Diálogo aberto: pontos críticos da implementação no cuidado à crise psicótica

Open dialogue: critical points of implementation in psychotic crisis care

Luciane Prado Kantorski Mario Cardano Giuseppe Salamina Claudia Alonzi Chiara Tarantino Carla Gabriela Wünsch Sobre os autores

Resumo

O objetivo desta pesquisa foi analisar os pontos críticos para a implementação da abordagem do diálogo aberto na atenção à crise psicótica. Trata-se de estudo qualitativo, utilizando os formulários preenchidos por profissionais de saúde mental que participaram de um seminário sobre a temática, realizado por Jaakko Seikkula em 2015, na Itália. Foram analisados 83 formulários com questões abertas autoaplicadas para detectar o perfil sociodemográfico dos participantes, convidando-os a indicar os pontos críticos da implementação do diálogo aberto. Os resultados foram organizados a partir dos sete princípios da abordagem e analisados segundo o conceito weberiano de tipo ideal de criticidade, sendo dispostos em dois tipos ideais: o organizacional e o cultural. Na percepção dos participantes a transferência dessa modalidade terapêutica para a Itália não parece livre de obstáculos. Os princípios de maior preocupação entre os profissionais enfermeiros e médicos foram: ajuda imediata, rede social, flexibilidade e mobilidade. Diante disso, reflete-se sobre os impasses perante a necessidade de mudar concepções, organizações, saberes e práticas de cuidado em saúde mental comunitária no contexto da desinstitucionalização.

Palavras-chave:
Intervenção em crises; Crises Psicóticas; Diálogo Aberto; Assistência em Saúde Mental; Saúde Mental

Abstract

This study sought to analyze the critical points to implement the Open Dialogue approach in psychotic crisis care. This qualitative study was based on the analysis of an open-ended questionnaire developed by mental health professionals who participated in a seminar on the subject conducted by Jaakko Seikkula in 2015, in Italy. Eighty-three self-administered questionnaires were analyzed to detect the participants’ sociodemographic profile and their perception of the critical points of the implementation of Open Dialogue. The results were organized according to the seven principles of the approach and analyzed according to Weber’s Ideal Type into two Ideal Types: organizational and cultural criticalities. In the participants’ perception, the implementation in Italy of this therapeutic modality does not seem obstacle-free. The principles of greatest concern among nurses and physicians were immediate help, social networking, flexibility, and mobility. This paper thus reflected on the impasses regarding the need for a reframing in the conceptions, organizations, knowledge and practices of community mental health care in the context of deinstitutionalization.

Keywords:
Crisis Intervention; Psychotic Crisis; Open Dialogue; Mental Health Care; Mental Health

Introdução

O método open dialogue ou diálogo aberto (DA) foi criado na Finlândia por Jaakko Siekkula, combinando a filosofia bakhtiniana e a terapia familiar sistêmica em um registro original, aprimorado a partir da década de 1980. Na região da Lapônia, em um cenário com um pouco mais de 70 mil habitantes, Seikkula e sua equipe desenvolveram uma abordagem para a crise psicótica baseada no diálogo e com foco na pessoa e sua família (Seikkula, 2014SEIKKULA, J. Il dialogo aperto: l’approccio finlandese alle gravi crisi psichiatriche. Roma: Giovani Fioriti, 2014.).

As peculiaridades dessa abordagem são expressas por sete princípios balizadores da prática: (1) ajuda imediata; (2) rede social presente nas reuniões; (3) flexibilidade e mobilidade; (4) responsabilidade; (5) continuidade psicológica; (6) tolerância a incerteza; (7) dialogismo (Kantorski; Cardano, 2017KANTORSKI, L. P.; CARDANO, M. Diálogo aberto: a experiência finlandesa e suas contribuições. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 41, n. 112, p. 23-32, 2017. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/39gNJ2N >. Acesso em: 20 maio 2019.
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; Seikkula, 2016SEIKKULA, J. Open dialogues in the present and the future: new developments. 2016. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/32HPLGF >. Acesso em: 25 maio 2019.
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). O caráter aberto da abordagem encontra expressão na escolha de definir suas características não através de um conjunto rígido de regras, mas por meio de princípios adaptáveis a diferentes contextos terapêuticos (Seikkula, 2014SEIKKULA, J. Il dialogo aperto: l’approccio finlandese alle gravi crisi psichiatriche. Roma: Giovani Fioriti, 2014.).

No DA, a experiência da pessoa e sua linguagem são colocadas no centro das atenções, e as relações estabelecidas com a equipe terapêutica passam a ser horizontais e não hierárquicas. Isso se reflete na linguagem, que se torna “multivocal” (Seikkula, 2014SEIKKULA, J. Il dialogo aperto: l’approccio finlandese alle gravi crisi psichiatriche. Roma: Giovani Fioriti, 2014.). Assim, é neste espaço discursivo e polifônico, com expressão de todas as vozes, que as decisões terapêuticas tomam formas participativas (Bakhtin, 1997BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.).

Nessa abordagem, a psicose é compreendida como uma “crise na linguagem”, podendo ser enfrentada por meio do DA. Essa forma de conduzir a crise ganhou a atenção internacional, pois é suposto ter reduzido a incidência de pessoas com psicose e sintomas crônicos. Estudos discutem também o aumento do capital social, a confiança mútua entre a população em geral e a utilização de drogas psiquiátricas apenas quando absolutamente necessárias (Kłapciński; Rymaszewska, 2015KŁAPCIŃSKI, M.; RYMASZEWSKA, J. Open dialogue approach: about the phenomenon of Scandinavian Psychiatry. Psychiatria Polska, Varsóvia, v. 49, n. 6, p. 1179-1190, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2xoH3S4 >. Acesso em: 5 dez. 2018.
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; Lakeman, 2014LAKEMAN, R. The Finnish open dialogue approach to crisis intervention in psychosis: a review. Psychotherapy in Australia, Melbourne, v. 20, n. 3, p. 26-33, 2014. Disponível em <Disponível em http://bit.ly/3alAduD >. Acesso em: 8 nov. 2019.
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).

Desta forma, o DA pode ser útil para enfrentar os problemas de medicalização de médio e longo prazo, os quais levam ao desenvolvimento da cronicidade dos sofrimentos mentais e da baixa reinserção social após as crises psicóticas. Porém, a Finlândia - um país pequeno, com baixa concentração populacional, culturalmente similar em linguagem e religião - apresenta um contexto muito particular, dificilmente comparável à outra região. Assim, podem surgir fatores críticos para a implementação dessa abordagem devido às peculiaridades culturais e organizacionais próprias de cada país, muito distintas dos escandinavos.

Portanto, neste artigo apresentam-se algumas considerações sobre os fatores críticos da implementação do DA em um contexto diferente da Finlândia, precisamente na Itália, envolvendo oito departamentos de saúde mental do país. O objetivo desta pesquisa foi analisar os pontos críticos para a implementação da abordagem do DA na atenção à crise psicótica.

Metodologia

Trata-se de pesquisa qualitativa que se propõe a observar seu objeto de estudo de forma mais próxima e detalhada, descrevendo os fenômenos sociais como processuais (Cardano, 2017CARDANO, M. Manual de pesquisa qualitativa: a contribuição da teoria da argumentação. Rio de Janeiro: Vozes, 2017, p. 23-106.). As reflexões ocorreram a partir de um projeto para a implementação desta abordagem nos serviços públicos de saúde da Itália. O projeto Il Dialogo Aperto: un approccio innovativo nel trattamento delle crisi psichiatriche d’esordio: definizione e valutazione degli strumenti operativi ed organizzativi per la trasferibilità del “dialogo aperto” nei Dipartimenti di Salute Mentale italiani foi coordenado pela doutora Maria Chiara Rossi (2015ROSSI, M. C. Il “dialogo aperto”: un approccio innovativo nel trattamento delle crisi psichiatriche d’esordio: definizione e valutazione degli strumenti operativi ed organizzativi per la trasferibilità del “dialogo aperto” nei DSM italiani. Torino, 2015.); obteve financiamento do Ministério da Saúde da Itália (Controllo Malattie) e envolveu sete departamentos de saúde mental: Torino (dois departamentos), Savona, Ascoli Piceno, Roma (dois departamentos de um total de cinco) e Catania.

Torino iniciou como coordenador, e o Conselho Nacional de Pesquisa de Roma como a Unidade de Avaliação. Alguns meses depois, Ascoli Piceno se retirou por considerar o treinamento e as mudanças exigentes. Desta forma, os departamentos de Trieste e Modena foram inseridos.

A pesquisa contou com três fases de execução: 1º ano com quatro módulos de capacitação desenvolvidos em 2015; 2º ano com a aplicação da abordagem nos casos novos, ocorrido em 2016; e, em 2017 o 3º ano com a avaliação da eficácia terapêutica do DA (Rossi, 2015ROSSI, M. C. Il “dialogo aperto”: un approccio innovativo nel trattamento delle crisi psichiatriche d’esordio: definizione e valutazione degli strumenti operativi ed organizzativi per la trasferibilità del “dialogo aperto” nei DSM italiani. Torino, 2015.).

O segundo módulo de capacitação, que ocorreu em fevereiro de 2015, contou com a presença de Jaakko Seikkula e teve como objetivo identificar as possíveis dificuldades dos participantes mediante a implantação do DA. Neste módulo participaram 83 pessoas, dentre elas profissionais de nível superior e médio e usuários dos serviços de saúde. Ao final, todos foram convidados a preencher um formulário com perguntas sobre o perfil demográfico e uma questão aberta, que solicitava a indicação dos pontos críticos que poderiam ocorrer na aplicação dos sete princípios da abordagem do DA na Itália.

Diante disso, realizou-se uma análise do tipo ideal de criticidade e os dados foram agrupados em dois tipos ideais, segundo o conceito weberiano: o organizacional e o cultural. Conforme Weber, o tipo ideal não é uma hipótese nem uma representação da realidade, mas precisamente serve para expressar o caráter particular dos fenômenos, mostrando as diferenças destes no contexto social da análise. Não serve, portanto, para reproduzir o empírico, mas oferece um termo de comparação destacando aspectos e diferenças significativos (Barlucchi, 1998BARLUCCHI, M. C. Il tipo ideale weberiano: dalla identificazione alla operativizzazione. Nápoles: Edizioni Scientifiche Italiane, 1998.).

Para tanto, consideramos como tipo organizacional ideal os princípios do DA que refletem certas características que dizem respeito à forma como as atividades podem ser desenvolvidas pela equipe (divididas, organizadas e coordenadas), colaborando para a compreenção da realidade encontrada na Finlândia. Já o tipo cultural ideal fornece uma perspectiva das crenças, do cuidado e das concepções em relação à saúde mental que podem ser contrastadas com os fenômenos culturais encontrados na Itália.

Desta forma, após leitura do material empírico para fins de organização, as anotações foram agrupadas em planilha no Excel e categorizadas conforme as associações aos termos organizacional e cultural. Além disso, foram identificadas com a letra “P” de participantes, acompanhada de sequência numérica (P1, P2, P3…). Quanto aos aspectos éticos, este estudo respeitou todas as diretrizes da Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº 466/2012 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa brasileiro (Brasil, 2013BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 jun. 2013.).

Resultados e discussão “sub1”

Das 83 pessoas que preencheram o formulário, 30 tinham entre 56 e 65 anos; 25 delas, entre 46 e 55 anos; 15 entre 36 e 45 anos; e 10 tinham uma idade igual ou inferior a 35 anos; três pessoas não preencheram essa informação. A idade média dos participantes foi de 50 anos, sendo 53 mulheres e 30 homens. Aqueles que avaliaram os aspectos críticos da implementação do DA na Itália são, portanto, pessoas com sólida experiência profissional e que podem ser acompanhadas por práticas mais tradicionais.

Salienta-se que a Itália estaria inclinada a aceitar a inovação do DA, uma vez que possui uma história de lutas para a superação das instituições psiquiátricas asilares, constituindo após os anos 1970 uma rede de serviços de saúde mental de base comunitária. O país demonstrou ao longo dos anos que é possível enfrentar problemas graves, como a psicose, extinguindo o modelo manicomial e estabelecendo diversos outros serviços substitutivos, assim como novos pensamentos, conhecimentos e práticas (Rossi, 2015ROSSI, M. C. Il “dialogo aperto”: un approccio innovativo nel trattamento delle crisi psichiatriche d’esordio: definizione e valutazione degli strumenti operativi ed organizzativi per la trasferibilità del “dialogo aperto” nei DSM italiani. Torino, 2015.).

Além disso, as especialidades são variadas, com prevalência das profissões da área da saúde (27 médicos e 25 enfermeiros), somando-se a estas 22 psicólogos, quatro educadores, um assistente social, um sociólogo, um técnico de prevenção, um técnico administrativo e uma pessoa cuja profissão é desconhecida. A presença de associações de usuários e familiares é reduzida, com apenas um representante, além de um profissional aposentado e dois participantes que não indicaram sua filiação institucional.

Aspectos críticos da implementação dos princípios do diálogo aberto na Itália

A formulação da questão autoaplicada se deu de forma aberta e sem referência explícita aos princípios. Isso significa que as pessoas examinaram os pontos críticos não de todos os princípios do DA, mas daqueles que consideraram relevantes.

O primeiro princípio, o da ajuda imediata, prevê que a equipe de atenção à crise faça o primeiro contato com a pessoa e marque uma reunião com a família e rede social dentro de 24 horas. Estimula-se que o terapeuta responsável pelo primeiro contato esteja presente nesta reunião, com o máximo de profissionais possível. Um dos objetivos da resposta imediata é evitar a hospitalização ou retardá-la o quanto for possível (Seikkula, 2019SEIKKULA, J. Diálogos abertos geram novos recursos em crises de saúde mental. São Paulo: Instituto NOA, 2019. (Workshop).). Essas, portanto, seriam as características a considerar para o primeiro princípio do DA, segundo o tipo organizacional ideal.

Sobre esse princípio os formulários apresentaram 39 anotações:

Ter os recursos (números de pessoas treinadas, salários de funcionários e custos organizacionais) para realizar a intervenção imediata. (P1)

A ativação da equipe rapidamente, imediatamente, sem esperar, com todo o grupo de profissionais que compõem a rede, indo até a casa do paciente. (P61)

Sensibilização, para esse tipo de abordagem, nos diversos serviços: escolas, atenção primária, profissionais da saúde. (P48)

Os principais motivos elencados dizem respeito à falta de recursos humanos para enfrentar rapidamente o surgimento da crise, tanto em relação à quantidade de profissionais e qualidade desta assistência quanto à necessidade de recursos econômicos para o pagamento de salários e custos organizacionais. Somam-se a isso outros dois fatores: a organização da primeira reunião no prazo de 24 horas e a necessidade de sensibilizar diversos serviços que compõem a rede de cuidado, como unidades básicas de saúde e pronto atendimento, para que o trabalho ocorra dentro da lógica do DA (Seikkula, 2019SEIKKULA, J. Diálogos abertos geram novos recursos em crises de saúde mental. São Paulo: Instituto NOA, 2019. (Workshop).).

Estudo no Reino Unido destacou a mesma preocupação com os recursos financeiros e humanos necessários para implementar essa abordagem. Inicialmente, esse método é uma intervenção intensiva que demanda recursos financeiros, porém tende a diminuir após o processo de implementação. É provável que o DA reduza os custos de atendimento à crise se for capaz de impedir as internações hospitalares (Razzaque; Wood, 2015RAZZAQUE, R.; WOOD, L. Open dialogue and its relevance to the NHS: opinions of NHS staff and service users. Community Mental Health Journal, Nova York, v. 51, n. 8, p. 931-938, 2015. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2IbILZ5 >. Acesso em: 25 maio 2019.
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).

O segundo princípio, a perspectiva da rede social, requer envolvimento de pessoas significativas da rede de apoio da pessoa em crise. Portanto, a inclusão de amigos, namorados(as), colegas de trabalho, vizinhos, dentre outros, pode reduzir as incertezas e os riscos no enfrentamento das questões pessoais e sociais.

A abordagem do DA prevê que durante os encontros a rede social se reúna para discutir todas as questões associadas ao problema. Os planos e decisões também são feitos de forma conjunta (Seikkula, 2019SEIKKULA, J. Diálogos abertos geram novos recursos em crises de saúde mental. São Paulo: Instituto NOA, 2019. (Workshop).). Destacamos a seguir algumas das 40 anotações que se referem a este princípio:

Mudança cultural (muito lenta) para envolver as famílias (membros “saudáveis”) que podem, por sua vez, temer serem rotulados. (P1)

Dificuldades da psiquiatria para deixar de lado a centralidade do relacionamento médico-paciente e transferi-lo para o sistema familiar e demais profissionais. (P3)

Capacidade de fazer a família e a rede social participarem, para criar o nível horizontal e dar a possibilidade de todas as vozes se expressarem. (P49)

As questões críticas são identificadas tanto na necessidade de mudanças culturais e na centralidade do relacionamento entre médico-paciente, quanto na capacidade desses de cuidarem de forma horizontalizada, incluindo a família e a rede social do paciente. Os profissionais italianos estão mais propensos a uma relação diádica.

Destaca-se que o encontro possui três funções iniciais: (1) coletar informações sobre o problema; (2) construir um plano de tratamento e tomar as decisões necessárias com base nas discussões; e (3) gerar um diálogo psicoterapêutico desencadeando a construção de “novas palavras” e novos significados para essas dificuldades. Portanto, é indispensável que os profissionais incluam os familiares no processo terapêutico, adequando a linguagem tecnicista e permitindo que a rede da pessoa assuma a liderança na produção do conteúdo e responda a cada enunciado de maneira dialógica, para promover a construção de um novo entendimento entre os diferentes participantes (Seikkula, 2019SEIKKULA, J. Diálogos abertos geram novos recursos em crises de saúde mental. São Paulo: Instituto NOA, 2019. (Workshop).).

Evidencia-se, portanto, que diante do tipo cultural ideal da Lapônia, é preciso mudar a forma como percebemos e tratamos a loucura (Oliveira, 2018OLIVEIRA, W. F. Medicalização da vida: reflexões sobre sua produção cultural. In: AMARANTE, P.; PITTA, A. M. F.; OLIVEIRA, W. F. (Org.). Patologização e medicalização da vida: epistemologia e política. São Paulo: Zagodoni, 2018. p. 11-15.). Em sua maioria, os serviços de saúde mental são embasados no modelo médico, sendo imprescindível a mudança dessa perspectiva para abrir espaços a novas abordagens à crise psicótica. O desenvolvimento de políticas públicas que apoiem o DA tem potencial para melhorar a assistência e colaborar para um modelo voltado às necessidades das pessoas.

O terceiro princípio, o da flexibilidade e mobilidade, nos convida a adotar um caminho terapêutico modelado nas necessidades da pessoa em crise. Isto se refere ao ponto de vista da cadência das reuniões e dos locais identificados para este fim, privilegiando primeiro a casa da família (Seikkula, 2014SEIKKULA, J. Il dialogo aperto: l’approccio finlandese alle gravi crisi psichiatriche. Roma: Giovani Fioriti, 2014.).

As características a serem consideradas neste princípio dizem respeito ao tipo organizacional ideal. Sobre esse item, 38 profissionais relataram suas críticas:

A dificuldade está na organização de um serviço de crise aberto […]. O risco é que um rompimento seja criado entre o grupo de trabalho que opera com o método Open Dialogue e o restante da equipe de metodologia tradicional. (P26)

Adaptar-se às necessidades é também uma prática que sofre a influência da psiquiatria, que, nas políticas e na prática, muitas vezes, devido à força maior, volta para uma psiquiatria da tradição clínica diagnóstica e uma abordagem predominante do sintoma […]. Trazem em primeiro lugar os protocolos farmacológicos. (P5)

Superar as questões críticas das organizações de saúde italianas que favorecem as hiperespecializações e a separação de diferentes membros e diferentes disciplinas e estruturas. (P61)

As questões críticas identificadas referem-se principalmente a limites e inércias organizacionais relativos às dificuldades de integração entre os diversos serviços territoriais. Obstáculos também são identificados na cultura psiquiátrica tradicional, centrada no sintoma e na farmacologia. Dignas de nota são também as perplexidades que focalizam as dificuldades de articulação entre as equipes envolvidas no DA e os profissionais que se movem de forma tradicional nos serviços de saúde.

Em pesquisa na Finlândia que gravou por meio de imagens os encontros do DA, foram descritos o processo de intervenção durante a crise e os diálogos dos psiquiatras nas reuniões. Identificou-se que o psiquiatra trabalha sempre como parte da equipe, discutindo e decidindo nas reuniões, junto com a pessoa em crise e seus familiares, os aspectos do tratamento. No cenário estudado, a maioria dos psiquiatras não tem treinamento especializado focado em relacionamento; para tanto, precisam ser flexíveis e capazes de cooperar com as famílias e colegas de trabalho (Borchersa; Seikkula; Lehtinen, 2013BORCHERSA, P.; SEIKKULA, J.; LEHTINEN, K. Psychiatrists’ inner dialogues concerning workmates during need adapted treatment of psychosis. Psychological, Social and Integrative Approaches, Abingdon, v. 5, n. 1, p. 60-70, 2013. Disponível em <Disponível em http://bit.ly/2TfgEOU >. Acesso em: 30 maio 2019.
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).

Nesse tipo organizacional ideal, os membros da equipe se movimentam com flexibilidade, na construção de perguntas e comentários, nas discussões reflexivas entre si e nas propostas de intervenção. Desta forma, decisões sobre hospitalização, justificativa para medicação e planejamento para psicoterapia individual são exemplos de questões que podem ser abordadas durante discussões multiprofissionais entre equipe e a pessoa em crise e seus familiares (Seikkula, 2019SEIKKULA, J. Diálogos abertos geram novos recursos em crises de saúde mental. São Paulo: Instituto NOA, 2019. (Workshop).).

Na Finlândia, o sistema público de saúde é centrado na rede de cuidado e na família. Está disponível para todos e proporciona um tratamento integrado e eficaz, principalmente na comunidade (Olson, 2015OLSON, M. An auto-ethnographic study of “open dialogue”: the illumination of snow. Family Process, Baltimore, v. 54, n. 4, p. 716-729, 2015.). No entanto, mesmo diante de cenários inicialmente desfavoráveis ou diferentes daquele da experiência original, o DA já possui variações em 17 países, dentre eles Japão, Grécia, Espanha, Bélgica, Estados Unidos, México, Austrália e Alemanha (Seikkula, 2019SEIKKULA, J. Diálogos abertos geram novos recursos em crises de saúde mental. São Paulo: Instituto NOA, 2019. (Workshop).).

O quarto princípio, o da responsabilidade, requer o compromisso de oferecer uma resposta imediata, seja qual for a necessidade da pessoa em crise e de sua família, como já citado. Esse tipo organizacional ideal exclui a possibilidade de o profissional recusar um pedido de ajuda dizendo: “não é minha responsabilidade”. Isso significa que todos os membros da equipe devem reunir informações e estar presentes no momento da decisão. Entre os 83 participantes, 42 indicam este princípio como crítico:

Existe uma tendência para trabalhar de forma compartimentada. (P7)

Trabalhamos em uma organização onde a modalidade comunicativa e organizacional de tomada de decisão é vertical, centrada no médico. (P38)

A responsabilidade no Diálogo Aberto é ampliada e horizontal […] em nosso modelo organizacional é rigidamente verticalizada e organizada em um sentido hierárquico. (P76)

Às vezes, nossas intervenções são direcionadas por uma perspectiva defensiva […]. Acredito que é fundamental, se por vezes controverso, recuperar a total responsabilidade pela intervenção ligada a uma discussão das necessidades do paciente. (P60)

As criticalidades relatadas de fundamentação predominantemente organizacional referem-se à compartimentação dos serviços, separados não apenas das habilidades, mas também das barreiras de relações de poder. Os últimos encontram expressão no controle de seu terreno disciplinar e na estrutura hierárquica “centrada na medicina”.

As relações de poder estão presentes na psiquiatria ao longo de sua história. A exemplo temos a necessidade de transformar o asilo psiquiátrico em um espaço semelhante ao hospital geral (normas de higiene, controle dos corpos, curas, altas), com a urgência de demonstrar para a sociedade que poderiam ser capazes de curar fazendo uso de um medicamento eficaz (Caponi, 2018CAPONI, S. Uma biopolítica da indiferença: a propósito da denominada revolução psicofarmacológica. In: AMARANTE, P.; PITTA, A. M. F.; OLIVEIRA, W. F. (Org.). Patologização e medicalização da vida: epistemologia e política. São Paulo: Zagodoni, 2018. p. 17-37.).

A responsabilidade também é necessária no quinto princípio, continuidade psicológica, o qual exige que a equipe continue cuidando da pessoa durante o tempo necessário até que se estabeleça a melhora da situação, seja em ambiente hospitalar ou ambulatorial (Seikkula, 2014SEIKKULA, J. Il dialogo aperto: l’approccio finlandese alle gravi crisi psichiatriche. Roma: Giovani Fioriti, 2014.). A criticidade da aplicação deste princípio é relatada por 13 pessoas:

Continuidade psicológica. A eficácia de intervenções integradas e contínuas […] Na minha opinião, é importante definir os aspectos organizacionais que possibilitam colocá-los em prática (equipes estáveis, suporte telefônico fora das sessões? Disponibilidade para reuniões diárias?). (P4)

A necessidade/dificuldade de envolver serviços […] que proporcionam profissionais que podem ser acionados em situações críticas e capazes de garantir a continuidade. (P40)

A continuidade do dia de intervenção, noite e feriados pode ser crítica para as 24 horas. Continuidade com os mesmos operadores, dados os turnos com os mesmos operadores. (P78)

As observações dos participantes em relação ao quinto princípio têm novamente preocupações que confrontam o tipo organizacional ideal do DA. Elas se relacionam com a dificuldade de conciliar os horários de trabalho dos diversos profissionais envolvidos na equipe (turnos, feriados, doença, finais de semana etc.). Somam-se a isso os obstáculos de comunicação e integração entre os diferentes setores da saúde.

Segundo Kantorski e Cardano (2019KANTORSKI, L. P.; CARDANO, M. O diálogo aberto e os desafios para sua implementação: análise a partir da revisão da literatura. Ciência & Saúde Coletiva, Manguinhos, v. 24, n. 1, p. 229-246, 2019. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/2VFdndA >. Acesso em: 20 maio 2019.
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), existe o desafio de organizar uma estrutura com número suficiente de pessoas, turnos, horários disponíveis e com formação/treinamento adequado, o que se torna indispensável num primeiro momento, pois a ajuda deve ser imediata. Contudo, essa organização deve prosseguir para garantir o princípio da continuidade.

O sexto princípio, o da tolerância da incerteza, requer um hábito epistemológico peculiar, envolvendo a construção em andamento da resposta terapêutica, deixando de lado o desejo de um controle total e imediato da crise. No tipo cultural ideal, essa disposição é expressa, por exemplo, na atitude da equipe em renunciar o uso de neurolépticos imediatamente nos primeiros sintomas. Seikkula destaca a importância de prosseguir primeiramente com a escuta, utilizando os medicamentos depois de alguns encontros e discussões sobre o assunto. Isso se dá no intuito de não cessar os sintomas e preservar a cognição da pessoa em crise (Seikkula, 2019SEIKKULA, J. Diálogos abertos geram novos recursos em crises de saúde mental. São Paulo: Instituto NOA, 2019. (Workshop).). Este princípio foi relatado por 30 dos participantes do seminário:

O uso de drogas não é um elemento prioritário da intervenção, embora possa ser útil. Discussão é necessária na reunião. Para os psiquiatras, isso pode ser um problema que pode bloquear a intervenção porque, na cultura de serviço, a intervenção farmacológica é a intervenção prioritária. No final, precisamos desaprender para aprender. (P59)

A atual prevalência do uso de drogas como auxílio à contenção também da família e rede social. (P70)

O departamento de saúde mental não é um elemento em si, mas está inserido em um contexto social, político, econômico e legislativo, e todos os aspectos condicionam os outros, criando um pensamento dominante. Nesse sentido, vejo o risco da decisão (por outras razões cientificamente validadas) de usar drogas em doses mínimas e não neurolépticas, o que é uma decisão clínica. (P82)

As anotações insistem nas pressões para o uso do medicamento a fim de combater os sintomas da crise. Essas pressões têm raízes no modo de conduzir o cuidado em saúde mental, temendo os riscos legais decorrentes da falta de administração de neurolépticos. Porém, de forma cultural, toda a sociedade passa a suportar os processos vivenciados com o auxílio da medicação. Na busca incansável da felicidade, o homem percebeu que fórmulas e prescrições podem ser protagonistas em um espaço onde a tristeza deve ser medicalizada para que voltemos a “funcionar” (Caponi, 2018CAPONI, S. Uma biopolítica da indiferença: a propósito da denominada revolução psicofarmacológica. In: AMARANTE, P.; PITTA, A. M. F.; OLIVEIRA, W. F. (Org.). Patologização e medicalização da vida: epistemologia e política. São Paulo: Zagodoni, 2018. p. 17-37.).

Sendo assim, como qualquer produto a ser vendido e, portanto, consumido, a medicação deixa de ser uma possibilidade de promover um bem-estar para também ser fundamentada no lucro da indústria. Ademais, ela passa a obedecer não somente às necessidades de uma pessoa, mas também ao aumento de consumo, produtividade industrial e lucro empresarial. Embora a medicina possa ser considerada como uma organizadora deste processo, devemos ter em vista que ela é apropriada pela estrutura maior representada pelo complexo da indústria farmacêutica. Esses aspectos produzem uma cultura medicalizante na qual os próprios pacientes já aprendem a demandar o uso destes produtos (Oliveira, 2018OLIVEIRA, W. F. Medicalização da vida: reflexões sobre sua produção cultural. In: AMARANTE, P.; PITTA, A. M. F.; OLIVEIRA, W. F. (Org.). Patologização e medicalização da vida: epistemologia e política. São Paulo: Zagodoni, 2018. p. 11-15.).

Além disso, tolerar a incerteza significa não tomar decisões precipitadas e conclusões rápidas sobre a natureza da crise, diagnóstico, medicação e organização da terapia. A observância aos princípios do DA por parte da equipe, com a disponibilidade de reuniões imediatas e frequentes, colabora para que a rede tolere a incerteza da crise à medida que o grupo trabalha em direção a seu próprio entendimento. Essa posição terapêutica forma uma mudança no modo de agir dos profissionais, pois na maioria das vezes estamos acostumados a pensar que devemos interpretar o problema e propor uma neutralização dos sintomas induzindo mudanças na pessoa ou na família (Olson; Seikkula; Ziedonis, 2014OLSON, M.; SEIKKULA, J.; ZIEDONIS, D. The key elements of dialogic practice in open dialogue: fidelity criteria. Worcester: University of Massachusetts Medical School, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/39nLWck >. Acesso em: 25 maio 2019.
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).

O sétimo e último princípio do DA, o dialogismo, reafirma a necessidade de promover o diálogo entre todos. Essa prática deve desenvolver um ambiente acolhedor para que as pessoas e suas famílias se sintam ouvidas, respeitadas e validadas (Olson; Seikkula; Ziedonis, 2014OLSON, M.; SEIKKULA, J.; ZIEDONIS, D. The key elements of dialogic practice in open dialogue: fidelity criteria. Worcester: University of Massachusetts Medical School, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/39nLWck >. Acesso em: 25 maio 2019.
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).

A palavra “aberto” refere-se à transparência dos processos de planejamento e tomada de decisão que acontecem enquanto todos estão presentes. Isso, por sua vez, não significa que as famílias são forçadas a falar sobre as questões que os profissionais acreditam que deveriam ser expostas (Olson; Seikkula; Ziedonis, 2014OLSON, M.; SEIKKULA, J.; ZIEDONIS, D. The key elements of dialogic practice in open dialogue: fidelity criteria. Worcester: University of Massachusetts Medical School, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/39nLWck >. Acesso em: 25 maio 2019.
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).

Há 17 pessoas que reconhecem questões críticas específicas na implementação deste aspecto considerado como o tipo cultural ideal:

Dialogismo que restaura o poder dialógico ao paciente e à família é a parte mais difícil […] Trocas horizontais, evitando relações de poder, contendo a tendência de fornecer soluções. Provavelmente requer um treinamento intenso. A capacidade de diálogo entre os profissionais na presença de clientes requer grandes habilidades relacionais, bem como a capacidade de praticar “psiquiatria artesanal”. (P4)

Parece mais difícil desenvolver uma abordagem dialógica sistemática, que não seja diretiva e permaneça aberta a mudanças para todos os atores. (P46)

Percebe-se que existe uma preocupação com as competências dos profissionais e seus hábitos, o que às vezes é refratário à lógica do diálogo. Olson (2015OLSON, M. An auto-ethnographic study of “open dialogue”: the illumination of snow. Family Process, Baltimore, v. 54, n. 4, p. 716-729, 2015.), em sua autoetnografia, relata a mudança de postura enquanto profissional da psiquiatria após estudos e contato com a abordagem do DA na Finlândia. Segundo a autora, no modelo dominante existe uma visão dos transtornos mentais como resultado de processos bioquímicos ou genéticos, enfatizando a necessidade de remover os sintomas, enquanto no DA salienta-se que é necessário ouvir e responder a uma pessoa de forma integral observando o seu contexto.

A forma distinta de conversação terapêutica na reunião de tratamento tem como objetivo criar uma linguagem comum ou “diálogo dialógico” que, ao oportunizar a cada pessoa uma voz, resulta na experiência comum. Assim, opõe-se ao monólogo de profissionais que utilizam a linguagem só entendida por especialistas (Olson, 2015OLSON, M. An auto-ethnographic study of “open dialogue”: the illumination of snow. Family Process, Baltimore, v. 54, n. 4, p. 716-729, 2015.).

A arte e a habilidade da prática dialógica significam que as comunicações dos profissionais não podem ser padronizadas. Assim, é necessário desenvolver a capacidade de ouvir e adaptar-se ao contexto e à linguagem particular de cada troca. Para tanto, no DA, essa interação ocorre de forma única entre o grupo de participantes presentes na conversa terapêutica que fornece as possibilidades de mudanças positivas (Olson; Seikkula; Ziedonis, 2014OLSON, M.; SEIKKULA, J.; ZIEDONIS, D. The key elements of dialogic practice in open dialogue: fidelity criteria. Worcester: University of Massachusetts Medical School, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/39nLWck >. Acesso em: 25 maio 2019.
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).

Com ênfase em ouvir e responder, o DA promove a coexistência de “vozes” ou pontos de vista múltiplos, separados e igualmente válidos. Essa multiplicidade de vozes da rede é o que Bakhtin chama de “polifonia”. Na crise intensa e grave, esse processo pode ser complexo, exigindo sensibilidade ao trazer à tona as vozes daqueles que são silenciosos, menos vocais, hesitantes, desorientados ou difíceis de compreender. Dentro de uma “conversa polifônica” há espaço para cada voz, reduzindo assim a lacuna entre os chamados “doentes” e “saudáveis”. O intercâmbio colaborativo entre todas as diferentes vozes tece entendimentos novos, mais compartilhados, nos quais todos contribuem (Olson; Seikkula; Ziedonis, 2014OLSON, M.; SEIKKULA, J.; ZIEDONIS, D. The key elements of dialogic practice in open dialogue: fidelity criteria. Worcester: University of Massachusetts Medical School, 2014. Disponível em: <Disponível em: http://bit.ly/39nLWck >. Acesso em: 25 maio 2019.
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).

A Tabela 1 ilustra a relação entre os pontos críticos reconhecidos nos sete princípios do DA, juntamente com as duas profissões em maior número presentes no seminário (médicos e enfermeiros) e os demais profissionais (fonoaudiólogos, psicólogos, educadores e assistentes sociais) que foram agrupados em uma única categoria. A tabela não inclui outras profissões, poucas em número (n=4) e menos relevantes no cenário assistencial da Itália.

Tabela 1
Criticalidades reconhecidas nos sete princípios do diálogo aberto pelos três principais grupos profissionais: percentuais e valores absolutos expressos por médicos, enfermeiros e demais profissionais, Itália, 2015

A primeira consideração da Tabela 1 emerge da observação da linha que mostra a distribuição total dos comentários. Uma separação pode ser vista entre os quatro primeiros princípios e os três últimos. Estes parecem mobilizar menos preocupação entre os participantes no seminário, tendo em vista a sua aplicação no contexto italiano. Sugere-se cautela na interpretação desses resultados, já que a pergunta não pontuou de forma separada os sete princípios do DA e apenas solicitou de forma genérica a indicação dos pontos críticos para a sua implementação.

Parece, no entanto, que os princípios cuja aplicação tem menor impacto organizacional geram menos perplexidade. Isso se aplica à tolerância da incerteza, ao dialogismo e, em menor escala, à continuidade psicológica. A comparação entre os três grupos profissionais evidencia, a princípio, que a direção das perplexidades não apresenta grandes diferenças. No entanto, a simples consideração das três primeiras razões críticas indicadas pelos três grupos nos permite apreender algumas diferenças dignas de reflexão.

Para os médicos, o princípio que suscita maior perplexidade é o da responsabilidade, relatado por 52% destes profissionais, provavelmente pelo medo das consequências legais, conforme discussões anteriores. Os princípios da ajuda imediata e da flexibilidade e mobilidade são indicados como problemáticos por 48% dos participantes. Essas preocupações podem ocorrer devido às dificuldades organizacionais decorrentes da adoção da abordagem finlandesa na realidade italiana.

Entre os enfermeiros, o princípio que apresenta questões mais críticas é o da ajuda imediata, relatada por 60% deles. Isso sugere uma sensibilidade desses profissionais em relação aos problemas organizacionais e gerenciais, assuntos inerentes ao processo de trabalho dessa categoria, principalmente por estarem envolvidos diretamente no cuidado de pessoas em sofrimento mental.

Igualmente importantes são os relatos sobre o princípio da rede social e da responsabilidade, ambos apontados por 52% dos enfermeiros. Novamente, talvez seja o conhecimento dos contextos sociais em que os transtornos mentais ocorrem que leva esses profissionais a terem cautela no cuidado compartilhado com a rede social. As reservas sobre o quarto princípio, da responsabilidade, podem estar relacionadas às razões expressas pelos médicos.

Entre os demais profissionais, o princípio que provoca as maiores perplexidades ainda é o quarto, o da responsabilidade, relatado por 56% deles. Parece que as preocupações desse agrupamento profissional estão em uma posição intermediária entre a dos médicos e a dos enfermeiros. Por outro lado, a preocupação em menor número do princípio da ajuda imediata, evidenciada em 33% dos relatos, pode ser um reflexo da forma como fonoaudiólogos, psicólogos, educadores e assistentes sociais desenvolvem suas práticas na Itália.

Observa-se que as equipes multiprofissionais, as intervenções precoces e os serviços comunitários de atendimento à crise vêm crescendo em todo o mundo. Modelos inovadores têm sido desenvolvidos, como o Early Psychosis Prevention e Intervention Centre (EPPIC) na Austrália; o Modelo Flexible Assertive Community Treatment, na Holanda; e o Therapeutic Assertive Community Treatment, em Hamburgo. Esses, dentre outros, visam diminuir os sintomas da psicose, melhorar os resultados funcionais e reduzir a incapacidade em longo prazo (Correll et al., 2018CORRELL, C. U. et al. Comparison of early intervention services vs Treatment as usual for early-phase psychosis: a systematic review, meta-analysis, and meta-regression. Jama Psychiatry, Chicago, v. 75, n. 6, p. 555-565, 2018. DOI: 10.1001/jamapsychiatry.2018.0623.
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).

Entretanto, mesmo com resultados promissores em relação ao tratamento usual, nenhum deles tem apresentado taxas tão significativas como o DA, que demonstrou a diminuição da incidência anual de esquizofrenia na Finlândia. Além disso, pacientes que foram tratados pela abordagem ficaram hospitalizados por menos dias, utilizaram psicofármacos em menor número de casos, e a maioria deles (82%) não tiveram sintomas psicóticos residuais em dois anos (Lakeman, 2014LAKEMAN, R. The Finnish open dialogue approach to crisis intervention in psychosis: a review. Psychotherapy in Australia, Melbourne, v. 20, n. 3, p. 26-33, 2014. Disponível em <Disponível em http://bit.ly/3alAduD >. Acesso em: 8 nov. 2019.
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; Kłapciński; Rymaszewska, 2015KŁAPCIŃSKI, M.; RYMASZEWSKA, J. Open dialogue approach: about the phenomenon of Scandinavian Psychiatry. Psychiatria Polska, Varsóvia, v. 49, n. 6, p. 1179-1190, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2xoH3S4 >. Acesso em: 5 dez. 2018.
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).

Portanto, é necessário utilizar outros métodos desinstitucionalizantes para além da intervenção farmacológica. O trílogo entre profissionais, pacientes e suas famílias de forma horizontalizada, com tomada de decisão compartilhada, apoio empático nos momentos difíceis e a mudança organizativa em termos de estruturação de serviços podem colaborar para resultados promissores. As contribuições do DA para o tratamento comunitário e domiciliar, com ênfase no acompanhamento multiprofissional na lógica do dialogismo, fazem desta abordagem um dos melhores métodos de reabilitação em saúde mental do mundo, principalmente em relação às psicoses (Kłapciński; Rymaszewska, 2015KŁAPCIŃSKI, M.; RYMASZEWSKA, J. Open dialogue approach: about the phenomenon of Scandinavian Psychiatry. Psychiatria Polska, Varsóvia, v. 49, n. 6, p. 1179-1190, 2015. Disponível em: <Disponível em: https://bit.ly/2xoH3S4 >. Acesso em: 5 dez. 2018.
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).

Considerações finais

O caminho percorrido na Finlândia nos últimos 20 anos demonstrou que a abordagem do DA é eficaz para lidar com graves crises psicóticas. A transferência dessa modalidade terapêutica para a Itália não parece, no entanto, livre de obstáculos.

Por meio do conceito weberiano foi possivel observar o tipo organizacional ideal e o tipo cultural ideal. As preocupações se voltaram para a qualidade da assistência, a necessidade de recursos econômicos, as dificuldades de integração entre os diversos serviços territoriais e a inclusão da família e a rede social de forma horizontalizada no cuidado.

Além disso, evidenciou-se a urgência de mudanças culturais na centralidade do trabalho médico, nas relações de poder estabelecidas pela psiquiatria e nas pressões para o uso do medicamento a fim de combater os sintomas da crise - pressões que muitas vezes retratam o temor dos riscos legais decorrentes da falta de administração de medicamentos.

Os princípios de maior preocupação entre os enfermeiros e médicos foram a ajuda imediata, a rede social e a flexibilidade e mobilidade. Entre os demais profissionais, o princípio da responsabilidade gerou maiores perplexidades.

A análise possibilita a reflexão sobre potenciais impasses mediante a exigência de mudanças de concepções, organizações, saberes e práticas de cuidado em saúde mental comunitária no contexto da desinstitucionalização. Além disso, fornece subsídios para novos estudos de implementação do DA em contextos sociais bastante diferentes do finlandês, como o brasileiro.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    20 Set 2019
  • Aceito
    10 Dez 2019
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br