Resumo
Analisa-se a possibilidade de repartição de benefícios econômicos decorrentes de biopatentes advindas de pesquisas genéticas com seres humanos. Parte da pergunta: qual o cenário atual da repartição de benefícios econômicos das biopatentes decorrentes de pesquisas genéticas com seres humanos e as perspectivas para a saúde pública no Brasil? O objetivo principal é delinear um panorama atual sobre o tema, internacionalmente e no Brasil, bem como estabelecer prognóstico das possibilidades para a saúde pública no país. Para tanto, utiliza os procedimentos da pesquisa bibliográfica e documental. Apresenta experiências de outros países, como possível base para análise de direitos econômicos dos pesquisadores e a manutenção de um sistema sustentável de saúde pública. Nacionalmente, conclui que a Lei de Acesso à Biodiversidade é um caminho possível, uma vez que determina que a repartição de benefícios econômicos ocorra somente em caso de exploração comercial do invento e não com o depósito da biopatente. Como resultado principal, conclui que, em virtude da necessidade da concretização do direito humano ao acesso à saúde, pensar a possibilidade de repartição de benefícios econômicos decorrentes de biopatentes é uma questão de saúde pública e da construção de um sistema público de saúde universal e sustentável.
Palavras-chave:
Biopatentes; Saúde Pública; Pesquisa com Seres Humanos; Sistema Público de Saúde; Sustentabilidade
Introdução
Muitas vezes, o que determina a escolha do paciente de participar de uma pesquisa envolvendo seres humanos11Vide Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2013), item II.14, que determina que pesquisas envolvendo seres humanos são as que, individual ou coletivamente, tenham como participante o ser humano, em sua totalidade ou partes dele, e o envolva de forma direta ou indireta, incluindo o manejo de seus dados, informações ou materiais biológicos. e sua consequente exposição a riscos desconhecidos e/ou procedimentos de risco ou invasivos é a possibilidade de ter acesso a um novo tratamento ou medicamento que lhe cure ou mitigue as sequelas da enfermidade da qual está acometido.22Vide Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2013), que estabelece que um participante da pesquisa é o indivíduo que, de forma esclarecida e voluntária, ou sob o esclarecimento e autorização de seu(s) responsável(eis) legal(is), aceita ser pesquisado.
Entretanto, durante o século XX, essa participação foi fundada na gratuidade e grande parte das legislações mundiais proibiu a remuneração de participantes das pesquisas. Para tornar a questão ainda mais complexa, essas mesmas regulações não efetivaram o direito de acesso deles aos tratamentos médicos ou medicamentos desenvolvidos a partir de pesquisas das quais foram sujeitos.33Como exemplo de regulação que determina a participação gratuita se pode citar a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (Unesco, 1997), da qual o Brasil é signatário e que embasa a maioria das legislações nacionais, que, em seu artigo 4º estabelece que o genoma humano, em seu estado natural, não pode dar causa a ganhos econômicos. Outros exemplos são as Resoluções 196/96 e a 466/2012, ambos do Conselho Nacional de Saúde brasileiro, que estabelecem a regra geral da participação gratuita do participante da pesquisa. Sobre a falta de garantia de custeio de medicamentos resultantes da pesquisa, se pode citar o caso da legislação canadense - tratado neste artigo - que não garante aos participantes o direito aos medicamentos criados a partir dos resultados da pesquisa de que participam.
Esse contexto de falta de repartição de benefícios econômicos44Vide a Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2013), item II.4, que estabelece que “benefícios da pesquisa” é o proveito direto ou indireto, imediato ou posterior, auferido pelo participante e/ou sua comunidade em decorrência de sua participação na pesquisa. ocorre, principalmente, nos países menos desenvolvidos, onde o número de pessoas ou grupos vulneráveis é maior. Isso se deve à pobreza, analfabetismos, recursos limitados, insuficientes cuidados de saúde e falta de familiaridade ou experiência com pesquisa médica (Dainesi, 2011DAINESI, S. M. Fornecimento de Medicamentos no pós-pesquisa. 2011. Tese (Doutorado em Medicina Preventiva) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.).
Essa escolha legislativa traz como consequência a carência de acesso a tratamentos médicos e medicamentos, o que fere o direito humano à saúde e, na atualidade, torna-se um grave problema de saúde pública. A questão se torna mais prejudicial quando em face de procedimentos ou produtos patenteados. Seus custos costumam ser mais altos ou se percebe um aumento acentuado nestes quando o patenteamento é obtido. Como resultado, milhões de pessoas são excluídas do acesso à saúde.
Quando se aborda, especificamente, o tema das pesquisas genéticas com seres humanos e dos produtos e processos criados e patenteados, a questão é igualmente alarmante. O século XXI está vivenciando a exclusão de grande parte da humanidade dos benefícios do desenvolvimento tecnológico, simplesmente porque essa parte da população não possui meios para custear os tratamentos de saúde ou os medicamentos necessários para isso.
Tendo em vista o contexto apresentado, pensar, planejar e tratar temas como o acesso ao genoma dos brasileiros, custeio dos tratamentos genéticos e medicamentos patenteados deve estar no centro das atenções dos formuladores de políticas públicas, pois diariamente afetam a população brasileira. Mais do que isso, ponderar alternativas na repartição de benefícios econômicos decorrente da concessão de uma biopatente, que tenha por base uma pesquisa genética com seres humanos, é uma questão de saúde pública.
Assim, este artigo realiza análise inicial sobre a possibilidade de repartição de benefícios econômicos decorrentes de biopatentes obtidas a partir de pesquisas genéticas com seres humanos. Foca-se no Brasil e optou-se pelo termo “repartição” de benefícios, pois é o empregado na Lei de Acesso à Biodiversidade (Brasil, 2015BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.).
Embora essa legislação trate apenas do acesso ao genoma da fauna e flora, excluindo expressamente as questões relacionadas ao acesso ao patrimônio genético da população brasileira, o termo é aplicável ao caso das patentes decorrentes de pesquisa genética com seres humanos. Isso porque se entende que essa legislação poderia ser a base regulatória para o estabelecimento de regras sobre o acesso ao genoma da população brasileira.
Parte-se da seguinte pergunta de pesquisa: qual o cenário atual da repartição de benefícios econômicos decorrentes de pesquisas genéticas com seres humanos e as perspectivas para a saúde pública no Brasil? Como objetivo principal, procura delinear um panorama inicial sobre a questão da repartição de benefícios econômicos decorrentes de biopatentes e genes humanos, internacionalmente e no Brasil, bem como estabelecer um prognóstico das possibilidades para a saúde pública no país.
Quanto à natureza, é investigação aplicada, uma vez que intenta gerar conhecimentos de aplicação prática na temática discutida. Quanto aos objetivos, é uma análise exploratória, pois visa tornar mais explícito o problema discutido e analisar exemplos que estimulem sua compreensão. Quanto aos procedimentos, é pesquisa bibliográfica e documental, utilizando como fundamento artigos escritos sobre o tema e a legislação atinente ao caso.
Repartição de benefícios econômicos e biopatentes: análise na perspectiva internacional
A questão das patentes decorrentes de pesquisa genética com seres humanos ainda é pouco regulada, seja no Brasil55Vide a proibição geral de patenteamento de seres vivos estabelecidas no artigo 18, III, do Código de Propriedade Industrial brasileiro (Brasil, 1996). ou em outros países. A base regulatória utilizada para essa temática é, em geral, a mesma utilizada para qualquer pesquisa médica com seres humanos.
Dentre as poucas regulações internacionais que tratam do tema, destaca-se a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (Unesco, 1997UNESCO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos. Brasília, DF, 1997.). Especificamente, o artigo primeiro define que o genoma humano é a unidade fundamental da família humana e, num sentido simbólico, sua herança. Desse modo, categoriza o genoma humano como um patrimônio comum da humanidade. Porém, o artigo 4º institui que o genoma humano, em seu estado natural, não deve dar causa a ganhos financeiros (Unesco, 1997). Esse é exatamente o estado do genoma dos sujeitos de pesquisas médicas. Por outro lado, se esse genoma pesquisado for adjetivado pelo trabalho humano, ocorre uma transformação de seu estado natural e um grande valor de mercado é adicionado: permite-se o patenteamento de produtos e procedimentos derivados da pesquisa.
A partir destes dispositivos se verifica que a participação de uma pessoa numa investigação médica, como sujeito da experimentação, posicionou-se tradicionalmente em termos de voluntariedade. Contudo, essa regulação desenha uma grave contradição, a qual põe em conflito os interesses de pesquisador e paciente, pois se adota um modelo que permite a apropriação privada de ganhos obtidos pela circulação onerosa de produtos biotecnológicos no mercado, contrastando com a forma gratuita com que os elementos orgânicos comuns a toda a humanidade são cedidos pelos sujeitos pesquisados (Gediel, 2000GEDIEL, J. A. P. A Declaração Universal sobre o Genoma e Direitos Humanos: um novo modelo jurídico para a natureza? Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, n. 34, p. 51-52, 2000.).
Porém, esse entendimento paradigmático acerca da gratuidade na participação do sujeito da pesquisa foi estabelecido anteriormente à Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (Unesco, 1997) e teve sua origem em uma decisão da Suprema Corte norte-americana: o emblemático “caso Moore”.
John Moore foi diagnosticado como portador de um tipo raro de leucemia. Procurou aconselhamento médico com o especialista em hematologia oncológica, dr. David W. Golde. Em agosto de 1976, tornou-se paciente do Centro Médico da Universidade da Califórnia (UCLA), onde o médico lecionava. Para tratamento da doença, sugeriu-se a retirada do baço, porquanto tal procedimento parecia prolongar a vida do paciente. Moore concordou e assinou formulário padrão para consentimento com a cirurgia e seu estado clínico se estabilizou.
A grande reviravolta no caso ocorreu em 1983, quando os advogados contratados por Moore descobriram que, após o procedimento de retirada do baço e sem seu consentimento, o Dr. Golde determinou que sua assistente de pesquisa obtivesse uma amostra do baço retirado “para estudar as características das células e de suas substâncias”. Descobriram ainda que em 1979 esses pesquisadores imortalizaram as células extraídas do baço em uma nova linhagem de células denominadas “linhagem de células Mo”. Com estas células e a partir de técnicas de DNA recombinante puderam produzir linfocinas e torná-las um produto patenteável (Myszczuk, 2012MYSZCZUK, A. P. Biopatentes, desenvolvimento e sociedade: da patenteabilidade de genes humanos. 2012. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012.).
Por fim, os advogados desvendaram que, em agosto de 1979, a UCLA e Golde requereram o patenteamento de subprodutos da linhagem de células Mo. A patente foi concedida em 1984 e licenciada para o Genetics Intitute e a Sandoz Pharmaceutics. O médico passou a ser consultor remunerado do Genetics Intitute, recebendo ações e outros benefícios em troca do aceso exclusivo desta aos resultados de sua pesquisa (Myszczuk, 2012MYSZCZUK, A. P. Biopatentes, desenvolvimento e sociedade: da patenteabilidade de genes humanos. 2012. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012.).
Inconformado, Moore buscou a Justiça da Califórnia contra a UCLA e o dr. Golde, alegando que tinha direito a dividir os lucros auferidos com a produção dos produtos patenteados, pois estes foram criados a partir do seu material genético. Em primeira instância, a questão foi decidida em favor da UCLA, baseado no fato de que não havia ressalvas no consentimento assinado por Moore, que permitia a realização de intervenções médicas num hospital universitário de pesquisa e autorizava o médico, de maneira genérica, a exercer todas suas atividades e de possuir interesse comercial, além do médico e científico (Myszczuk, 2012MYSZCZUK, A. P. Biopatentes, desenvolvimento e sociedade: da patenteabilidade de genes humanos. 2012. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012.).
No Tribunal de Apelações os juízes, divididos, inverteram a decisão. A opinião majoritária do tribunal foi de que o tecido humano removido cirurgicamente era “propriedade privada corpórea” do paciente. Assim, sem a permissão expressa de Moore a utilização de seu tecido pela UCLA constituía uma apropriação indébita (Myszczuk, 2012MYSZCZUK, A. P. Biopatentes, desenvolvimento e sociedade: da patenteabilidade de genes humanos. 2012. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012.).
Em 1990, a decisão final foi dada pela Suprema Corte da Califórnia, que entendeu que determinar a existência de apropriação indébita poderia significar a atribuição para Moore da propriedade do código genético de linfocinas, que tem a mesma constituição bioquímica em todos os seres humanos.
A maioria decidiu que Moore não tinha direitos de propriedade sobre as células tiradas de seu corpo e que havia sérias razões políticas para não fazer uma interpretação extensiva da lei neste caso e conceder-lhe direitos sobre as células. Entendeu-se que isso poderia impedir o livre fluxo de material biológico entre pesquisadores e que os mesmos poderiam ficar constantemente preocupados se havia ou não consentimento do doador para os fins da pesquisa (Myszczuk, 2012MYSZCZUK, A. P. Biopatentes, desenvolvimento e sociedade: da patenteabilidade de genes humanos. 2012. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012.).
A partir desse precedente as regulações, muitas vezes influenciadas pelo lobby da indústria farmacêutica, passaram a adotar posições de que a participação na pesquisa deveria ser gratuita e que o conteúdo dos genes não é causa para ganhos. Muitas vezes, as regulações nacionais deixaram de garantir o acesso aos benefícios da pesquisa aos participantes pesquisados e a negar a repartição de benefícios econômicos (Myszczuk, 2012MYSZCZUK, A. P. Biopatentes, desenvolvimento e sociedade: da patenteabilidade de genes humanos. 2012. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012.).
No século XXI, entretanto, esse paradigma parece estar sendo posto à prova, com uma nova prática adotada por alguns sujeitos de pesquisa nos Estados Unidos e Canadá. Isso é consequência, principalmente, da iniciativa tomada por ONGs que representam os portadores da doença de Canavan, uma desordem neurológica congênita que causa a degeneração da membrana de mielina, o isolamento protetor das células nervosas do cérebro e a morte do portador ainda na infância (Knoppers, 2003KNOPPERS, B. M. Populations and genetics: legal and social-ethical perspectives. Leiden: Martinus Nijhoff, 2003.).
Pesquisas sobre essa doença foram desenvolvidas inicialmente nos Estados Unidos, após muita pressão dos pais dos portadores e da fundação do Miami Children’s Hospital. Muito foi descoberto. Em 1997 os pesquisadores buscaram o patenteamento e licenciamento de produtos e processos, além da cobrança de royalties. Em consequência, muitas crianças ficaram sem o acesso aos medicamentos decorrentes das pesquisas, por não conseguirem custear o tratamento. Isso reabriu a discussão sobre a gratuidade na participação e a possibilidade de participantes da pesquisa e pesquisadores discutirem direitos de propriedade intelectual antes de a pesquisa ser realizada (Knoppers, 2003KNOPPERS, B. M. Populations and genetics: legal and social-ethical perspectives. Leiden: Martinus Nijhoff, 2003.).
A partir da experiência frustrada para os sujeitos da pesquisa sobre a doença de Canavan, outros grupos procuraram prevenir e antever ações dos pesquisadores em relação aos procedimentos de patenteamento. Por exemplo, os portadores de psoudoxanthoma elasticum (PXE), uma desordem genética que causa a calcificação de tecidos, criaram o PXE International, uma ONG para representá-los junto aos pesquisadores e para criar um banco de material genético dos portadores da doença (Knoppers, 2003KNOPPERS, B. M. Populations and genetics: legal and social-ethical perspectives. Leiden: Martinus Nijhoff, 2003.).
Assim sendo, os pesquisadores que quiserem acessar as informações desse banco devem concordar antecipadamente que os direitos sobre possíveis biopatentes que possam surgir da pesquisa e do acesso ao banco serão divididos entre pesquisadores e a PXE International. O objetivo dessa iniciativa é a de que os tratamentos daí resultantes posam ser acessíveis e custeáveis pelos portadores da doença (Myszczuk, 2012MYSZCZUK, A. P. Biopatentes, desenvolvimento e sociedade: da patenteabilidade de genes humanos. 2012. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012.).
Outro exemplo interessante é o da biopatente dos genes BRCA1 e BRCA2, da empresa Myriad. Em 1994, nos EUA, a empresa requereu a patente para o gene BRCA1, e em 1995 para o BRCA2. Esses dois genes estão associados a uma predisposição maior do que o normal para o desenvolvimento de câncer de mama. O pedido de patente incluía a sequência normal dos genes BRCA1 e BRCA2, várias mutações, testes diagnósticos para detecção de mutações e para métodos de análise de amostras tiradas de tumores (Sheremeta; Gold; Caulfield, 2003SHEREMETA, L.; GOLD, R.; CAULFIELD, T. Harmonizing commercialization and gene patent policy with other social goal. In: KNOPPERS, B. M. Populations and genetics: legal and social-ethical perspectives. Lieden: Martinus Nijhoff, 2003. p. 423-452.).
O deferimento dessas patentes gerou uma grande e importante questão biojurídica para o governo e sistema público de saúde canadense. Em 2001, a Myriad iniciou o processo de patenteamento dos genes no Canadá e a busca pela proteção de seus direitos contra laboratórios de fundações públicas de saúde, que faziam os testes de detecção utilizando os genes BRCA1 e BRCA2. A Myriad afirmava que após uma determinada data a continuação do uso desses testes seria considerada uma infração aos direitos decorrentes das cartas de patentes que possuíam (Sheremeta; Gold; Caulfield, 2003SHEREMETA, L.; GOLD, R.; CAULFIELD, T. Harmonizing commercialization and gene patent policy with other social goal. In: KNOPPERS, B. M. Populations and genetics: legal and social-ethical perspectives. Lieden: Martinus Nijhoff, 2003. p. 423-452.).
Após o prazo assinalado, determinou que os testes deveriam ser realizados exclusivamente nos laboratórios afiliados à Myriad, pelo preço de C$ 3800,00 (três mil e oitocentos dólares canadenses). Isso fez com que províncias como Ontário, Alberta e Quebec não tivessem mais condições financeiras e orçamentárias para custear os testes. Esse fato levou a tomada de decisão no sentido de ignorar o aviso e/ou se opor às patentes concedidas à empresa. Outras províncias, como British Columbia, simplesmente deixaram de pagar os testes por meio do sistema público de saúde (Myszczuk, 2012MYSZCZUK, A. P. Biopatentes, desenvolvimento e sociedade: da patenteabilidade de genes humanos. 2012. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012.).
Em 2002, no contexto desse problema de saúde pública a província de Ontário requereu a revisão da lei canadense sobre patentes, para acomodar a situação de como uma patente poderia ou deveria afetar o sistema público de saúde. Para fundamentar o pedido, formulou um relatório direcionado a todas as províncias, onde propôs que se levasse em consideração que, em situações críticas, os benefícios para a saúde pública deveriam ser razoavelmente mensurados quando se recompensasse o inventor com uma patente. Qualquer monopólio concedido deveria ser extraordinário e ocorrer apenas nas situações em que as novas invenções resultassem em benefícios significativos para o público e inventor (Sheremeta; Gold; Caulfield, 2003SHEREMETA, L.; GOLD, R.; CAULFIELD, T. Harmonizing commercialization and gene patent policy with other social goal. In: KNOPPERS, B. M. Populations and genetics: legal and social-ethical perspectives. Lieden: Martinus Nijhoff, 2003. p. 423-452.).
Pode ser mencionado, ainda, que nos anos dois mil, nos EUA, iniciaram-se as discussões sobre a responsabilidade sobre o fornecimento de medicamentos desenvolvidos a partir de pesquisas médicas, patenteados ou não. Em 2006, na primeira mesa-redonda conduzida no 42nd Drug Information Association (DIA) Meeting, com o tema “Post-trial access to study medication: is it feasible?”, participaram representantes do Departamento de Bioética do National Institute of Health (NIH), da academia e da indústria farmacêutica (Dainesi, 2011DAINESI, S. M. Fornecimento de Medicamentos no pós-pesquisa. 2011. Tese (Doutorado em Medicina Preventiva) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.).
No evento argumentou-se, por um lado, que os participantes da pesquisa já foram beneficiados pelos cuidados especiais que lhes foram dispensados. De outro, que não é justo usar os participantes para desenvolver o medicamento e depois fazê-los comprar (Dallari, 2015DALLARI, S. G. Fornecimento do medicamento pós-estudo em caso de doenças raras: conflito ético. Revista Bioética, Brasília, DF, v. 23, n. 2, p. 256-266, 2015.).
Todos os casos apresentados permitem que se trace um panorama internacional acerca das biopatentes e da repartição de benefícios econômicos entre inventores e sujeitos de pesquisa genética. Esse panorama demonstra que, na atualidade, o paradigma da participação gratuita dos sujeitos passa por uma fase de muitos questionamentos. Alternativas a essa gratuidade, como a elaboração de estratégias para garantir direitos aos pacientes e a impossibilidade de concessão de biopatentes em face do interesse da saúde pública, se apresentam como possibilidades de entendimento e adoção por parte da regulação.
Esse novo cenário abre a possibilidade de que se reflita sobre a repartição de benefícios de maneira mais democrática. Várias perspectivas podem ser levadas em consideração quando se sopesa o direito fundamental à saúde e os ganhos econômicos advindos da propriedade intelectual fundada na pesquisa genética com seres humanos.
Perspectivas para a análise de repartição de benefícios econômicos decorrentes de biopatentes e a saúde pública no Brasil
As experiências e os vários caminhos que outros países já trilharam podem ser usados como base para a discussão e elaboração de uma eventual regulação brasileira, que leve em consideração os direitos econômicos dos pesquisadores, o direito humano à saúde e a manutenção de um sistema sustentável de saúde pública. Além disso, algumas experiências brasileiras, como a da judicialização dos conflitos na área da saúde, do programa público do tratamento da aids e a legislação de acesso à biodiversidade brasileira podem ser um norte no trato desse tema.
Biopatentes, pesquisa genética, judicialização de conflitos e saúde pública
No Brasil, mesmo com a expressa proibição do patenteamento de genes humanos, fruto do artigo 18, III, do Código de Propriedade Industrial66“Art. 18. Não são patenteáveis: […] III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta” (Brasil, 1996). (Brasil, 1996BRASIL. Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 15 maio 1996. Seção 1, p. 8353.), vários reflexos das disputas internacionais relativas às pesquisas genéticas e biopatentes já podem ser constatados. Para contextualizar a extensão do problema e de suas consequências para a saúde pública, pode-se trazer à baila a perspectiva da judicialização de conflitos na saúde pública.
Mas é possível perguntar: como a judicialização de conflitos e a repartição de benefícios econômicos decorrentes de biopatente se atrelam ao tema da saúde pública? Ora, é exatamente a obtenção de medicamentos para tratamento de doenças genéticas - os quais são, em regra, patenteados - os principais objetos das demandas referentes às questões da saúde.
O Gráfico 1 mostra a quantidade de processos judiciais recebidos pelo Ministério da Saúde, entre 2010 e 2014, e relacionados à saúde:
É possível notar no Gráfico 1 um acentuado aumento do número de processos judiciais, o que leva, consequentemente, a um acentuado aumento dos gastos públicos nessa área. De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU) (Brasil, 2017BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar de Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.213-0 Distrito Federal. Relator Min. Celso de Mello. Diário da Justiça, Brasília, DF, 23 abr. 2004. p. 296-466.), de 2008 a 2015, os gastos com o cumprimento de decisões judiciais para a aquisição de medicamentos e insumos saltaram de R$ 70 milhões para R$ 1 bilhão, representando um aumento de mais de 1.300% para a União.
O Gráfico 2 apresenta os valores gastos pelo Ministério da Saúde para cumprir as decisões judiciais, entre 2008 e 2015.
Dentre os medicamentos mais pedidos na Justiça estão aqueles destinados ao tratamento de doenças genéticas (Souza, 2017SOUZA, M. Gasto com 10 remédios mais pedidos na Justiça para o SUS é de quase R$ 1 bilhão. UOL, São Paulo, 6 maio 2017.). O Soliris® é indicado para o tratamento de duas doenças raras: a Hemoglobinúria Paroxística Noturna (HPN) e a Síndrome Hemolítico Urémico atípico (SHUa). Por sua vez, os medicamentos Naglazyme® e Elaprase® são indicados para o tratamento de mucopolissacaridoses (MPS), doenças genéticas degenerativas que se manifestam na infância e reduzem a expectativa de vida dos seus portadores (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de IST, aids e hepatites virais. Portaria nº 681, de 8 de abril de 2008. Declara de interesse público o medicamento antirretroviral Tenofovir para fins de exame prioritário de pedido de patente junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 9 abr. 2008. Seção 1, p. 71.).
O Gráfico 3 apresenta informações sobre os três medicamentos mais comprados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) por cumprimento de decisões judiciais, entre os anos de 2010 e 2015. Entre 2010 e 2012, os medicamentos Elaprase® e Naglazyme® foram os responsáveis por mais de 57% do gasto federal com a judicialização, e a partir de 2013 o Soliris® se tornou a principal compra no âmbito federal, superando os R$ 125 milhões (Brasil, 2017BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 jun. 2013. Seção 1, p. 59.).
Distribuição dos gastos do Ministério da Saúde em compras por determinação judicial, de 2010 a 2015, com destaque para três medicamentos (em R$ milhões)
Além desses medicamentos, entre os dez mais pedidos na Justiça, estão o Proscyby, para tratamento da cistinose nefropática, uma doença renal rara e genética; o Translama, que trata a distrofia muscular de Duchenne; e o Replagal, para tratar da doença de Fabry, um distúrbio hereditário (Souza, 2017SOUZA, M. Gasto com 10 remédios mais pedidos na Justiça para o SUS é de quase R$ 1 bilhão. UOL, São Paulo, 6 maio 2017.).
Na atualidade, o tema da judicialização é tão importante para a saúde pública brasileira que vários estados da Federação promoveram ação judicial para a discussão sobre se cabe ao ente estatal o pagamento de medicamentos e ou tratamentos de alto custo. Das várias ações, duas merecem destaque: a que trata do fornecimento de medicamento não inserto no programa do ente público e a que trata do fornecimento de medicamentos que não possuem registro de origem estrangeira na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os dois processos estão sendo discutidos em instância final junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).77Vide Recurso Extraordinário 566.471, disponível em: <https://bit.ly/2NIbkxx>, acesso em: 10 out. 2018; e Recurso Extraordinário 657.718, disponível em: <https://bit.ly/2AaIWRp>, acesso em: 10 out. 2018.
Porém, nessas demandas judiciais perdeu-se a oportunidade de discussão acerca da repartição de benefícios econômicos ou da possibilidade de concessão ou não de patentes diante dos altos custos para o sistema público de saúde. A questão se resumiu ao conflito entre a extensão do direito à saúde do cidadão brasileiro e o princípio da reserva do possível que rege administração pública. Questões mais amplas, como o porquê dos altos custos ou qual a influência das patentes farmacêuticas nesse processo, não são discutidas.
Contudo, independentemente de uma análise mais ampla pelas autoridades governamentais brasileiras, o país carece de uma discussão mais aprofundada sobre a possibilidade de manutenção de um sistema público de saúde sustentável e inclusivo, principalmente quando em função de pessoas portadoras de doenças genéticas, as quais são, no mais das vezes, as mais vulneradas88Vide a Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2013), item II.25: “a vulnerabilidade é o estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida ou impedida, ou de qualquer forma estejam impedidos de opor resistência, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido”. no processo.
Somente em relação às doenças genéticas raras, em 2013 o país já contava com cerca de treze milhões de pacientes, com alguma das sete mil doenças catalogadas como raras, sendo 80% delas de origem genética. Desses pacientes, apenas 2% podiam se beneficiar de medicamentos específicos, que interferiam na evolução da doença; 95% deles não possuíam tratamento e demandavam serviços especializados de reabilitação. Somente 3% contavam com tratamentos já estabelecidos para outras doenças e que ajudavam a atenuar seus sintomas. Finalmente, 75% das doenças se manifestam no início da vida e afetam, sobretudo, crianças de até cinco anos de idade (Falcão, 2013FALCÃO, J. Brasil tem 13 milhões de pessoas com doenças raras. O Globo, São Paulo, 11 mar. 2013. Disponível em: <Disponível em: https://glo.bo/2J4rUqY >. Acesso em: 10 out. 2018.
https://glo.bo/2J4rUqY... ).
Então, ao se analisar o custo da judicialização, percebe-se que a formulação de uma política pública que discuta o direito fundamental do pesquisador em obter ganhos econômicos advindos de seu trabalho e aplicação de seu engenho, que leve em consideração o direito humano à saúde e que reflita sobre os custos das biopatentes para o sistema de saúde pública se torna cada vez mais imperativa.
Percebe-se, também, que a questão não pode se resumir à diminuição de direitos fundamentais. Novos caminhos, novas alternativas, para além da judicialização, são indispensáveis. E essas escolhas terão de passar, necessariamente, pela discussão da repartição de benefícios econômicos auferidos em virtude de biopatentes decorrentes de pesquisa genética com seres humanos.
Repartição de benefícios econômicos, função social das biopatentes e saúde pública
A Constituição Federal brasileira (Brasil, 1988BRASIL. Tribunal de Contas da União. Ata n° 31, de 29 de agosto de 2017. Sobre os autos de auditoria operacional (registro Fiscalis 142/2015) realizada com o objetivo de identificar o perfil, o volume e o impacto das ações judiciais na área da saúde, bem como investigar a atuação do Ministério da Saúde e de outros órgãos e entidades dos três poderes para mitigar os efeitos negativos da judicialização nos orçamentos e no acesso dos usuários à assistência à saúde. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 set. 2017. Disponível em: <https://bit.ly/2PBeDZk>. Acesso em: 10 out. 2018.
https://bit.ly/2PBeDZk... ), no artigo 5ª, XXIII,99“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social” (Brasil, 1988). estabelece que a propriedade deve cumprir uma função social.1010Destaca-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema: “O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade” (Brasil, 2004). Do mesmo modo, o Código Civil brasileiro (Brasil, 2002), no artigo 421,1111“Art. 421 A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (Brasil, 2002). disciplina que a liberdade contratual deve ser exercida em razão e nos limites da função social.
Então, a função social é um mandamento de cunho finalístico, significando que os benefícios sobrevindos da propriedade não podem ser auferidos única e exclusivamente pelo proprietário da coisa, mas algum benefício deve passar dessa para a sociedade. Portanto, a existência da propriedade está limitada pela necessidade de ser útil para a sociedade e não apenas para seu proprietário (Carvalho, 2007CARVALHO, F. J. Função social da propriedade. 2007. Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade Autônoma de Direito, São Paulo, 2007.).
Nesse contexto regulatório, a tutela da propriedade industrial orientada pelo princípio da função social tanto incentiva a pesquisa e o investimento em novas tecnologias, porque os seus titulares lucram com a exploração da invenção, como dissemina o conhecimento tecnológico e o progresso científico. Ademais, os produtos e procedimentos são colocados à disposição de toda a população, que deles poderá se servir livremente após caírem em domínio público (Portella, 2006PORTELLA, A. C. A função social e a propriedade industrial. Revista de Direito da Advocef, Brasília, DF, v. 1, n. 3, p. 163-198, 2006.).
Logo, não há razão para a existência de uma patente que beneficie exclusivamente seu titular, sem que a sociedade aproveite, também, os benefícios da invenção. Por isso, a propriedade intelectual tem como principal razão de existência o fato de ser fonte de recursos e riquezas para quem a possui e para quem dela precisa. Essa determinação se torna ainda mais importante quando se trata de patentes que envolvam a biotecnologia, tendo em vista todas as polêmicas acerca da extraordinária vantagem econômica que é dada ao seu detentor e a necessidade dessas reverterem-se, também, em benefício da sociedade (Myszczuk, 2012MYSZCZUK, A. P. Biopatentes, desenvolvimento e sociedade: da patenteabilidade de genes humanos. 2012. Tese (Doutorado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2012.).
O Brasil já fez uso da análise da propriedade intelectual sob a luz da função social da propriedade, quando do licenciamento compulsório, em 2007, para os medicamentos que compunham o tratamento da aids. Pelo Decreto nº 6.108/2007 (Brasil, 2007),1212“Art. 1º Fica concedido, de ofício, licenciamento compulsório por interesse público das Patentes nos 1100250-6 e 9608839-7. § 1º O licenciamento compulsório previsto no caput é concedido sem exclusividade e para fins de uso público não-comercial, no âmbito do Programa Nacional de DST/aids, nos termos da Lei n. 9.313, de 13 de novembro de 1996, tendo como prazo de vigência cinco anos, podendo ser prorrogado por até igual período. § 2º O licenciamento compulsório previsto no caput extinguir-se-á mediante ato do Ministro de Estado da Saúde, se cessarem as circunstâncias de interesse público que o determinaram. Art. 2º A remuneração do titular das patentes de que trata o art. 1o é fixada em um inteiro e cinco décimos por cento sobre o custo do medicamento produzido e acabado pelo Ministério da Saúde ou o preço do medicamento que lhe for entregue. Art. 3º O titular das patentes licenciadas no art. 1o está obrigado a disponibilizar ao Ministério da Saúde todas as informações necessárias e suficientes à efetiva reprodução dos objetos protegidos, devendo a União assegurar a proteção cabível dessas informações contra a concorrência desleal e práticas comerciais desonestas” (Brasil, 2007). o Brasil licenciou compulsoriamente o medicamento Efavirenz, antirretroviral usado no combate ao vírus HIV/aids, produzido pelo laboratório Merck, Sharp & Dohme.
Desde 2006, o governo brasileiro tentava negociar com o laboratório a redução do preço do Efavirenz, de US$ 1,59 para US$ 0,65 por comprimido de 600mg. Porém, nada foi acordado. Então, o Ministério da Saúde declarou o medicamento de interesse público e anunciou a intenção de comprar a versão genérica produzida na Índia, por US$ 0,45 por comprimido. Além disso, efetivou a licença compulsória para possibilitar a aquisição de medicamentos genéricos pré-qualificados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
O objetivo era reduzir em até 72% o preço pago pelo medicamento; além de economizar aproximadamente US$ 30 milhões por ano. A meta era economizar cerca de US$ 237 milhões até 2012, valores que deveriam ser reinvestidos e garantir a sustentabilidade do programa antiaids brasileiro. O Brasil continuou destinando 1,5% dos valores gastos com a importação do similar genérico para pagamento de royalties do medicamento para a Efavirenz, Merck Sharp & Dohme (Martins, 2011MARTINS, E. A licença compulsória de medicamentos usados no combate ao vírus HIV/aids. Revista Jus Navigandi, Teresina, v. 16, n. 3074, dez. 2011. Disponível em: <Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20544 >. Acesso em: 10 out. 2018.
https://jus.com.br/artigos/20544... ).
A decisão acerca dessa mudança nas políticas públicas de saúde foi tomada visando manter a excelência e sustentabilidade do programa antiaids brasileiro, considerado um dos melhores do mundo; além de garantir o atendimento e fornecimento de medicamentos aos infectados. Com isso, o governo brasileiro visava a queda nos índices de mortalidade, mérito que suplanta os interesses econômicos do laboratório norte-americano (Storer; Machado, 2007STORER, A.; MACHADO, E. D. Propriedade industrial e o princípio da Função social da propriedade. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 16., 2007, Belo Horizonte. Anais… Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007. p. 2320-2332. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2ykJSRz >. Acesso em: 10 out. 2018.
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Quer dizer, por meio da determinação de que o interesse público superava o interesse econômico da indústria farmacêutica, o instituto da função social, garantia de que a propriedade industrial não tenha apenas uma função econômica ou que essa se sobreponha à função social que intrinsecamente possui, foi aplicado (Storer; Machado, 2007STORER, A.; MACHADO, E. D. Propriedade industrial e o princípio da Função social da propriedade. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 16., 2007, Belo Horizonte. Anais… Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007. p. 2320-2332. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2ykJSRz >. Acesso em: 10 out. 2018.
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Observe-se a preocupação com a função social no exercício dos direitos decorrentes da propriedade industrial, considerando que o titular deve explorar sua invenção e torná-la acessível à coletividade. Caso não o faça, poderá haver intervenção do Estado, na pessoa do Estado-Juiz, para reprimir ou sancionar essa conduta, interferindo significativamente no direito de propriedade em prol da coletividade e do bem comum, objetivos do Estado Constitucional e Democrático de Direito (Storer; Machado, 2007STORER, A.; MACHADO, E. D. Propriedade industrial e o princípio da Função social da propriedade. In: CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI, 16., 2007, Belo Horizonte. Anais… Florianópolis: Fundação Boiteux, 2007. p. 2320-2332. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2ykJSRz >. Acesso em: 10 out. 2018.
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Na continuação, em 2008, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi) negou o pedido de patenteamento do medicamento antirretroviral Tenofovir, por entender que não havia atividade inventiva. Na época, o Ministério da Saúde havia declarado o medicamento de interesse público, buscando acelerar a análise do processo, que estava no Inpi desde 1998. Nessa ocasião, cerca de 30 mil pacientes usavam o medicamento, com um custo de US$ 43,4 milhões (Brasil, 2008). Detalhe-se que no mesmo ano o pedido de patente do medicamento foi negado também nos Estados Unidos.
Esse mesmo tema voltou à baila em 2015, com a rejeição do pedido, feito pelo laboratório Gilead, de patenteamento do medicamento Truvada, um antirretroviral que combina as drogas tenofovir e emtricitabina. O Inpi entendeu que não houve atividade inventiva na criação desse medicamento, posto que as drogas que ele reúne já eram conhecidas em 2004, quando o pedido foi protocolado. Da mesma maneira, entendeu-se que não havia inovação no procedimento de fabricação, que se resume na junção das duas drogas (Buscato, 2017BUSCATO, M. Brasil nega patente de medicamento que previne HIV. Época, 25 jan. 2017. Disponível em: Disponível em: https://glo.bo/2Jo86Pe >. Acesso em: 29 out. 2018.
https://glo.bo/2Jo86Pe... ).
Essa rejeição pode abrir espaço para que o medicamento pudesse ser incluído no programa antiaids brasileiro. O Truvada é considerado de alto custo e a concessão da patente faria os valores aumentarem ainda mais. No EUA, um mês de tratamento com essa droga chega a custar US$ 1.000 (mil dólares). Com o indeferimento, a livre concorrência e os incentivos da lei sobre medicamentos genéricos, os preços poderão baixar e o custeio pode se tornar possível (Buscato, 2017BUSCATO, M. Brasil nega patente de medicamento que previne HIV. Época, 25 jan. 2017. Disponível em: Disponível em: https://glo.bo/2Jo86Pe >. Acesso em: 29 out. 2018.
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As mesmas regras que baseiam o programa de custeio do tratamento da aids no país poderiam servir de base para se pensar a repartição de benefícios econômicos entre pesquisadores e sujeitos de pesquisa genética, principalmente quando já existem biopatentes concedidas ou quando estas são buscadas pelos pesquisadores. Esse é um precedente que pode unir os princípios do interesse público, a função social e a garantia dos direitos econômicos do pesquisador.
Perspectivas para a saúde pública e modos de repartição de benefícios
No Brasil, a Resolução n. 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2013), que regula as pesquisas que envolvem os seres humanos, não dispõe diretamente sobre a possibilidade de repartição de benefícios econômicos entre os participantes e os pesquisadores/patrocinadores da pesquisa. Conforme já comentado, opta pela determinação de que a participação em uma pesquisa deve ser gratuita, ressalvada a recompensa financeira em pesquisas clínicas de fase I, quando são testados medicamentos em um pequeno grupo de pessoas saudáveis; ou nos chamados estudos de bioequivalência, para o registro de medicamentos genéricos. Então, a regra geral é a gratuidade na participação.
Por outro lado, a Lei de Acesso a Biodiversidade (Brasil, 2015) versa sobre acesso ao patrimônio genético da flora e fauna brasileira, a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade.
No artigo 17, estabelece que os benefícios resultantes da exploração econômica do produto acabado ou de material reprodutivo oriundo de acesso ao patrimônio genético de espécies encontradas em condições in situ ou ligadas ao conhecimento tradicional associado, ainda que produzido fora do Brasil, serão repartidos de forma justa e equitativa, sendo que no caso do produto acabado o componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado deve ser um dos elementos principais de agregação de valor (Brasil, 2015).
Essas diferentes políticas públicas levam a um paradoxo interessante: os lucros auferidos na exploração comercial de produtos ou procedimentos que tenham por base a biodiversidade brasileira devem ser divididos entre pesquisadores e a sociedade brasileira; já o acesso ao genoma da população é gratuito e os lucros pertencem apenas aos inventores dos processos e/ou produtos.
Como se pode perceber, a Lei de Acesso à Biodiversidade (Brasil, 2015) se apresenta bastante inovadora e, além disso, não pode ser considerada um atrapalho ao desenvolvimento científico, uma vez que o foco da repartição é estabelecido apenas na exploração comercial dos inventos. Apenas quando se obtém lucro, a partir de determinado recurso genético, é que a repartição se impõe.
Outro ponto a inovador na questão é a diretriz do Inpi (2015INPI - INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL. Resolução nº 144, de 12 de março de 2015. Instituir as diretrizes de exame de pedidos de patente na área de biotecnologia. Instituto Nacional de Propriedade Industrial, Brasília, DF, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2EpmsA6 >. Acesso em: 10 out. 2018.
https://bit.ly/2EpmsA6... ) para a solicitação de patentes que utilizem recursos da biodiversidade brasileira. O requerente deve preencher um formulário informando a origem do material genético e do conhecimento associado e o número da autorização de acesso à biodiversidade. Isso ocorre porque só é exigida a repartição de benefícios de quem explora economicamente o produto. Assim, uma pessoa pode solicitar uma biopatente e licenciar para outra realizar a comercialização, a qual será responsável por realizar a repartição de forma justa e equitativa (Santos, 2015SANTOS, S. S. Perspectivas da proteção do patrimônio genético nacional na concessão de patentes. Cadernos de Prospecção, Salvador, v. 8, n. 3, p. 425-431, 2015.).
Observando-se as inovações dessa legislação e tendo em vista a perspectiva futura da autorização do patenteamento de genes humanos no país, pode-se vislumbrar um caminho alternativo à gratuidade da participação nas pesquisas genéticas, o que poderia trazer importantes consequências para o custeio da saúde pública e da construção de um sistema sustentável de saúde pública.
Os mesmos critérios utilizados para a repartição de lucros advindos da biodiversidade brasileira podem ser adotados para a repartição de benefícios econômicos em caso do acesso ao patrimônio genético de populações brasileiras. Deste modo, se estará contemplando o princípio da igualdade, que estabelece que situações iguais devam ser regidas com disposições equivalentes e situações desiguais com disposições diferentes, na proporção de sua diversidade, buscando a distribuição igual dos encargos e benefícios.
Se os seres humanos são os sujeitos de direitos por excelência e se todo o ordenamento jurídico brasileiro foi formulado para que se materialize a dignidade humana, não parece ser correto que a legislação que resguarda o genoma da biodiversidade brasileira seja mais abrangente, inclusiva e protetora que a legislação que regulamenta a participação e concede o acesso ao genoma da população brasileira.
A partir desse exemplo da legislação brasileira, os formuladores de políticas públicas podem ter um norte de ação que permita que os pesquisadores sejam recompensados por seu trabalho e esforço, mas que ao mesmo tempo a sociedade brasileira se beneficie dos seus próprios recursos genéticos. Dessa maneira, se pode juntar a concretização do princípio da dignidade humana com a plena positivação do princípio da função social da propriedade intelectual.
Considerações finais
Não obstante se saiba que a legislação brasileira proíbe o patenteamento de inventos que tenham por base genes humanos, existe bastante pressão do mercado para que isso venha a ocorrer. Uma vez que essa possibilidade pode se tornar uma realidade, é muito mais eficaz para o planejamento de políticas públicas que se reflita sobre qual caminho o país vai seguir.
Embora a participação dos sujeitos de pesquisa genética siga, em regra, o paradigma da gratuidade, questões como a dificuldade de se encontrar recursos para o financiamento do sistema público, a concretização desse direito fundamental e o custo da judicialização de conflitos na área da saúde geram vários questionamentos sobre a pertinência dessa escolha regulatória.
Assim sendo, pensar a possibilidade de repartição de benefícios econômicos decorrentes de biopatentes é uma questão de saúde pública e da construção de um sistema público de saúde universal e sustentável. Os vários exemplos internacionais trazidos demonstram a grande discussão travada atualmente sobre como equalizar o direito de propriedade intelectual dos pesquisadores e laboratórios com os princípios de justiça social.
Planejar o desenvolvimento brasileiro e as políticas de saúde pública requer bastante atenção às pesquisas genéticas com seres humanos e como essas trarão benefícios para a sociedade como um todo. Os princípios de solidariedade, sustentabilidade e dignidade humana devem guiar os responsáveis pela formulação de políticas públicas e a consequente regulação sobre os critérios de patenteamento e de repartição de benefícios econômicos.
Na realidade atual das pesquisas com seres humanos, inúmeras formas de aproximação com fins comerciais são buscadas para garantir benefícios, mas parâmetros humanísticos devem ser impostos nesta aproximação. A possibilidade de exploração comercial deve ser pensada e limitada a partir de dois pontos referenciais: garantia do direito fundamental à pesquisa científica e reconhecimento do direito de ganho econômico sobre as invenções. Limites a esses direitos serão impostos apenas quando estes colidam com direitos fundamentais, bens jurídicos constitucionalmente garantidos ou instrumentos jurídicos internacionais, inclusive as declarações de direito.
Há que se refletir, ainda, que para adequar o sistema de proteção de patentes aos critérios da matéria viva humana, é necessário equilibrar os requisitos próprios do direito de patentes com os requisitos de proteção à pessoa humana detalhado no sistema jurídico. Nesse sentido, nenhuma legislação internacional ou estrangeira poderia servir melhor como baliza para o legislador brasileiro do que a Lei de Acesso à Biodiversidade (Brasil, 2015).
Essa regulação encontrou um ponto de equilíbrio bastante importante: só se divide o benefício econômico daquilo que for comercialmente explorado. Adotando esse mesmo parâmetro para o caso do acesso ao genoma da população brasileira, não se inviabilizará a pesquisa genética com seres humanos ou depósito de pedidos de patentes, e a informação científica poderá circular. Apenas quando se obtiver lucro com a exploração de patentes baseadas em recursos genéticos da população brasileira é que a repartição se imporá.
Junte-se à análise o fato de que a maior parte dos recursos genéticos está nos países em desenvolvimento, mas que apenas os países desenvolvidos possuem conhecimento técnico e recursos econômicos para explorá-los. Além disso, a manufatura dos produtos é um negócio para as empresas dos países desenvolvidos e a repartição de benefícios não está entre suas preocupações (Muller; Macedo, 2013).
Para finalizar, destaca-se que este texto realiza apenas uma reflexão inicial sobre a problemática das biopatentes, repartição de benefícios econômicos, pesquisa genética e saúde pública no Brasil. Para tanto, delineou um panorama dos principais entraves para o tema, levantou indagações e discutiu possíveis caminhos e soluções.
Entretanto, ainda é cabível, tendo em vista todos os argumentos apresentados e para que se pense em novos estudos, deixar um questionamento final: numa sociedade cada vez mais tecnológica, onde bilhões são excluídos das possibilidades de acesso ao direito humano à saúde, qual será o caminho possível para o Brasil?
Referências
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- BRASIL. Decreto nº 6.108, de 4 de maio de 2007. Concede licenciamento compulsório, por interesse público, de patentes referentes ao Efavirenz, para fins de uso público não-comercial. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 7 maio 2007. Seção 1, p. 2.
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- BRASIL. Lei nº 13.123, de 20 de maio de 2015. Regulamenta o inciso II do § 1o e o § 4o do art. 225 da Constituição Federal, o Artigo 1, a alínea j do Artigo 8, a alínea c do Artigo 10, o Artigo 15 e os §§ 3o e 4o do Artigo 16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, promulgada pelo Decreto no 2.519, de 16 de março de 1998; dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético, sobre a proteção e o acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade; revoga a Medida Provisória no 2.186-16, de 23 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 21 maio 2015. Seção 1, p. 1.
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- 1Vide Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2013), item II.14, que determina que pesquisas envolvendo seres humanos são as que, individual ou coletivamente, tenham como participante o ser humano, em sua totalidade ou partes dele, e o envolva de forma direta ou indireta, incluindo o manejo de seus dados, informações ou materiais biológicos.
- 2Vide Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2013), que estabelece que um participante da pesquisa é o indivíduo que, de forma esclarecida e voluntária, ou sob o esclarecimento e autorização de seu(s) responsável(eis) legal(is), aceita ser pesquisado.
- 3Como exemplo de regulação que determina a participação gratuita se pode citar a Declaração Universal do Genoma Humano e dos Direitos Humanos (Unesco, 1997), da qual o Brasil é signatário e que embasa a maioria das legislações nacionais, que, em seu artigo 4º estabelece que o genoma humano, em seu estado natural, não pode dar causa a ganhos econômicos. Outros exemplos são as Resoluções 196/96 e a 466/2012, ambos do Conselho Nacional de Saúde brasileiro, que estabelecem a regra geral da participação gratuita do participante da pesquisa. Sobre a falta de garantia de custeio de medicamentos resultantes da pesquisa, se pode citar o caso da legislação canadense - tratado neste artigo - que não garante aos participantes o direito aos medicamentos criados a partir dos resultados da pesquisa de que participam.
- 4Vide a Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2013), item II.4, que estabelece que “benefícios da pesquisa” é o proveito direto ou indireto, imediato ou posterior, auferido pelo participante e/ou sua comunidade em decorrência de sua participação na pesquisa.
- 5Vide a proibição geral de patenteamento de seres vivos estabelecidas no artigo 18, III, do Código de Propriedade Industrial brasileiro (Brasil, 1996).
- 6“Art. 18. Não são patenteáveis: […] III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta” (Brasil, 1996).
- 7Vide Recurso Extraordinário 566.471, disponível em: <https://bit.ly/2NIbkxx>, acesso em: 10 out. 2018; e Recurso Extraordinário 657.718, disponível em: <https://bit.ly/2AaIWRp>, acesso em: 10 out. 2018.
- 8Vide a Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (Brasil, 2013), item II.25: “a vulnerabilidade é o estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida ou impedida, ou de qualquer forma estejam impedidos de opor resistência, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido”.
- 9“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social” (Brasil, 1988).
- 10Destaca-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema: “O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade” (Brasil, 2004).
- 11“Art. 421 A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” (Brasil, 2002).
- 12“Art. 1º Fica concedido, de ofício, licenciamento compulsório por interesse público das Patentes nos 1100250-6 e 9608839-7. § 1º O licenciamento compulsório previsto no caput é concedido sem exclusividade e para fins de uso público não-comercial, no âmbito do Programa Nacional de DST/aids, nos termos da Lei n. 9.313, de 13 de novembro de 1996, tendo como prazo de vigência cinco anos, podendo ser prorrogado por até igual período. § 2º O licenciamento compulsório previsto no caput extinguir-se-á mediante ato do Ministro de Estado da Saúde, se cessarem as circunstâncias de interesse público que o determinaram. Art. 2º A remuneração do titular das patentes de que trata o art. 1o é fixada em um inteiro e cinco décimos por cento sobre o custo do medicamento produzido e acabado pelo Ministério da Saúde ou o preço do medicamento que lhe for entregue. Art. 3º O titular das patentes licenciadas no art. 1o está obrigado a disponibilizar ao Ministério da Saúde todas as informações necessárias e suficientes à efetiva reprodução dos objetos protegidos, devendo a União assegurar a proteção cabível dessas informações contra a concorrência desleal e práticas comerciais desonestas” (Brasil, 2007).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2018
Histórico
- Recebido
01 Jul 2018 - Aceito
31 Ago 2018