Transmissão vertical do HIV na rede de saúde: reflexões bioéticas sobre gênero e cuidado a partir de um caso emblemático

Tonantzin Ribeiro Gonçalves Gabriela Tavares Nathalia Luiz Guimarães José Roque Junges Laura Cecilia López Sobre os autores

Resumo

Num cenário epidêmico ainda preocupante, a prevenção da Transmissão Vertical (TV) do HIV impõe problemas complexos, devido as vulnerabilidades individual, social e moral das mulheres vivendo com o vírus, somadas às fragilidades da rede de saúde. A partir de um caso emblemático, este estudo buscou compreender os desafios bioéticos do cuidado para a prevenção da TV do HIV no âmbito do Comitê de Porto Alegre/RS. Os eixos analíticos desenvolvidos refletem sobre como a produção do cuidado se articula, por um lado, com discursos e práticas relacionais pautadas no gênero e interseccionadas por raça e classe social e, por outro, com vulnerabilidades programáticas das políticas de saúde. Vislumbrou-se um processo de extrema estigmatização, em que as poucas ofertas para as mulheres cisgênero se dirigiam à regulação reprodutiva e perpetuavam dinâmicas de violência estrutural. Discute-se caminhos para a construção de um cuidado que incorpore a perspectiva decolonial e busque produzir equidade e justiça social ao reconhecer as trajetórias das mulheres.

Palavras-chave:
Transmissão Vertical de Doenças Infecciosas; HIV; Bioética; Mulheres; Interseccionalidade

Introdução

A prevenção da Transmissão Vertical (TV) do HIV implica lidar com uma complexidade bioética singular, pois traz à tona situações de grande vulnerabilidade individual, social e moral das mulheres cisgênero que estão sob risco de transmitir ou já transmitiram o vírus para um ou mais filhos (Azevedo; Guilhem, 2005AZEVEDO, A F; GUILHEM, D. A vulnerabilidade da gestante na situação conjugal de sorodiferença para o HIV/Aids. Journal Brasileiro de Doenças Sexualmente Transmissíveis, Niterói, v. 17, n. 3, p. 189-196, 2005.). Além das camadas de vulnerabilidade com que muitas dessas mulheres convivem, se soma a programática, pois a implementação das políticas e ações voltadas à saúde da mulher, no geral, tende a privilegiar a dimensão reprodutiva a partir de padrões cisheteronormativos e moralizantes (Souto, 2008SOUTO, K. M. B. A Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher: uma análise de integralidade e gênero. SER Social, Brasília, DF, v. 10, n. 22, p. 161-182, 2008. DOI: 10.26512/ser_social.v10i22.12950
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). No cenário da prevenção da TV do HIV, estudos têm apontado que o foco das políticas permanece na proteção da criança durante o ciclo gravídico-puerperal e na oferta de anticoncepção para as mulheres após o parto (Bellenzani, 2013BELLENZANI, R. Promoção às DST/HIV e promoção da saúde sexual: como os direitos sexuais e reprodutivos podem orientar a estratégia da Saúde da Família? In: PAIVA, V.; CALAZANS, G.; SEGURADO, A. (Org.). Vulnerabilidade e Direitos Humanos: Prevenção e Promoção da Saúde - Livro II - Entre indivíduos e comunidade. Curitiba: Juruá, 2013. p. 241-275.; Bellotto et al, 2019BELLOTTO, P. C. B. et al. Entre a mulher e a salvação do bebê: experiências de parto de mulheres com HIV. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 23, e180556, 2019. DOI: 10.1590/Interface.180556
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; Fonseca; Iriart, 2012FONSECA, P. L.; IRIART, J. A. B. Aconselhamento em DST/Aids às gestantes que realizaram o teste anti-HIV na admissão para o parto: os sentidos de uma prática. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 16, n. 41, p. 395-407, 2012. DOI: 10.1590/S1414-32832012000200009
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).

No âmbito político-organizacional da atenção ao HIV/aids, apesar das iniciativas de descentralização e adoção de modelos de cuidado balizados pela integralidade da saúde comunitária, o estigma relacionado à doença ainda impacta fortemente o acesso e a qualidade dos atendimentos (Parker, 2013PARKER, R. Intersecções entre estigma, preconceito e discriminação na saúde pública mundial. In: MONTEIRO, SIMONE; VILLELA, WILZA V (Org.). Estigma e Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz/FAPERJ, 2013. p. 25-46.), o que indica a baixa integração entre as políticas de HIV/aids e de Atenção Primária em Saúde (APS) (Palácio; Figueiredo; Souza, 2012PALÁCIO, M. B.; FIGUEIREDO, M. A. C.; SOUZA, L. B. O Cuidado em HIV/AIDS e a Atenção Primária em Saúde: Possibilidades de Integração da Assistência. PSICO, Porto Alegre, v. 43, n. 3, p. 360-367, 2012.). Em um cenário de epidemia generalizada de HIV no estado do Rio Grande do Sul (Pereira et al, 2018PEREIRA, G. F. M. et al. Epidemiologia do HIV e aids no estado do Rio Grande do Sul, 1980-2015. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 27, n. 4, 2018. DOI: 10.5123/S1679-49742018000400004
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), onde as taxas de infecção entre gestantes e seus filhos(as) na capital, Porto Alegre, estão entre as maiores do país (Brasil, 2019BRASIL. Boletim Epidemiológico de HIV e Aids. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2019.), em 2013, o município instituiu o Comitê da Transmissão Vertical do HIV e da Sífilis (CTVHIVS), visando aprimorar estratégias de prevenção primária, secundária e terciária desses agravos (Porto Alegre, 2013PORTO ALEGRE. Saúde lança Comitê para reduzir a transmissão vertical do HIV e sífilis. Boletim Epidemiológico, Porto Alegre, v. 15, n. 52, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim_epidemiologico_52_agosto_2013.pdf >. Acesso em: 2 set. 2021.
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). Vale ressaltar que a iniciativa foi pioneira, já que a normativa do Ministério da Saúde que estimula a criação de Comitês como esse é posterior (Brasil, 2014BRASIL. Protocolo de investigação da Transmissão Vertical. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014.).

Com base nos aportes da Bioética Sanitarista (Junges, 2014JUNGES, J. R. Bioética na perspectiva coletiva e social. In: JUNGES, J. R. (Org.). Bioética sanitarista: desafios éticos na saúde coletiva. São Paulo: Loyola, 2014. p. 19-38.) e da Bioética Feminista (Diniz; Guilhem, 1999DINIZ, D.; GUILHEM, D. Bioética feminista: o resgate político do conceito de vulnerabilidade. Bioética, Brasília, DF, v. 7, n. 2, p. 181-188, 1999.), busca-se, neste trabalho, compreender os desafios éticos da prevenção da TV do HIV no âmbito do CTVHIVS, tanto no aspecto programático da implementação da política, quanto das relações de cuidado no acompanhamento das mulheres e suas famílias pelos profissionais de saúde. A partir da análise de um caso complexo, problematiza-se como diferentes modelos de cuidado na rede de saúde se conjugam com discursos e práticas relacionais pautadas pelo gênero. Trabalhamos com a hipótese de que existe um ordenamento estrutural das políticas que amplifica a vulnerabilidade e produz o apagamento social de mulheres consideradas “indesejáveis”, que se sobrepõe às possibilidades de promover autonomia e equidade através do cuidado em saúde.

Assume-se uma perspectiva relacional de gênero (Connell, 2016CONNELL, R. Gênero em termos reais. São Paulo: Versos, 2016.) ao abordar as construções de feminilidade e masculinidade como parte de um tecido social complexo que envolve outras dinâmicas e estruturas, tais como raça, classe e idade (Collins; Bilge, 2021COLLINS, P. H.; BILGE, S. O que é interseccionalidade? In: COLLINS, P. H.; BILGE, S. (Org.). Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2021. p. 15-49.). A teoria relacional incorpora a dimensão da colonialidade do gênero (Lugones, 2008LUGONES, M. Colonialidad y Género. Tabula Rasa, Bogotá, n. 9, p. 73-102, 2008.), entendendo a colonização como um ato de longa duração de dominação estrutural e de supressão violenta da heterogeneidade e humanidade dos sujeitos colonizados. Esta tessitura nos oferece chaves analíticas para pensar os processos de estigmatização e a produção da morte de determinados sujeitos e grupos, que perpassam a gestão das vidas nas sociedades do Sul Global.

Método

Trata-se de um estudo de caso único (Yin, 2010YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2010.), de caráter qualitativo, oriundo de um projeto maior de pesquisa que objetivava analisar a experiência do Comitê da Transmissão Vertical do HIV e da Sífilis de Porto Alegre (CTVHIVS).

A pesquisa envolveu observações participantes das reuniões do CTVHIVS ao longo do ano de 2017, entrevistas em profundidade com 14 profissionais de saúde de diferentes níveis de atenção, locais e atuações, bem como pesquisas documentais nas atas das reuniões, portarias e resoluções técnicas concernentes à prevenção da TV no município. Foi mantido um diário de campo que contemplou o acompanhamento realizado em 2017, bem como a inserção informal de uma das pesquisadoras desde 2013. O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelos Comitês de Ética da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre. Todas as entrevistadas assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

O CTVHIVS foi criado em 2013, como parte da estratégia de descentralização do cuidado em HIV/aids no município de Porto Alegre, visando qualificar a atuação dos serviços de saúde na prevenção da TV do HIV e da Sífilis Congênita. Tal mobilização exigiu articulação entre os serviços de saúde, de assistência social, gestores e profissionais, além da capilarização das decisões da política de HIV/aids e de saúde do município, num cenário agravado pela pobreza, pelo estigma e pela marginalização social da população (Porto Alegre, 2013PORTO ALEGRE. Saúde lança Comitê para reduzir a transmissão vertical do HIV e sífilis. Boletim Epidemiológico, Porto Alegre, v. 15, n. 52, 2013. Disponível em: <Disponível em: http://lproweb.procempa.com.br/pmpa/prefpoa/cgvs/usu_doc/boletim_epidemiologico_52_agosto_2013.pdf >. Acesso em: 2 set. 2021.
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). O CTVHIVS funciona com reuniões mensais de representantes de todos os níveis da atenção em saúde, gestão, vigilância, assistência social, associações e órgãos de classe. Discutem-se casos de TV do HIV e da Sífilis, de não uso de antirretroviral (ARV) no parto, de risco acrescido para TV no pré-natal ou de perda de seguimento da criança exposta. Os casos apresentados são propostos pelos profissionais ligados à vigilância e à política de IST/HIV e os serviços diretamente envolvidos na atenção aos casos são convocados.

O caso analisado nesse estudo foi selecionado pela oportunidade para debater os desafios éticos da prevenção da TV do HIV pois, pela sua complexidade, foi contemplado ao longo de sete reuniões do CTVHIVS em 2017 e mobilizou ampla gama de serviços e dispositivos da rede. Todo o material referente ao caso, presente nas entrevistas, atas das reuniões e diário de campo, foi lido exaustivamente e examinado por meio da análise de discurso (Iñiguez, 2004IÑIGUEZ, L. Manual de análise do discurso em ciências sociais. Petrópolis: Vozes, 2004.), procurando-se destacar o contexto da produção de sentidos tanto explícitos quanto implícitos, além das relações de poder implicadas. A seguir, são apresentadas as reflexões produzidas, destacando-se eixos analíticos que evidenciam os desafios éticos da prevenção da TV e as diferentes perspectivas de produção de cuidado pelos atores envolvidos.

Resultados e discussão

Descrição do caso

Carolina de Jesus (nomes utilizados no relato são fictícios), 24 anos, negra e de baixa escolaridade, tinha diagnóstico de HIV e tuberculose, e não realizava qualquer tratamento. O companheiro de Carolina era guardador de carros e pai de seu bebê de três meses (João José). Além desse filho, Carolina tinha um menino de 6 anos (José Carlos), que morava com ela, e duas meninas em idade escolar que se encontravam abrigadas. Ela mudava de residência frequentemente e peregrinava pelos serviços de saúde. Sua última moradia conhecida, visitada por uma agente de saúde, foi relatada como local de difícil acesso, num bairro bastante pobre, dominado pelo tráfico de drogas e sem saneamento básico.

O caso foi apresentado no CTVHIVS em março de 2017, por meio de um alerta eletrônico de criança exposta para a rede de saúde, quando João José tinha três meses de idade. Carolina de Jesus fora inadvertidamente liberada do hospital após o parto e não retornou para consultas nem no serviço especializado em HIV/aids (SAE), nem na APS. Isso aconteceu, segundo a pediatra, porque ela teve o parto em uma sexta-feira e, portanto, os profissionais de plantão “não foram sensíveis aos indicadores de risco de perda de seguimento do caso” (sic) como, por exemplo, o fato de ela não ter aderido ao pré-natal e feito uso irregular de ARV. A situação desencadeou um processo interno no serviço e a organização de um fluxo específico de atendimento e alta do centro obstétrico para esse tipo de caso, que passou a exigir avaliação com a assistência social e consulta ao SAE.

O primeiro exame de carga viral do bebê, realizado no pós-parto imediato, conforme portaria da prefeitura para esses casos (Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975, e Portaria n° 33, de 14 de julho de 2005) (Brasil, 1975BRASIL. Lei n.º 6.259, de 30 de outubro de 1975. Dispõe sobre a organização das ações de vigilância epidemiológica, sobre o Programa Nacional de Imunização e estabelece normas relativas à notificação compulsória de doenças e dá outras providências. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 1975., 2005BRASIL. Portaria Nº 33, de 14 de Julho de 2005. Inclui doenças à relação de notificação compulsória, define agravos de notificação imediata e a relação dos resultados laboratoriais que devem ser notificados pelos Laboratórios de Referência Nacional ou Regional. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2005.), resultou negativo. Foi só depois da primeira apresentação do caso no CTVHIVS, quando Carolina e o bebê foram levados para outra consulta no SAE acompanhados por uma profissional do Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), em abril de 2017, que a carga viral teve resultado detectável. A pediatra que as atendeu reconheceu a relação de afeto entre mãe e filho, pois João José sorria e se remexia todo quando a mãe falava com ele.

A enfermeira da UBS1, que fez a busca ativa após o parto, relatou o péssimo estado de saúde e higiene da criança e que, devido denúncia de violência, fez uma notificação ao Conselho Tutelar (CT). Segundo ela, vizinhos informaram que Carolina e o marido vendiam o leite que era entregue e que a criança sofria agressões, chorava sem parar e já havia sido arremessada contra a parede. A equipe da UBS1 entendia que João José sofria negligência dos pais, pois tinha assaduras pelo corpo. Entretanto, as denúncias não se confirmaram na abordagem feita pelo CT, sendo que os relatos da tia e da avó de Carolina diziam que ela nunca tinha sido violenta com a criança. Ademais, a ACS confirmava o vínculo positivo mãe-criança.

Após o CT recomendar o acolhimento de João José, Carolina de Jesus não levou mais a criança nos atendimentos, por medo de que o retirassem dela e passou a buscar o leite de modo esporádico em outra unidade (UBS2), resistindo a qualquer vinculação. O CT, quem sabe, iria abrigar os dois filhos, José Carlos e João José, e assim, este último iniciaria o tratamento para HIV, havendo grande temor de que, nesse ínterim, também se infectasse com a tuberculose não tratada da mãe. Somada à UBS2, uma ONG que prestava serviço para a prefeitura junto à população em situação de rua responsabilizou-se por encaminhar Carolina para colocar o implante subdérmico anticoncepcional e reiniciar seu tratamento para HIV no SAE. Porém, grande parte dos profissionais acreditava que ela recusaria a anticoncepção. Segundo os relatos, Carolina necessitava da presença contante de um filho com ela: “Vai ter outro se tirarem esse dela, se é que já não está grávida” (Profissional da APS; Diário de Campo, 08/06/17). Entre comentários laterais, chegou-se a questionar o porquê dessa necessidade de filhos e da repetição de quebra de vínculos, aspectos que, porém, não chegaram a ser foco de ações.

Em junho, a enfermeira da UBS2 foi bastante pressionada por não ter acionado o CT no dia em que Carolina de Jesus se apresentou para uma consulta de acolhimento, pois o abrigamento já estava determinado. Essa profissional argumentou que buscava preservar o vínculo da mãe com o serviço, posição não foi aceita pelos demais membros do CTVHIVS, que salientaram a necessidade de cumprir a decisão judicial e “salvar” João José, que morreria “ou de parede ou de aids ou de tuberculose” (Profissional do SAE, Diário de Campo, 04/05/17). Depois disso, a UBS2 não compareceu mais às reuniões.

Na reunião subsequente, o representante do CT revelou que não foram informados sobre o diagnóstico de HIV e tuberculose de Carolina quando iniciaram o acompanhamento do caso e, por isso, não consideraram uma situação de alto risco. As falhas de comunicação entre os serviços ficaram evidentes e os representantes do CT, Ministério Público e SAE discutiram acaloradamente as responsabilidades pelo agravamento da situação, acordando-se, ao final, que era premente agir para evitar a morte da criança.

Na reunião de agosto de 2017, o CT informou que o pai de João José o levou até a rede para abrigamento, após tomar conhecimento de que o filho estava com uma doença grave. Em seguida, o bebê foi encaminhado para tratar o HIV. O outro filho permanecia com Carolina e esta se recusou a usar métodos contraceptivos, sendo que sua última injeção de medroxiprogesterona fora feita há mais de três meses. O caso foi dado por encerrado no CTVHIVS e o cuidado de Carolina ficou a cargo da UBS2. Na última vez em que o caso foi mencionado, a profissional do SAE deu notícias de João José, que era muito faceiro e estava muito bem: “Ele é muito lindo, apesar do HIV” (Diário de Campo, 14/09/17).

Estigma e gênero: reflexões bioéticas sobre o cuidado de mulheres em situação de transmissão vertical do HIV

A partir da noção de estigma proposta por Goffman (1988GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988.) e das reflexões de Veena Das (2001DAS, V. Stigma, Contagion, Defect: Issues in the Anthropology of Public Health. Bethesda, MD: [s.n.], 2001. Disponível em: <Disponível em: http://docshare04.docshare.tips/files/13843/138431942.pdf >. Acesso em: 22 jan. 2022
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), no campo da antropologia, e de autores como Richard Parker (2013PARKER, R. Intersecções entre estigma, preconceito e discriminação na saúde pública mundial. In: MONTEIRO, SIMONE; VILLELA, WILZA V (Org.). Estigma e Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz/FAPERJ, 2013. p. 25-46.), Wilza Villela e Simone Monteiro (2015VILLELA, W. V.; MONTEIRO, S. Gênero, estigma e saúde: reflexões a partir da prostituição, do aborto e do HIV/aids entre mulheres. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 24, n. 3, p. 531-540, 2015. DOI: 10.5123/S1679-49742015000300019
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), no campo dos estudos sobre HIV/aids, discutiremos os desafios éticos relacionados ao cuidado em saúde oferecido pela rede para Carolina de Jesus. O caso em tela ilustra um processo de estigmatização baseado no gênero e nas desigualdades sociais, desvelado ao longo de todo o acompanhamento.

Para Goffman (1988GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1988.), o estigma se refere a um processo social em que um atributo, comportamento ou condição individual passa a ser tomado negativamente, depreciando o sujeito e gerando sentimentos de culpa, vergonha e descrédito. O autor descreve que a estigmatização, cujo elemento central é a deterioração da identidade, pode se dar de três modos, que envolvem: a abominação do corpo, a deformação do caráter individual e a filiação a um grupo social marginalizado. A análise do caso de Carolina indica a operação desses dois últimos modos, num processo que se desdobrava a partir da culpabilização da usuária por não aderir ao tratamento da gestação e pela infecção do bebê, bem como do apagamento sistemático de outros aspectos de sua história, que poderiam fornecer uma visão mais integral do caso e, portanto, dos cursos de solução discutidos pela rede de saúde.

Nesse sentido, chamou atenção o fato de que Carolina aparecia como uma personagem desprovida de história, marcada como uma mulher agressiva e com dificuldade de prosseguir o vínculo com as unidades de saúde. Geralmente, não tinha seus dados pessoais retomados quando o caso era discutido, como se todos já soubessem de quem se tratava e do problema que representava para a rede. O número total de filhos nunca foi apontado nas reuniões. O CT informou ter sido acionado pela primeira vez anos antes, quando a filha mais velha de Carolina pediu ajuda a um profissional de saúde para voltar a estudar. Em seguida, ela e a filha mais nova foram abrigadas, deixando a usuária apenas com um filho.

O relato desses fatos, a idade precisa das filhas - que teriam entre 12 e 9 anos - quando houve o abrigamento, se foi antes ou depois da gestação de João José e quais foram as repercussões para a família nunca foram objeto de investigação ou questionamento. Esses fatos revelariam pistas importantes sobre a história de vida de Carolina, como os motivos de não realizar o pré-natal e da dificuldade de vincular-se aos serviços de saúde. Esse apagamento sistemático sobre Carolina ocorria concomitantemente ao destaque dos atributos estigmatizantes relacionados à infecção pelo HIV e a sua condição social, favorecendo uma intensa e improdutiva culpabilização dela como mulher e mãe.

Tais narrativas lacunares, além de todas as situações já vividas por Carolina, remetiam a uma impressão de que ela teria muito mais do que apenas 24 anos. Por exemplo, há que se considerar que, muito provavelmente, ela foi mãe da primeira filha ainda na adolescência, com 13 ou 14 anos. Interrogamos sobre as dificuldades que viveu na adolescência e início da vida adulta, sobre o impacto do afastamento das filhas na sua trajetória e saúde mental, para não falar das suas relações familiares e afetivas. Esses questionamentos revelam uma pobre sensibilidade ética na produção de cuidado, que devia se orientar para a garantia dos direitos humanos, considerando o contexto social e as vulnerabilidades cumulativas vividas por mulheres como Carolina (Ayres; Paiva; Buchala, 2012AYRES, J.R.; PAIVA, V.; BUCHALLA, C. Direitos humanos e vulnerabilidade na prevenção e promoção da saúde: uma introdução. In: PAIVA, V.; AYRES, J. R.; BUCHALLA, C. Vulnerabilidade e Direitos Humanos: prevenção e promoção da Saúde - Livro I: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá, 2012. p. 9-22.). A única tentativa de resgatar esses elementos na discussão do caso proveio dos profissionais da APS, como descrito adiante.

A culpabilização sistemática de Carolina de Jesus se dava a partir da desconfiança e do descrédito dela como mãe capaz de cuidar adequadamente do filho, seja evitando a infecção pelo HIV e o levando nas consultas, seja nos cuidados básicos de alimentação e higiene. De modo recorrente, em várias das reuniões em que o caso foi tratado, a foto da cicatriz de uma grande assadura de João José registrada no celular de uma profissional era mostrada para os presentes, o que servia de reforço para o quanto a maternidade da usuária era questionável. Também havia preocupação com a capacidade de preparar as mamadeiras de Carolina, pois, quando perguntada em uma consulta, esta não soube explicar as medidas exatas e disse que colocava o leite e a água e chacoalhava. A discrepância entre a fala de Carolina sobre a forma de preparo do leite e a visão da profissional, que provavelmente esperava uma descrição técnica, serviu para desqualificá-la. Para Carolina, mãe de pelo menos quatro filhos, talvez essa pergunta fosse tomada como trivial e de pouca importância, quando para a profissional denotava um cuidado esperado com o filho. O grupo derivava disso a dificuldade de prescrever ARV para o bebê, já que a mãe, supostamente, nem ao menos sabia preparar a mamadeira adequadamente.

Carolina era tomada como uma “mãe de risco” e, assim, necessitava de intervenções específicas, pois não era esperado que pudesse ser responsável pela criação dos filhos. O histórico de saúde de Carolina de Jesus e sua trajetória de vida a colocavam em posição de ser o principal fator de risco para a vida da criança, em que o seu conhecimento era desqualificado e a principal ameaça era a sua incapacidade de cumprir com o ideal de papel materno (Robles, 2015ROBLES, A. F. Da gravidez de “risco” às “maternidades de risco”. Biopolítica e regulações sanitárias nas experiências de mulheres de camadas populares de Recife. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, p. 139-169, 2015. DOI: 10.1590/S0103-73312015000100009
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). Desse modo, produzem-se maternidades com graus de aceitação social diferentes, idealizadas por uma visão que universaliza valores de classe média branca (Mattar; Diniz, 2012MATTAR, L. D.; DINIZ, C. S. G. Hierarquias reprodutivas: maternidade e desigualdades no exercício de direitos humanos pelas mulheres. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 16, n. 40, p. 107-120, 2012. DOI: 10.1590/S1414-32832012005000001
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). Isso é concomitante a uma politização do feminino nas políticas públicas, que faz das mulheres alvos de vigilância constante, pois é sua função garantir e gerar o bem-estar biopsicossocial dos filhos, independente das condições sociais e econômicas que possuem (Meyer, 2005MEYER, D. E. E. Uma politização contemporânea da maternidade: Construindo um argumento. Gênero, Niterói, v. 6, n. 1, p. 81-104, 2005. DOI: 10.22409/rg.v6i1.198
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).

Por outro lado, alguns relatos secundários nas reuniões informavam que João José estava dentro do peso e altura esperados para a idade, ensejando-se que era alimentado adequadamente. Alguns profissionais destacaram a presença de vínculo afetivo positivo entre mãe e filho, o que coadunava com o fato de que Carolina muitas vezes deixava de buscar os serviços de saúde, com medo de perder a guarda dos filhos. Contudo, tais contradições desapareciam na construção de uma narrativa em que prevaleciam as versões de Carolina como irresponsável e incapaz de exercer a função materna. Essa dinâmica de silenciamentos e denúncias se articulava à intensa depreciação dela como mulher jovem e negra, uma mãe vivendo com HIV e em vulnerabilidade social. Nesse sentido, Villela e Monteiro (2015VILLELA, W. V.; MONTEIRO, S. Gênero, estigma e saúde: reflexões a partir da prostituição, do aborto e do HIV/aids entre mulheres. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 24, n. 3, p. 531-540, 2015. DOI: 10.5123/S1679-49742015000300019
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) discutem como o estigma viola o direito à saúde das mulheres que se prostituem, abortam ou estão infectadas pelo HIV, ampliando sua vulnerabilidade à doença e à morte. Para as autoras, o estigma oculta as disputas de poder quanto a autonomia das mulheres, obstaculizando o acesso ao direito à saúde e ao amparo social.

Essas contradições indicam que a visão a respeito de Carolina de Jesus poderia ser, também, resultado de uma generalização sobre mulheres iguais a ela, gestantes com HIV, negras e pobres, atendidas nos serviços, o que denuncia a dificuldade da rede em problematizar eticamente os marcadores sociais de diferença em suas ações. Por exemplo, citamos a moralização e o temor da rede de saúde sobre o eventual desejo de Carolina de ter novos filhos, como se este direito não lhe fosse legítimo, ou, no mínimo, questionável, por admitir o risco dos filhos de contraírem o HIV. O questionamento quanto a sua capacidade de cuidado e sobre suas condições de ser mãe no contexto de pobreza em que vivia nunca era trazido como objeto de ação ou reflexão, como se a pobreza fosse uma fatalidade inamovível, deslocada do fazer em saúde. Situações iguais a esta deixavam transparecer o racismo institucional que guia as práticas e a organização das instituições de saúde no cotidiano de trabalho, contribuindo para a naturalização da desigualdade racial e culminando na precarização do acesso da população negra aos seus direitos (López, 2012LÓPEZ, L. C. O conceito de racismo institucional: aplicações no campo da saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 16, n. 40, p. 121-134, 2012. DOI: 10.1590/S1414-32832012005000004
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).

Enquanto processo social, o estigma opera a partir de relações de poder que perpetuam a vulnerabilidade, a exclusão social e a discriminação (Parker, 2013PARKER, R. Intersecções entre estigma, preconceito e discriminação na saúde pública mundial. In: MONTEIRO, SIMONE; VILLELA, WILZA V (Org.). Estigma e Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz/FAPERJ, 2013. p. 25-46.). Não por acaso, as mesmas pessoas que sofrem o estigma relacionado ao HIV também são as que vivem à margem das políticas sociais e de saúde e não possuem sua cidadania reconhecida. Portanto, embora o estigma tenda a se manifestar mais nitidamente nas relações face-a-face, esse processo reflete, necessariamente, estruturas de poder geradoras de desigualdades sociais (Parker, 2013PARKER, R. Intersecções entre estigma, preconceito e discriminação na saúde pública mundial. In: MONTEIRO, SIMONE; VILLELA, WILZA V (Org.). Estigma e Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz/FAPERJ, 2013. p. 25-46.). Dessa forma, há maior dificuldade de acessar bens materiais e simbólicos, interseccionando as desigualdades de gênero, raça/etnia e classe social às características ou comportamentos estigmatizados em contextos específicos (Villela; Monteiro, 2015VILLELA, W. V.; MONTEIRO, S. Gênero, estigma e saúde: reflexões a partir da prostituição, do aborto e do HIV/aids entre mulheres. Epidemiologia e Serviços de Saúde, Brasília, DF, v. 24, n. 3, p. 531-540, 2015. DOI: 10.5123/S1679-49742015000300019
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). Assim, programas e políticas estatais e internacionais estão implicadas tanto na produção como no enfrentamento do estigma, o qual se revela como um processo de “debilitação” de longa duração que se dá não apenas nos indivíduos, mas a partir da rede de relações familiares e comunitárias (Das, 2001DAS, V. Stigma, Contagion, Defect: Issues in the Anthropology of Public Health. Bethesda, MD: [s.n.], 2001. Disponível em: <Disponível em: http://docshare04.docshare.tips/files/13843/138431942.pdf >. Acesso em: 22 jan. 2022
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).

Nesse sentido, a figura do pai do bebê só apareceu nos relatos como aquele que “resolveu” o acompanhamento do caso, sublinhando-se a racionalidade de seu ato, em contraposição a aparente irracionalidade da fuga e errância de Carolina pela rede, como percebe-se na fala de uma profissional: “Achei lindo isso, pois toda a nossa rede, toda informação que a gente circulou, chegou no pai e não foi o CT que abrigou, a APS que não precisou acionar” (Diário de campo, 03/08/2017). O relato da profissional durante a reunião em que o caso recebeu “alta” do Comitê revela que a figura do pai parece ter solucionado, para a rede, até mesmo o impasse criado pela posição contrária da APS ao abrigamento. Por outro lado, vale destacar que o companheiro de Carolina nunca foi testado para HIV e João José já era seu segundo filho com ela. Nesse caso, evidencia-se que as desigualdades de gênero, interseccionadas pelas condições sociais das famílias, penalizam não apenas as mulheres, mas também a saúde de seus companheiros. Uma análise recente da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem apontou a presença de discursos sobre os homens como figuras de apoio e a fragilidade da ideia de corresponsabilidade nas questões reprodutivas e de parentalidade, bem como da falta de sintonia com as desigualdades e a diversidade existente (Dantas; Couto, 2018DANTAS, S. M. V.; COUTO, M. T. Sexualidade e reprodução na Política Nacional de Saúde do Homem: reflexões a partir da perspectiva de gênero. Sexualidad, Salud y Sociedad, Rio de Janeiro, n. 30, p. 99-118, 2018. DOI: 10.1590/1984-6487.sess.2018.30.05.a
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). No âmbito do direito à prevenção do HIV, o caso ilustra que a invisibilidade dos homens cis heterossexuais no cotidiano de ações do serviço de saúde (Leal; Knauth; Couto, 2015LEAL, A. F.; KNAUTH, D. R.; COUTO, M. T. The invisibility of heterosexuality in HIV/AIDS prevention for men. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 18, n. suppl 1, p. 143-155, 2015. DOI: 10.1590/1809-4503201500050011
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) se atrela ao processo de estigmatização e vulneração moral das mulheres vivendo com HIV (MVHIV).

As dimensões analisadas nos levam a indagar sobre a autonomia como questão bioética. Ao que parece, os únicos dispositivos de saúde que tentavam promover a autonomia de Carolina como mulher e mãe eram os vinculados à APS, propondo ações situadas no seu contexto de vida. A bioética feminista reconfigura o princípio da autonomia (caro à bioética clássica) para pensá-la, em contextos de profunda desigualdade, como uma situacionalidade a ser alcançada, permanecendo atrelada a necessidade de produzir justiça social (Diniz; Guilhem, 1999DINIZ, D.; GUILHEM, D. Bioética feminista: o resgate político do conceito de vulnerabilidade. Bioética, Brasília, DF, v. 7, n. 2, p. 181-188, 1999.). Como se discutirá no eixo analítico a seguir, o ordenamento estrutural das políticas amplifica vulnerabilidades, no apagamento social e na produção da morte, se sobrepondo à promoção da autonomia e da equidade como direitos humanos.

Vulneração programática e necropolítica: fragilidade dos vínculos e regulação reprodutiva

Nesse eixo analítico, discutiremos o caso à luz dos conceitos de vulneração programática e de necropolítica, argumentando que a articulação entre as vulnerabilidades sociais e subjetivas de MVHIV e a fragilização da rede de saúde e do trabalho dos profissionais dá testemunho sobre a operação de um processo de violência do Estado, historicamente arraigado contra as mulheres, em especial aquelas negras e pobres.

A itinerância de Carolina de Jesus se costurava com as disrrupções urgentes na discussão do caso pelos profissionais, tornando sua história errante e enuviada. Era evidente a dificuldade de articular um trabalho interdisciplinar que incluísse a saúde da mulher como modo de impactar também a saúde integral da criança. O foco estrito das ações no bebê frente a infecção do vírus, reproduzindo uma lógica biomédica, relegava à Carolina uma posição secundária, em que sua saúde e bem-estar não eram objeto de atenção, a exemplo do já constatado em outro estudo abordando a gestação e o parto de MVHIV (Bellotto et al., 2019BELLOTTO, P. C. B. et al. Entre a mulher e a salvação do bebê: experiências de parto de mulheres com HIV. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 23, e180556, 2019. DOI: 10.1590/Interface.180556
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). Por exemplo, não se discutiu, em nenhum momento, alternativas de cuidado com o foco na saúde mental de Carolina. Com isso, ao tomar a anticoncepção como a única oferta possível, se produzia sentimentos de decepção e fracasso na rede, diante das evasivas dela.

Não se percebeu abertura para abordar questões particulares da história de Carolina de Jesus que ajudariam a tecer estratégias de cuidado que fizessem sentido para ela e promovessem caminhos de ampliação da autonomia frente a sua vida e, consequentemente, quanto aos seus cuidados de saúde. Refletir sobre o cuidado a partir da perspectiva de quem ela era também implicaria no reconhecimento de Carolina como sujeito de direitos e cidadã a ser atendida em suas singularidades, visando promover equidade e justiça social. As violações de direitos produzem impactos fundamentais na vida dos sujeitos que, consequentemente, impossibilitam o alcance da autonomia em saúde pela falta de uma estrutura social que suporte o cuidado individual e evite riscos básicos de mortalidade (Junges, 2014JUNGES, J. R. Bioética na perspectiva coletiva e social. In: JUNGES, J. R. (Org.). Bioética sanitarista: desafios éticos na saúde coletiva. São Paulo: Loyola, 2014. p. 19-38.), como muito já nos ensinou a história do enfrentamento à aids no Brasil (Ayres; Paiva; Buchalla, 2012AYRES, J.R.; PAIVA, V.; BUCHALLA, C. Direitos humanos e vulnerabilidade na prevenção e promoção da saúde: uma introdução. In: PAIVA, V.; AYRES, J. R.; BUCHALLA, C. Vulnerabilidade e Direitos Humanos: prevenção e promoção da Saúde - Livro I: da doença à cidadania. Curitiba: Juruá, 2012. p. 9-22.). Para Carolina, essas violações estavam presentes desde as poucas oportunidades de educação que teve durante sua trajetória de vida, a falta de moradia e alimentação dignas, até a falta de saneamento básico da região em que morava.

Aqui evocamos a noção de necropolítica (Mbembe, 2017MBEMBE, A. Necropolítica: Biopoder, soberania, estado de exceção, política de morte. Arte & Ensaios, v. 2, n. 32, p. 123-151, 2017. DOI: 10.18316/redes.v7i1.5048
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) para pensar as formas contemporâneas de subjugação da vida ao poder da morte como continuidade das relações coloniais. Partindo do conceito de biopoder desenvolvido por Foucault, Mbembe argumenta que, hoje, além de gerir a vida (fazer viver), o Estado opera a gestão da morte (como e quem deve morrer). A marca central da necropolítica é a presença de um risco constante de morte, personificado por meio de ações violentas e cruéis que pairam sobre certos grupos e populações, as quais são submetidas a condições extremas de existência social, como se fossem “mortos-vivos”. A trajetória de vida de Carolina e como seu caso foi tratado pela rede demonstram a presença não apenas de estratégias indiretas de eliminação (pelas carências estruturais que cercavam sua existência e a violência simbólica a ela direcionada), mas de aparatos que a expunham constantemente ao risco de violência direta, como as ameaças de despejo nos territórios em que vivia, de fome, de morte pela exposição a violência relacionada ao tráfico de drogas e de retirada dos filhos. Ainda que Carolina não tenha morrido, até onde pudemos acompanhar, a morte é efetivamente produzida entre essas mulheres, sendo que durante a pesquisa, duas MVHIV negras e pobres e um dos seus filhos, acompanhados pela rede, faleceram por causas relacionadas ao HIV/aids. Desse modo, cabe-nos indagar, cotidianamente, sobre formas de impedir a manutenção do poder necropolítico do Estado.

É nesse cenário que compreendemos a extrema fragilidade do vínculo entre a rede, Carolina e sua família, sendo que as relações eram pautadas pela desconfiança mútua e pelas ameaças. Por exemplo, o comparecimento de Carolina na consulta do bebê logo após o parto só foi possível após uma grande pressão da equipe de UBS1, com a ameaça de que se ela faltasse não iria mais receber o leite em pó na unidade, embora a própria equipe admitisse não ser possível impor esse condicionamento.

Em outra passagem, a enfermeira da UBS2 foi pressionada no CTVHIVS porque não acionou o Ministério Público ou o CT no dia em que Carolina de Jesus foi na unidade para uma consulta de acolhimento, pois o abrigamento do bebê já estava determinado. A enfermeira afirmou que não negou o efetivo risco de vida da criança, mas admitia que havia amor na relação entre ele e a mãe. Para ela, Carolina acabou saindo do território porque estava sendo ameaçada por pessoas ligadas ao tráfico. A UBS2 afirmava não se sentir à vontade para acionar o CT, pois a consequência imediata seria a perda de vínculo entre o serviço e a usuária, sendo essa uma das poucas vezes em que ela foi foco do cuidado. A profissional relatou que, naquela oportunidade, João José estava bem, apesar de sujo, o que não diferia de como outras crianças da mesma comunidade se apresentavam na UBS. Diante disso, outra profissional alertou: “Sujinha, com carga viral de mais de 100 mil!” (Diário de campo, 8/6/17), acentuando o risco de morte da criança.

Após essa reunião, a UBS2 não compareceu mais ao CTVHIVS. Em conversa informal com uma trabalhadora da ONG que atuava junto à UBS2 na atenção a família de Carolina, o serviço optou por não acionar o CT porque priorizava entregar as latas de leite para que João José se alimentasse, pois a família passava fome. Além disso, viviam em um cubículo de compensado em que dormiam, ao todo, oito pessoas. Num cubículo próximo moravam o irmão de Carolina, a cunhada e o sobrinho, que tinha quase a mesma idade de João. Para ilustrar as dificuldades no trabalho com essa família, a profissional relatou que o desafio era pensar um jeito de dar banho no bebê, pois não havia água ou banheiro nos casebres. Portanto, a preocupação com a sujeira da criança relegava a culpa à mãe, que supostamente não tinha bons hábitos de higiene. Ao ampliarmos o olhar, porém, percebemos que esse problema refletia sua situação social e as péssimas condições de moradia da família.

A ausência da UBS2 nas reuniões contribuía ainda mais para o silenciamento de Carolina e sua história. Enquanto isso, a busca para abrigar João José continuava e, na reunião de julho, informou-se que, apenas alguns dias antes, ele estivera em uma consulta na UBS2, conforme registro no sistema de informação. Novamente, a UBS2 não acionou o CT, atitude recriminada por alguns dos presentes na reunião: “Qual é o vínculo? Se ele [bebê] não tá tratando e nem ela? Vínculo não é só abraço e beijo se tem risco de morte” (Diário de campo, 06/07/17).

Assim, a tentativa que Carolina fez de vinculação é interpretada como uma inconsequência. A rede de saúde parecia, portanto, assumir uma visão limitada sobre a complexidade do caso, buscando solucioná-lo por meio de uma atitude salvacionista. Entretanto, o que representa essa tentativa de salvar alguém, mesmo que apenas biologicamente? Tal perspectiva nos parece implicar a atribuição de uma posição onipotente à política e aos trabalhadores da saúde, tanto no sentido biomédico como no sentido mais amplo da busca de atenção integral. Sobre isso, lembramos que o cuidado em saúde envolve lidar com o outro, com a alteridade e a precariedade da própria vida, na busca por construir relações a partir da escuta e de diálogos efetivos (Ayres, 2004AYRES, J. R. C.M. Cuidado e reconstrução das práticas de Saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 8, n. 14, p. 73-92, 2004. DOI: 10.1590/S1414-32832004000100005
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). Portanto, adotar uma posição cuidadora no campo da saúde implica, necessariamente, arriscar-se e buscar o significado prático, inclusive dos fracassos, pois não importa alcançar apenas os fins, mas a qualidade dos meios (Ayres, 2004AYRES, J. R. C.M. Cuidado e reconstrução das práticas de Saúde. Interface - Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 8, n. 14, p. 73-92, 2004. DOI: 10.1590/S1414-32832004000100005
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). Nesse caso, vários fracassos da rede poderiam ser pensados, desde a infecção de João José pelo HIV, a falta de vínculo de Carolina com os serviços de saúde e de assistência social, que resultava, inclusive, em maior risco de morte para ela, a não testagem do companheiro, o abrigamento das filhas etc.

A reflexão bioética nos tenciona a pensar que um cuidado efetivo de casos complexos, como o de Carolina, exige relações intersubjetivas dinâmicas e que possibilitem o compartilhamento de diferentes perspectivas, tanto do ponto de vista da orientação da política, quanto da sua tradução e operação pelos profissionais. Um questionamento bioético relevante do ponto de vista feminista e da Saúde Coletiva se refere a como uma situação de alarme epidemiológico afeta condições de prover cuidado longitudinal, desde a perspectiva da integralidade e da equidade, na promoção de saúde e autonomia das MVHIV. Os tensionamentos que surgiam nas reuniões davam conta de diferentes orientações quanto aos fins e aos meios do cuidado para com o caso. Enquanto parte da rede (ligada ao nível hospitalar, da vigilância e da atenção secundária) priorizava a vida biológica do bebê, ainda que isso significasse ignorar ou mesmo perder Carolina, já que ela “escolhera” não aderir ao tratamento para HIV e tuberculose, profissionais prioritariamente ligados à APS entendiam que o cuidado precisava se basear na construção de um vínculo de confiança com a usuária. Parece-nos que a polarização entre modelos que chamamos aqui de “vigilância-controle” e de “APS-vínculo” na gestão do caso dá testemunho da permanência da fragmentação das ações e da fragilização institucional do protagonismo da APS.

Nessa direção, o conceito de vulneração programática nos ajuda a pensar que a criação e manutenção dos dispositivos do Estado voltados para a produção de morte entre mulheres como Carolina envolvem processos de fragilização dos serviços de saúde e dos próprios trabalhadores. Conforme Junges, Barbiani e Zoboli (2018JUNGES, J. R.; BARBIANI, R.; ZOBOLI, E. L. C. P. Vulneração programática como categoria explicativa dos problemas éticos na atenção primária à saúde. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 935-953, 2018. DOI: 10.1590/S1414-32832012000200009
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), a vulneração programática se refere a insuficiência e fragmentação da estrutura e organização dos serviços de saúde, bem como dos processos de atendimento que contribuem para a fragilização da saúde dos usuários, ao impor dificuldades de acesso e afetar a qualidade do cuidado. Tal processo desmotiva ou impede a vinculação do usuário ao tratamento, sendo que os profissionais também se sentem impotentes para modificar as condições da oferta de cuidado, no que se referem as condições de infraestrutura, recursos humanos ou técnicos necessários. Aspectos que refletem a vulneração programática da rede, como a falta de contratransferência entre os serviços da rede e a desvalorização do atendimento feito na APS, além da insuficiente educação permanente para os profissionais, foram citados por trabalhadores entrevistados no estudo de Junges, Barbiani e Zoboli (2018JUNGES, J. R.; BARBIANI, R.; ZOBOLI, E. L. C. P. Vulneração programática como categoria explicativa dos problemas éticos na atenção primária à saúde. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 935-953, 2018. DOI: 10.1590/S1414-32832012000200009
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). No caso discutido, visualizamos uma somatória desses processos, uma vez que a vulneração social e historicamente situada das MVHIV se adiciona a vulneração programática da rede, em especial da APS que, conforme a Política de Atenção Básica (Brasil, 2017), deveria cumprir o papel de ordenadora do cuidado. Do ponto de vista decolonial, chamamos a atenção para o apagamento sistemático da história de Carolina como dispositivo necropolítico que atua sobre o corpo e a existência de uma mulher negra, sendo necessário contemplar esses contextos para efetivar o cuidado integral.

Considerações finais

No nível macropolítico, impõem-se como desafios éticos para a gestão da TV do HIV, aliar conhecimentos da vigilância epidemiológica com a construção de uma rede de atenção em que a APS protagonize o diagnóstico precoce, encaminhamento e acompanhamento efetivo das MVHIV e crianças em seu território, com o apoio dos serviços especializados e maternidades, além de ações intersetoriais visando o enfrentamento dos determinantes sociais da epidemia. Nesse caminho, considera-se importante que a política contemple dispositivos que transcendam o foco de ações de saúde da MVHIV para além da oferta de contraceptivos e incluam estratégias de prevenção da violência de gênero e promoção da saúde mental que sejam sensíveis as iniquidades de raça, classe e orientação sexual. Cumpre-nos pontuar que não se trata de responsabilizar apenas os profissionais que atuam junto a essas mulheres, muito menos culpabilizá-los por ações de prevenção da TV restritas ao enfoque biomédico. Contudo, os serviços e seus profissionais operam e traduzem as políticas de saúde e, portanto, nas margens da sua implementação, no cotidiano de trabalho, também podem transformar práticas visando o cuidado efetivo das comunidades e mulheres sob sua responsabilidade sanitária, subvertendo lógicas totalizantes e produtoras de morte. Consoante, é importante apoiar e qualificar a atuação das equipes a partir de políticas de valorização do trabalho no SUS e da ampliação de espaços de formação permanente que fortaleçam a reflexão crítica sobre o trabalho em saúde.

No nível micropolítico, visualiza-se ser necessário equalizar as ações e políticas de prevenção da TV do HIV sob a ótica da vulnerabilidade e dos direitos humanos das MVHIV, visando a promoção de sua autonomia e empoderamento e atentando para as dinâmicas estruturais de poder interseccionadas por classe, raça, gênero, orientação sexual, geração e outros marcadores. O caso de Carolina nos interroga como o cuidado pode ser operacionalizado no sentido de efetivamente produzir condições materiais, de saúde física e mental para que as mulheres possam exercer seus direitos de cidadania de modo mais autônomo e positivo para si mesmas e para seus filhos. Nessa direção, um ponto de partida seria pensar a produção de cuidado a partir das trajetórias sociais e afetivas das mulheres que, em conjunto com dinâmicas historicamente construídas, potencializam o abandono do tratamento e a estigmatização de MVHIV. Acredita-se que a inclusão de outros atores da sociedade civil (por exemplo, representantes dos movimentos negro, LGBTI+, feminismos e ativismos na área do HIV) no debate e na tomada de decisão quanto às estratégias de prevenção da TV possibilitaria tensionar a hegemonia da visão biomédica na operação da política, abrindo espaço para práticas interseccionais e decoloniais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2023
  • Revisado
    24 Nov 2023
  • Aceito
    04 Dez 2023
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
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