciente diagnosticado com câncer é muito mais que um paciente: ele é justamente um sobrevivente, título a que o francês renuncia. Para Mullan, os status de doença e cura são inadequados para o câncer porque eles não conseguem explicar a incerteza que vai marcar de maneira irreversível a existência de cada pessoa que será diagnosticada por uma condição cancerosa. Esta é a razão pela qual ele adota a noção de “sobrevivência”, a fim de definir a condição de incerteza comum pela qual todas as pessoas têm que lutar um dia (lutar sempre?) contra esta doença. O estado de sobrevivência e, portanto, o status de sobrevivente, de acordo com Dr. Mullan, começam no momento do diagnóstico, quando as pessoas são obrigadas a confrontar sua própria mortalidade e começar a se ajustar ao que vai ser não somente sua existência imediata, mas igualmente seu futuro em longo prazo.

Seu artigo propõe uma grande mudança de atribuição da noção de sobrevivência no registro de palavras de câncer. Pois esta noção até então residia em trabalhos quantitativos, sem perturbar particularmente as mentes. Os pesquisadores produziram e distribuíram por muitos anos numerosas estatísticas em termos de “taxa de sobrevivência”, articulando, de fato, um grau de severidade da doença e prognóstico. Mullan, enfatizando a característica de grande incerteza que distingue todo diagnóstico de câncer, foi o primeiro a explicar a experiência desta doença em termos de sobrevivência e a pessoa que tem ou que teve câncer como sobrevivente. A noção de taxa de sobrevivência era, geralmente, banal, confinada a esse registro epidemiológico, mas a transição dessa noção para um status que é, às vezes, muito mais qualitativo e personalizável, gerará consequências inesperadas.

Institucionalização da incerteza

Em 1986, Mullan participou da fundação da National Coalition for Cancer Survivorship (Coalizão Nacional para a Sobrevivência do Câncer). Gradualmente, nos anos 1990, esta nova representação do câncer, particularmente temporal, permitiu estabelecer novos quadros de reflexões e de ação: tanto para a pesquisa em saúde quanto para as políticas iniciadas naquela época. Em 1995, por exemplo, o Nacional Cancer Institute patrocinou o primeiro National Congress on Cancer Survivorship e, em 1996, criou o Office of Cancer Survivorship. Organizações como a American Cancer Society ou o American Institute for Cancer Research deram prioridade à noção de sobrevivência em seu programa de pesquisa. Durante este período, a taxa de sobrevivência representa uma área reforçada de preocupação para a pesquisa, e o sobrevivente de câncer é constituído como objeto de estudo científico (King, 2006KING, S. Pink Ribbons, Inc.: breast cancer and the politics of philanthropy. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2006.). O aumento no número de sobreviventes de câncer e sua maior visibilidade determinará agora uma redefinição importante de cuidado, com profissionais de saúde que, em particular, enfatizaram de maneira inédita os efeitos tardios do diagnóstico e de tratamento em longo prazo.

Os Centers for Disease Control and Prevention, mas também a poderosa Fundação Lance Armstrong, assumem uma liderança simbólica nesses esforços, implementando um National Action Plan for Cancer Survivorship em 2004. Em 2006, o Institute of Medicine of the National Academies publicou um relatório substancial sobre o assunto, apresentando protocolos que poderiam melhorar os cuidados de longo prazo e a qualidade de vida dos sobreviventes. Hoje, o vocabulário de sobrevivência está em todo lugar: sites, grupos de apoio, associações, publicações científicas, oficiais, pessoais etc. Nos Estados Unidos, ser um paciente com câncer é como ser um sobrevivente de câncer. Em outras palavras, ter um câncer em um determinado momento se traduz oncologicamente com o fato de ser identificado com seu caráter de infinitude.

Aceitar definir-se ou ser definido sob este termo pressupõe, portanto, mais ou menos implicitamente, a aprovação de uma similaridade de destino, além de experiências necessariamente diferenciadas de acordo com os indivíduos e/ou tipos de câncer. Isso também implica que se aceita afirmar um elo essencial e permanente entre a pessoa e sua doença. Isso transforma todos os tipos de cânceres em uma só doença legível. E, por último, mas não menos importante, marca uma identidade irremediavelmente, perpetuamente e infinitamente em termos de sobrevivência. O conceito de sobrevivência assim elaborado encontra críticas médicas e populares (Baszanger, 2009BASZANGER, I. Between “survivorship” and “living with dying”: recreating normality in oncology. In: DRUGS, STANDARDS, AND CHRONIC ILLNESS, 2009, Manchester. Programme… Manchester: BSHS, 2009.).

Os desafios de “conhecer o depois”

Fazer os sobreviventes existirem socialmente, medicamente e cientificamente é dar-lhes os meios para melhor conhecê-los, a fim de tratá-los melhor. Particularmente. Por exemplo, é tornar visíveis os efeitos prejudiciais em longo prazo. Em nível social: as situações de trabalho de ex-pacientes estão sujeitas a muitas discriminações mal identificadas (VICAN 1 e 2)55O estudo VICAN examina as condições de vida de pessoas afetadas um ou dois anos após o diagnóstico de câncer. O VICAN 2 foi feito em 2014 pelo Instituto Nacional de Câncer, em parceria com o Inserm e os três principais planos de saúde. (Inca, 2014INCA - INSTITUT NATIONAL DU CANCER. La vie deux ans après un diagnostic de cancer: de l’annonce à l’après cancer. Boulogne Billancourt, 2014.; Le Coroller-Soriano; Malavolti; Mermilliod, 2008LE COROLLER-SORIANO, A. G.; MALAVOLTI, L.; MERMILLIOD, C. (Dir.). La vie deux ans après le cancer. Paris: La Documentation Française, 2008.).

Em nível médico e científico: quanto mais intensivas forem as terapias, maior a probabilidade de os efeitos deletérios serem fortes em longo prazo. Estes efeitos são mais ou menos graves em termos de prognóstico vital, mas são sempre incapacitantes. Por enquanto, eles são raramente levados a sério pelos profissionais (Abel; Subramanian, 2008ABEL, E. K.; SUBRAMANIAN, S. K. After the cure. New York: New York University Press, 2008.). Os efeitos colaterais imediatos são tratados mas, em longo prazo, as coisas ficam complicadas. E em médio ou longo prazos, será ainda mais difícil de conviver com alguns desses efeitos, que não recebem o interesse que merecem. Esta observação é válida para a maioria dos cânceres. Ela é, acima de tudo, documentada para o câncer de mama que esclarece algumas condições de existência de ex-paciente(s).

Temas conhecidos e reconhecidos voltam à lista de sintomas que as mulheres compartilham após o câncer de mama: dor, problemas de linfedema, menopausa prematura, problemas de sexualidade, libido, de reconstrução, prótese etc. Estes problemas são identificados e apoiados de maneira relativamente sistemática na fase aguda ou logo após. Além destes, há outros que persistem, que são mais furtivos e que recebem muito menos atenção. Os sistemas que as mulheres relatam mais frequentemente em sua condição crônica são, por exemplo, fadiga ou comprometimento definitivo (problemas de memória, de concentração etc.). E, como estes sintomas dificilmente podem ser verificados, são geralmente muito pouco validados.

De fato, “sobreviventes” e “heróis comuns” teriam interesse em serem identificados e analisados, sendo reintegrados em suas condições coletivas e políticas, ao invés de isolados em uma dimensão estritamente individual. Em serem considerados em suas dimensões econômicas, políticas e sociais (Ménoret, 2006MÉNORET, M. Prévention du cancer du sein: cachez ce politique que je ne saurais voir. Nouvelles Questions Féministes, Berna, v. 26, n. 2, p. 32-47, 2006.). Porque eles se encontram regularmente, 10 anos, 20 anos após o câncer, no consultório de um médico que não sabe nada sobre seus tratamentos anteriores: o qual, as entrevistas da minha pesquisa “Sobreviver ao câncer” confirmam, erra na maioria das vezes (e por uma duração mais ou menos longa) a etiologia das sequelas iatrogênicas, com um registro médico que não foi feito durante a trajetória da doença da pessoa. É isto que aprenderam os oncologistas contemporâneos de pediatria que se interessam hoje pelo futuro de seus jovens pacientes. Por que eles são os únicos? Porque o interesse dos profissionais pelos efeitos possivelmente iatrogênicos de seus tratamentos contra o câncer se manifesta tarde e de maneira extremamente específica.

Várias hipóteses podem ser usadas para explicar este fenômeno de ignorância mantida. Primeiro, porque o baixo acúmulo e, portanto, a baixa disseminação do conhecimento sobre esses efeitos iatrogênicos de longo prazo baseiam-se, entre outros, no fato de que os estudos clínicos randomizados e grandes grupos continuam sendo as formas dominantes de evidência para as autoridades públicas e para a profissão médica. Estes testes não são apenas longos e custosos para serem estabelecidos mas, além disso, são financiados por empresas farmacêuticas. Para estas empresas, evidentemente se trata, a fim de ganhar o mercado, de provar que seus medicamentos não são apenas eficazes, mas que também são seguros. Para obter sua autorização de comercialização, os testes clínicos, em uma lógica comercial, medem mais as taxas de sobrevivência em 5 anos que os efeitos colaterais em longo prazo.

Então, com relação a baixa disseminação de conhecimentos produzidos sobre o assunto, percebe-se que outros conhecimentos são produzidos em outro lugar - é o caso de toda uma literatura de ciências humanas dedicada aos sobreviventes com, em particular, a existência de uma revista científica dedicada a eles, o Journal of Cancer Survivorship - mas sua distribuição é limitada, especialmente na França.

Finalmente, vale a pena questionar a manutenção tácita de uma forma de sigilo entre as populações afetadas, sobre os riscos iatrogênicos que eles acarretam após o tratamento que os atraiu. Em tais circunstâncias, várias respostas para esta pergunta foram feitas, diferentes e complementares. Proctor (2012PROCTOR, R. N. Golden holocaust: origins of the cigarette catastrophe and the case for abolition. Berkeley: University of California Press, 2012.), na pesquisa sobre o Big Tobbaco, considera que o público é deixado na ignorância sobre sua intoxicação a fim de preservar os interesses institucionais e comerciais. Fillion e Torny (2016FILLION, E.; TORNY, D. Un précédent manqué: le Distilbène® et les perturbateurs endocriniens: contribution à une sociologie de l’ignorance. Sciences Sociales et Santé, London, v. 34, n. 3, p. 47-75, 2016.), na sua abordagem do DES (Distilbène®, ou dietilestilbestrol), levantaram a hipótese de que a ignorância programada dos leigos é vista por aqueles que a decidem como uma forma de proteção. Neste caso, o conhecimento dos leigos é mais considerado como fonte de pânico do que como fonte de ação racional. Esta visão diz muito sobre o grau de imaturidade intelectual atribuída a não profissionais.

No caso da oncologia, pode-se sem dúvida adicionar fontes intencionais de ignorância relacionadas à negação dos profissionais. Especialmente para os médicos que se encontram nesta posição em face ao dano de suas antigas terapias e incapazes de lidar com os erros do passado.

Seja o que for, heróis comuns ou sobreviventes de câncer podem ter interesse em ser analisados, sendo reintegrados em suas condições coletivas de existência. Para existir socialmente por um lado e, por outro, ver problemas de saúde e sociais que os caracterizam reconhecidos. Costuma-se dizer que nunca se sabe quando começa um câncer, mas podemos saber quando ele termina? A ignorância sobre a cura é às vezes deletéria. E, em todo caso, nunca é neutra.

Referências bibliográficas

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  • RETTIG, R. A. Cancer crusade: the story of the National Cancer Act of 1971. Princeton: Princeton University Press , 1977.

  • 1
    Este artigo é resultado de uma pesquisa financiada pelo Instituto Nacional do Câncer (2013-2016) intitulada “Sobreviver ao câncer: sociologia de uma condição crônica”.
  • 2
    Descobridor, em 1895, do raio-X.
  • 3
    A expressão é do próprio Bergonié.
  • 4
    O livro de P. Pinell (1992PINELL, P. Naissance d’un fléau: histoire de la lutte contre le cancer en France (1890-1940). Paris: Métailié, 1992.) e os arquivos do INH e do INSERM que pude coletar mostram que a cura é uma questão econômica e social para a sociedade como um todo e não apenas para os médicos (“Como devem ser organizados os centros regionais de luta contra o câncer”. Relatório para a comissão do câncer, Paris Médical, 1923, 48.)
  • 5
    O estudo VICAN examina as condições de vida de pessoas afetadas um ou dois anos após o diagnóstico de câncer. O VICAN 2 foi feito em 2014 pelo Instituto Nacional de Câncer, em parceria com o Inserm e os três principais planos de saúde.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2018
  • Aceito
    08 Ago 2018
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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