Resumo
Este artigo aborda o papel das emoções dos pesquisadores e de seus interlocutores na pesquisa de campo sobre desinformação, a partir de uma investigação sobre os usos do Telegram na circulação e apropriação de informações sobre covid-19. Partindo de uma reflexão sobre o emocional na construção do conhecimento antropológico e os limites da relativização no contato com grupos considerados “anticiência” por meio da antropologia digital, o estudo debate o lugar das emoções conflitantes e em jogo na relação entre nós e os sujeitos observados durante a pesquisa. Propomos, por fim, uma mudança conceitual: do negacionismo, como sistema explicativo da negação de princípios considerados básicos de conhecimentos e evidências científicas, para o afirmativismo, que destaca a afirmação de grupos sociais, de seus valores, crenças e cosmovisões.
Palavras-chave:
Pesquisa Antropológica; Emoções; Relativização; Desinformação; Afirmativismo
Abstract
This article addresses the role of researchers’ and their interlocutors’ emotions in field research on misinformation, based on an investigation into the uses of Telegram in the circulation and appropriation of information about COVID-19. Starting from a reflection on the emotional in the construction of anthropological knowledge and the limits of relativization in engaging with groups considered “anti-science” from digital anthropology, the study discusses the place of conflicting emotions in the relationship between us and the subjects observed during the research. Finally, we propose the need for a conceptual shift: from denialism as an explanatory system for the denial of principles considered fundamental to knowledge and scientific evidence, to affirmationism, which highlights the affirmation of social groups, their values, beliefs, and worldviews.
Keywords:
Anthropological Research; Emotions; Relativization; Misinformation; Affirmationism
Introdução
Este artigo analisa o lugar das emoções dos pesquisadores e de seus interlocutores em pesquisa de campo sobre desinformação, a partir de um estudo sobre os usos do Telegram na circulação e apropriação de informações sobre covid-19. O trabalho em questão parte da ideia de que não há uma desconfiança generalizada na ciência e no jornalismo, mas uma mudança na lógica de consumo de informações no século XXI: o conteúdo sobre ciência e saúde deixou de ser apenas transmitido pelas instituições e pelos meios de comunicação considerados tradicionais e ganhou novos formatos, opções de acesso e usos, que muitas vezes são feitos de modo interessado para reforçar ou enfraquecer determinadas narrativas e crenças (Monari et al., 2020MONARI, A. C. P.; SANTOS, A.; SACRAMENTO, I. COVID-19 and (hydroxy)chloroquine: a dispute over scientific truth during Bolsonaro’s weekly Facebook live streams. Journal of Science Communication, Trieste, v. 19, p. A03, 2020., 2021MONARI, A. C. P. et al. Disputas narrativas e legitimação: análise dos argumentos de Bolsonaro sobre vacinação contra Covid-19 no Twitter. Liinc em Revista, Rio de Janeiro, v. 17, p. e5707, 2021.). Entendemos, portanto, que na contemporaneidade surge uma outra forma de produção de conhecimento/verdade, que está relacionada à manutenção e ao reforço de outras racionalidades, e maior apreço pela experiência pessoal (Monari; Sacramento, 2022MONARI, A. C. P.; SACRAMENTO, I. Pós-verdade e desinformação: Telegram e as dinâmicas de mediação no contexto da pandemia de Covid-19. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 45., 2022, João Pessoa. Anais.... João Pessoa: Intercom, 2022. v. 1. p. 1-15.).22Estamos nos baseando na noção de regime de verdade de Michel Foucault (1977, p. 13), com a qual argumenta que “a verdade não está fora do poder, nem é privada do poder”, mas, pelo contrário, “é produzida graças a múltiplas imposições e induz efeitos regulados do poder”. Assim, ele define um regime de verdade como “os tipos de discurso que [uma sociedade] abriga e faz com que funcionem como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros ou falsos, a maneira como se sancionam uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para obter a verdade; o status dos que têm a tarefa de dizer o que funciona como verdade” (Foucault, 1977, p. 13).
Notamos também que, embora muitos pesquisadores tenham analisado a disseminação da desinformação da covid-19 por meio das plataformas de comunicação on-line, especialmente o Twitter (Gouveia; Ramos-Carvalho; Gonçalves, 2022GOUVEIA, F. C.; CARVALHO, P. R.; RAMOS, M. G. Relative Search Interest and Twitter Altmetrics of Chloroquine, Hydroxychloroquine and Ivermectin in Latin America. Journal Of Scientometric Research, [s. l.], v. 11, p. 171-182, 2022.; Recuero; Soares, 2022RECUERO, R.; SOARES, F. Vachina: how politicians help to spread disinformation about covid-19 vaccines. Journal of Digital Social Research, v. 4, p. 73-97, 2022.), o Facebook (Soares et al., 2021aSOARES, F.; RECUERO, R. et al. Desinformação sobre o Covid-19 no WhatsApp: a pandemia enquadrada como debate político. Ciência da Informação em Revista, Curitiba, v. 8, p. 74-94, 2021.) e o WhatsApp (Soares et al., 2021bSOARES, F.; VIEGAS, P. R. et al. Covid-19, desinformação e Facebook: circulação de URLs sobre a hidroxicloroquina em páginas e grupos públicos. Galáxia, São Paulo, v. 46, p. 1-24, 2021.), poucos se envolveram em pesquisas que exploram como as pessoas avaliam, entendem e perpetuam a desinformação nos contextos em que a utilizam, assim como nas formas como as informações são apropriadas e compartilhadas pelos usuários das mídias sociais. Como pesquisadores da comunicação e da cultura, inspirados pela etnografia e pela teoria antropológica, percebemos que o exercício da relativização nos coloca o desafio de observar o que nos é exótico de modo familiar para que possamos passar a compreender e não julgar o outro (Damatta, 1978DAMATTA, R. O ofício de etnólogo, ou como ter anthropological blues”. In: NUNES, E. O. (Org.). A aventura sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 23-35.).
Quando lidamos com grupos que possuem perspectivas muito diferentes das nossas, que são anticiência e antivacina, como no caso de nossa pesquisa, nossa tendência imediata é nomear de negacionismo. Não detalharemos os trabalhos que têm se ancorado nessa categoria classificatória. São inúmeros. Durante a pandemia de covid-19, o termo, de conceito, se tornou um lugar-comum acusatório e aparentemente explicativo. O que procuramos, a partir de nossas reflexões, é justamente compreender as racionalidades daqueles que temem as vacinas, duvidam de sua eficácia e questionam princípios e protocolos científicos estabelecidos e consensuados. O que é verdade e realidade para essas pessoas? O que as fazem conceber e agir no mundo da forma como agem?
O primeiro movimento é de estranhamento, mas não há desligamento do envolvimento emocional ou do julgamento de maneira total. Geertz escreveu que o relativismo “desativa o julgamento”, enquanto o absolutismo “o remove da história”. Ele deu a entender que encontrar um caminho intermediário entre ambos é o que deveria ser a teoria da cultura. Em particular, gostaríamos de perguntar se é possível oferecer avaliações morais das práticas sociais de diferentes grupos sociais sem impor aos outros nossa própria concepção etnocêntrica? Se a resposta for sim, como isso deve ser feito? Se a resposta for não, por que isso acontece? Em outras palavras, qual é exatamente a terceira escolha implícita de Geertz entre relativismo e absolutismo; e com o que exatamente se parece quando alguém é solicitado a julgar, por exemplo, práticas não vacinação como boas ou ruins, certas ou erradas?
No Anti anti-relativismo, Geertz oferece esta citação de Montaigne (apudGeertz, 2001GEERTZ, C. Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001., p. 49): “cada homem chama de barbárie tudo o que não é sua própria prática”. Ele observa que essa noção, quaisquer que sejam seus problemas, e por mais delicadamente expressa que seja, provavelmente não desaparecerá completamente, a menos naquilo que a antropologia faz. Segundo ele, o que os chamados relativistas querem é que nos preocupemos com o provincianismo - o perigo de que nossas percepções sejam entorpecidas, nossos intelectos restritos e nossas simpatias estreitadas por aceitações supervalorizadas de nossa própria sociedade.
À luz dessa observação, parece razoável levantar algumas questões: quando se trata de avaliar as normas sociais dos outros, o que o aguçar de nossas percepções, a expansão de nosso intelecto e a ampliação de nossas simpatias realmente significam? E esse processo de aguçamento e expansão implica que há mais em um julgamento moral do que Montaigne imaginou? E se houver mais, esse processo de avaliação informada não nos leva além do país em que vivemos, permitindo-nos alcançar uma compreensão não etnocêntrica do grau de valor moral dos costumes de outras sociedades? O processo de crítica cultural não significa que é possível (talvez difícil, mas possível) separar os aspectos provinciais dos aspectos não provinciais de nossos próprios julgamentos morais?
Em primeiro lugar, a moralidade é localizada dentro do espaço-tempo e não existem universais morais, sem práticas e mediações locais. O relativismo deve ser entendido como uma posição que nega a possibilidade de reivindicações não relativizadas e universalmente válidas (sejam elas de verdade, morais, de justiça, ritualísticas). Em vez disso, as reivindicações são entendidas como justificáveis apenas em relação a uma estrutura que forneça critérios de inteligibilidade e justificação. Dependendo do tipo de relativismo em questão, a própria estrutura é concebida como conceitual, teórica, cognitiva, moral, cultural ou política. Para obter uma posição relativista em sentido estrito, a noção de enquadramento, entretanto, não é suficiente. Deve haver algo como a impossibilidade de privilegiar um arcabouço em detrimento de outro, em caso de reivindicações conflitantes sobre o mesmo objeto, visto que são consideradas justificadas em relação ao seu respectivo arcabouço. As estruturas são incomensuráveis, se as questões sobre a distribuição de valores de verdade bivalentes entre duas reivindicações conflitantes não forem conclusivas.
A recente virada da antropologia em direção às questões ontológicas é mais bem compreendida como um projeto metodológico que atribui prioridade conceitual às contingências etnográficas que partem e apontam para as limitações dos pressupostos dominantes da modernidade ocidental sobre a realidade, em vez de se afastar do relativismo epistemológico ou das noções de que a realidade é conhecida por meio de diferentes visões de mundo. De acordo com uma mediação cultural específica, textos recentes na antropologia defendem a relativização ontológica por meio da qual os pressupostos dominantes da realidade são seriamente questionados reflexivamente, conceitualmente e experimentalmente por meio do material etnográfico, em vez de análises estabelecidas. O ponto de partida não são mais os quadros conceituais estabelecidos e implantados para interpretar o material etnográfico, em vez disso, o último é usado como um ponto de partida teórico para abordar as limitações das categorias canonicamente aceitas, baseadas em concepções dicotomizadas da realidade.
Em vez de apresentar um pressuposto ontológico a priori do mundo dividido em categorias, as discussões contemporâneas em antropologia que giram em torno de preocupações ontológicas tendem a se interessar menos “pelo que é, mas pelo que poderia ser” (Holbraad; Pedersen, 2017HOLBRAAD, M.; PEDERSEN, M. A. The Ontological Turn: An anthropological exposition. Cambridge: Cambridge University Press, 2017., p. 68), o que transforma a cultura em um conjunto de inter-relações humanas e não-humanas constantemente sob invenção conceitual (Wagner, 1981WAGNER, R. The Invention of Culture. Chicago: University of Chicago Press, 1981.). A colocação de questões ontológicas não se centra na descoberta da ontologia do mundo ou da essência da natureza e dos seres, que se mantém no nível ôntico da realidade, mas procura estudar outras concepções do mundo e os pressupostos ontológicos que estas revelam sobre as inter-relações entre seres humanos e não-humanos. Uma orientação ontológica exige, portanto, uma “vontade de encenar o encontro com a etnografia como um experimento de reflexividade conceitual” (Holbraad; Pedersen, 2017HOLBRAAD, M.; PEDERSEN, M. A. The Ontological Turn: An anthropological exposition. Cambridge: Cambridge University Press, 2017., p. 70). Por meio dessa reflexão, os conceitos modernos se deparam com limitações explicativas e interpretativas ao confrontarem contingências etnográficas que contrariam os pressupostos de realidade analisada. Categorias como social, político e cultural não lidam apenas com as preocupações epistemológicas de como se chega a conhecer a configuração particular desses domínios em qualquer contexto dado, mas o que esses domínios dizem sobre as noções de realidade de alguém e o que constitui o ser e a existência.
Se o relativismo envolve uma tendência a “relativizar” coisas que de outra forma poderiam parecer absolutas, então a virada ontológica parece intensificar essa prática no mesmo sentido em que intensifica os compromissos da antropologia com a reflexividade, conceituação e experimentação. Os relativistas tendem a apontar as maneiras pelas quais as formas de conhecimento, verdade ou moralidade dependem de diferentes circunstâncias sociais, culturais ou históricas. A virada ontológica leva isso ao extremo lógico ao questionar (e isso não é o mesmo que negar) a validade universal de tudo, incluindo noções como conhecimento, verdade, moralidade, sociedade, cultura e história - os próprios conceitos.
É apenas esse compromisso intensificado com a relativização antropológica, no entanto, que torna a virada ontológica fundamentalmente diferente do relativismo. A diferença se resume a onde o ato de relativização está localizado em ambos os casos. O relativismo imagina o mundo como inerentemente diferenciado em diferentes agrupamentos sociais, formações culturais ou momentos históricos, e então localiza reivindicações variadas de conhecimento, verdade ou moralidade com referência a eles. O ato padrão, então, pertence à relação entre os dados etnográficos nos quais os antropólogos estão interessados e os variados contextos sociais, culturais ou históricos aos quais eles pertencem.
Para a virada ontológica, ao contrário, a relatividade está localizada não na relação entre dados etnográficos e contextos socioculturais ou políticos variados, mas na relação entre os dados variáveis em questão e as suposições ontológicas que os antropólogos devem fazer em sua tentativa de descrevê-los etnograficamente. Isso ocorre porque os próprios termos que os antropólogos usam para descrever seus dados construíram neles suposições particulares sobre o que são, e essas suposições ontológicas, transportadas para suas análises subsequentes, são elas mesmas contingentes. Assim, a relatividade intensificada da virada ontológica reside em tornar os principais objetos de atenção analítica essas implicações básicas de toda a produção de conhecimento antropológico. Em particular, o ato de relativização pertence à relação entre objetos e termos variáveis de descrição. Relativizar essa relação é necessário porque os termos que os antropólogos usam para descrever seus dados podem se tornar inapropriados, produzindo descrições e análises imprecisas, inconsistentes, incongruentes ou inadequadas. Uma das tarefas do fazer antropológico, então, deve ser mudar os pressupostos ontológicos contingentes que tornam suas intuições e descrições etnográficas iniciais inadequadas, para chegar a conceitos que permitam descrever e analisar os dados etnográficos de forma mais precisa.
Nosso texto será dividido nas seguintes partes: na primeira, tratamos do lugar das emoções e sua relação com a empatia em pesquisas de natureza etnográfica sobre desinformação; depois, discutimos os limites da relativização no contato com grupos considerados anticiência, por meio da antropologia digital, e tratamos do lugar das emoções conflitantes e em jogo na relação entre nós e os sujeitos observados durante nossas investigações. Por fim, argumentamos que é necessário promover uma mudança conceitual: do negacionismo como sistema explicativo da negação de princípios considerados básicos de conhecimentos e evidências científicas, para o afirmativismo, que destaca a afirmação de grupos sociais, de seus valores, crenças e cosmovisões.
O lugar das emoções em pesquisas sobre desinformação
Podemos retornar ao clássico texto de Mauss (1979MAUSS, M. A expressão obrigatória dos sentimentos. In: OLIVEIRA, R. C. (Org.). Marcel Mauss. São Paulo: Ática, 1979. p. 147-153.) sobre a obrigatoriedade da expressão dos sentimentos, que torna a emoção e sua expressão suscetível a análise sociológica e antropológica. O autor afirma, a partir da análise de ritos funerários australianos, que as emoções são sentidas e experimentadas individualmente, mas também manifestadas publicamente, segundo dado contexto social, imbuído da teoria do fato social, que parte do pressuposto de que algo social se impõe extrapolando o individual - lembrando que ainda nessa época estava em jogo a conformação da sociologia enquanto ciência, e, portanto, era necessário distingui-la da psicologia; mostrando que o social produz efeitos sobre o indivíduo. Durkheim (1978DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. São Paulo: Abril Cultural, 1978.) tensiona essa questão a época, elaborando o conceito de fato social: como coisas sociais e coletivas exercem poder sobre o indivíduo e como esse produz a sociedade -, a expressão de um sentimento de maneira individual e sua forma de sentir também são moldados socialmente. Isso significa dizer que o contexto sociocultural preenche de conteúdo um sentimento, mostrando como devemos expressá-lo quando o sentimos. Nossa maneira de comunicar um sentimento ao outro é socialmente construída e, apesar de isso não o tornar menos real, a forma com que o expressamos é uma parte fundamental. Aprendemos de acordo com nossa trajetória social a sentir e como sentir: tristeza, raiva, ódio, felicidade, nojo, entre outros, e, para serem expressos, eles precisam ser legitimados pelo grupo social do qual fazemos parte.
A subjetividade como expressão da emoção, assim, faz parte de todo e qualquer método (Apel, 1985APEL. K.-O. La transformación de La filosofia. Tomo II. Madri: Tauros, 1985.), mas para as humanidades ela é o objeto a ser debruçado. A assunção e a legitimidade do conhecimento produto da interpretação-compreensão ainda é algo recente, do mesmo modo que a emoção é vista como integrante do conhecimento, pois conforma a maneira de construir o material produto de etnografia. DaMatta (1978DAMATTA, R. O ofício de etnólogo, ou como ter anthropological blues”. In: NUNES, E. O. (Org.). A aventura sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. p. 23-35.) destaca que as emoções, apesar de tomadas como visitantes indesejáveis de uma etnografia, são constituintes do trabalho de campo, e é por meio delas que conseguimos compreender o outro. O exercício de tornar o exótico em familiar e, quando em sua comunidade, realizar o sentido inverso, ou seja, exotizar o familiar, possui um aspecto existencial, que produz o anthropological blues, que operaria uma junção entre a cognição e a emoção. É justamente desse entremeio que advém a etnografia.
Esse debate ganha mais destaque com a publicação do diário de Malinowski em 1967, que colocava por terra a idealização do etnógrafo enquanto uma pessoa neutra e isenta de emoções. Ao contrário do que ele mesmo apregoava, como um sujeito dotado de empatia pelos seus “nativos” (Coelho, 2019COELHO, M. C. As emoções e o trabalho intelectual. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 25, n. 54, p. 273-297, 2019.) no famoso Argonautas do Pacífico Ocidental, o diário mostra um pesquisador irritado, triste e impaciente. Em um interessante artigo, Coelho (2019COELHO, M. C. As emoções e o trabalho intelectual. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 25, n. 54, p. 273-297, 2019.), que discute as emoções do trabalho intelectual, consegue resumir uma reflexão que é premente colocada no fazer antropológico e que é de nosso interesse: o lugar da empatia na construção do conhecimento antropológico. A repercussão da publicação póstuma do diário lançava luz sobre a vulnerabilidade e sentimentos provocados no estar em campo, reposicionando a necessidade da empatia para compreender o outro, pois se Malinowski não se empatizou, como, então, conseguiu realizar uma etnografia tão legítima?
Outro trabalho importante que colocou em evidência o lugar da emoção, mais especificamente do afeto, foi o de Favret-Saada (2005FAVRET-SAADA, J. Ser afetado. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 13, n. 13, p. 155-161, 2005.) sobre feitiçaria no Bocage, área rural da França. A autora questiona o lugar da empatia e as fronteiras entre observação e participação. O “ser afetado”, enunciado por ela, consiste em se deixar vulnerável, aberto às relações afetivas no campo, e atento às “comunicações involuntárias e desprovidas de intencionalidade”. Nesse tipo de empreendimento, a etnógrafa não se transforma em “nativo” ao se deixar afetar, segundo suas palavras:
[...] quando um etnógrafo aceita ser afetado, isso não implica identificar-se com o ponto de vista nativo, nem aproveitar-se da experiência de campo para exercitar seu narcisismo. Aceitar ser afetado supõe, todavia, que se assuma o risco de ver seu projeto de conhecimento se desfazer. Pois se o projeto de conhecimento for onipresente, não acontece nada. Mas se alguma coisa acontece e se o projeto de conhecimento se perde em meio a uma aventura, então a etnografia é possível. (Favret-Saada, 2005FAVRET-SAADA, J. Ser afetado. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 13, n. 13, p. 155-161, 2005., p. 160)
Na confecção do trabalho de campo, o etnógrafo não sente como o outro, mas ele sente. É disso que Favret-Saada trata. Caiafa (2020CAIAFA, J. Sobre a etnografia e sua relevância para o campo da comunicação. Questões Transversais, São Leopoldo, v. 7, n. 14, 2020.) contribui para a reflexão sobre o lugar da empatia, uma vez que para ela nós operamos a simpatia porque não nos afastamos, e nem nos tornamos o outro, mas agenciamos algo com ele. Empatia para ela, por conta do prefixo “em”, nos faria sentir como o outro, como se nos colocássemos em seu lugar, já o prefixo “sim” indicaria uma participação simultânea, nos colocando sensíveis ao outro, portanto, mais abertos e vulneráveis. Se simpatia foi pensada como algo que faz sentir, mas não como outro, a forma com que empatia é formulada por Favret-Saada evidencia o lugar do distanciamento e o do sentir. Estar junto ao outro significa sentir “agitada pelas sensações, percepções e pelos pensamentos” (Favret-Saada, 2005FAVRET-SAADA, J. Ser afetado. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 13, n. 13, p. 155-161, 2005., p. 159). Ela, de fato, assumiu um lugar nos rituais realizados por seus interlocutores, se deixando vulnerável para sentir. Nesse caso, a chave para o entendimento do que vem a ser a empatia no trabalho de campo de cunho etnográfico, está justamente na vulnerabilidade, da abertura ao campo e suas operações.
Shoshan (2015SHOSHAN, N. Más allá de la empatía: la escritura etnográfica de lo desagradable. Nueva Antropología, [s. l.], v. 83, p. 147-162, 2015.) discutiu os motivos que levam antropólogos a se dedicarem pouco ao que ele chama de “temas desagradáveis” por meio de seu trabalho sobre jovens neonazistas na Alemanha. O principal motivo seria a própria conformação epistemológica da antropologia, pois há um receio de que pesquisas com esse tipo de público dariam voz, isto é, publicizariam sua perspectiva. Isso tem relação com a ideia presente no desenvolvimento do campo antropológico de que a empatia corresponderia a uma identificação com seus interlocutores e, como vimos anteriormente, essa acepção não é uma máxima. Há, segundo ele, uma representação do antropólogo enquanto um pesquisador-cidadão que tem um papel de dirimir desigualdades, ser porta-voz e defensor de minorias. Três imperativos interrelacionados facilitaram os escassos estudos sobre esses grupos: (1) “as considerações morais e éticas” endógenas da disciplina; (2) uma “economia do conhecimento”, um imperativo externo que “prescreve e proíbe temas de investigação e campos de estudo” (Shoshan, 2015SHOSHAN, N. Más allá de la empatía: la escritura etnográfica de lo desagradable. Nueva Antropología, [s. l.], v. 83, p. 147-162, 2015., p. 156); (3) o campo discursivo disputado.
O ponto central que nos interessa é sobre como a empatia pode ser trabalhada quando lidamos com esse outro radical - tão próximo de nós -, lembrando que o exercício de relativização não diz respeito a uma identificação, mas, sobretudo, a um estar disponível, adotando uma postura de abertura, o que significa dizer que se deve buscar uma representação justa e precisa dessas outras realidades. Por isso, é importante perguntar: como os representamos na escrita? Somos, segundo Shoshan (2015SHOSHAN, N. Más allá de la empatía: la escritura etnográfica de lo desagradable. Nueva Antropología, [s. l.], v. 83, p. 147-162, 2015.), chamados a nos posicionar e, portanto, não devemos rejeitar essa demanda sob o risco de fazerem isso por nós. Logo, precisamos estar atentos com a forma que os representamos, e isso constitui uma dimensão ética desse fazer, o cuidado em não contribuir com a conformação de estereótipos, e a atenção dada à comunicação da pesquisa. Ressaltamos que não tem como controlarmos todos os usos de nossos escritos, no entanto, é bom nesse tipo de análise ter essa questão em mente.
É na vulnerabilidade de se deixar afetar e de estar atento às emoções do outro que se encontra a relativização. Essas operações dizem respeito à necessidade de realmente levar o que outro acredita a sério, sem julgar a priori, pois somente assim a compreensão é possível, considerando as dimensões éticas de se envolver com esse outro. Relativizar é um exercício metodológico de colocar o outro sob perspectiva, deixando-se aberto a compreensão de outras racionalidades A vulnerabilidade, assim, se coloca para ambos, pesquisador e interlocutor, e a relativização acentua essas posições.
Relativizar é dar atenção às diferenças culturais (Abu-Lughod, 2012ABU-LUGHOD, L. As mulheres muçulmanas precisam realmente de salvação? Reflexões antropológicas sobre o relativismo cultural e seus Outros. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 2, p. 451-470, 2012.), entendendo seu ponto de vista, suas emoções, moralidades e práticas culturais em seu contexto de expressão, como atos pragmáticos que criam realidades e relações sociais. Pinheiro-Machado e Scalco (2021PINHEIRO-MACHADO, R.; SCALCO, L. Humanising fascists? Nuance as an anthropological responsibility. Social Anthropology, [s. l.], v. 29, n. 2, p. 329-372, 2021.) afirmam que isso não implica que nos identifiquemos de modo unívoco, mas demanda a criação de estratégias para que possamos percebê-lo e compreendê-lo em sua complexidade, mesmo que isso nos afete de uma maneira mais negativa. O risco desse exercício, como apontam as pesquisadoras, é perceber que esse outro é bastante semelhante ou próximo de nós, por isso a vulnerabilidade também se torna uma ferramenta de compreensão. Ao nos aproximar cognitivamente, a fronteira entre desagradável e agradável é menos demarcada (Shoshan, 2015SHOSHAN, N. Más allá de la empatía: la escritura etnográfica de lo desagradable. Nueva Antropología, [s. l.], v. 83, p. 147-162, 2015.), porque ao compreendê-los, nos compreendemos, e é nesse lugar que também reside a dificuldade de lidar com esses outros desconfortos em estudos sobre desinformação.
Como veremos a seguir, os canais do Telegram analisados são concebidos como espaços legítimos de demonstração de emoção. Neles, os atores se sentem acolhidos e a vontade para demonstrarem o que sentem. Isto é, são espaços que se constituem como lugares de expressão da vulnerabilidade e de pertencimento. Há uma ideia de que ao expressar determinada emoção, os colegas do mesmo grupo compartilham da mesma sensação e, portanto, concedem legitimidade. Nesse caso, parece haver uma espécie de jogo do reconhecimento porque tentam expressar seu descontentamento e/ou sentimento de desrespeito. Esses espaços consistem também em espaços de afirmação. Na luta por reconhecimento (Honneth, 2017HONNETH, A. Luta por reconhecimento: a gramática moral das lutas sociais. São Paulo: Ed. 34, 2017.) há a expressão de emoção e de afetos, pois é através dessa linguagem que expressamos o sentimento de desrespeito.
Emoções conflitantes durante a pesquisa de campo
Nesta seção, nós iremos exemplificar como se dá o lugar das emoções dos pesquisadores e dos interlocutores na pesquisa de campo sobre desinformação, a partir de uma investigação em andamento realizada em canais públicos sobre covid-19 no Telegram.33O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O trabalho, que consiste em uma etnografia feita em ambientes digitais, parte de uma perspectiva antropológica, cuja análise consiste em compreender os detalhes, as falas, os gestos, os usos e os códigos socialmente estabelecidos pelos interlocutores, a fim de construir uma interpretação daquilo que o interlocutor pretende ou compreende sobre determinado aspecto (Geertz, 1989GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.). Este estudo também está situado em um campo contestado (Faust; Pfeifer, 2021FAUST, L.; PFEIFER, S. Dark ethnography? Encountering the ‘Uncomfortable” Other in Anthropological Research: Introduction to this Special Section. Zeitschrift für Ethnologie - Journal of Social and Cultural Anthropology, [s. l.], v. 146, p. 81-90, 2021.), em que as crenças fundamentais, normas e valores do pesquisador e de seus interlocutores são radicalmente diferentes. Por serem considerados espaços com grande tensão, o pesquisador é chamado a lidar com alguns desafios metodológicos e éticos, além de aspectos legais, no momento de se relacionar com o seu chamado “outro desconfortável”, e por isso as suas emoções devem ser levadas em consideração durante todo trabalho de campo e no processo de análise dos dados.
Os canais do Telegram podem ser considerados campos contestados, porque os usuários e os moderadores adotam uma postura de cisma com a ciência, observada, principalmente, no tratamento e na prevenção da covid-19, que não correspondem à dos pesquisadores em questão. Além disso, eles afirmam que são contrários às instituições (inclusive, a da qual fazemos parte), a mídia e os políticos de esquerda, e alegam ser favoráveis aos valores conservadores (ao contrário de nós), à extrema-direita e ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o que fez com que alguns deles apoiassem o ato antidemocrático que ocorreu em Brasília no dia 8 de janeiro de 2023.44No dia 8 de janeiro de 2023, manifestantes invadiram e depredaram as instalações do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, Brasil, pedindo por intervenções militares e prisão do atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Em seus discursos, eles ainda alegaram que a última eleição foi inconstitucional, pois as urnas eletrônicas teriam sido fraudadas para que o ex-presidente Jair Bolsonaro não ganhasse o pleito. Toda a comunicação entre os manifestantes e a convocação para os atos teriam sido feitas pelas redes sociais digitais, em especial o WhatsApp e o Telegram (TERRORISTAS BOLSONARISTAS INVADEM..., 2023).
Sendo assim, entrar em campo e se relacionar com interlocutores tão diferentes de nós se mostrou um desafio: como fazer com que eles nos deem abertura necessária para a construção de um diálogo? Como estabelecer uma relação de confiança? Como lidar com as nossas ansiedades e os nossos medos? E como não cair na categorização simples de identificá-los como “negacionistas” ou, até mesmo, “ignorantes”?
Em primeiro lugar, é importante mencionar que os moderadores e os usuários dos canais se mostravam cismados com a presença dos “infiltrados” (indivíduos da esquerda política, jornalistas ou cientistas) que poderiam delatá-los para instâncias jurídicas e eram muito reativos com indivíduos que se mostravam a favor da vacina de covid-19 - chegando a expulsá-los dos canais. Com receio de que a expulsão pudesse ocorrer conosco, o que inviabilizaria a pesquisa, nos baseamos no protocolo desenvolvido por Faust e Pfeifer (2021FAUST, L.; PFEIFER, S. Dark ethnography? Encountering the ‘Uncomfortable” Other in Anthropological Research: Introduction to this Special Section. Zeitschrift für Ethnologie - Journal of Social and Cultural Anthropology, [s. l.], v. 146, p. 81-90, 2021.) para campos contestados e decidimos entrar e permanecer nos canais públicos escolhidos para a nossa pesquisa (Vacinacv19_relatos, Geopolítica e Atualidades e Canal Marcos Falcão) de forma silenciosa. Outra razão para permanecer em silêncio durante a fase de observação foi o receio de termos nossas identidades e dados expostos e sermos perseguidos por grupos digitais, tal como ocorreu com Faust e Pfeifer (2021FAUST, L.; PFEIFER, S. Dark ethnography? Encountering the ‘Uncomfortable” Other in Anthropological Research: Introduction to this Special Section. Zeitschrift für Ethnologie - Journal of Social and Cultural Anthropology, [s. l.], v. 146, p. 81-90, 2021.) em sua pesquisa. Sendo assim, acabamos decidindo utilizar pseudônimos em nosso perfil no Telegram, não colocar informações na parte de biografia, ocultar o nosso número de telefone e inserir uma foto de paisagem, que não mostrasse nenhuma informação para nos preservar e proteger contra qualquer ataque digital.
Essa estratégia funcionou na fase de observação,55Compreendemos que optar por utilizar identidades disfarçadas ou perfis anônimos, bem como não dizer aos participantes que eles estão sendo observados, pode trazer dilemas éticos. Entretanto, concordamos com Fuhrmann e Pfeifer (2020) que essas estratégias podem ser justificadas quando a pesquisa é realizada em locais de radicalização ou terrorismo, uma vez que isso significa aceitar que poderá não ser possível atingir certos autores (como é o caso dos nossos) se nós nos esforçamos por transparência no momento do trabalho de campo. mas se mostrou infrutífera na etapa de entrevistas com os usuários e os moderadores. Durante os três meses em que ficamos estudando os canais de forma mais intensa, pudemos perceber que eles são preocupados com a própria segurança e que dão dicas para os demais membros de como se cuidar e evitar golpes ou espiões. Por isso, não foi nenhuma surpresa que eles não quisessem falar com alguém cuja identidade não estava visível. Logo, resolvemos mudar a nossa abordagem, colocando uma foto de costas de um nós, bem como o nome de um dos pesquisadores, além de inserir o nome da instituição da qual fazemos parte na biografia do perfil. Essa tática acabou trazendo algumas devolutivas dos participantes - claro que nem sempre positivas.
O sentimento de raiva era algo tão presente nas mensagens compartilhadas nos canais que nós não ficamos surpresos quando o nosso convite para realizar uma entrevista foi recebido com essa mesma emoção. Entendemos, da mesma forma que Pinheiro-Machado e Scalco (2021PINHEIRO-MACHADO, R.; SCALCO, L. Humanising fascists? Nuance as an anthropological responsibility. Social Anthropology, [s. l.], v. 29, n. 2, p. 329-372, 2021.) sobre a extrema-direita, que a sedimentação da raiva é um processo, pois é um sentimento que ganhou silenciosamente robustez ao longo do tempo, especialmente quando pensamos no contexto político e social do Brasil.
Em nosso período de observação, foi possível mapear quais eram os usuários que mais interagiram com os demais membros e com os moderadores e esse foi o critério utilizado por nós para convidá-los para a etapa das entrevistas. Como tínhamos receio de sermos expulsos dos canais ou expostos e perseguidos digitalmente, optamos por entrar em contato com eles por meio de seus chats privados, já que o Telegram permite troca de mensagens pessoais mesmo que não se tenha o número do outro adicionado em seu aparelho de celular. Foi possível clicar no nome do usuário e enviar o convite de entrevista de forma privada. Grande parte dos convites foi simplesmente ignorado, mas alguns usuários resolveram nos bloquear na plataforma, o que nos impossibilitou um novo contato e reforçou a ideia de que eles se sentem preocupados e cismados com golpes e possíveis espiões. Outros simplesmente negaram, porém teve alguns que foram ríspidos ou duvidaram de nossas identidades - dois, inclusive, tentaram nos expor sem grandes sucessos. Um deles alegou que não sabia se realmente éramos pesquisadores ou agentes governamentais disfarçados.
Depois dessa negativa, ele publicou uma mensagem para os demais membros do canal Geopolítica e atualidades, do qual fazia parte, comentando sobre o nosso pedido de entrevista e expondo a sua cisma em relação à nossa atitude:
O novo modo de ação da esquerda no Telegram (e também no ZAP)66ZAP é a maneira informal como o WhatsApp é chamado entre os usuários. é infiltrar MAVs77MAVs é a sigla usada por eles para identificar o termo “militantes em ambiente digital”. para printar todas as conversas e achar quem passa informações relevantes. Acho que estamos MUITO EXPOSTOS. Como eles já perderam a esperança de intimidar ou tentar converter opositores através de discussões, a solução que eles encontraram foi ESPIONAR e DEDURAR!!88Conteúdo transcrito a partir de mensagem de usuário do canal “Geopolítica e atualidades”, em julho de 2023..
Em outra das negativas, nós fomos indagados do “por que estávamos fazendo uma pesquisa sobre consumo de informações relativas à saúde no Telegram”, uma vez que fazíamos parte de uma das instituições responsáveis pela fabricação das vacinas contra covid-19 no país. De acordo com o interlocutor, não fazia sentido que nós quiséssemos investigar esse assunto diante do grande número de relatos de reações adversas causadas por esse mesmo imunizante espalhadas pelo Telegram e que nós teríamos interesses escusos para fazer a nossa investigação. Isso explicita a racionalidade cismática (Mota, 2019MOTA, F. R. Do indivíduo blasé aos sujeitos cismados: reflexões antropológicas sobre as políticas de reconhecimento na contemporaneidade. Antropolítica, Niterói, v. 44, p. 124-148, 2018.) que opera as relações sociais e a forma com que lidamos com outro. Ela tem ligação com as lógicas que organizam a relação de confiança entre pessoas e estas com as instituições, que é a tradição inquisitorial (Kant de Lima, 1989KANT DE LIMA, R. Cultura jurídica e práticas policiais: a tradição inquisitorial. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Niterói, v. 4, n. 10, p. 65-84, 1989.). A tradição inquisitorial é um dos elementos basais de produção da verdade no espaço público brasileiro, uma de suas características é a presunção da culpa, ou seja, o indivíduo é sempre suspeito. A pessoa ou instituição objeto do alvo da suspeição deve provar a sua inocência, e não o ator acusador provar a suspeição que está sendo impetrada a outrem. Isso está presente na sociedade brasileira de diferentes formas e é um valor estruturante da maneira como nos relacionamos com os outros e como construímos nossa confiança. E é nesse ponto que essa lógica se une à cisma, como base da confiança e ao mesmo tempo sua distinção. Na cisma não há negociação e a certeza é absoluta.99A racionalidade cismática não tem a ver com a desconfiança, pois esta é própria de espaços em que os indivíduos são livres e tomados como competentes para ocupar a arena pública. Na desconfiança, a suspeita não é absoluta e é passível de ser negociada.
O Telegram parece cumprir esse papel de isolamento também, afinal eles acabam constituindo uma comunidade em que as ideias, os valores e as crenças são compartilhadas entre os seus membros e não são aceitas pessoas que os contrariam. Por exemplo, indivíduos que se dizem favoráveis à vacinação contra covid-19 acabam, muitas vezes, tendo seus argumentos rechaçados ou ridicularizados e são convidados (quando não expulsos) a se retirarem dos canais, pois o intuito é, justamente, trocar informações contra os imunizantes de covid-19 a partir do respaldo de supostas evidências científicas, discursos médicos e testemunhos de indivíduos que presenciaram (sejam eles mesmos ou terceiros) reações à vacina. Um dos comentários publicados no Vacinacv19_relatos é uma amostra disso: “o objetivo do grupo é se ajudar com informações contra a vacina”.
Dentro dessa comunidade, eles expressam o seu posicionamento de serem “contra o sistema” impetrado pela elite mundial (políticos de esquerda, cientistas, jornalistas, indústria farmacêutica e, até mesmo, empresários como Bill Gates) e argumentam que aqueles que não “acordaram ainda” precisam se informar, ler e estudar mais. Eles se declaram mais críticos e dizem procurar suas fontes em sites de notícias estrangeiros, bases e repositórios de pesquisas científicas (PubMed é bem citado) e médicos (sobretudo aqueles que se declaram contra a vacina de covid-19 e a favor do tratamento precoce). Em alguns momentos, especialmente para provar seus pontos de vista, eles recorrem a essas fontes se utilizando de termos técnicos como “revisado por pares” e “duplo cego”, mas em suas próprias falas e comentários é possível perceber que esses conceitos são usados apenas como argumento de autoridade, como se o fato de os ter já provasse que o conteúdo é suficientemente científico ou que o artigo tem notoriedade.
A abordagem acabou se tornando um momento conflitivo: os nossos interlocutores pareciam estar reativos, usavam palavras desqualificadoras e faziam acusações sobre o nosso trabalho, o que fez com que, em um primeiro momento, tivéssemos o ímpeto de responder, contra-argumentar e reforçar a nossa posição enquanto pesquisadores. No decorrer do campo foi observado que cientistas, para alguns membros, seriam representados como “robôs” ou “gados”, que aceitariam e propagariam supostos planos da elite, que os especialistas em saúde mentem e que a mídia não estaria interessada em expor as reações adversas da vacina contra covid-19 ou os benefícios do tratamento precoce porque, segundo um integrante desses canais, cientista: “deseja fomentar a histeria para seus próprios fins e para desgastar (a imagem) do (ex-) presidente Bolsonaro”. Sabíamos, com base em outras pesquisas (Albuquerque, 2021ALBUQUERQUE, A. As fake news e o ministério da verdade corporativa. Revista EPTIC, São Cristóvão, v. 23, n. 1, p. 124-141, 2021.; Waisbord, 2018WAISBORD, S. Truth is what happens to news: on journalism, fake news, and post-truth. Journalism Studies, [s. l.], v. 9, n. 13, p. 1866-1878, 2018.), que rebater ou trazer contestações seria infrutífero e só daria combustível para suas acusações, então, resolvemos optar por deixá-los falar, dar espaço para que eles pudessem se expressar e nos questionar.
Embora tenhamos corrido o risco de termos nossas identidades expostas, o teor das conversas nos apontou para o fato de que existe um desconhecimento de como funciona a lógica da ciência, suas diversas áreas de atuação e seus modos de validação, mas, por outro lado, também nos mostrou como eles acabam buscando informações de seu interesse nesse meio: em uma das negativas, o participante acabou perguntando no chat do canal sobre um órgão de fomento de pesquisa que tínhamos acabado de conversar no chat privado - apontando que ele queria saber do que se tratava e queria que outros membros o ajudassem nessa busca.
Os canais públicos do Telegram são considerados pelos membros como fontes de informação, sendo, às vezes, a única que eles consomem em seu cotidiano. Eles tendem a evitar a mídia tradicional, reduzindo o seu consumo de informações por esses meios a zero, mas também não buscam dados em outras fontes como o próprio Google. Com a ideia de que “todas as instituições servem à elite”, muitos usuários constroem a narrativa de que a mídia (grandes jornais e, especialmente, a televisão) “esconde coisas de você” e de que “somente nas redes sociais (Telegram) você obteria a verdade”. Diante disso, eles transformam os canais em um espaço de construção de conhecimento, algo que pode ser observado a partir da fala de um membro do Vacinacv19_relatos: “se estou no grupo é para buscar informações reais e também para tentar transmitir”.
O Telegram é ainda um espaço de construção de reconhecimento e coletividade, uma vez que os canais se constituem em comunidades, em que os membros se sentem acolhidos e seguros para poder tecer as suas próprias opiniões. Ademais, o uso de comunidade não é isento de intenção, pois esses espaços se apresentam como lugares de expressão e conformação de laços comunitários a partir do compartilhamento de certos ideais: há trocas, construção de relação e conflitos. É comum a afirmação de que a plataforma consiste em um local que você pode falar “sem papas na língua”, ou seja, sem o medo de serem “censurados”, “advertidos” ou chamados de “ignorantes”. Eles relatam que tentaram conversar com amigos e familiares sobre a vacina contra a covid-19 ou o tratamento precoce, porém muitos deles não conseguiram a chance de serem ouvidos, sendo, inclusive, chamados de “ignorantes”, “egoístas” ou “negacionistas” por decidirem não se vacinar. Os canais se tornaram, portanto, um espaço de acolhimento e de encontro com outras pessoas que pensavam da mesma forma que eles. Com isso, eles formaram uma comunidade em que podem trocar informações e compartilhar relatos sobre as suas próprias vivências com o vírus e a doença, buscando uma espécie de “unir forças” contra o que chamam de “sistema”.
Ademais, foi possível compreender, durante a observação e as entrevistas, que o sentimento de raiva e desconsideração podem ter surgido dessa espécie de silenciamento ocorrido com essas pessoas. Como eles são categorizados de forma negativa por amigos, familiares e até outros segmentos da sociedade (mídia, ciência, política etc.), eles veem no Telegram um espaço de discussão de ideias com liberdade e, de certa forma, respeito - afeto que é fornecido pelos demais membros. Em uma das discussões, por exemplo, alguns concluíram que, se eles são os “negacionistas”, então, as pessoas que são contrárias a eles podem ser chamadas de “afirmatistas”, pois elas julgam e se colocam em uma posição de poderem dizer o que é verdade e o que é mentira; o que é certo e o é que errado; o que é científico e o que não é; e o que é notícia e o que é fake news.
Para eles, informações compartilhadas oriundas de mídias que não apresentam fontes ou dados apurados são consideradas enquanto notícias; pesquisas científicas que não foram revisadas por pares, que apresentam conflitos de interesses e cuja publicação sofreu distorções são tidas como ciência; e os relatos e o compartilhamento das experiências entre os usuários se constituem em fatos e são verídicos, especialmente porque servem de comprovação para os discursos médicos, notícias e artigos científicos que foram anteriormente compartilhados ali. Logo, não é possível mais alegar que eles não investigam ou não buscam informações: os exemplos anteriores comprovam isso e, de acordo com outro interlocutor, os canais são considerados fontes seguras e precisas.
O negacionismo e a mobilização da ignorância se beneficiam, em parte, de uma maior aceitação das limitações da experiência e da evidência, e da importância de encorajar uma democratização da ciência, de modo a permitir que os cidadãos comuns contestem o conhecimento expresso pelas elites científicas (Rego; Barbosa, 2020REGO, A. R.; BARBOSA, M. A construção intencional da ignorância: o mercado das informações falsas. Rio de Janeiro: Mauad X, 2020.). A ideia de que o conhecimento é socialmente construído tem apelo e apoio generalizados em toda a divisão ideológica, mesmo que tenha sido explorada para fins estratégicos políticos. O poder de ignorar pode ser entendido como uma forma de “poder oracular” (McGoey, 2019MCGOEY, L. The Unknowers: How strategic ignorance rules the world. London: Zed Books, 2019.). Este tipo de poder não advém necessariamente de fingir certeza e insistir que um curso de ação é infalível, pelo contrário, “o poder dos oráculos advém do ato de aconselhar, algo que forneceu aos peticionários provas demonstráveis de que tinham tomado medidas razoáveis para consultar as autoridades mais apropriadas” (McGoey, 2019MCGOEY, L. The Unknowers: How strategic ignorance rules the world. London: Zed Books, 2019., p. 65).
Os conteúdos sobre ciência e saúde que circularam nos canais do Telegram durante o período em campo se misturavam com assuntos políticos, especialmente aos temas ligados à extrema-direita e ao bolsonarismo. Em relação à covid-19, por exemplo, muitos dos comportamentos adotados pelo ex-presidente no quesito prevenção e tratamento da doença (não se vacinar e propagar o tratamento precoce como recurso terapêutico) foram seguidos por muitos usuários da plataforma. Partindo das ideias de McGoey (2019MCGOEY, L. The Unknowers: How strategic ignorance rules the world. London: Zed Books, 2019.), entendemos Bolsonaro como um oráculo, uma das autoridades de maior confiança nas fronteiras entre conhecimento e ignorância. Mas como isso é possível?
Figuras religiosas, explica o autor, podem incorporar esse tipo de poder. Bolsonaro se imagina possuindo autoridade mística e se gaba de que Deus o preparou para liderar o país. Uma atitude relativizadora de nossa parte, enquanto pesquisadores, não desconsidera que esses espaços do Telegram sejam úteis para reproduzir crenças e desconhecimento sobre modos de validação e funcionamento da política1010Observado, por exemplo, na tentativa de vinculação do nazismo à esquerda. e da ciência, do mesmo modo que permitem aos indivíduos se alinharem politicamente à extrema-direita, representada pelo bolsonarismo. Quando falamos de cisma, não só nossos interlocutores a acionam, mas nós também, justamente pelas diferenças radicais de perspectiva política.
Nosso ponto aqui é que não se trata somente de gestão estratégica da ignorância e de negacionismo. Isto é, há a afirmação de um conjunto de crenças, valores e posicionamentos políticos compartilhados por um grupo social que se identifica como vinculado ao bolsonarismo. Compreendemos que o bolsonarismo se dá para além da figura de Jair Bolsonaro, se transformando em uma atualização de um movimento histórico de direita que articula as visões de mundo, valores morais, modos de agir e linguagens de diferentes grupos conservadores nos espaços públicos desde o processo de redemocratização do Brasil e, mais recentemente, nos ambientes de sociabilidade digital. Afinal, “[a] ascensão da direita é anterior à emergência do bolsonarismo e favoreceu sua possibilidade de êxito” (Rocha, 2021ROCHA, J. C. Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil pós-político. Goiânia: Caminhos Editora, 2021., p. 38). Podemos tomar o bolsonarismo, então, como um fenômeno político, social e tecnológico. Os indivíduos que aderem a essa perspectiva se veem como conservadores, e, por isso, devem se posicionar contra os progressistas, socialistas e esquerdistas (Cesarino, 2022CESARINO, L. Bolsonarismo sem Bolsonaro? Públicos antiestruturais na nova fronteira cibernética. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, [s. l.], v. 1, n. 82, p. 162-188, 2022. DOI: 10.11606/issn.2316-901X.v1i82p162-188
https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X.... ).
Os canais do Telegram, a partir de um ponto de vista mais amplo politicamente, são formas de reproduzir crenças e desconhecimento sobre modos de funcionamento da ciência e da própria política - nazismo como política de esquerda, por exemplo. Fundamentalmente, o bolsonarismo é um projeto de poder conservador e autoritário ideologicamente formado por pensamentos direitistas com extenso lastro histórico no ideário político brasileiro - o militarismo, o anticomunismo, o tradicionalismo, o negacionismo, o olavismo1111Olavismo se refere ao movimento político de extrema-direita que é pautado pelas ideias de Olavo de Carvalho. e outros componentes hierárquicos implícitos na promessa de um “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, que Jair Bolsonaro popularizou como o slogan da sua campanha presidencial de 2018.
Nesse sentido, pressupondo que habitamos universos morais distintos, diríamos que eles são outra versão de nós mesmos, enquanto cientistas, vivendo em um mundo invertido. Eles buscam informações, eles se baseiam em dados, eles recorrem às fontes, mas apenas àquelas que são condizentes com suas crenças, valores e visões de mundo. Não é ignorância, no sentido mais estrito da palavra (que não tem conhecimento, cultura, experiência ou prática), mas um outro tipo de conhecimento, que, de acordo com os parâmetros estipulados pela ciência, não está atrelado aos seus indicadores.
É importante ressaltar, no entanto, que aceitar as diferenças não significa que devemos concordar com tudo o que nos foi informado. Segundo Lila Abu-Lughod (2012ABU-LUGHOD, L. As mulheres muçulmanas precisam realmente de salvação? Reflexões antropológicas sobre o relativismo cultural e seus Outros. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 2, p. 451-470, 2012.), é preciso problematizar essa questão, mostrando que respeitar as diferenças ilustra que elas são produtos de diferentes histórias, como expressões de diversas circunstâncias e como manifestações de desejos que foram estruturados de maneira diferente. Colocar o nosso papel como pesquisadores neste problema faz, portanto, todo sentido, principalmente quando entendemos que ter respeito pela diferença não pode e não deve ser confundido com o relativismo cultural.
Sendo assim, nós sabíamos desde o início do trabalho de campo que as emoções, não apenas dos pesquisados, mas também as nossas, deveriam fazer parte da pesquisa, justamente pelo fato de estarmos inseridos em um campo contestado (Faust; Pfeifer, 2021FAUST, L.; PFEIFER, S. Dark ethnography? Encountering the ‘Uncomfortable” Other in Anthropological Research: Introduction to this Special Section. Zeitschrift für Ethnologie - Journal of Social and Cultural Anthropology, [s. l.], v. 146, p. 81-90, 2021.). Elas se fizeram presentes nas notas do diário de campo e em alguns momentos das entrevistas, como o receio de sermos identificados por um dos nossos interlocutores como de “esquerda” (política) ou quando ficávamos na expectativa se seríamos perguntados sobre nosso status vacinal.
Teve também o dilema ético e moral de lidar com a venda de comprovantes falsos de vacina contra covid-19, algo presente nos três canais1212Sobre esse tema, ver Fleischer e Bonetti (2010), Zaluar (2009) e Biondi (2010).. No Vacinacv19_relatos, por exemplo, dois usuários pediram o contato de pessoas que ofereciam esse serviço: “alguém consegue comprovante de vacina? Ou conhece alguém que consiga?” e “se você encontrar me passa o contato?”. Eles foram prontamente respondidos por uma pessoa que afirmou ter conseguido o contato “aqui no grupo mesmo. Instagram dessa moça, perfil restrito. Aí lá consegui o contato desse médico do SUS. Passei para uma pessoa aqui do grupo que pediu uma vez. Perguntei se tinha dado certo e ele falou que sim”.
Depois do início das campanhas de vacinação contra covid-19 no Brasil, surgiram grupos e perfis no Telegram prometendo inserir registros de imunização falsos no SUS, mediante o pagamento de um determinado valor, algo que é considerado crime. O ato de adulterar dados em sistemas de informação é uma prática criminosa prevista no artigo 313-A do Código Penal Brasileiro, incluído pela Lei nº 12.737/2012, cuja pena é a reclusão de dois a 12 anos, além de multa.
Neste cenário, nós nos questionamos diversas vezes: deveríamos denunciar esses usuários e grupos que vendem certificados falsos de vacinação? Como que isso iria impactar a nossa pesquisa? Seria possível que eles descobrissem que fomos nós que denunciamos? Ou nós deveríamos permanecer em silêncio para preservar a nossa identidade, a identidade de nossos interlocutores e a condução da pesquisa? Acabamos adotando a última conduta, especialmente pelo medo e a angústia em relação a nossa segurança.
Juntamente a isso, gostaríamos de mencionar como foi desgastante o medo de termos as nossas identidades expostas ou sermos perseguidos digitalmente. Todas as vezes em que abordávamos algum potencial entrevistado, era inevitável não ficar olhando o tempo todo para o aplicativo e não nos sentirmos ansiosos ou angustiados pelo fato de que poderíamos acordar com outras mensagens de ódio em nossos chats privados ou ter nossos dados compartilhados para ações de milícias digitais.
Depois do episódio da segunda tentativa de exposição de nossas identidades, decidimos encerrar a etapa, após conseguir entrevistar apenas três membros (um de cada canal). Embora a nossa atitude tenha sido baseada em questões de segurança, como a proteção das nossas identidades e a prevenção de possíveis ataques cibernéticos, foi frustrante não poder dar continuidade às entrevistas, uma vez que nossa meta era entrevistar 12 pessoas, sendo três membros e um moderador de cada canal. Diante disso, não foi possível ter acesso aos apontamentos dos moderadores, pois no nosso planejamento eles seriam entrevistados por último, justamente para prevenir possíveis expulsões dos canais, o que não nos daria mais acesso aos membros.
Reconhecemos, portanto, que fazer uma pesquisa em um campo contestado não significa que devemos deixar todos os nossos anseios, conflitos e ansiedades de fora da investigação; pelo contrário, elas devem ser trazidas à tona durante o momento em campo e na análise de dados, para que possamos pensar as nossas próprias fragilidades e responsabilidades para com os indivíduos que integram a pesquisa.
Considerações finais
A emoção na reflexão apresenta duas dimensões inseparáveis: ela nos envolve e nos desloca cognitivamente e afetivamente, e nos informa sobre a concepção dos nossos interlocutores, quando de fato estamos dispostos e atentos a ouvir. É através da emoção que eles defendem uma posição. Foi por meio dessa perspectiva que notamos que, ao invés de tomá-los e classificá-los de antemão enquanto negacionistas a partir das premissas que pressupostamente eles negam, notamos que na verdade eles estão em busca de espaços de afirmação e reafirmação para dar voz aos seus pontos de vistas negados pelos outros. Nesse exercício, invertemos a posição e os sinais utilizados. Percebemos que a emoção é importante não só como parte constituinte do dado construído, mas também é acionada para efetivar a cisma e os espaços em que nossos interlocutores se sentem confortáveis para expressar suas ideias sobre o mundo. Os grupos analisados se apresentam como espaços de afirmação de si e legitimação de seus afetos.
O material analisado aponta para uma busca de adeptos e companheiros na demanda por um tipo de reconhecimento, de um modo de ver o mundo, a ciência e a política. Mesmo que o reconhecimento tenha sido fundamentado a partir da luta por demandas de direitos, podemos utilizá-lo neste estudo, pois esse conceito e o jogo por ele referido envolvem emoções e tentativas de fazer valer sua percepção sobre algo. Há uma espécie de demanda por reconhecimento de suas racionalidades, e por isso, tudo o que pode ir ao seu desencontro é exposto e publicizado. Ressaltamos que não estamos colocando na mesma posição outros grupos identitários que historicamente têm seus direitos de cidadania ameaçados; pelo contrário, estamos tentando compreender por que essas pessoas rechaçam tudo aquilo que é diferente, inclusive, agressivamente. No jogo do reconhecimento, há um sentimento de desrespeito (Oliveira, 2002OLIVEIRA, R. C. Direito legal e insulto moral. Dilemas da cidadania no Brasil, Quebec e EUA. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.) e falta de consideração quando se está demandando o reconhecimento. Nesse caso, ele está relacionado ao modo de ver o mundo e, com isso, às diferentes concepções de verdade, ciência, sociedade e política; por isso, esses sujeitos buscam seus pares e se agregam em espaços em que seus anseios sejam legitimados (Falcão, 2020FALCÃO, H. G. Controvérsia Ética e Científica: Uma Análise sobre Reconhecimento e Desconsideração no Processo de Construção da Resolução CNS Nº 510/2016. In: LIMA, M. L. T.; LIMA, R. K. Entre normas e práticas: os campos do Direito e da segurança pública em perspectiva empírica. Rio de Janeiro: Autografia, 2020. p. 373-408.).
Honneth (2017HONNETH, A. Luta por reconhecimento: a gramática moral das lutas sociais. São Paulo: Ed. 34, 2017., p. 255), ao elaborar sua análise da gramática moral presente nos conflitos sociais advindos de situações da luta por reconhecimento, parte da ideia de que ela “é gerada por sentimentos morais de injustiça”, que torna necessário construir uma ponte semântica que ligue essas experiências às finalidades impessoais do grupo coletivo. Esse jogo é fortalecido através da existência de uma semântica coletiva que concede uma capacidade de interpretar o desrespeito individual e coletivo, e possibilita a formação de um grupo. Então, os canais do Telegram se tornam um espaço propício para a expressão desses sentimentos e de suas ideias, pois eles conseguem reunir pessoas que reclamam e ressentem o fato de serem categorizados como “negacionistas”, “ignorantes” ou “egoístas” por não terem se imunizado contra a covid-19, e por serem tratados como “fanáticos” e “loucos” quando expõem para amigos e familiares os seus alertas de que a vacina é uma experiência científica e que está relacionada ao aumento do número de infartos, acidentes vasculares cerebrais e outras doenças. É no ato de serem ignorados ou desconsiderados por pessoas próximas que eles partem para os canais, que servem como ponto de apoio, de aliança e reconhecimento entre indivíduos com os mesmos pontos de vista. Esses indivíduos geralmente sabem que muito do que defendem é algo repugnante quando publicizado amplamente, e por isso, procuram espaços fechados e secretos para exporem suas ideias (Shoshan, 2015SHOSHAN, N. Más allá de la empatía: la escritura etnográfica de lo desagradable. Nueva Antropología, [s. l.], v. 83, p. 147-162, 2015.).
O fato de um dos membros questionar a instituição de pesquisa e fomento da qual fazemos parte durante a etapa das entrevistas e o ato de compartilhar esse mesmo questionamento no grupo acabaram evidenciando a cisma que permeia nossos interlocutores e que reforça a ideia de coletivo. Nesse sentido, o afirmativismo pode ser uma forma de compreender esses grupos, pois eles precisam de um espaço para expressarem sentimentos de desrespeito e afirmar suas ideias de mundo, e essas ideias, valores e cosmovisões também são afirmadas no âmbito desses espaços. Esses sujeitos, então, parecem ser afirmativistas e cismados.
Além disso, essas análises somente são possíveis devido à abordagem etnográfica e, principalmente, ao exercício de relativização; mesmo que às vezes seja apenas intenção, ele deve existir. Quando nos abrimos ao outro, o outro se abre a nós, e essa abertura é emocional e cognitiva. É preciso prestar atenção ao que o outro afirma sem qualificá-lo de antemão com categorias já estabelecidas e que muitas vezes não dão espaço para compreender outros universos morais, mesmo que esses universos, como ficou explícito, causem desconfortos e anseios nos sujeitos que realizam a pesquisa.
Referências
- ABU-LUGHOD, L. As mulheres muçulmanas precisam realmente de salvação? Reflexões antropológicas sobre o relativismo cultural e seus Outros. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 20, n. 2, p. 451-470, 2012.
- ALBUQUERQUE, A. As fake news e o ministério da verdade corporativa. Revista EPTIC, São Cristóvão, v. 23, n. 1, p. 124-141, 2021.
- APEL. K.-O. La transformación de La filosofia. Tomo II. Madri: Tauros, 1985.
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- 1O artigo é fruto de pesquisas financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por meio de bolsa de produtividade; pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), bolsa de pós-doutorado nota 10 (nº E-26/206.096/2022 e 206.097/2022) e Jovem Cientista do Nosso Estado (nº E-26/200.265/2023); e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio da bolsa de doutorado e bolsa de doutorado sanduíche (nº 001).
- 2Estamos nos baseando na noção de regime de verdade de Michel Foucault (1977FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977., p. 13), com a qual argumenta que “a verdade não está fora do poder, nem é privada do poder”, mas, pelo contrário, “é produzida graças a múltiplas imposições e induz efeitos regulados do poder”. Assim, ele define um regime de verdade como “os tipos de discurso que [uma sociedade] abriga e faz com que funcionem como verdadeiros; os mecanismos e instâncias que permitem distinguir os enunciados verdadeiros ou falsos, a maneira como se sancionam uns e outros; as técnicas e os procedimentos que são valorizados para obter a verdade; o status dos que têm a tarefa de dizer o que funciona como verdade” (Foucault, 1977FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1977., p. 13).
- 3O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
- 4No dia 8 de janeiro de 2023, manifestantes invadiram e depredaram as instalações do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, Brasil, pedindo por intervenções militares e prisão do atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva. Em seus discursos, eles ainda alegaram que a última eleição foi inconstitucional, pois as urnas eletrônicas teriam sido fraudadas para que o ex-presidente Jair Bolsonaro não ganhasse o pleito. Toda a comunicação entre os manifestantes e a convocação para os atos teriam sido feitas pelas redes sociais digitais, em especial o WhatsApp e o Telegram (TERRORISTAS BOLSONARISTAS INVADEM..., 2023TERRORISTAS bolsonaristas invadem e depredam Congresso, Planalto e STF. UOL, Brasília, DF, 8 jan. 2023. Disponível em: <Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/01/08/bolsonaristas-congresso-policia.htm?cmpid=copiaecola >. Acesso em: 10 dez 2023.
https://noticias.uol.com.br/politica/ult... ). - 5Compreendemos que optar por utilizar identidades disfarçadas ou perfis anônimos, bem como não dizer aos participantes que eles estão sendo observados, pode trazer dilemas éticos. Entretanto, concordamos com Fuhrmann e Pfeifer (2020FUHRMANN, L.-D.; PFEIFER, S. Challenges in Digital Ethnography: research ethics relating to the securitisation of Islam. Journal of Muslims in Europe, Amsterdam, n. 9, p. 175-195, 2020.) que essas estratégias podem ser justificadas quando a pesquisa é realizada em locais de radicalização ou terrorismo, uma vez que isso significa aceitar que poderá não ser possível atingir certos autores (como é o caso dos nossos) se nós nos esforçamos por transparência no momento do trabalho de campo.
- 6ZAP é a maneira informal como o WhatsApp é chamado entre os usuários.
- 7MAVs é a sigla usada por eles para identificar o termo “militantes em ambiente digital”.
- 8Conteúdo transcrito a partir de mensagem de usuário do canal “Geopolítica e atualidades”, em julho de 2023.
- 9A racionalidade cismática não tem a ver com a desconfiança, pois esta é própria de espaços em que os indivíduos são livres e tomados como competentes para ocupar a arena pública. Na desconfiança, a suspeita não é absoluta e é passível de ser negociada.
- 10Observado, por exemplo, na tentativa de vinculação do nazismo à esquerda.
- 11Olavismo se refere ao movimento político de extrema-direita que é pautado pelas ideias de Olavo de Carvalho.
- 12Sobre esse tema, ver Fleischer e Bonetti (2010FLEISCHER, S.; BONETTI, A. (Org.). Etnografia arriscada: dos limites entre vicissitudes e “riscos” no fazer etnográfico contemporâneo. Teoria & Pesquisa, São Carlos, v. XIX, n. 2, 2010.), Zaluar (2009ZALUAR, A. Pesquisando no perigo: etnografias voluntárias e não acidentais. MANA, Rio de Janeiro, v. 15, n. 2, p. 557-584, 2009.) e Biondi (2010BIONDI, K. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: Terceiro Nome, 2010.).
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
15 Jan 2024 - Data do Fascículo
2023
Histórico
- Recebido
13 Out 2023 - Aceito
17 Out 2023