Resumo
A participação social é um componente fundamental na promoção do saneamento rural. Entretanto, diferentes desafios conceituais e metodológicos sobre a utilização de metodologias participativas (MP) ainda despontam na literatura em relação a quem são os principais atores sociais envolvidos e como tais mecanismos de intervenção têm contribuído em ações de saneamento rural. Assim, esta pesquisa objetiva caracterizar a utilização das MP empregadas em soluções de saneamento rural por diferentes atores sociais, em nível estadual. Para tal, foram investigadas as experiências de saneamento rural no estado de Goiás realizadas com financiamento do poder público, entre 2007 e 2019, por intermédio de entrevista semiestruturada e aplicação de questionário a lideranças e/ou técnicos de entidades governamentais e da sociedade civil. Em síntese, as experiências investigadas apresentaram que ambas as categorias de atores sociais têm utilizado MP em suas abordagens, classificando-as por etapas e tipologias, em consonância com Geilfus. No estudo, concluiu-se que o emprego de MP contribuiu para o processo de sensibilização às questões socioambientais locais, bem como motivou uma reflexão crítica em relação à própria participação, estimulando, assim, maior intervenção e interação dos participantes com a agenda de discussão proposta.
Palavras-chave:
Atores Sociais; Metodologias Participativas; Participação Social; Saneamento Rural
Abstract
Social participation is a fundamental component in the promotion of rural sanitation. However, different conceptual and methodological challenges on the use of Participatory Methodologies (PM) still emerge in the literature regarding who are the main social actors involved and how intervention mechanisms have contributed to rural sanitation actions. Thus, this research aims to characterize the use of PM employed in rural sanitation solutions by different social actors, at the state level. For this purpose, the experiences of rural sanitation in the state of Goiás carried ou with funding from the government, between 2007 and 2019, were investigated with semi-structured interviews and questionnaire application to leaders and/or technicians of government and civil society entities. In summary, the experiences investigated showed that both categories of social actors have used PM in their approaches, categorizing them by stages and typologies, in line with Geilfus. The study concluded that the use of PM contributed to the process of raising awareness about local socio-environmental issues and motivating a critical reflection regarding one’s own participation, thus stimulating greater intervention and interaction of participants with the proposed discussion agenda.
Keywords:
Social Actors; Participatory Methodologies; Social Participation; Rural Sanitation
Introdução
No contexto mundial das políticas de saneamento, a Assembleia Geral das Nações Unidas e o Conselho de Direitos Humanos reconheceram os direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário (DHAES)por meio da Resolução nº 64/292, de 28 de julho de 2010 (UN, 2010UN - UNITED NATIONS. Resolution adopted by the General Assembly on 28 July 2010 - 64/292. The human right to water and sanitation. Geneva, 2010. Disponível em: <Disponível em: https://digitallibrary.un.org/record/687002 >. Acesso em: 24 abr. 2023.
https://digitallibrary.un.org/record/687... ), sendo a participação social um componente fundamental nesse processo. De acordo com Neves-Silva e Heller (2016NEVES-SILVA, P.; HELLER, L. O direito humano à água e ao esgotamento sanitário como instrumento para promoção da saúde de populações vulneráveis. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 6, p. 1861-1870, 2016. DOI: 10.1590/1413-81232015216.03422016
https://doi.org/10.1590/1413-81232015216... ), ao estabelecer a adoção do referencial de DHAES como instrumento para a promoção da saúde de populações vulneráveis:
O DHAES reconhece que o acesso a esses serviços é um direito dos indivíduos e uma obrigação do Estado […]. Sendo a participação social um princípio importante do referencial dos Direitos Humanos, as populações vulneráveis passam a ter direito a participar dos processos de tomadas de decisão, tendo suas demandas e necessidades ouvidas e valorizadas. (Neves-Silva; Heller, 2016NEVES-SILVA, P.; HELLER, L. O direito humano à água e ao esgotamento sanitário como instrumento para promoção da saúde de populações vulneráveis. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 6, p. 1861-1870, 2016. DOI: 10.1590/1413-81232015216.03422016
https://doi.org/10.1590/1413-81232015216... , p. 1868)
Diante de tal perspectiva, o tema ainda proporciona um cenário desafiador, seja nas cidades ou em locais com populações em situações de elevado índice de vulnerabilidade social, como é o caso das áreas de favelas, irregulares, periféricas e rurais (Neves-Silva; Heller, 2016NEVES-SILVA, P.; HELLER, L. O direito humano à água e ao esgotamento sanitário como instrumento para promoção da saúde de populações vulneráveis. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 6, p. 1861-1870, 2016. DOI: 10.1590/1413-81232015216.03422016
https://doi.org/10.1590/1413-81232015216... ).
Quando se trata das áreas rurais brasileiras, a discussão se intensifica, visto que, em um país continental como o Brasil, não só o conceito de ruralidade (intermediário, adjacente e remoto) é vasto e complexo, mas também conservam-se povos e comunidades diversos em virtude das várias heranças étnico-culturais (Brasil, 2019bBRASIL. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Saneamento Rural. Brasília, DF: Funasa, 2019b. Disponível em: <Disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/MNL_PNSR_2019.pdf/08d94216-fb09-468e-ac98-afb4ed0483eb >. Acesso em: 1 abr. 2021.
http://www.funasa.gov.br/documents/20182... ).
Segundo o Censo Demográfico de 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que 15,64% da população (29,83 milhões de habitantes) estava domiciliados em áreas rurais, de modo que cerca da metade das pessoas que residem nesses territórios ainda está sujeita a situações de saneamento básico sem atendimento adequado (IBGE, 2017IBGE -INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos do Brasil: uma primeira aproximação. Rio de Janeiro, 2017.). Nesse cenário, ao considerar o estado de Goiás, que representa uma parcela de 1,95% da população rural do país, os indicadores apontam que 14,5% da população ainda se encontra sem acesso à água, e 53,6%, sem coleta de esgoto11Informação disponível em SNIS. Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento. Disponível em: <http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica/>. Acesso em: 03 maio 2019. (SNIS, 2018).
Logo, é fundamental que os métodos de intervenção e as tecnologias empregadas estejam em concordância com as realidades locais e se relacionem com os diferentes modos de vida, uma vez que apenas a aplicação das tradicionais técnicas de engenharia em saneamento não é suficiente e efetiva para as áreas rurais (Dias, 2017DIAS, A. P. Tecnologias sociais em saneamento e educação para o enfrentamento da transmissão das parasitoses intestinais no Assentamento 25 de Maio, Ceará. 2017. 327 f. Tese (Doutorado em Medicina Tropical) - Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2017.). Para isso, baseando-se nos estudos de Chambers (1994aCHAMBERS, R. Participatory Rural Appraisal (PRA): analysis of experience. World Development, London, v. 22, n. 9, p. 1253-1268, 1994a. DOI: 10.1016/0305-750X(94)90003-5
https://doi.org/10.1016/0305-750X(94)900... ; 1994bCHAMBERS, R. Participatory Rural Appraisal (PRA): challenges, potentials and paradigm. World Development , London, v. 22, n. 10, p. 1437-1454, 1994b. DOI: 10.1016/0305-750X(94)90030-2
https://doi.org/10.1016/0305-750X(94)900... ; 1994cCHAMBERS, R. The origins and practice of participatory rural appraisal. World Development , London, v. 22, n. 7, p. 953-969, 1994c. DOI: 10.1016/0305-750X(94)90141-4
https://doi.org/10.1016/0305-750X(94)901... ) e na categorização de Geilfus (2002GEILFUS, F. 80 herramientas para el desarrollo participativo: diagnóstico, planificación, monitoreo, evaluación. San José: IICA, 2002.), considera-se que os melhores dispositivos para ações realizadas no meio rural, até o momento, são as denominadas metodologias participativas (MP). Estas se baseiam na utilização de técnicas e ferramentas que facilitam o diálogo e envolvem os participantes na busca de soluções compatíveis com a realidade local.
É de grande relevância conhecer quem são os principais atores sociais que atuam na promoção do saneamento rural para as populações do campo, das florestas e das águas (PCFA) - termo utilizado pelos movimentos sociais em referência às populações que residem em áreas rurais brasileiras. Ademais, também é necessário identificar como as MP e outras estratégias de participação social têm sido aplicadas nessas ações.
Destaca-se, como objeto de estudo, os atores sociais que representavam o Colegiado do Grupo da Terra (CGT) - criado pela Portaria nº 719, de 14 de abril 2004 -, que existiu oficialmente, até meados de 2016, como um grupo de trabalho junto ao Ministério da Saúde (MS) e cuja atuação foi fundamental para a materialização das políticas relacionadas à saúde, iniciativas intersetoriais na área de saneamento e consolidação de diversos espaços para debates voltados para os interesses das PCFA (Brasil, 2004BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 719, de 16 de abril de 2004. Diário Oficial da União , Poder Executivo, Brasília, DF, 19 abr. 2004. Seção 1. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pm_719_2004.pdf >. Acesso em: 3 dez. 2019.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe... ; 2005BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.460, de 12 de dezembro de 2005. Cria o Grupo da Terra. Diário Oficial da União ,Poder Executivo, Brasília, DF, 13 dez. 2005.Seção 1, p. 44. Disponível em: <Disponível em: https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=44&data=13/12/2005 >. Acesso em: 29 nov. 2022.
https://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/... ; 2012BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.071, de 27 de dezembro de 2012. Redefine a composição e as atribuições do Grupo da Terra no âmbito do Ministério da Saúde. Diário Oficial da União , Poder Executivo, Brasília, DF, 28 dez. 2012. Seção 1, p. 109. Disponível em: <Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt3071_27_12_2012.html >. Acesso em: 1 abr. 2021.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis... ; 2019aBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.174, de 2 de dezembro de 2019. Dispõe sobre o Programa Nacional de Saneamento Rural e dá outras providências. Diário Oficial da União , Poder Executivo, 4 dez. 2019a. Seção 1, p. 72. Disponível em: <Disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/61353/PortMS3174_2019/183503d5-1ae9-47f8-bfee-fae6fc38e8c7 >. Acesso em: 1 abr. 2021.
http://www.funasa.gov.br/documents/20182... ).
Sabendo que existem diversas ações de saneamento em curso para o desenvolvimento rural, os resultados obtidos ajudarão no processo de construção do conhecimento sobre o tema ao sistematizar dados, compreender como são envolvidas as PCFA em tais práticas e aprimorar subsídios à tomada de decisão de forma participativa.
Assim, com o auxílio de entrevistas semiestruturadas e aplicação de questionários, esta investigação evidencia os processos participativos em experiências do governo e da sociedade civil (SC), bem como o quadro das principais MP que foram adotadas, discutindo-se sob as perspectivas da participação social de Arnstein (1969ARNSTEIN, S. R. A ladder of citizen participation. Journal of the American Institute of Planners, Abingdon, v. 35, n. 4, p. 216-224, 1969. DOI: 10.1080/01944366908977225
https://doi.org/10.1080/0194436690897722... ), Freire (1996FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.), Bordenave (1994BORDENAVE, J. E. D. O que é participação. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.), Chambers (1994aCHAMBERS, R. Participatory Rural Appraisal (PRA): analysis of experience. World Development, London, v. 22, n. 9, p. 1253-1268, 1994a. DOI: 10.1016/0305-750X(94)90003-5
https://doi.org/10.1016/0305-750X(94)900... ; 1994bCHAMBERS, R. Participatory Rural Appraisal (PRA): challenges, potentials and paradigm. World Development , London, v. 22, n. 10, p. 1437-1454, 1994b. DOI: 10.1016/0305-750X(94)90030-2
https://doi.org/10.1016/0305-750X(94)900... ; 1994cCHAMBERS, R. The origins and practice of participatory rural appraisal. World Development , London, v. 22, n. 7, p. 953-969, 1994c. DOI: 10.1016/0305-750X(94)90141-4
https://doi.org/10.1016/0305-750X(94)901... ) e Gohn (2019GOHN, M.da G. Teorias sobre a participação social: desafios para a compreensão das desigualdades sociais. Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 85, p. 63-81, 2019. DOI: 10.9771/ccrh.v32i85.27655
https://doi.org/10.9771/ccrh.v32i85.2765... ), que abordam uma participação ativa e direta nas tomadas de decisões. Nessa vertente, as MP têm contribuído para o planejamento e gestão de questões sociais, econômicas e ambientais, ao longo das etapas de diagnóstico, análise de problemas e soluções, execução, monitoramento e avaliação de políticas públicas.22Projeto de Pesquisa/CAAE: 17092719.0.0000.5083. Número do Parecer: 3.521.318. Aprovado em 21 de agosto de 2019.
Pensando a participação social no saneamento rural
É indiscutível que as áreas rurais brasileiras, sob a perspectiva histórica, têm enfrentado vários desafios no seu processo de desenvolvimento (Rezende; Heller, 2008REZENDE, S. C.; HELLER, L. O saneamento no Brasil: políticas e interfaces. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2008.; Souza et al., 2015SOUZA, C. M. N. et al. Saneamento: promoção da saúde, qualidade de vida e sustentabilidade ambiental. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2015.; Piccoli; Kligerman; Cohen, 2017PICCOLI, A. de S.; KLIGERMAN, D. C.; COHEN, S. C. Políticas em saúde, saneamento e educação: trajetória da participação social na saúde coletiva. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 397-410, 2017. DOI: 10.1590/S0104-12902017160043
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201716... ; Hora; Dias; Sacho, 2019HORA, K. E. R.; DIAS, M. S.; SACHO, S. D. As ações sanitaristas no meio rural no Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL, 30., 2019, Natal. Anais… Rio de Janeiro: ABES, 2019.). Além disso, em 2019, verificaram-se ganhos significativos nos processos participativos de planejamento e gestão com os estudos de casos no contexto do Programa Saneamento Brasil Rural (PSBR), aprovado por meio da Portaria nº 3.174, de 2 de dezembro de 2019, do Ministério da Saúde (Brasil, 2019aBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 3.174, de 2 de dezembro de 2019. Dispõe sobre o Programa Nacional de Saneamento Rural e dá outras providências. Diário Oficial da União , Poder Executivo, 4 dez. 2019a. Seção 1, p. 72. Disponível em: <Disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/61353/PortMS3174_2019/183503d5-1ae9-47f8-bfee-fae6fc38e8c7 >. Acesso em: 1 abr. 2021.
http://www.funasa.gov.br/documents/20182... ).
Sob esse viés, o PSBR abrangeu as cinco regiões administrativas do país, indicando e reconhecendo a participação e aplicação de tecnologias adequadas para a realidade das comunidades locais. Os esclarecimentos sobre os espaços rurais do Brasil foram primordiais para o planejamento das ações, o qual trouxe uma proposta de agrupamento em setores censitários e orientações de soluções de saneamento para cada situação, de modo que as ações encontram-se fundamentadas em três eixos estratégicos indissociáveis de medidas estruturais e estruturantes: (1) tecnologia; (2) gestão dos serviços; e (3) educação e participação social (Brasil, 2019bBRASIL. Ministério da Saúde. Programa Nacional de Saneamento Rural. Brasília, DF: Funasa, 2019b. Disponível em: <Disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/38564/MNL_PNSR_2019.pdf/08d94216-fb09-468e-ac98-afb4ed0483eb >. Acesso em: 1 abr. 2021.
http://www.funasa.gov.br/documents/20182... ).
Assim, as soluções tecnológicas para o saneamento rural precisam levar em consideração as formas de utilização dos espaços e as proximidades dos domicílios, bem como a identidade cultural e o aproveitamento dos recursos disponíveis no local (Teixeira, 2014TEIXEIRA, J. B. Saneamento rural no Brasil. In: HELLER, L. et al.(Coord.). Panorama do saneamento básico no Brasil. Brasília, DF: Ministério das Cidades, 2014. p. 237-296.). Nesse aspecto discute-se a importância da utilização das MP, a fim de contribuir com soluções de forma integrada e equânime.
Entre as principais características das MP, Geilfus (2002GEILFUS, F. 80 herramientas para el desarrollo participativo: diagnóstico, planificación, monitoreo, evaluación. San José: IICA, 2002.) cita que essas ferramentas: estão previstas para serem trabalhadas em atividades em grupo, principalmente com as PCFA; adaptam-se melhor a uma perspectiva interdisciplinar; proporcionam a troca de saberes; e permitem um aprendizado rápido, progressivo e interativo. De modo geral, as informações obtidas representam qualitativa e/ou quantitativamente a verdadeira realidade encontrada no campo e não aquelas determinadas de forma estatística, ou seja, as MP revelam processos sociais, conflitos e contradições.
Nesse horizonte, Geilfus (2002GEILFUS, F. 80 herramientas para el desarrollo participativo: diagnóstico, planificación, monitoreo, evaluación. San José: IICA, 2002.) categorizou uma série de técnicas que fazem parte do Diagnóstico Rápido Participativo (DRP) por etapa e tipologia. Quanto às etapas, têm-se técnicas de: diagnóstico (D); análise dos problemas e soluções (APS); planejamento (P); e monitoramento e avaliação (MA). Já em relação à tipologia, as técnicas abrangem: dinâmicas de grupos (DG); visualização (V), por matrizes, mapas, desenhos, fluxogramas e diagramas temporais; entrevista e comunicação oral (ECO); e observação de campo (OC).
Para subsidiar a discussão dos dados da pesquisa, o Quadro 1 apresenta as perspectivas de participação em processos de planejamento e gestão para o saneamento, segundo Arnstein (1969ARNSTEIN, S. R. A ladder of citizen participation. Journal of the American Institute of Planners, Abingdon, v. 35, n. 4, p. 216-224, 1969. DOI: 10.1080/01944366908977225
https://doi.org/10.1080/0194436690897722... ) e Brasil (2011BRASIL. Ministério das Cidades. Guia para a elaboração de Planos Municipais de Saneamento Básico. 2. ed. Brasília, DF, 2011. Disponível em: <Disponível em: http://planodiretor.mprs.mp.br/arquivos/guiasaneamento.pdf >. Acesso em: 1 abr. 2021.
http://planodiretor.mprs.mp.br/arquivos/... ).
Em suma, a questão central é que os beneficiários não sejam apenas incluídos em ações promovidas por pesquisadores e técnicos, mesmo que nestes momentos se utilizem de instrumentos ou métodos participativos, mas que estejam devidamente inseridos no processo de tomada de decisão, para que possam ter uma participação efetiva e com autonomia e se tornem protagonistas do seu processo de desenvolvimento (Arnstein, 1969ARNSTEIN, S. R. A ladder of citizen participation. Journal of the American Institute of Planners, Abingdon, v. 35, n. 4, p. 216-224, 1969. DOI: 10.1080/01944366908977225
https://doi.org/10.1080/0194436690897722... ).
Método de pesquisa
O universo da pesquisa abrangeu a avaliação das experiências de saneamento rural, no estado de Goiás, que contaram com financiamento do Governo Federal e tiveram influências de entidades governamentais e/ou da SC. Para tanto, o estudo teve como recorte temporal o período de 2007 a 2019, considerando a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, antiga base legal para as políticas de saneamento básico e atualizada pela Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, e o PSBR, lançado em dezembro de 2019 (Brasil, 2007BRASIL. Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007. Estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico; cria o Comitê Interministerial de Saneamento Básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.666, de 21 de junho de 1993, e 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; e revoga a Lei nº 6.528, de 11 de maio de 1978. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 8 jan. 2007. Seção 1, p. 3. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/Lei/L11445.htm >. Acesso em: 27 maio 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at... , 2020BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico […]. Diário Oficial da União , Poder Legislativo, Brasília, DF, 16 jul. 2020. Seção 1, p. 1. Disponível em: <Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/lei-n-14.026-de-15-de-julho-de-2020-267035421 >. Acesso em: 1 abr. 2021.
https://www.in.gov.br/web/dou/-/lei-n-14... ). Consideraram-se como ações de saneamento básico aquelas que ocorrem indiretamente no âmbito das conquistas de moradias e diretamente no conjunto de atividades, infraestruturas, instalações e/ou práticas em: (1) sistemas de abastecimento de água; (2) sistemas de coleta e transporte de esgoto; (3) manejo de resíduos sólidos; e (4) manejo de águas pluviais.
Diante disso, o delineamento deste estudo inseriu-se no âmbito de pesquisa aplicada, com estratégias de investigação de natureza qualitativa do tipo descritiva. Como métodos específicos, empregaram-se técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, além de observação direta por meio de entrevistas semiestruturadas e questionários. A Figura 1 apresenta os procedimentos metodológicos organizados a partir das etapas de pesquisa.
Na revisão bibliográfica, utilizaram-se os seguintes descritores: “social participation”, “rural” e “sanitation”, seguido dos operadores booleanos “AND” e “OR”, para o levantamento dos artigos científicos no banco de dados da Scopus (Elsevier). Ademais, foram consultados livros e documentos governamentais para auxiliar na construção da base do conhecimento. Contou-se, ainda, com a aquisição de documentos com os entrevistados, tais como: projetos arquitetônicos, projetos sociais, relatórios, cartilhas e fotografias.
Como técnica de obtenção dos dados primários, foram realizadas entrevistas e aplicação de um questionário semiestruturado de percepção da participação social (QSPPS), o qual foi direcionado para lideranças e/ou técnicos que vivenciam e atuam diretamente com o saneamento rural. A elaboração das questões para o QSPPS, de modo geral, foi baseada nas seguintes perguntas estratégicas: Quem? O quê? Por quê? Como? Onde? Quando?
A estrutura do QSPPS foi dividida em dois blocos, com perguntas abertas e fechadas. As questões abertas visavam o levantamento de informações sobre projetos já realizados no histórico da entidade, e as questões fechadas propunham avaliar o emprego de MP e a participação social. As MP incluídas no QSPPS foram embasadas em Geilfus (2002GEILFUS, F. 80 herramientas para el desarrollo participativo: diagnóstico, planificación, monitoreo, evaluación. San José: IICA, 2002.) e caracterizadas por etapas e tipologias.
O ponto de partida para o estabelecimento da pesquisa teve como base os integrantes da última formação do extinto CGT - estabelecido pela Portaria nº 3.071, de 27 de dezembro de 2012, que trouxe na sua composição os principais órgãos governamentais, entidades e movimentos sociais que atuavam com direitos sociais básicos nas áreas rurais do país.33Atualmente a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP) do MS está representada pelo Departamento de Gestão Interfederativa e Participativa (DGIP) e vinculada à Secretaria Executiva (SE) do MS. Com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em 2016, suas competências foram incorporadas à Secretaria Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead). O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), extinto em 2015, foi substituído pela Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP); e o Movimento Nacional dos Pescadores (Monape) passou a se denominar Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP). Em seguida, a partir de contatos com as lideranças nacionais que representam as PCFA, no âmbito do Grupo da Terra (GT), atualizou-se a formação deste para os dias atuais, visto que, institucionalmente, não está mais articulado ao governo desde 2016. O Quadro 2 apresenta os integrantes que compuseram o CGT e as respectivas instituições atuantes no estado de Goiás.
A respeito das entidades governamentais, com base nas discussões com técnicos, não se incluíram: as extintas Delegacias Federais de Desenvolvimento Agrário do Ministério do Desenvolvimento Agrário (DFDA/MDA);44O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi extinto em 12 de maio de 2016 por intermédio da medida provisória nº 726, que alterou e revogou a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, transferindo na época suas competências para o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). E mediante o decreto nº 8.780, de 27 de maio de 2016, transferiu as competências do MDA que estavam com o MDS para Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa Civil da Presidência da República (Sead). a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), responsável por executar as políticas de saneamento rural no país e representada em Goiás pela Divisão de Engenharia de Saúde Pública (Diesp) e Serviço de Saúde Ambiental (Sesam); e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), sob gestão da Superintendência Regional 04 (SR-04), que tem como principal atribuição implementar a política de reforma agrária. Nesses casos, mesmo que tais instituições tenham contribuído com recursos financeiros e procedimentos técnicos (projetos, termos de referência, assessoria, regulação etc.), não foram identificadas técnicas participativas aplicadas, a não ser as próprias ações de controle social que permeiam os programas institucionais.
Entre as instituições da SC, por não atuarem com ações vinculadas às soluções de saneamento rural, omitiram-se: Comissão Pastoral da Terra de Goiás (CPT-GO), Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar de Goiás (Fetraf-GO), Movimento dos Atingidos por Barragens de Goiás (MAB-GO) e Movimento dos Pequenos Agricultores de Goiás (MPA-GO).
Diante disso, a partir da consulta em sítios eletrônicos institucionais e das entrevistas com as lideranças, viu-se que as experiências de governo concentram-se no âmbito das Instituições de Ensino Superior (IES), indicando iniciativas em parceria com a Funasa que visavam o planejamento de ações de saneamento para os PCFA - por exemplo, o projeto Sanear Cidades, que teve início em 2014 a cargo do Instituto Federal de Goiás (IFG), resultado do Termo de Execução Descentralizada n° 17, de 31 de dezembro de 2014 (Funasa, 2014FUNASA. Fundação Nacional de Saúde. Termo de Execução Descentralizada 17/2014 - publicado em: 02/09/2019. Disponível em: <http://www.funasa.gov.br/documents/20182/67473/TED_17_2014_FUNASA_IFGO.pdf/54e72ee0-f309-446e-a58d-6bceaa4e8782>.
http://www.funasa.gov.br/documents/20182... ),ou o projeto Saneamento e Saúde Ambiental em Comunidades Rurais e Tradicionais de Goiás (SanRural), iniciado em 2017 sob responsabilidade da Universidade Federal de Goiás (UFG), estabelecido no Termo de Execução Descentralizada nº 5, de 14 de novembro de 2017 (Funasa, 2017FUNASA. Fundação Nacional de Saúde. Termo de Execução Descentralizada 05/2017 - publicado em: 14/11/2017. Disponível em: <http://www.funasa.gov.br/documents/20182/67473/TED_05_2017.pdf/0f024e4d-599a-43db-ae3d-d008ff015a7e>.
http://www.funasa.gov.br/documents/20182... ).
Já as experiências da SC, baseando-se em informações obtidas com lideranças e técnicos, estiveram no domínio de três movimentos sociais, entre os quais destacam-se: (1) Federação dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar do Estado de Goiás (Fetaeg); (2) Movimento Camponês Popular (MCP), com experiências no âmbito da Central de Associações de Minis e Pequenos Produtores Rurais do Município de Catalão (CAMPPRMC) e da Associação Estadual dos Pequenos Agricultores de Goiás (Aepago); e (3) Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que teve a participação da Associação dos Pequenos Produtores da Agricultura Familiar no Estado de Goiás (Asprafago). Dessa forma, enquadram-se na esfera do Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR), do Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e outras Tecnologias Sociais de Acesso à Água (Programa Cisternas) e, adicionalmente, o Cheque Mais Moradia (CMM), ora fomentado pelo estado de Goiás.
Em Goiás, segundo dados da Secretaria Nacional de Habitação, desde o início do PNHR, em 2010, já foram atendidas 4.152 famílias, presentes em 321 municípios. Dados da Secretaria Nacional de Inclusão Social e Produtiva também indicam que o Programa Cisternas promoveu a construção de 361 cisternas no período de 2015 a 2020. O Quadro 3 apresenta as principais informações das iniciativas investigadas e o número de lideranças e/ou técnicos entrevistados para cada instituição.
Resultados e discussão
Com base na avaliação dos resultados das entrevistas e questionários, ao refletir sobre as principais iniciativas de saneamento que contribuem para o desenvolvimento rural, percebe-se que ainda existe uma falta de integração entre as políticas destinadas às PCFA no estado de Goiás. Consequentemente, as ações encontram-se pulverizadas em diferentes esforços intersetoriais, que abrangem medidas estruturantes de gestão, educação e participação social e/ou por intermédio de medidas estruturais via a implantação de obras e tecnologias.
Os resultados demonstram que as ações executadas diretamente pela Funasa têm caráter setorial de infraestrutura, enquanto aquelas desempenhadas pelas IES têm caráter de diagnóstico e prognóstico com foco sanitarista. Já as desenvolvidas pela SC têm como articulação projetos de moradia e saneamento. Assim, evidenciou-se que, entre os atores sociais envolvidos com a promoção do saneamento rural, as entidades governamentais são as principais responsáveis pelo planejamento, fomento e fiscalização das ações; enquanto a SC, à medida que consegue acesso aos recursos financeiros, tem atuado como parceira do Estado na execução das políticas existentes.
O mapeamento das MP, sistematizadas no Quadro 4, é o resultado da análise das respostas aos questionários e entrevistas semiestruturadas. De modo geral, identificou-se que o emprego das MP estende-se por todas as etapas dos projetos investigados, tanto nas ações governamentais, quanto pela SC, sendo mais utilizadas nas fases de diagnóstico e análise de problemas e soluções, por meio dos momentos de reuniões e oficinas de formação.
Pode-se identificar, pelo Quadro 4, a existência de uma variedade de técnicas aplicadas e a similaridade entre muitas delas, com destaque para as técnicas de visualização e de entrevista, além da comunicação oral. Dada a diferença entre os projetos, não é possível, neste artigo, definir que a maior variedade de técnicas determina maior participação social, mas é possível inferir que a adoção de várias técnicas de participação social indica uma preocupação com uma estratégia de escuta local para a tomada de decisão. Esse processo, a partir da adoção de um linguajar mais próximo dos(as) participantes, pode potencializar processos de cognição e formação de conhecimento necessários para tomada de decisão, fundamentado nos pensamentos de autores como Bordenave (1994BORDENAVE, J. E. D. O que é participação. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.) e Freire (1996FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.), e reiterado atualmente por Gohn (2019GOHN, M.da G. Teorias sobre a participação social: desafios para a compreensão das desigualdades sociais. Caderno CRH, Salvador, v. 32, n. 85, p. 63-81, 2019. DOI: 10.9771/ccrh.v32i85.27655
https://doi.org/10.9771/ccrh.v32i85.2765... ).
Os resultados dos questionários e entrevistas mostram a importância do Estado ao chegar nas PCFA e os avanços significativos em termos de políticas públicas. As IES, por exemplo, têm utilizado um grande número de técnicas participativas e inserido as famílias e a SC nos seus processos de investigação. Porém, nessas circunstâncias, os participantes são apenas ouvidos, ou seja, promove-se uma concessão mínima de poder, como nivelado por Arnstein (1969ARNSTEIN, S. R. A ladder of citizen participation. Journal of the American Institute of Planners, Abingdon, v. 35, n. 4, p. 216-224, 1969. DOI: 10.1080/01944366908977225
https://doi.org/10.1080/0194436690897722... ). Isso é um indicativo de que esses não são protagonistas ativos dos métodos de intervenção propostos, embora possam participar como ouvintes ou serem consultados sobre as proposições levantadas. Trata-se de uma participação passiva, uma vez que a tomada de decisão final se dá pelas instituições detentoras da verba e do conhecimento técnico, o que contrapõe as inferências das bases conceituais apresentadas por Bordenave (1994BORDENAVE, J. E. D. O que é participação. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.) e Freire (1996FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.), os quais discutem uma participação ativa e direta nas tomadas de decisões.
Por sua vez, os membros da SC, aqui representados pelos movimentos sociais, ao executar tais ações por meio das reuniões e mutirões, tornam-se protagonistas de suas conquistas, de modo que não apenas implementam soluções de saneamento, mas também trazem consigo discussões que perpassam o respeito aos seus direitos básicos. Baseado nos princípios da pedagogia freireana (Freire, 1996FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.), os movimentos sociais demonstram a difusão dos valores humanistas nas relações e a busca permanente da justiça social e da igualdade de direitos humanos. Em outras palavras, empenham-se na formação do sujeito como um todo em temáticas que incentivam o poder cidadão apontado por Arnstein (1969ARNSTEIN, S. R. A ladder of citizen participation. Journal of the American Institute of Planners, Abingdon, v. 35, n. 4, p. 216-224, 1969. DOI: 10.1080/01944366908977225
https://doi.org/10.1080/0194436690897722... ).
Vale destacar que os entrevistados manifestaram obstáculos distintos ao utilizar as MP. Alguns casos revelaram a necessidade que as famílias têm de abdicar das suas atividades habituais para se envolverem nas reuniões e nos momentos de formação. Em outros casos, muitas das técnicas pressupunham a mediação de profissionais habilitados e capacitados para seu manuseio, bem como ajustes necessários durante sua aplicação. A inexistência dessas habilidades dificultava o bom delineamento da metodologia proposta e a obtenção de resultados satisfatórios à problemática em questão.
A fim de exercitar uma participação cidadã efetiva no cenário das políticas públicas, averígua-se que é imprescindível o domínio das bases conceituais e diretrizes metodológicas que fundamentam a participação social. Destaca-se o dilema entre “fazer para” e “fazer com”, baseado na perspectiva pedagógica de Paulo Freire (1996FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.), a qual considera que os saberes culturais são tão primordiais quanto os de origem técnico-científica. Em síntese, com respaldo nos princípios do diálogo, o encadeamento entre o conhecimento técnico e os saberes populares (na perspectiva do atendido) apresentam-se como uma grande oportunidade para a compreensão das adversidades e a resolução dos problemas locais.
Assim, sobre os desafios intrínsecos, a partir das reflexões do estudo, os autores do artigo apontam a necessidade de incentivos a canais de participação que implementem processos contínuos, integrados e descentralizados, visto que cria-se um vínculo que pode potencializar a comunicação entre as instituições públicas responsáveis pela temática e aquelas mediadoras que visam contribuir com os desafios das áreas rurais. Como sugestão, tais discussões apresentadas poderiam resultar na formação de um conselho ou comitê estadual - semelhante ao GT, existente em âmbito nacional - que seja responsável por dialogar em nível estadual com as diferentes entidades de governo e representantes da SC que configuram os interesses das PCFA, de modo que as informações cheguem até quem faz as políticas públicas e sejam transparentes para toda a sociedade.
Considerações finais
Este estudo identificou que os esforços em saneamento rural estão pulverizados em diferentes iniciativas intersetoriais, seja por intermédio de medidas estruturantes ou estruturais. Destaca-se que as ações promovidas pelas IES empregam uma maior quantidade de MP, com alta capacidade técnica dos envolvidos, porém, abordam temáticas específicas. Já as ações celebradas por representantes da SC, embora possuam menor variabilidade de técnicas e conhecimento técnico quando comparadas às ações do governo, trabalham desde a concepção até a conclusão dos projetos com uma grande diversidade de temas que buscam atuar sobre problemas práticos dos cotidianos e visam aspectos da cidadania e da coletividade. Assim, enfatiza-se a importância das parcerias entre as duas esferas de atores sociais, uma vez que possibilitam a presença de pessoas capacitadas e com habilidades necessárias para utilizar determinada técnica de MP.
É possível inferir, juntamente com a opinião dos entrevistados, que o uso de MP motiva uma reflexão crítica em relação à própria participação no projeto/programa e propõe mudanças na forma de interação e participação vinculada ao problema em questão. Assim, tais mecanismos reforçam um processo de escuta local. Porém, para saber se essa abordagem tem capacidade de resultar em tomada de decisão, é preciso avaliar os resultados obtidos em termos de autonomia e empoderamento sobre as soluções de saneamento, aspecto não abordado neste estudo. Entretanto, o levantamento da MP indica uma preocupação de envolvimento com os atores sociais e isto, por si só, é muito relevante, pois parte de uma abordagem na qual os sujeitos das políticas públicas também são detentores de saberes e contribuições.
Entende-se que essas inserções iniciais dos participantes devem ocorrer em todo o processo de planejamento das atividades, mobilização social e capacitação dos sujeitos, além de na formação de espaços permanentes, que permitam o diálogo entre a SC e o governo para a construção de políticas efetivas. Assim, espera-se que este estudo sirva como base para a execução de políticas futuras, de modo que estas, nesse novo momento do saneamento brasileiro, destaquem a valorização da vida e preservem com dignidade a permanência das PCFA em seus territórios, envolvendo-as e escutando-as.
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- 3Atualmente a Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP) do MS está representada pelo Departamento de Gestão Interfederativa e Participativa (DGIP) e vinculada à Secretaria Executiva (SE) do MS. Com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), em 2016, suas competências foram incorporadas à Secretaria Especial da Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (Sead). O Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), extinto em 2015, foi substituído pela Secretaria de Aquicultura e Pesca (SAP); e o Movimento Nacional dos Pescadores (Monape) passou a se denominar Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).
- 4O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi extinto em 12 de maio de 2016 por intermédio da medida provisória nº 726, que alterou e revogou a Lei nº 10.683, de 28 de maio de 2003, transferindo na época suas competências para o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). E mediante o decreto nº 8.780, de 27 de maio de 2016, transferiu as competências do MDA que estavam com o MDS para Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa Civil da Presidência da República (Sead).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
12 Maio 2023 - Data do Fascículo
2023
Histórico
- Recebido
19 Jul 2022 - Revisado
19 Jul 2022 - Aceito
09 Ago 2022