Selvagem, indígena, coxo, inválido: epistemologias anticapacitistas do Sul11Esta publicação teve o apoio da Iniciativa Científica Milênio da Agência Nacional de Investigación y Desenvolvimento (NCS2022_023)

Juan Andrés Pino-Morán Pía Rodríguez-Garrido Michelle Lapierre Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar uma abordagem inicial de uma proposta epistemológica que reflita e lide com a construção e a legitimação do conhecimento gerado a partir de corporeidades abjetas, anormais ou inválidas, geopoliticamente localizadas no Sul. Dá atenção especial ao sistema de sexo-gênero-capacidade na organização social e epistemológica do saber. No processo, identificamos uma posição e uma riqueza desperdiçadas para a análise e transformação social regional como resultado de uma ordem colonial moderna. Por isso, esta proposta se inscreve no pensamento crítico latino-americano para refletir sobre esses outros lugares de enunciação abjeta.

Palavras-chave:
Epistemologia; Deficiência; Feminismo; Interculturalidade; Capacitismo

Introdução

A história oficial diz que Vasco Núñez de Balboa foi o primeiro homem a ver os dois oceanos de um pico no Panamá. As pessoas que viviam lá eram cegas?

Quem deu seus primeiros nomes ao milho e à batata, ao tomate e ao chocolate, às montanhas e aos rios da América: Hernán Cortés, Francisco Pizarro? As pessoas que viviam lá eram mudas?

Eduardo Galeano

Embora vários estudos tenham vinculado a deficiência aos Determinantes Sociais da Saúde (DSS), Tamayo, Besoaín e Rebolledo (2018TAMAYO, M.; BESOAÍN, Á.; REBOLLEDO, J. Determinantes sociales de la salud y discapacidad: actualizando el modelo de determinación. Gaceta Sanitaria, Amsterdam, v. 32, n. 1, p. 96-100, 2018. DOI: 10.1016/j.gaceta.2016.12.004
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) criticaram o fato de terem feito isso no sentido de equipará-la a uma condição de saúde ou doença dentro do modelo de determinantes sociais. Em oposição a isso, esses autores propuseram “incluir a deficiência no modelo social, como um DSS estrutural, porque é uma situação que gera desigualdade na saúde e exclusão social” (Tamayo; Besoaín; Rebolledo, 2018, p. 97TAMAYO, M.; BESOAÍN, Á.; REBOLLEDO, J. Determinantes sociales de la salud y discapacidad: actualizando el modelo de determinación. Gaceta Sanitaria, Amsterdam, v. 32, n. 1, p. 96-100, 2018. DOI: 10.1016/j.gaceta.2016.12.004
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). Nesse sentido, este artigo reconhece que a deficiência tem sido entendida como uma condição patológica, estabelecendo ações de saúde que buscam a normalização, a medicalização e a reabilitação como o objetivo final da deficiência, inclusive reconhecendo sua determinação social. Isso revela a existência de uma ideologia de normalidade (Rosato et al., 2009ROSATO, A. et al. El papel de la ideología de la normalidad en la producción de discapacidad. Ciencia, Docencia y Tecnología, Concepción del Uruguay, v. XX, n. 39, p. 87-105, 2009. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=14512426004 >. Acesso em: 21 dic. 2021.
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) em nossa sociedade, bem como a referência a uma capacidade corporal compulsória (McRuer, 2021MCRUER, R. Teoría Crip: signos culturales de lo queer y de la discapacidad. Madrid: Kaotica libros, 2021.) e a um sistema de valores capacitista (Mello, 2014MELLO, A.G. Gênero, eficiencia, cuidado e capacitismo: um análise antropológica de experiências, narrativas e observações sobre violências contra mulheres com deficiencia. 2014. 262 f. Tese (Mestrado em Antropología Social) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/182556 >. Acesso em: 21 dic. 2021.
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).

A sociedade colonial, capitalista, patriarcal e capacitista (Pino-Morán; Rodríguez-Garrido, 2019PINO MORÁN, J. A.; RODRÍGUEZ-GARRIDO, P. De-generadas: la violencia institucional capacitista hacia mujeres con discapacidad en Chile. Revista de Estudios Públicos, Santiago, v. 5, n. 1, p. 1-13, 2019. DOI: 0.5354/0719-6296.2019.50904
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) foi estabelecida por meio de um princípio de injustiça e imaginação capacitista, que tem permeado narrativas e sentipensares classificatórios, divisórios, binários e hierárquicos nos quais os regimes de verdade e saber estão inscritos (Foucault, 2009FOUCAULT, M. Defender la sociedad: Curso En El Collège de France (1975-1976). Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 2009.). Diante disso, a ciência hegemônica ocidental tem sido cúmplice ao submeter certas corporeidades a uma disciplina específica como objeto de estudo e intervenção sistemática, negando sua posição emancipadora como sujeitos da produção de conhecimento.

Entretanto, nas últimas décadas, surgiram diferentes movimentos sociopolíticos em nível global e regional que questionam essa posição subalterna de estratificação e organização social de corporeidades dissidentes e não normativas (Pino-Morán; Tyseira, 2019PINO MORÁN, J. A.; TISEYRA, M. Encuentros entre la perspectiva decolonial y los estudios de la discapacidad. Revista Colombiana de Ciencias Sociales, Medellín, v. 10, n. 2, p. 497-521, 2019. DOI: 10.21501/22161201.2893
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; Platero-Méndez; Rosón-Villena, 2012PLATERO-MÉNDEZ, R.; ROSÓN-VILLENA, M. De la parada de los monstruos a los monstruos de lo cotidiano: la diversidad funcional y la sexualidad no normativa. Feminismo/s Revista del Centro de Estudios sobre la Mujer de la Universidad de Alicante, Alicante, n. 19, p. 127-42, 2012. DOI: 10.14198/fem.2012.19.08
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). Essa demanda e essa transição cultural não têm apenas uma finalidade jurídica administrativa, enquadrada no reconhecimento de garantias fundamentais de direitos humanos para pessoas rotuladas como portadoras de deficiência, mas também uma possibilidade cultural de transformar e desestabilizar o capacitismo em nossas sociedades.

Neste sentido, o capacitismo será entendido de acordo com Anahí Guedes de Mello:

Uma postura preconceituosa que classifica as pessoas de acordo com a adequação de seus corpos à corponormatividade. É uma categoria que define como as pessoas com deficiência são geralmente tratadas como incapazes (incapazes de produzir, trabalhar, aprender, amar, cuidar, sentir desejos, ter relações sexuais etc.), aproximando as reivindicações do movimento das pessoas com deficiência de outras discriminações sociais, como o sexismo, o racismo e a homofobia. (Mello, 2014MELLO, A.G. Gênero, eficiencia, cuidado e capacitismo: um análise antropológica de experiências, narrativas e observações sobre violências contra mulheres com deficiencia. 2014. 262 f. Tese (Mestrado em Antropología Social) - Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014. Disponível em: <Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/182556 >. Acesso em: 21 dic. 2021.
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, p. 94-95)

O capacitismo é, portanto, uma ideologia e uma prática que se baseia na existência de uma epistemologia capacitista, entendida como uma posição teórica, política, ética e cultural que nega, desvaloriza e ignora a parcela de conhecimentos e saberes que são produzidos a partir de experiências corporais e sexuais não padronizadas ou que são desenvolvidos com ênfase em sentidos sensoriais e/ou emoções atípicas e não esperadas na ciência moderna.

Ao considerar isso, podemos rastrear toda uma arqueologia do saber que esteve ausente e foi tornada invisível pela história oficial e universal ou pelas próprias ciências humanas e sociais. Isso gerou uma ampla gama de epistemologias da ignorância e das injustiças epistêmicas ao ignorar as riquezas e fontes de conhecimento desperdiçadas pelo corpo hegemônico do saber universal.

Historicamente, as epistemologias têm se preocupado em estabelecer conhecimentos válidos e inválidos de forma binária, evitando o privilégio corporal daqueles que produzem tais conhecimentos, não isentos de uma série de problemas metodológicos. Atualmente, elas estão em um amplo campo de discussão acadêmica e intelectual sobre a constituição de teorias e escolas de pensamento.

Por outro lado, esse privilégio corporal põe em destaque principalmente o pensamento heterossexual, uma condição a partir da qual as epistemologias dominantes acabam oprimindo as diferenças. De acordo com Monique Wittig (2006WITTIG, M. El pensamiento heterosexual y otros ensayos. Madrid: Egales, 2006.),

A sociedade heterossexual não é a sociedade que oprime apenas lésbicas e gays, ela oprime muitos outros/diferentes [...] Porque constituir uma diferença e controlá-la é um ato de poder, já que é um ato essencialmente normativo. Todos tentam apresentar o outro como diferente. (Wittig, 2006WITTIG, M. El pensamiento heterosexual y otros ensayos. Madrid: Egales, 2006., p. 53)

Assim, as dicotomias hierarquizadas são estabelecidas em todo um sistema de sexo-gênero-capacidade que situa o mundo privado, enclausurando as outras: a infância, os idosos e as pessoas com deficiências ou doenças e, principalmente, as mulheres com diversidade. Essa dicotomia entre uma esfera pública masculina e uma esfera privada feminina também oculta as relações de produção de conhecimento que incapacitam todo um coletivo.

Ao contrário, as epistemologias que destacamos defendem o respeito e o reconhecimento da diversidade, da dignidade e das diferenças como condição mínima para avançar em direção a uma sociedade pluralista e inclusiva, em que todas as pessoas tenham participação nos diferentes espaços sociais, incluindo a construção de conhecimentos e saberes. Assim, todo esse processo epistemológico de pesquisa pode ser interpretado como uma expressão de paixão e resistência aos regimes neoliberais de verdade, ciência e justiça, a fim de promover o reconhecimento e o protagonismo de corpos em disputas e vidas silenciadas.

Da mesma forma, esta proposta responde, em parte, às experiências, tensões e conflitos sistematizados pelo autor principal e pelas autoras em suas práticas e experiências incorporadas à pesquisa social com coletivos, associações e movimentos de pessoas em situação de deficiência, que refletem e explicitam a posição ética e política dos pesquisadores e das pesquisadoras com o problema de pesquisa.

Por esse motivo, o objetivo deste artigo é problematizar e propor a possibilidade de epistemologias anticapacitistas que reconheçam o conhecimento e os saberes das diversidades e diferenças humanas presentes na América Latina. Para isso, consideramos epistemologias que dialogam com o anticapacitismo a partir das perspectivas do Sul, um cenário periférico favorável a uma longa tradição de saberes e conhecimentos adquiridos em lutas sociais, políticas e epistemológicas.

Em particular, baseamo-nos em aprendizados de quatro correntes teóricas que nos acompanharam em nossos processos de pesquisa, as Epistemologias do Sul (De Sousa Santos, 2011DE SOUSA SANTOS, B. Epistemologías del sur. Utopía y praxis Latinoamericana, Maracaibo, v. 16, n. 54, p. 17-39, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27920007003 > Acesso em: 21 dic. 2021.
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), as Epistemologias Feministas e os Saberes Localizados (Haraway, 1995HARAWAY, D. J. Ciencia, cyborgs y mujeres: la reinvención de la naturaleza. Madrid: Cátedra, 1995.), as Epistemologias Feministas Decoloniais (Lugones, 2008LUGONES, M. Colonialidad y Género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101, 2008. DOI: 10.25058/20112742.340
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) e as Epistemologias Interculturais (Mignolo; Walsh, 2018MIGNOLO, W.; WALSH, C. On decoloniality: Concepts, analytics, praxis. Durham: Duke University Press, 2018.; Fornet-Betancourt, 2012FORNET-BETANCOURT, R. Hacia una filosofía del diálogo intercultural en un mundo conflictivo. Logos. Revista de filosofía, Ciudad de México, v. 40, n. 120, p. 171-186, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://revistasinvestigacion.lasalle.mx/index.php/LOGOS/article/view/2589 > Acesso em: 21 dic. 2021.
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) que reconhecem a possibilidade de um projeto transformador em potencial e que permanece em movimento entre nossas corporeidades.

Epistemologias do Sul: uma posição para o reconhecimento da alteridade

A proposta de Boaventura de Sousa Santos nos lembra:

O Sul Global não é, portanto, um conceito geográfico, embora a grande maioria dessas populações viva em países do Sul global. Trata-se de uma metáfora do sofrimento humano causado pelo capitalismo e pelo colonialismo, em nível global, e da resistência para superá-los ou minimizá-los. Trata-se, portanto, de um Sul anticapitalista, anticolonial e anti-imperialista. É um Sul que também existe no Norte global, na forma de populações excluídas, silenciadas e marginalizadas, como os migrantes sem documentos, os desempregados, as minorias étnicas ou religiosas, as vítimas de sexismo, homofobia e racismo. (De Sousa Santos, 2011DE SOUSA SANTOS, B. Epistemologías del sur. Utopía y praxis Latinoamericana, Maracaibo, v. 16, n. 54, p. 17-39, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27920007003 > Acesso em: 21 dic. 2021.
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, p. 25)

Portanto, o Sul é a posição dos subalternos, dos omitidos, das mulheres, dos indígenas, dos selvagens, dos coxos e inválidos e de todos aqueles que não se enquadram no rótulo de deficiência.

Nesse sentido, a deficiência tem sido historicamente considerada como um objeto de estudo e um propósito de intervenção de especialistas, mas não tem sido entendida como um cenário frutífero na geração de conhecimentos e saberes. Por esse motivo, privilegiamos e enfatizamos o desenvolvimento e o aprofundamento de epistemologias críticas que questionam a norma dominante capacitista, patriarcal, colonial, eurocêntrica/ocidental na ciência e na cultura (Pino-Morán, 2020PINO MORÁN, J. A. Cuerpo(s) en luchas: itinerarios disidentes de la discapacidad en Chile. 2020. Tesis (Doctorado en Sociología) - Departament de Sociología, Universidad Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.tesisenred.net/handle/10803/670160 > Acesso em: 21 dic. 2021
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).

De acordo com De Sousa Santos (2011DE SOUSA SANTOS, B. Epistemologías del sur. Utopía y praxis Latinoamericana, Maracaibo, v. 16, n. 54, p. 17-39, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27920007003 > Acesso em: 21 dic. 2021.
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, p. 35), as Epistemologias do Sul envolvem

um apelo por novos processos de produção e avaliação de conhecimento científico e não científico válidos e por novas relações entre diferentes tipos de conhecimento, com base nas práticas das classes e grupos sociais que têm sofrido sistematicamente com as desigualdades e discriminações injustas causadas pelo capitalismo e pelo colonialismo.

Portanto, entendemos as Epistemologias do Sul como uma proposta teórica/empírica para dar visibilidade aos conhecimentos anômalos com base em duas propostas metodológicas. A sociologia das ausências, que trata do presente que não vemos facilmente ou do passado em seu estado de incompletude, que emana de nossa preocupação com uma perspectiva que tenta transformar as representações negativas de pessoas “indígenas”, “coxas”, “aleijadas” em pessoas “válidas”, “presentes”, “incluídas”, a partir de uma perspectiva intercultural e com um profundo respeito por nossas diferenças (Pino-Morán, 2020PINO MORÁN, J. A. Cuerpo(s) en luchas: itinerarios disidentes de la discapacidad en Chile. 2020. Tesis (Doctorado en Sociología) - Departament de Sociología, Universidad Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.tesisenred.net/handle/10803/670160 > Acesso em: 21 dic. 2021
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).

A segunda proposta diz respeito ao futuro. De fato, todos nós sempre agimos no presente, nunca no futuro, e é por isso que se produz a forma de não conformidade, ativada por meio da sociologia das emergências (De Sousa Santos, 2011DE SOUSA SANTOS, B. Epistemologías del sur. Utopía y praxis Latinoamericana, Maracaibo, v. 16, n. 54, p. 17-39, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27920007003 > Acesso em: 21 dic. 2021.
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), que pode ativar um conhecimento acumulado na resistência, na militância, nas lutas corporificadas e em todos os coletivos que postulam seu reconhecimento a partir de sua diversidade e alteridade (Pino-Morán, 2020PINO MORÁN, J. A. Cuerpo(s) en luchas: itinerarios disidentes de la discapacidad en Chile. 2020. Tesis (Doctorado en Sociología) - Departament de Sociología, Universidad Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.tesisenred.net/handle/10803/670160 > Acesso em: 21 dic. 2021
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).

De Sousa Santos (2011)DE SOUSA SANTOS, B. Epistemologías del sur. Utopía y praxis Latinoamericana, Maracaibo, v. 16, n. 54, p. 17-39, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27920007003 > Acesso em: 21 dic. 2021.
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reconhece que não podemos ampliar o reconhecimento de nossas diversidades sem ampliar também o horizonte de entendimentos, uma questão de justiça cognitiva. As sociedades não têm compreendido o valor das diferenças, a riqueza da neurodiversidade, da experiência das mulheres fora do padrão ou dos movimentos sociais de sobreviventes psiquiátricos, entre outros (Pino-Morán, 2020PINO MORÁN, J. A. Cuerpo(s) en luchas: itinerarios disidentes de la discapacidad en Chile. 2020. Tesis (Doctorado en Sociología) - Departament de Sociología, Universidad Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.tesisenred.net/handle/10803/670160 > Acesso em: 21 dic. 2021
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).

Nessa transição, De Sousa Santos se pergunta: Como se desenvolve esse horizonte de inteligibilidades? As epistemologias do Sul reconhecem duas instâncias fundamentais, a ecologia dos saberes e a tradução intercultural. As duas propostas relacionam-se com estratégias de convergência em diálogos que superam a estaticidade do conhecimento - do saber e do rigor “capacitado”, “científico”, “institucional” - para articular, em interpretações anômalas, encontros intersubjetivos inesperados e alianças locais-globais abjetas, entendimentos temporais e parciais com os conhecimentos de corpos dissidentes que operam fora da lógica linear e monolítica do tempo ou fora do acúmulo do conhecimento histórico (Pino-Morán, 2020PINO MORÁN, J. A. Cuerpo(s) en luchas: itinerarios disidentes de la discapacidad en Chile. 2020. Tesis (Doctorado en Sociología) - Departament de Sociología, Universidad Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.tesisenred.net/handle/10803/670160 > Acesso em: 21 dic. 2021
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).

Epistemologia feminista: conhecimentos parciais e situados

Donna Haraway (1995HARAWAY, D. J. Ciencia, cyborgs y mujeres: la reinvención de la naturaleza. Madrid: Cátedra, 1995.) veio para problematizar uma posição crítica sobre o exercício da verdade e do conhecimento que sustenta a relação entre saber/poder nas ciências, propondo Epistemologias Feministas e os Saberes Localizados dentro dos estudos críticos das ciências. Nesse sentido, a autora “nos convida a assumir uma posição política na pesquisa, sem ambiguidades, destacando a subjetividade como uma posição radical de qualquer objetividade” (Pino-Morán, 2020PINO MORÁN, J. A. Cuerpo(s) en luchas: itinerarios disidentes de la discapacidad en Chile. 2020. Tesis (Doctorado en Sociología) - Departament de Sociología, Universidad Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.tesisenred.net/handle/10803/670160 > Acesso em: 21 dic. 2021
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, p. 107).

Isso torna explícita a impossibilidade de conhecer a realidade objetivamente, portanto, os conhecimentos localizados são radicalmente parciais e incompletos, como todos os conhecimentos que se pretende visibilizar nesta proposta. Portanto, cada grupo pode considerar as perspectivas parciais de outros grupos sem renunciar à sua singularidade. A parcialidade, e não a universalidade, seria então a condição para ser ouvido-visto ou reconhecido (Haraway, 1995HARAWAY, D. J. Ciencia, cyborgs y mujeres: la reinvención de la naturaleza. Madrid: Cátedra, 1995.).

Os conhecimentos localizados são relevantes para este artigo “porque lidam com reivindicações sobre a vida das pessoas, com a visão de um corpo, sempre um corpo complexo, contraditório, estruturante e estruturado, contra a visão de cima, de lugar nenhum, a partir da simplicidade” (Haraway, 1995HARAWAY, D. J. Ciencia, cyborgs y mujeres: la reinvención de la naturaleza. Madrid: Cátedra, 1995., p. 335). Em outras palavras, o objetivo é reconhecer a variabilidade de nossos corpos e repertórios para aprender/conhecer além da integridade corporal tradicional.

Sob essa premissa de parcialidades incorporadas, as experiências corporais em primeira pessoa dos dissidentes com deficiência são benéficas para vislumbrar as relações de vulnerabilidade-resistências-agências e suas estratégias de poder e transformação. Nesse sentido, Haraway (1995HARAWAY, D. J. Ciencia, cyborgs y mujeres: la reinvención de la naturaleza. Madrid: Cátedra, 1995., p. 324) adverte: “Eu gostaria de uma doutrina de objetividade incorporada que acomodasse projetos científicos feministas paradoxais e críticos: objetividade feminista significa simplesmente conhecimentos localizados”.

A partir desse cenário, a proposta de Haraway (1995HARAWAY, D. J. Ciencia, cyborgs y mujeres: la reinvención de la naturaleza. Madrid: Cátedra, 1995.) nos convida a aprender com/em nossos corpos, tendo uma visão tecnológica,

validando a produção de conhecimentos imperfeitos e corpos defeituosos: coxas/os, paraplégicas/os, loucas/os, surdas/os etc. Portanto, um conhecimento com pontos de vista cegos ou cadeirantes que percorrem espaços hostis, muitas vezes inacessíveis, por caminhos rochosos, periféricos, marginalizados ou reconstruídos em territórios virtuais. (Pino-Morán, 2020PINO MORÁN, J. A. Cuerpo(s) en luchas: itinerarios disidentes de la discapacidad en Chile. 2020. Tesis (Doctorado en Sociología) - Departament de Sociología, Universidad Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.tesisenred.net/handle/10803/670160 > Acesso em: 21 dic. 2021
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, p. 108)

Alertamos para o fato de que essa perspectiva não tem um caráter vitimizador, ingênuo ou mesmo relativista, como Haraway (1995HARAWAY, D. J. Ciencia, cyborgs y mujeres: la reinvención de la naturaleza. Madrid: Cátedra, 1995., p. 329) a descreve claramente ressaltando que:

A alternativa ao relativismo são os conhecimentos parciais, localizáveis e críticos, que admitem a possibilidade de conexões chamadas de solidariedade na política e conversas compartilhadas na epistemologia. O relativismo é uma forma de não estar em lugar algum, embora afirme estar igualmente em toda parte. A «similaridade» do posicionamento é uma negação da responsabilidade e da investigação crítica.

Portanto, reconhecemos que esses conhecimentos construídos em posições de subalternidade são conhecimentos a serem compreendidos metodologicamente como conhecimentos táteis, olfativos, auditivos, conhecimentos sem razão ou com lentidão cognitiva, conhecimentos orgulhosamente raros como a teoria crip de Robert McRuer (2021)MCRUER, R. Teoría Crip: signos culturales de lo queer y de la discapacidad. Madrid: Kaotica libros, 2021..

Esses conhecimentos:

anômalos, por causa de suas diferenças particulares, são poder e lucidez em outros sentidos ou registros. Parafraseando Haraway: Que outros poderes sensoriais desejamos cultivar além da visão para produzir conhecimento? De quantas maneiras podemos conhecer? Com que outros repertórios podemos aprender? E se o fizermos com outras velocidades e tempos? Como usamos nossas próprias tecnologias abjetas, nossas próteses e ajudas técnicas? E se fizermos isso com o apoio de bengalas; em língua de sinais? (Pino-Morán, 2020PINO MORÁN, J. A. Cuerpo(s) en luchas: itinerarios disidentes de la discapacidad en Chile. 2020. Tesis (Doctorado en Sociología) - Departament de Sociología, Universidad Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.tesisenred.net/handle/10803/670160 > Acesso em: 21 dic. 2021
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, p. 108)

Consequentemente,

construiremos conhecimentos a partir de uma posição contra-hegemônica, não-normativa, não-padrão e não-objetiva. Precisamente, recuperamos politicamente aqueles corpos que a ciência moderna considera fora da média e da moda, corpos com valores extremos chamados de outlier - parte isolada -, amostras tendenciosas ou com desvio estatístico, que supostamente contaminam os critérios universais e os resultados científicos. (Pino-Morán, 2020PINO MORÁN, J. A. Cuerpo(s) en luchas: itinerarios disidentes de la discapacidad en Chile. 2020. Tesis (Doctorado en Sociología) - Departament de Sociología, Universidad Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.tesisenred.net/handle/10803/670160 > Acesso em: 21 dic. 2021
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, p. 108)

Epistemologia do feminismo decolonial: como lidar com o enunciado abjeto?

O sistema moderno/colonial configurou uma nova ordem e estrutura social estabelecendo parâmetros de “normalidade” como única possibilidade de ser, estar, sentir e compreender o mundo, uma obrigatoriedade que, além de permear a subjetividade humana, fragmentou a habitabilidade no tempo-espaço, questão fundamental para se pensar a relevância das corporeidades configuradas como abjetas, inválidas ou aleijadas-indígenas para a racionalidade do Ocidente.

Isso trouxe alienação e violência epistêmica incorporadas de forma diferenciada na população. Assim, a colonialidade de gênero (Lugones, 2008LUGONES, M. Colonialidad y Género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101, 2008. DOI: 10.25058/20112742.340
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), por meio dos postulados do feminismo decolonial, revelou a matriz da dominação patriarcal no dimorfismo biológico e na heterossexualidade compulsória na estrutura social, de modo que os corpos conquistados foram rapidamente produzidos em resposta a essa estratégia de opressão e dominação patriarcal-colonial (Lugones, 2008LUGONES, M. Colonialidad y Género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101, 2008. DOI: 10.25058/20112742.340
https://doi.org/10.25058/20112742.340...
; Oyěwùmí, 1997Oyěwùmí, O. The Invention of Woman. Making an African Sense of Western Gender Discourses. Minessota: University of Minnesota Press, 1997.).

No entanto, essa evangelização não foi homogênea em toda a população, a heteronorma e o processo de generização foram instilados naqueles com a suposta “capacidade” de ser humanos: homem-mulher, no entanto, todos os corpos classificados como animais ou bárbaros foram deixados de fora. Assim, as corporeidades consideradas abjetas, inválidas, aleijadas-indígenas foram tratadas e dispostas em zonas de sacrifício, subumanas e de não-ser por meio de tortura, estupro e trabalho escravo, anulando qualquer possibilidade de ser e estar no tempo-espaço (Restrepo; Rojas, 2010RESTREPO, E.; ROJAS, A. Inflexión decolonial: fuentes, conceptos y cuestionamientos. Popayán: Editorial Universidad del Cauca, 2010.).

Da mesma forma, os processos modernos/coloniais de generização foram fortemente criticados pelos estudos feministas sobre deficiência (Arnau, 2018ARNAU, S. R. ¿Sexualidad en la diversidad o diversidad en la sexualidad? Nuevos retos para una nueva cultura sexual. Journal of Feminist, Gender and Women Studies, Madrid, n. 7, p. 27-36, 2018. DOI: 10.15366/jfgws2018.7.003
https://doi.org/10.15366/jfgws2018.7.003...
; Cruz-Pérez, 2013CRUZ PÉREZ, M. P. Teoría feminista y discapacidad: un complicado encuentro en torno al cuerpo. Revista de Investigación y Divulgación sobre los Estudios de Género, Colima, v. 19, n. 12, p. 51-71, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://ojs.ucol.mx/index.php/generos/article/view/1274 > Acesso em: 21 dic. 2021.
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). A universalidade do tema do feminismo e suas demandas, juntamente com o não reconhecimento da diversidade no plano erótico-afetivo, bem como as condições e necessidades daqueles que habitam essas identidades, fazem parte das questões e tensões que ainda mantêm os feminismos ocidentais (brancos e burgueses) refletindo a partir do privilégio intelectual.

Nesse sentido, a recuperação histórica, epistêmica e subjetiva promovida pelas feministas decoloniais como uma reapropriação do corpo/território pode ser situada dentro da estrutura do reconhecimento de corporalidades abjetas, inválidas e aleijadas-indígenas; no entanto, essa discussão não tem sido objeto de preocupação ou debate mais aprofundado dentro da coletividade. Além disso, eles continuam sendo corpos omitidos da história oficial e não oficial, corpos que os movimentos sociais do Trending Topic não incorporaram em suas demandas, lutas, resistências e reivindicações.

Diante desse cenário, surge a pergunta: como lidar com o enunciado abjeto? Uma responsabilidade inerente aos espaços críticos de reflexão implica justamente repensar a epistemologia de sujeitxs historicamente omitidos da História. Marcela Ferrari (2020FERRARI, M. Feminismos descoloniales y discapacidad: hacia una conceptualización de la colonialidad de la capacidad. Nómadas, Madrid, n. 52, p. 115-131, 2020. DOI: 10.30578/nomadas.n52a7
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) propõe falar da “colonialidade da capacidade” como um trabalho articulado entre o feminismo decolonial e a reconfiguração da deficiência a partir de um discurso latino-americano. Dessa forma, a colonialidade da capacidade implica a “desarticulação, o apagamento e a substituição pelo pensamento moderno/colonial da ética comunitária de reciprocidade e cooperação inerente à cosmovisão de nossos povos latino-americanos e das lógicas que correspondem a suas formas de organização” (Ferrari, 2020FERRARI, M. Feminismos descoloniales y discapacidad: hacia una conceptualización de la colonialidad de la capacidad. Nómadas, Madrid, n. 52, p. 115-131, 2020. DOI: 10.30578/nomadas.n52a7
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, p. 125).

Nesse sentido, é possível entrelaçar as propostas do feminismo decolonial para redefinir e reconstruir instâncias de diálogo entre territórios e corporalidades abjetas, inválidas, aleijadas-indígenas, que sejam adequadas às próprias tramas a partir da circularidade das epistemes, bem como do trabalho coletivo e articulado, mais ainda, de seus próprios significados e experiências de emancipação?

Epistemologias interculturais: abordagens críticas a partir da América Latina

Há várias maneiras possíveis de abordar epistemologicamente a deficiência em territórios caracterizados por uma cultura e uma sociedade não brancas. Até o momento, os disability studies estudaram a deficiência em pessoas racializadas a partir de abordagens de estudos interseccionais, culturais e antirraciais, mas reconhece-se que o campo tem se concentrado principalmente na deficiência branca (Bell, 2017BELL, C. Is disability studies actually white disability studies? In: DAVIS, L. J. (Ed.). The disability studies reader. 5. Ed. New York: Routledge, 2017. P. 406-415.; Schalk; Kim, 2020SCHALK, S.; KIM, J. Integrating Race, Transforming Feminist Disability Studies. Signs: Journal of Women in Culture and Society, Chicago, v. 46, n. 1, p. 31-55, 2020. DOI: 10.1086/709213
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).

Na América Latina, a população é fundamentalmente não branca, portanto, a deficiência sempre foi atravessada pela colonização, pelas migrações contemporâneas, pelos povos indígenas, pelos afrodescendentes e pelas pessoas de cor (essas duas últimas conceituações são usadas porque são sugeridas pelo ativismo latino-americano), embora nossa produção acadêmica nem sempre tenha conseguido tornar isso visível e, com frequência, adotarmos e adaptarmos propostas anglo-saxônicas à nossa realidade, o que devemos observar com preocupação.

Atualmente, as abordagens mais críticas para a análise da deficiência na América Latina têm se inclinado para a teoria crip/queer (García-Santesmases Fernández; Verges-Boch; Almeda-Samaranch, 2017GARCÍA-SANTESMASES FERNÁNDEZ, A.; VERGÉS BOSCH, N.; ALMEDA SAMARANCH, E. From alliance to trust: Constructing Crip-Queer intimacies. Journal of Gender Studies, Abingdon, v. 26, n. 3, p. 269-281, 2017. DOI: 10.1080/09589236.2016.1273100
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), a perspectiva crítica, o modelo social da deficiência e os estudos críticos da deficiência, todos provenientes de propostas anglo-saxônicas. Entretanto, nenhum deles demonstrou interesse ou suficiência em relacionar o estudo da deficiência à situação de nossa América Latina não branca. No caso dos estudos críticos sobre deficiência, houve interesse em dialogar com propostas teóricas que tornam visível grande parte da situação atual da sociedade latino-americana (Revuelta; Hernández, 2021REVUELTA, B.; HERNÁNDEZ, R. Estudios críticos en discapacidad: portes epistemológicos de un campo plural. Cinta de Moebio, Santiago n. 70, p. 17-33, 2021. DOI: 10.4067/S0717-554X2021000100017
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), mas não se aproximaram o suficiente de temas como o indígena, o migrante ou o território, todos eles elementos relevantes para entender a complexidade epistemológica do pensamento latino-americano. Com relação à racialização, ela tem sido discutida principalmente a partir de abordagens interseccionais.

Nesse sentido, propomos que a filosofia intercultural, especialmente a desenvolvida pelas correntes latino-americanas, constitua um pensamento a partir do qual se pode analisar o capacitismo e propor uma abordagem para as epistemologias anticapacitistas. Atualmente, os estados-nação se apropriaram da interculturalidade como uma política funcional no campo da saúde e da reabilitação (Boccara, 2012BOCCARA, G. La interculturalidad como campo social. Cuadernos Interculturales, Viña del Mar, v. 10, n. 18, p. 11-30, 2012. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=55223841002 > Acesso em: 21 dic. 2021.
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; Piñones; Mansilla; Arancibia, 2017PIÑONES, C.; MANSILLA, M.; ARANCIBIA, R. El imaginario de la horizontalidad como instrumento de subordinación: la Política de Salud pueblos indígenas en el multiculturalismo neoliberal chileno. Saúde e sociedade, v. 26, n. 3, p. 751-763, 2017. DOI: 10.1590/S0104-12902017169802
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). Assim, foram criados serviços e dispositivos com base na ideia de uma saúde intercultural fetichizada, que também foi aplicada à deficiência, na medida em que ela é entendida pelo Estado como uma condição patológica.

No entanto, para esta discussão sobre a construção de epistemologias anticapacitistas, propomos a interculturalidade crítica de um tipo decolonial (Mignolo; Walsh, 2018MIGNOLO, W.; WALSH, C. On decoloniality: Concepts, analytics, praxis. Durham: Duke University Press, 2018.), bem como a filosofia intercultural crítica de Fornet-Betancourt (2012)FORNET-BETANCOURT, R. Hacia una filosofía del diálogo intercultural en un mundo conflictivo. Logos. Revista de filosofía, Ciudad de México, v. 40, n. 120, p. 171-186, 2012. Disponível em: <Disponível em: http://revistasinvestigacion.lasalle.mx/index.php/LOGOS/article/view/2589 > Acesso em: 21 dic. 2021.
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. Essas epistemologias são uma estrutura teórica relevante para analisar como as práticas com indígenas, mestiços latinos, pessoas de cor e afrodescendentes em situações de “deficiência” são determinadas por um capacitismo epistemológico da lógica colonial, em que o colonialismo do ser/estar, do conhecimento e do poder define a maneira como nos relacionamos com esses indivíduos. A perspectiva intercultural crítica nos permite colocar nossas próprias ações sob tensão, ao mesmo tempo em que desafia nossa racionalidade médico-científica e sociocultural sobre o que é entendido como deficiência.

Há novas formas de pesquisa que poderíamos entender como parte de uma interculturalidade crítica e que se enquadram em um acúmulo de perspectivas críticas, decoloniais, feministas e interculturais capazes de entrelaçar estudos etnográficos críticos com uma ligação sócio-histórica e contemporânea da deficiência a partir de uma perspectiva das Epistemologias do Sul. Esses desafios de pesquisa exigem um processo de descolonização de pesquisadores e profissionais que resulte em uma leitura da singularidade/deficiência em uma América Latina não branca proveniente das fronteiras, integrando as lutas comuns dos povos afetados pelo sistema-mundo moderno-colonial (Lugones, 2008LUGONES, M. Colonialidad y Género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-101, 2008. DOI: 10.25058/20112742.340
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; Mignolo; Walsh, 2018MIGNOLO, W.; WALSH, C. On decoloniality: Concepts, analytics, praxis. Durham: Duke University Press, 2018.).

O movimento indígena tem discutido amplamente o conceito de corpo como território e como comunidade. Esses elementos enriquecem a discussão sobre singularidade/deficiência e sua riqueza epistêmica pode transcender sua cultura para gerar contribuições conceituais para as atuais e numerosas discussões sobre a conceituação de “deficiência” na América Latina, com justiça epistêmica. Mas, acima de tudo, as pessoas indígenas com deficiência têm uma experiência incorporada de deficiência complexa, que está envolvida em um processo histórico-social de relacionamento conflituoso com os Estados e com o modelo capitalista neoliberal, de modo que as lutas pela deficiência não podem ser desvinculadas dessa realidade; e o capacitismo epistemológico, a partir dessa abordagem, está totalmente relacionado a esses outros sistemas de opressão.

Em suma, uma epistemologia anticapacitista que integre a interculturalidade crítica em sua base filosófica pode contribuir para um diálogo intercultural entre povos, nações, identidades e corpos em igualdade de condições e para um sistema de práticas anticapcitistas em que as próprias pessoas liderem ativismos sobre o que tem sido chamado, no Ocidente, de deficiência.

Considerações finais: rumo a epistemologias anticapacitistas do Sul - como proposta - para descolonizar o saber

Como pudemos analisar, o velho e o novo mundo são metanarrativas capacitistas coloniais modernas (Pino-Morán; Tiseyra, 2019PINO MORÁN, J. A.; TISEYRA, M. Encuentros entre la perspectiva decolonial y los estudios de la discapacidad. Revista Colombiana de Ciencias Sociales, Medellín, v. 10, n. 2, p. 497-521, 2019. DOI: 10.21501/22161201.2893
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) que instalaram uma subordinação epistêmica quando se trata de interpretar o mundo. As Crônicas das Índias mostram como a literatura hispânica tem demonstrado repetidamente uma compreensão limitada dos povos que habitam o que hoje é conhecido como América Latina. Essa situação, de acordo com o que foi analisado, tem historicamente replicado dicotomias que são periodicamente atualizadas: indígena-civilizado, barbárie-modernidade até o sujeito capacitado-incapacitado, portanto, toda essa reificação capacitista-colonial foi estabelecida em um princípio de hierarquização e inferiorização corporal, que também foi estabelecido para deslegitimar conhecimentos.

Por exemplo, o conceito do “visto” associado ao “vivido” subordina as historiografias “ouvidas”, o que significa problematizar a “visão de mundo usada no Ocidente para sintetizar a lógica cultural de uma sociedade que expressa adequadamente a prerrogativa ocidental da dimensão visual” (Oyěwùmí; 1997Oyěwùmí, O. The Invention of Woman. Making an African Sense of Western Gender Discourses. Minessota: University of Minnesota Press, 1997., p. 39). Essa é uma compreensão eurocêntrica da ordem dos corpos e sentidos humanos ou, como dizem os estudos decoloniais sobre deficiência, uma forma de “colonialidade da visão” (Barriendos, 2011BARRIENDOS, J. La colonialidad del ver. Hacia un nuevo diálogo visual interepistémico. Revista Nómadas, Bogotá, n. 35, p. 13-29, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1051/105122653002.pdf > Acesso em: 21 dic. 2021.
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). Nesse contexto, a conformação do capacitismo epistemológico que as sociedades coloniais modernas atuais constroem é explícita.

Essa discriminação arbitrária de relações de poder e identidades envolveu todo um grupo de pessoas em contradições e feridas profundas em seu trabalho, subjetividade e lutas. Essa questão é mantida pelo fato de não se problematizar a ordem epistemológica em que essa situação é explicada.

Portanto, o posicionamento epistemológico que propomos alude a uma posição geopolítica corpórea, conforme proposto por Walter Mignolo (2010MIGNOLO, W. Desobediencia Epistémica. Retórica de la modernidad, lógica de la colonialidad y gramática de la descolonialidad. Buenos Aires: Ediciones del Signo, 2010., p. 37-41), na seguinte referência:

Nomeia o local histórico (espaço e tempo, referências históricas e a configuração de tempo e espaço etc.) e a autoridade do local das enunciações negadas e desvalorizadas pela dominação e hegemonia de ambas as políticas imperiais de conhecimento e compreensão [...] a corpo-política é mais apropriada para tornar visível a cor, o gênero e a sexualidade do “corpo pensante”, tornando assim visível a corpo-política branca, masculina e heterossexual que se encontra, invisível, por trás da política hegemônica do conhecimento na modernidade imperial europeia.

Portanto, entendemos as Epistemologias Anticapacitistas do Sul como aquelas produções de saberes e conhecimentos corporais em rebelião contra o mundo capacitista, colonial, androcêntrico e cisheteropatriarcal, visando descolonizar as epistemologias hegemônicas ocidentais. Podemos entendê-las como epistemologias situadas da resistência, na medida em que são um espaço de contestação política desenvolvido por movimentos sociais e experiências em primeira pessoa, que possuem e geram conhecimento a partir de uma práxis transformadora e em direção a ela. São epistemologias que reconhecem a existência do capacitismo e se opõem a ele.

Uma das principais tarefas das Epistemologias Anticapacitistas do Sul é a descolonização do conhecimento (De Sousa Santos, 2011DE SOUSA SANTOS, B. Epistemologías del sur. Utopía y praxis Latinoamericana, Maracaibo, v. 16, n. 54, p. 17-39, 2011. Disponível em: <Disponível em: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27920007003 > Acesso em: 21 dic. 2021.
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). Isso é feito ao se trabalhar fora das lógicas biologicistas, patologizantes ou clínicas da padronização universal e/ou da participação medicalizada produzida pela indústria da deficiência. Vale a pena lembrar que estamos falando de corporeidades que não entraram no saber e na ciência ou que, muitas vezes, estiveram ausentes da produção de conhecimento, mas que claramente foram objeto dele. Portanto, essa descolonização do saber se materializa na atenção à singularidade e à parcialidade das alianças de corporeidades dissidentes que se movem lentamente ou com movimentos involuntários, em colaboração com cães-guia ou com bengalas, corporeidades que não ouvem pelo canal auditivo, mas percebem vibrações, corporeidades que não seguem a razão dominante, pois pensam de forma desarticulada ou louca.

O próprio Foucault (2018FOUCAULT, M. Historia de la locura en la época clásica I. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 2018., p. 45) afirmou que “a ciência cai na loucura pelo próprio excesso das falsas ciências”. Sendo assim, entendemos que a descolonização do conhecimento é executada por meio das Epistemologias Anticapacitistas do Sul, pois implica desestabilizar e desvelar o padrão homogeneizador patriarcal-capacitista dominante das ciências e da pesquisa, a fim de neutralizar a perpetuação do epistemicídio das diferenças. Assim, incorporamos a importância do ponto de vista das pessoas com diferenças corporais, o que, por um lado, significa reconhecer as experiências corporificadas para a construção do conhecimento na análise social e, por outro lado, reconhecer as agências de lutas e resistências, que nos convidam a ampliar nossa compreensão da produção de conhecimento emancipatório na pesquisa social.

Esse tipo de posicionamento descolonizador contém explicitamente um compromisso ético, metodológico e político com coletivos historicamente invisibilizados, que não tem a intenção de dar voz ou testemunho, mas sim um compromisso epistemológico que transcende o binarismo das figuras de leigo-especialista, sujeito-objeto ou pesquisador-pesquisado. Esse processo reflexivo, por conseguinte, está comprometido com a desconstrução da ideia de conhecimento científico - objetivos, específicos ou especializados - em troca de uma compreensão da complexidade, da complementaridade e da solidariedade epistêmica (Pino-Morán, 2020PINO MORÁN, J. A. Cuerpo(s) en luchas: itinerarios disidentes de la discapacidad en Chile. 2020. Tesis (Doctorado en Sociología) - Departament de Sociología, Universidad Autònoma de Barcelona, Barcelona, 2020. Disponível em: <Disponível em: https://www.tesisenred.net/handle/10803/670160 > Acesso em: 21 dic. 2021
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). Situamos as Epistemologias Anticapacitistas do Sul como conhecimento de retaguarda na interface de uma proposta que está de acordo com as agências sociais e a práxis social, das quais emergem os saberes e os conhecimentos.

Com essa proposta, queremos romper com as supostas normas da pesquisa social, que, de acordo com Foucault (2009FOUCAULT, M. Defender la sociedad: Curso En El Collège de France (1975-1976). Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 2009.), circulam disciplinando e regulando o próprio corpo teórico e metodológico da pesquisa que se quer regularizar. Assim, é possível falar em “pesquisa normalizadora” e “pesquisa emancipatória” quando as normas disciplinares e suas contrapartes - as resistências - se cruzam.

Sob essas resistências, queremos insistir na necessidade de compreender o problema epistêmico que oculta o reconhecimento cultural das experiências e do devir das pessoas que foram rotuladas como deficientes na ordem atual do sistema-mundo moderno-colonial-capacitista, o que invisibiliza os conhecimentos produzidos pelas próprias pessoas com diversidade.

Esse problema, que chamamos de capacitismo epistemológico, fundamenta e explica, em parte, o problema político das pessoas em situação de deficiência. Com isso, queremos estabelecer uma relação direta entre o capacitismo epistemológico e a ausência de direitos sociais, políticos e culturais, bem como a dificuldade que existe nos contextos latino-americanos para reconhecê-los em sua realidade concreta e material.

Por esse motivo, queremos reconhecer as diferentes narrativas que têm sido usadas para desvalorizar e classificar os povos que habitam a América Latina. Nesse sentido, reutilizamos, a partir do orgulho, as categorias selvagens, indígenas, coxas ou inválidas e todas as enunciações que não conformes à normatividade e à produtividade esperadas pelo capitalismo avançado. A intenção é desativá-las do preconceito e ressignificar suas práticas de resistência, rebelião e reexistência, que são o resultado de um desenvolvimento epistemológico situado não assumido como alternativa, mas como contraproposta política.

Para concluir, e com essa breve visão geral, gostaríamos de propor algumas ideias para problematizar e explorar, a partir da perspectiva das Epistemologias Anticapacitistas do Sul, a construção e o reconhecimento das bases epistemológicas que vêm sendo sustentadas há décadas pelas lutas anticapacitistas em nossa América Latina, especialmente prestando atenção aos ativismos e cenários dissidentes da deficiência em suas lutas por vidas dignas e em suas resistências ao vórtice do sistema colonial-capacitista-capitalista-patriarcal.

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    Esta publicação teve o apoio da Iniciativa Científica Milênio da Agência Nacional de Investigación y Desenvolvimento (NCS2022_023)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Dez 2021
  • Aceito
    05 Dez 2022
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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