(Bio)políticas públicas a pessoas que vivem com hiv/aids por uma ótica queer e desconstrucionista: desafios e iniquidades

(Bio)public policies for people living with hiv/aids from a queer and deconstructionist perspective: challenges and inequities

Lucas Toriyama Ribeiro Maiara Bernardes Marques Sobre os autores

Resumo

Este trabalho apresenta uma revisão crítica das políticas e ações público-governamentais no que tange ao enfrentamento da epidemia HIV/AIDS no Brasil. Apoia-se principalmente sobre orientações, documentos, relatórios e boletins do Ministério da Saúde, analisados por uma ótica queer e desconstrucionista consciente e crítica no que concerne à inserção de sujeitos historicamente marginalizados em políticas e serviços públicos de saúde no país. Pretende-se discutir e relacionar a imbricação entre o biopoder, as necropolíticas e o microcosmo da teoria queer no que diz respeito especialmente a práticas sexuais dissidentes. Analisando o acesso e a equidade em saúde, e afunilando para dados qualitativos e quantitativos das atividades de promoção e prevenção em saúde realizadas pelos Centros de Acolhimento Temporários (CTAs) e pelas Redes de Atenção à Saúde (RAS), surge uma breve elaboração teórica sobre as temáticas mencionadas, embasadas por discussões que perpassam a obra foucaultiana e sua influência sobre Teoria Queer e análises biopolíticas. Indivíduos que são considerados população-chave nas bases de estratégias preventivas continuam sendo negligenciados pelas políticas públicas ou enfrentam dificuldades no acesso aos serviços de saúde. Essas grandes contradições podem estar contribuindo para o aumento significativo no número de novas infecções pelo HIV/AIDS entre segmentos demográficos mais suscetíveis e vulneráveis socioeconômica-política-culturalmente.

Palavras-chaves:
HIV/AIDS; APS; RAS; Biopolítica; Queer

Abstract

This work presents a critical review of public-governmental policies and actions regarding combating the HIV/AIDS epidemic in Brazil. It is mainly based on guidelines, documents, reports, and bulletins from the Ministry of Health, analyzed from a conscious and critical queer and deconstructionist perspective regarding the inclusion of historically marginalized subjects in public health policies and services in the country. It intends to discuss and relate the overlap between the biopower, the necropolitics, and the microcosm of queer theory with regards especially to dissident sexual practices. Analyzing access and equity in health and focusing on qualitative and quantitative data on health promotion and prevention activities carried out by Temporary Reception Centers (TRC)s and Health Care Networks (HCN), the basis for a brief theoretical elaboration on the themes mentioned emerges, based on discussions that permeate Foucault’s work and its influence on Queer Theory and biopolitical analyses. Individuals who are considered a key population in the basis of preventive strategies continue to be neglected by public policies or face difficulties in accessing health services. These major contradictions may be contributing to the significant increase in the number of new HIV/AIDS infections among the most susceptible and socio-economically-politically-culturally vulnerable demographic segments.

Keywords:
HIV/AIDS; PHC; HCN; Biopolitics; Queer

A epidemiologia no enfrentamento da epidemia HIV/AIDS no Brasil

Como pode ser observado nos últimos relatórios da United Nations Programme on HIV/Aids (UNAIDS) e Boletins Epidemiológicos HIV/AIDS apresentados pelo Ministério da Saúde, o número de infecções pelo vírus HIV tem subido vertiginosamente nos últimos anos, em especial na população jovem homossexual e em homens que fazem sexo com homens (HSH). Esses, assim como travestis, pessoas trans, trabalhadoras do sexo e pessoas que usam álcool e outras drogas, compõem os segmentos populacionais com maior prevalência para o HIV, apresentando índices superiores a outros e por isso sendo considerados populações-chave das políticas públicas de saúde voltadas a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), pelo menos em fundamento (Brasil, 2017aBRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes para organização do CTA no âmbito da Prevenção Combinada e nas Redes De Atenção À Saúde. Brasília, DF: Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, 2017a. ).

Apesar do evidente recorte populacional no qual o vírus se alastra a largos passos, as pesquisas e as intervenções em saúde no Brasil dão grande enfoque à epidemiologia do HIV/AIDS e deixam de lado a análise das subjetividades, duas realidades indissociáveis (Hamann et al, 2017HAMANN, C. et al. Narrativas sobre risco e culpa entre usuários e usuárias de um serviço especializado em infecções por HIV: implicações para o cuidado em saúde sexual. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 26, n. 3, p. 651-663, 2017. DOI: 10.1590/S0104-12902017170669
https://doi.org/10.1590/S0104-1290201717...
). Esse alicerce no raciocínio indutivo epidemiológico pode ser observado desde a implantação da Lei Orgânica da Saúde no Brasil (Brasil, 1990BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1990. ), que fundamentou a maior parte das ações do Sistema Único de Saúde (SUS) nessa ciência que tem arraigada em seu cerne os conceitos de Determinação Social da Doença e Determinantes Sociais de Saúde (DSS) 11Os DSS são condicionados pelos fatores intrínsecos a vida e ao trabalho dos sujeitos que influenciam nos problemas de saúde e fatores de risco, possuindo grande potencial preditivo sanitário e epidemiológico, revelando-se como uma proficiente ferramenta para o combate da epidemia HIV/AIDS e para o estabelecimento de segmentos populacionais de interesse para ações de promoção e prevenção em saúde (Buss; Pellegrini, 2007). (Rocha; David, 2015ROCHA, P. R.; DAVID, H. M. S. L. Determinação ou determinantes? Uma discussão com base na Teoria da Produção Social da Saúde. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 49, n. 1, p. 129-135, 2015. DOI: 10.1590/S0080-623420150000100017
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201500...
).

Ao passo que os DSS podem figurar como um termômetro e radar para intervenções médico-sociais efetivas, muitas vezes eles acabam por ofertar uma narrativa análoga ao olhar higienizador e moralizante que muito afeta os indivíduos alheios ao heterocentrismo, carreadores de um duplo estigma: a vulnerabilização gênero-sexual e o convívio com uma condição (por vezes latente) historicamente associada a condutas compreendidas como sórdidas e lascivas. Se por um lado é evidente que as populações-chave são mais suscetíveis à infecção – tanto por fatores biológicos quanto socioeconômico-político-culturais – e estão no centro das ações de intervenção tardia, como a detecção e tratamento pós infecção, cada vez menos programas de prevenção e conscientização, que no seu auge já eram escassos, são direcionados a esses segmentos demográficos. Isso já é notado, discutido e alertado pela comunidade científico-sanitária.

Este trabalho emerge da preocupação científico-exploratória no que concerne às políticas de saúde pública para o HIV/AIDS no Brasil voltadas às populações mais afetadas por essa epidemia, que apesar de supostamente serem protagonistas das ações de contenção e das diretrizes e normativas das autoridades sanitárias, na prática vêm sendo cada vez mais invisibilizadas nas ações programáticas centrais do Ministério da Saúde.

O trabalho pretende realizar uma breve elaboração teórica sobre as temáticas mencionadas por meio de uma visada queer e desconstrucionista, o que entendemos se mostrar extremamente relevante uma vez que, grosso modo, as perspectivas daqueles e daquelas considerados “anormais” e, consequentemente, “grupos de risco” 22 Os chamados “grupos de risco” ainda se constituem como uma sombra, tanto no que concerne ao entendimento amplo da população sobre as pessoas homossexuais, como, ainda, na visão do Estado e de suas políticas. No entanto, devido sobretudo ao labor militante de grupos vinculados aos Direitos Humanos e influentes pesquisadores, como José Ricardo Ayres e Vera Paiva, a partir da década de 1980 a expressão “grupo de risco” vem paulatinamente sendo substituída pelo conceito de vulnerabilidade (Ayres, 1996 ; Paiva, 1998 ; Paiva et al, 1998 ; Ayres, 1999 ). Para um maior aprofundamento quanto a essa questão, ver Carmo e Guizardi ( 2018 ). não são levadas em consideração na formulação de políticas públicas, em especial as de saúde. Neste âmbito, pretende-se discutir e relacionar a imbricação entre o biopoder, necropolíticas 33 Necropolíticas envolvem complexos macroprocessos sociais e políticos com o poder de ditar a morte (ou não) de determinados corpos, indivíduos e grupos (Mbembe, 2018 ). e o microcosmo da teoria queer no que tange, especialmente, a práticas sexuais dissidentes. É importante destacar que não há um consenso entre os teóricos quanto aos limites de abrangência da Teoria Queer – que apresenta estudos dispersos por diversas áreas do conhecimento, apesar de fundamentalmente conglomerar discussões em torno do statu quo , do heterocentrismo e dos seus mecanismos de sustentação, perpetuação e subserviência.

Histórico da epidemia de HIV/AIDS, da teoria queer e dos movimentos desconstrucionistas

O começo da década de 1980 foi marcado pelo alastro do que viria a ser identificado como a crise da imunodeficiência humana. Descobriu-se que o contato sexual era uma das principais formas de contágio e que a epidemia estava concentrada nos jovens homossexuais. A inoportuna acumulação nesse segmento populacional fez com que a doença fosse rapidamente associada ao grupo, levando a demonização de suas práticas 44 A relação sexual anal é uma prática comum na população de homens que fazem sexo com homens. Em relações sexuais entre sorodiscordantes, aponta-se que a relação anal receptiva desprotegida é uma via mais suscetível para trasmissão do HIV em comparação estatística com a relação anal insertiva e a relação oral sem ejaculação na cavidade oral (Hallal et al, 2015 ). e a estigmatização e discriminação sistemática, mormente espoliação de recursos linguísticos – sendo termos pejorativos ainda rotineiramente empregados (Sáez Del Álamo,, 2007SÁEZ DEL ÁLAMO, J. El contexto sociopolítico de surgimiento de la teoría queer. De la crisis del sida a Foulcault. In: CÓRDOBA, D.; SÁEZ DEL ÁLAMO, J.; VIDARTE, P. Teoria Queer: Políticas Bolleras, Maricas, Trans, Mestizas. Madri: Egales, 2007. p. 67-76. ; Bastos, 2006BASTOS, F. I. Aids na Terceira Década. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. ).

Em um contexto de descaso do governo norte-americano, surge o ACT UP ( Aids Coalition to Unleash Power ), movimento que coalizou grupos historicamente marginalizados (gays, lésbicas, usuários de drogas, trabalhadores do sexo, pessoas negras), constituindo um front de luta contra as iniquidades governamentais e mercadológicas 55No que tange as iniquidades mercadológicas, frisa-se a crítica ao monopólio de poderosas indústrias farmacêuticas em tratamentos para o HIV/AIDS, restringindo o acesso a terapia medicamentosa a um seleto grupo de pessoas com alto poder aquisitivo. . O ativismo do ACT UP estimula, no verão de 1990, a criação do grupo Queer Nation (Sáez Del Álamo,, 2007SÁEZ DEL ÁLAMO, J. El contexto sociopolítico de surgimiento de la teoría queer. De la crisis del sida a Foulcault. In: CÓRDOBA, D.; SÁEZ DEL ÁLAMO, J.; VIDARTE, P. Teoria Queer: Políticas Bolleras, Maricas, Trans, Mestizas. Madri: Egales, 2007. p. 67-76. ).

Assim, o deslanche da crise do HIV é o estopim para críticas que relacionavam a construção social dos corpos, sua repressão, a homofobia, o sistema de sexo e gênero, o heterocentrismo, a luta de classes e o colonialismo a um denominador comum: um conjunto de complexas tecnologias de exclusão, exigindo estratégias articuladas de resistência dos sujeitos dissidentes, ou seja, dos queer – tal designação faz jus especialmente às análises e teorizações de autores pontuais dentro do microcosmo da exploração de sexualidades dissidentes do heterocentrismo, sendo que a Teoria Queer propõe discussões muito mais abrangentes, conforme apontado no capítulo pregresso (Sáez Del Álamo,, 2007SÁEZ DEL ÁLAMO, J. El contexto sociopolítico de surgimiento de la teoría queer. De la crisis del sida a Foulcault. In: CÓRDOBA, D.; SÁEZ DEL ÁLAMO, J.; VIDARTE, P. Teoria Queer: Políticas Bolleras, Maricas, Trans, Mestizas. Madri: Egales, 2007. p. 67-76. ).

Assim, chamamos a atenção para o fato de que foi o surgimento da epidemia de HIV/AIDS o elemento aglutinador de grupos aparentemente tão distintos como os homossexuais, os imigrantes indocumentados, as trabalhadoras do sexo, dentre outros. O HIV/AIDS, nesse sentido, muito embora a força de sua perversidade e a sua potência de morte, possibilitou não apenas a criação de uma frente única de resistência à ganância capitalista das grandes farmacêuticas, como ainda fez emergir um poderoso contradiscurso no âmbito da cultura. Os movimentos queer são um exemplo disso.

Na mesma época, iniciava-se também a discussão sobre a mutilação de corpos intersexuais pela hegemonia médica, insistente em chancelar um único sexo biológico e eliminar a possibilidade de existência da intersexualidade (Sáez Del Álamo, 2007SÁEZ DEL ÁLAMO, J. El contexto sociopolítico de surgimiento de la teoría queer. De la crisis del sida a Foulcault. In: CÓRDOBA, D.; SÁEZ DEL ÁLAMO, J.; VIDARTE, P. Teoria Queer: Políticas Bolleras, Maricas, Trans, Mestizas. Madri: Egales, 2007. p. 67-76. ). A comunidade gay começava também a ser questionada após a concessão de alguns direitos civis e relativa integração promovida por interesses capitalistas e mercadológicos – posição exclusiva para gays brancos, heteronormativos, classe média, fascinados pelo consumismo e seguidores de um estilo de vida respeitável. Indivíduos com práticas sexuais dissidentes foram demonizados ou invisibilizados por um discurso cada vez mais conservador e homogeneizado (Sáez Del Álamo, 2007SÁEZ DEL ÁLAMO, J. El contexto sociopolítico de surgimiento de la teoría queer. De la crisis del sida a Foulcault. In: CÓRDOBA, D.; SÁEZ DEL ÁLAMO, J.; VIDARTE, P. Teoria Queer: Políticas Bolleras, Maricas, Trans, Mestizas. Madri: Egales, 2007. p. 67-76. ).

O século XIX teria sido um marco na ressignificação da homossexualidade, antes muito mais relacionada a práticas (sodomia) do que a uma identidade, que perpassaria todas as qualidades e atos do indivíduo numa dita androginia da alma. Essa análise foi de grande valia para os teóricos queer, mas os movimentos sociais gays precisariam antes romper com o que haviam abraçado inconscientemente: o dispositivo da sexualidade, que exigia a elaboração de uma verdade sobre corpos e práticas, e a reformulação de um arquétipo (Sáez Del Álamo, 2007SÁEZ DEL ÁLAMO, J. El contexto sociopolítico de surgimiento de la teoría queer. De la crisis del sida a Foulcault. In: CÓRDOBA, D.; SÁEZ DEL ÁLAMO, J.; VIDARTE, P. Teoria Queer: Políticas Bolleras, Maricas, Trans, Mestizas. Madri: Egales, 2007. p. 67-76. ). O biopoder foi outro conceito importante para a Teoria Queer, se referindo ao modo como o Estado se apropriou da medicina e da epidemiologia para controlar e exercer o poder de direito de vida e morte, e ainda consolidar o racismo em sua estrutura (Sáez Del Álamo, 2007SÁEZ DEL ÁLAMO, J. El contexto sociopolítico de surgimiento de la teoría queer. De la crisis del sida a Foulcault. In: CÓRDOBA, D.; SÁEZ DEL ÁLAMO, J.; VIDARTE, P. Teoria Queer: Políticas Bolleras, Maricas, Trans, Mestizas. Madri: Egales, 2007. p. 67-76. , p. 75).

A epidemia HIV/AIDS, tanto na década de 1980 quanto hodiernamente, é apenas um desdobramento mais visível do biopoder e das biopolíticas (Sáez Del Álamo, 2007SÁEZ DEL ÁLAMO, J. El contexto sociopolítico de surgimiento de la teoría queer. De la crisis del sida a Foulcault. In: CÓRDOBA, D.; SÁEZ DEL ÁLAMO, J.; VIDARTE, P. Teoria Queer: Políticas Bolleras, Maricas, Trans, Mestizas. Madri: Egales, 2007. p. 67-76. ). Práticas e discursos médicos, morais, institucionais e políticos que produzem verdades sobre corpos rodeiam o direito de vida e morte, de acesso ou não aos serviços de saúde e de contemplação pelas políticas públicas.

Segmentos vulneráveis e a morosidade dos dados institucionais

Os últimos 10 anos foram marcados por uma crescente disparidade na evolução de novos casos de HIV entre os homens heterossexuais e os homens que mantêm relações com outros homens, com uma progressão alarmante de casos entre esse segundo grupo, como apresentado no Gráfico 1 e 2 . No Gráfico 1 , percebe-se que a tendência de aumento no número de casos é maior entre homens gays do que entre homens heterossexuais; com início bem próximo na série histórica, os grupos se distanciaram substancialmente ao longo da última década.

Em seis edições do Boletim Epidemiológico (de 2015 a 2020), os casos notificados de HIV por exposição sexual homossexual no ano de 2009 passaram de 1432 para 1944, e os por exposição bissexual passaram de 384 para 477, um aumento percentual de 35,75% e 24,22%, respectivamente ( Gráfico 3 ).

A epidemia HIV/AIDS cresce em todos as categorias de exposição sexual: homossexual, heterossexual e bissexual. Contudo, o ritmo de crescimento entre esses grupos é desproporcional, superior entre os homens gays e bissexuais – no primeiro grupo os novos casos diagnosticados passaram de 2507 em 2010 para 13954 em 2019, e no último grupo os casos escalaram de 557 em 2010 para 2493 em 2019; um aumento de mais de 400% e 300%, respectivamente ( Gráfico 1 ).

Gráfico 1 .
Evolução (numérica) de novos casos de HIV entre homens por categoria de exposição sexual nos últimos 10 anos.

Gráfico 2 .
Evolução (percentual) de novos casos de HIV entre homens por categoria de exposição sexual nos últimos 10 anos.

Gráfico 3 .
Progressão das notificações de novos casos de HIV no ano de 2009 por categoria de exposição sexual em homens maiores de 13 anos.

Ademais, os boletins epidemiológicos do Ministério da Saúde são notadamente marcados por uma considerável inconsistência nos dados consolidados, principalmente no que concerne aos casos notificados de HIV. Vale ressaltar que a notificação compulsória de novas infecções pelo vírus foi oficializada apenas no ano de 2014 (Brasil, 2014bBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.271, de 6 de junho de 2014. Define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2014b. ), e a cada atualização anual do boletim, os números de casos (mesmo de décadas anteriores) sofrem significativos incrementos.

Poderia se supor que a defasagem supracitada está relacionada à recente compulsoriedade da notificação de novos casos de HIV. Contudo, o cenário de notificações de novos casos de AIDS é bem semelhante. Apesar de mais consistentes, essas também são morosas, sendo que entre os anos de 2011 a 2020, os novos casos notificados de AIDS por exposição sexual homossexual passaram de 3250 para 4112, e os por exposição bissexual passaram de 1247 para 1429; um aumento percentual de 26,52% e 14,59%, respectivamente, como apresentado no Gráfico 4 .

Essa progressão de notificações de novos casos referentes a anos anteriores a cada novo Boletim Epidemiológico alerta para a subnotificação – apesar da compulsoriedade do ato – e desproporcionalidade entre os dados institucionais e a situação epidemiológica real. Ainda, esse tipo de lacuna e a questionável fiabilidade dos dados institucionais podem estar contribuindo para o alastro de novos casos em diversos segmentos demográficos, principalmente entre os grupos que vêm encarando um gritante aumento nos índices e que sofrem de exposição mais suscetíveis a transmissão do vírus e seu consequente estigma, datado ainda do século passado quando eclodiu a primeira epidemia de HIV/AIDS.

Gráfico 4 .
Progressão das notificações de novos casos de AIDS no ano de 2009 por categoria de exposição sexual em homens maiores de 13 anos.

Em uma análise mais atenta, pode ser notado como as próprias instituições públicas reavivam e fortalecem vários estigmas e paradigmas relacionados ao HIV/AIDS: as peças publicitárias apontam transsexuais e profissionais do sexo como possíveis e prováveis vetores do vírus; a menção à morte e à incurabilidade estampam apenas os pôsteres que fazem uma alusão aos HSH; e a representação de casais heterossexuais é ausente em algumas campanhas (Lermen et al, 2020LERMEN, H. S. et al. Aids em cartazes: representações sobre sexualidade e prevenção da Aids nas campanhas de 1º de dezembro no Brasil (2013-2017). Interface, Botucatu, v. 24, e180626, 2020. DOI: 10.1590/Interface.180626
https://doi.org/10.1590/Interface.180626...
). É constante o alerta da necessidade de autovigilância, a demonização de corpos dissidentes e a imputação do medo (Lermen et al, 2020LERMEN, H. S. et al. Aids em cartazes: representações sobre sexualidade e prevenção da Aids nas campanhas de 1º de dezembro no Brasil (2013-2017). Interface, Botucatu, v. 24, e180626, 2020. DOI: 10.1590/Interface.180626
https://doi.org/10.1590/Interface.180626...
). Essas são apenas algumas das problemáticas apontadas nas campanhas do Ministério da Saúde, que se mostram também muito segmentadas por datas e eventos específicos, como o Carnaval e o Dezembro Vermelho 66 Campanha instituída pela Lei nº 13.504/2017 (Brasil, 2017b ), que marca uma grande mobilização em torno da prevenção, da assistência e da proteção dos direitos das pessoas que vivem com HIV/AIDS. , quando idealmente deveriam ser veiculadas ao longo de todo o ano.

Por último, é preciso se levar em conta o impacto da Pandemia do Covid-19 sobre a detecção de novos casos no ano de 2020 e, possivelmente, 2021. Os dados do Boletim Epidemiológico HIV/AIDS 2020 já mostram uma expressiva queda no ano de 2020, contudo, é imprescindível levarmos em conta que o isolamento social pode ter motivado muitas pessoas a não procurarem os serviços de saúde para o rastreio de ISTs.

A evolução dos serviços de tratamento e prevenção HIV/AIDS no Brasil

Os centros de testagem e aconselhamento (CTA) figuram como peça-chave na Política Nacional de Prevenção Combinada de HIV/Aids, que foca em diversos aspectos multidisciplinares ao incluir, principalmente, três eixos principais: intervenções biomédicas, intervenções comportamentais e intervenções estruturais 77 As abordagens biomédicas focam na redução do risco à exposição e no impedimento da transmissão entre sorodiscordantes; as comportamentais enfocam o oferecimento de um amplo conjunto de informações e conhecimentos para evitar ou gerir diferentes graus de risco de exposição; e as estruturais buscam alterar macroprocessos socioeconômico-político-culturais e estruturas centrais que criam ou potencializam vulnerabilidades em determinados segmentos sociais (Brasil, 2017a ). , reconhecendo que nenhuma ação isolada é capaz de frear a epidemia (Brasil, 2017aBRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes para organização do CTA no âmbito da Prevenção Combinada e nas Redes De Atenção À Saúde. Brasília, DF: Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, 2017a. ).

Os CTAs, com raízes ainda na década de 1980 com os Centros de Orientação e Apoio Sorológico (COASs), sofreram alterações estruturais e em suas políticas norteadoras, até culminarem em um modelo no qual a função de apoiador matricial 88 O Apoio Matricial em saúde é uma ferramenta de gestão do cuidado em saúde que visa oferecer suporte assistencial e suporte técnico-pedagógico à equipes de referência (Campos; Domitti, 2007 ). para as Redes de Atenção à Saúde (RAS) 99 As RAS partem do princípio da ordenação do cuidado em redes divididas hierarquicamente por níveis de complexidade e vigem a organização atual do SUS, dividindo-se em atenção básica (Atenção Primária) e atenção de média (Atenção Secundária) e alta complexidade (Atenção Terciária à Saúde) (Brasil, 2017d ). parece sobrepujar seu caráter primordial de serviço de atendimento especializado. Observa-se que o caráter deficitário e segmentar dessa abordagem não parece ter acompanhado apropriadamente a tendência de descentralização e regionalização dos serviços de saúde, agora centrados na população e no território.

Dentre as redes de atenção à saúde que podem ser matriciadas pelo CTA, há enfoque especial na Atenção Primária à Saúde (APS), haja vista duas funções primordiais desse nível: em primeiro lugar, a de porta de entrada nos serviços de saúde oferecidos pelo SUS; e, em segundo, sua característica de acompanhadora biopsicossocial a longo prazo do indivíduo e da história natural da doença, capaz de estabelecer um vínculo institucional horizontal orientado pelas necessidades de saúde, pelos riscos e pelas vulnerabilidades em diversos contextos socioculturais (Brasil, 2017aBRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes para organização do CTA no âmbito da Prevenção Combinada e nas Redes De Atenção À Saúde. Brasília, DF: Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, 2017a. ).

A APS tenciona organizar toda a rede de cuidado através duma abordagem com enfoque no território e na população, apontados como os pilares desse nível de atenção e a própria razão de existência das redes de cuidado. Esses elementos têm o potencial de subsidiar o planejamento e a gestão do cuidado dos serviços de saúde da APS, que por sua vez seria imprescindível para ordenação do cuidado em saúde e dos fluxos e demandas sanitárias nos demais níveis de atenção, incluindo o nível secundário no qual se enquadram os CTAs (Brasil, 2017dBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436 de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2017d. ).

A ampliação da cobertura da APS favorece o diagnóstico e o acompanhamento longitudinal do indivíduo e figura como peça fundamental no estabelecimento de vínculo com as pessoas usuárias dos serviços de saúde – especialmente aqueles que exercem práticas sexuais dissidentes, atuando como uma ponte entre o território (onde as relações e o desejo se estabelecem) e os serviços de saúde de média e alta complexidade (espaços onde a doença e o biológico transcendem a relação do sujeito com a doença e o processo de adoecimento). Essa lógica pode prejudicar a humanização do atendimento e desestimular a procura por atendimento e a manutenção do acompanhamento em saúde, contexto em que o fortalecimento da APS se mostra imprescindível (Almeida Filho, 2010ALMEIDA FILHO, N. DE. Reconhecer Flexner: inquérito sobre produção de mitos na educação médica no Brasil contemporâneo. Cadernos de Saúde Pública, Rio De Janeiro, v. 26, n. 12, p. 2234-2249, 2010. DOI: 10.1590/S0102-311X2010001200003
https://doi.org/10.1590/S0102-311X201000...
).

Políticas voltadas a populações-chave

Há algum tempo o Ministério da Saúde busca descentralizar o diagnóstico de ISTs, preconizando a distribuição de testes rápidos para o HIV e outras infecções em unidades da APS. Mais recentemente, a distribuição de autotestes (em que o próprio indivíduo colhe seu material biológico e interpreta os resultados do exame) está sendo ampliada, haja vista a possibilidade de atingir públicos que, devido ao estigma ou a qualquer outro motivo, não conseguem acessar os serviços de saúde (Brasil, 2022aBRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes para a distribuição do autoteste de HIV no Brasil. Brasília, DF: Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, 2022a. ). Se apropriadamente implementada, essa estratégia pode significar uma política sem precedentes para detecção de novos casos de HIV/AIDS principalmente entre o público-chave, estrato que, historicamente, mais sofre preconceito e discriminação relacionados ao vírus.

Outra importante estratégia que integra o rol das práticas de Prevenção Combinada no âmbito de intervenções biomédicas é a Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) 1010 Outros recursos preconizados pela Prevenção Combinada são: a PEP; o uso regular de preservativos; o diagnóstico oportuno e tratamento adequado de IST; a redução de danos; o gerenciamento de vulnerabilidades; a supressão da replicação viral pelo tratamento antirretroviral; e imunizações (Brasil, 2022d ). . O método consiste no emprego de antirretrovirais para redução de risco de contração do vírus HIV, sendo a eficácia amplamente relacionada à adesão ao tratamento (Brasil, 2022dBRASIL. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pré-exposição (PrEP) de risco à infecção pelo HIV. Brasília, DF: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pré-exposição (PrEP) de risco à infecção pelo HIV, 2022d. ).

Apesar da recente ampliação nas indicações da PreP e seu aceno a mulheres cisgênero, a estratégia é muito mais direcionada a outros segmentos, como parcerias sorodiscordantes e integrantes das populações-chave com histórico de repetição de práticas sexuais com penetração sem uso de preservativo, ampla frequência de relações sexuais com parcerias sexuais eventuais, grande quantidade e diversidade de parcerias, histórico relevante de IST, busca repetida por Profilaxia Pós-Exposição ao HIV (PEP) e troca de favores sexuais (Brasil, 2022dBRASIL. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pré-exposição (PrEP) de risco à infecção pelo HIV. Brasília, DF: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pré-exposição (PrEP) de risco à infecção pelo HIV, 2022d. ; Brasil, 2022eBRASIL. Ministério da Saúde. Nota Técnica nº 563/2022-CGAHV/.DCCI/SVS/MS. Brasília, DF: Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, 2022e. ).

Essa seletividade pode favorecer outra barreira de acesso ao direito à saúde uma vez que alguns usuários podem não confirmar alguns comportamentos por constrangimento, o que poderia ser evitado pela adoção de uma política de dispensação de PrEP por uma demanda mais espontânea após aconselhamento sobre usos e indicações da terapia, cenário em que a autonomia do usuário prevalece. A seletividade mencionada abre uma importante brecha para discussão da autonomia dos usuários no que concerne a políticas públicas de saúde voltadas para o tratamento e prevenção de IST. Em toda a última edição do protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para atenção integral às pessoas com ISTs (Brasil, 2022cBRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para atenção integral às pessoas com infecções sexualmente transmissíveis (IST). Brasília, DF: Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis, 2022c. ), a palavra “autonomia” aparece apenas duas vezes, indicando a manutenção de uma abordagem ainda higienista e impositiva que pouco ampara o direito de escolha do usuário ante as possibilidades que deveriam ser oferecidas à ele.

A também recente incorporação da PreP sob demanda é voltada apenas a homens cisgêneros e pessoas não-binárias designadas como sexo masculino ao nascer, em detrimento a posologia diária inicialmente adotada como única forma de emprego da estratégia, ao lado da aprovação da PreP Injetável pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e sua iminente comercialização e possível incorporação ao rol do SUS. Apesar disso, figuram como notáveis avanços (Brasil, 2022eBRASIL. Ministério da Saúde. Nota Técnica nº 563/2022-CGAHV/.DCCI/SVS/MS. Brasília, DF: Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, 2022e. ; Brasil, 2023 BRASIL. Ministério da Saúde. Anvisa aprova novo medicamento para prevenção do HIV. Brasília, DF: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), 12 jun. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2023/anvisa-aprovou-um-novo-medicamento-para-a-profilaxia-do-hiv#:~:text=O%20cabotegravir%20%C3%A9%20um%20antirretroviral,capacidade%20de%20infectar%20novas%20c%C3%A9lulas. Acesso em: 22 maio. 2024.
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).

Se por um lado a PreP, no âmbito da prevenção combinada, exerce um papel fundamental, suas indicações iniciais podem ser objeto de análises críticas. Uma vertente retoma a discussão em torno da autonomia do indivíduo frente a escolha de estratégias de prevenção, uma vez que a incorporação da terapia no SUS englobou apenas as populações-chave. Ainda, essa indicação restrita suscitou discussões quanto ao reforço de estigmas (Barp; Mitjavila; Ferreira, 2022BARP, L.; MITJAVILA, M.; FERREIRA, D. D. Gestão biopolítica da Aids: a homossexualidade como fonte de periculosidade social. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 46, n. spe7, p. 223-236, 2022. DOI: 10.1590/0103-11042022E716
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).

Barp, Mitjavila e Ferreira ( 2022BARP, L.; MITJAVILA, M.; FERREIRA, D. D. Gestão biopolítica da Aids: a homossexualidade como fonte de periculosidade social. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 46, n. spe7, p. 223-236, 2022. DOI: 10.1590/0103-11042022E716
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) criticam o direcionamento inicial da PreP como instrumento de biopoder que revalidou o discurso do homossexual masculino como sujeito socialmente perigoso e a necessidade de controlar as práticas sexuais desse grupo em defesa da segurança sanitária da população geral, uma vez que o sexo anal, historicamente associado a eles, e o próprio ânus figuram como uma ameaça e até mesmo perigo – além de antinaturais enquanto objeto de prazer.

Ademais, apesar da alta eficácia do método, o tratamento está disponível em apenas 249 unidades de saúde espalhadas pelo território nacional, sendo que o estado de São Paulo sozinho dispõe de 99 dessas unidades, percentual de 39,76% do total, enquanto outros da região Norte e Nordeste possuem apenas uma unidade que oferece o tratamento, como é o caso do Acre, de Alagoas, do Amazonas, do Maranhão, da Paraíba, do Pernambuco e do Roraima (Brasil, 2022b BRASIL. Ministério da Saúde. PrEP (Profilaxia Pré-Exposição). Brasília, DF: Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis, 2022b. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/assuntos/prevencao-combinada/prep-profilaxia-pre-exposicao/prep-profilaxia-pre-exposicao . Acesso em: 22 maio. 2024.
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).

O Sudeste concentra sozinho 57% (127) dos serviços que oferecem PrEP ( Gráfico 5 ); em seguida vêm o Sul com 15,26% (38), o Nordeste com 14,05% (35), o Centro-Oeste com 10,8 % (27) e, por último, o Norte com 8,03% (20) (Brasil, 2022b BRASIL. Ministério da Saúde. PrEP (Profilaxia Pré-Exposição). Brasília, DF: Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis, 2022b. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br/assuntos/prevencao-combinada/prep-profilaxia-pre-exposicao/prep-profilaxia-pre-exposicao . Acesso em: 22 maio. 2024.
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). Ao se analisar a localização desses serviços, fica evidente a concentração nas capitais estaduais e a baixa penetração em municípios de menor porte e em áreas interioranas, configurando uma iniquidade geopolítica de acesso.

Um paralelo entre a inacessibilidade a recursos de saúde em regiões interioranas e com menor Produto Interno Bruto (PIB) per capita e/ou grande concentração de renda e o que Mbembe ( 2018MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção e política da morte. São Paulo: n-1 edições, 2018. ) intitularia de necropolíticas pode ser estabelecido, uma vez que a inércia da gestão pública, em especial dos entes estaduais e federativos, no que tange a alocação e realocação de recursos humanos e pecuniários perpetua a tendência à pauperização e à interiorização do HIV/AIDS, como aponta Silva et al. ( 2023SILVA, A. M. et al. The epidemiological profile of Aids in Brazil in the period 2010-2020: Perfil epidemiológico da Aids no Brasil no período de 2010-2020. Concilium, v. 23, n. 16, p. 178-194, 2023. DOI: 10.53660/CLM-1889-23M77
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).

Gráfico 5 .
Serviços com Profilaxia Pré-Exposição ao HIV (PrEP) por Unidade Federativa, em ordem alfabética.

Problemáticas dos CTA: acesso, acolhimento e apoio matricial

É importante se apontar a existência de uma lacuna institucional no que tange à sistematização das informações referentes aos CTAs espalhados pelo território nacional e à publicação de dados relacionados a esses serviços de saúde, sendo o documento mais recente encontrado – e único – datado do final da primeira década deste século – ano de 2008. Desde então, nota-se uma rarefação nas publicações de documentos técnicos, orientações e normativas voltadas para o combate da infecção de HIV/AIDS no Brasil, sendo regular apenas as publicações anuais dos Boletins Epidemiológicos do HIV/AIDS, Relatórios de Monitoramento Clínico do HIV/AIDS e atualização de outros documentos de cunho instrutivo.

Em 2008, o Ministério da Saúde publicou os resultados do estudo “Diagnóstico Situacional dos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) do Brasil”. Segundo os dados, 43.3% dos estabelecimentos brasileiros exigem a identificação do usuário. Entende-se que essa conduta pode ser uma das barreiras para o acesso das populações vulneráveis ao serviço, ao passo que subvertem a ideia de que o anonimato, um dos princípios básicos e inaugurais desse serviço, minimiza os efeitos negativos do preconceito associado ao HIV/AIDS. Frisa-se que 60,9% dos CTAs que estão presentes em unidades básicas de saúde (UBSs) optam pela obrigatoriedade da identificação, enquanto esse percentual cai pela metade (27,6%) nos serviços não adscritos a nenhuma unidade de saúde (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Centros de Testagem e Aconselhamento do Brasil: Desafios para a eqüidade e o acesso. Brasília, DF: Secretaria de Vigilância em Saúde, 2008. ).

Alguns autores associaram o não resgate de resultados de testes em um CTA no estado do Rio de Janeiro – percentual de 62.9%, excluindo-se gestantes – a fatores como o acolhimento precário, a não garantia de direitos como o anonimato e confidencialidade e o atraso na entrega de resultados (Soares; Brandão, 2013), realidade contundente com as dinâmicas locais dos CTAs – apenas 53% dos serviços respeita o prazo de entrega de 15 dias (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Centros de Testagem e Aconselhamento do Brasil: Desafios para a eqüidade e o acesso. Brasília, DF: Secretaria de Vigilância em Saúde, 2008. ).

Esse atraso se associa a baixas taxas de retorno – 42% dos serviços tem essa entre 76 e 90%, e apenas 23% dos estabelecimentos apresentam taxas acima de 90%. O horário de funcionamento dos CTAs também é restrito na maioria das unidades, sendo que apenas 11,9% delas possuem turnos noturnos ou nos finais de semana (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Centros de Testagem e Aconselhamento do Brasil: Desafios para a eqüidade e o acesso. Brasília, DF: Secretaria de Vigilância em Saúde, 2008. ).

O atendimento proporcional a populações-chave é realidade em 50% dos serviços que funcionam em horário estendido – contra 27,3% dos estabelecimentos que funcionam em horário integral e 29,8% daqueles que funcionam em horário parcial. O débil direcionamento a populações vulneráveis expõe uma incompatibilidade entre o perfil epidemiológico dos casos de HIV/AIDS e a clientela atendida, sendo que apenas 39,8% dos CTAs em municípios com maior proporção de casos de AIDS, entre Hospital da Saúde da Mulher (HSM) e Unidade de Diagnóstico Integrado (UDI), atendem de forma prioritária estes segmentos (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Centros de Testagem e Aconselhamento do Brasil: Desafios para a eqüidade e o acesso. Brasília, DF: Secretaria de Vigilância em Saúde, 2008. ).

Entre HSM, essa iniquidade é aviltada em municípios de menor porte populacional, enquanto UDIs possuem melhor acesso ao serviço em municípios com população entre 200 mil e 500 mil habitantes – sugerindo a necessidade dos municípios de pequeno porte fortalecerem sua reduzida capacidade técnico-gerencial e financeira. Essa realidade pode ser um reflexo da escassez de práticas adequadas de acolhimento e atendimento de populações vulneráveis, que tendem a não procurar os serviços preventivos devido ao estigma e à exclusão (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Centros de Testagem e Aconselhamento do Brasil: Desafios para a eqüidade e o acesso. Brasília, DF: Secretaria de Vigilância em Saúde, 2008. ).

Um estudo do Ministério da Saúde aponta ainda que a maior parte das atividades extramuros não são direcionadas às populações-chave – apenas 39,7% dos CTAs as direcionam a esses segmentos, enquanto atividades de redução de danos ocorrem em somente 11,3% destes estabelecimentos (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Centros de Testagem e Aconselhamento do Brasil: Desafios para a eqüidade e o acesso. Brasília, DF: Secretaria de Vigilância em Saúde, 2008. ).

De modo semelhante, as atividades intramuros são realizadas em apenas 65% dos CTAs e 45% desses realizam atividades voltadas a populações-chave. Nesse contexto de iniquidade, atenta-se ainda para a problemática da baixa disponibilidade de insumos de prevenção de transmissão do HIV pelo uso de drogas injetáveis, sendo que apenas 1,8% dos CTA na região nordeste possuem kits de redução de danos em detrimento dos 15,9% nacionais. Quanto aos insumos para prevenção por transmissão via sexual, 81,2% dos CTA não possuem o conjunto completo, sendo o gel lubrificante e o preservativo masculino de 49 mm os itens mais escassos, presentes em 30,3% e 59,7% dos serviços, respectivamente (Brasil, 2008BRASIL. Ministério da Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Centros de Testagem e Aconselhamento do Brasil: Desafios para a eqüidade e o acesso. Brasília, DF: Secretaria de Vigilância em Saúde, 2008. ).

O matriciamento das RAS por parte dos CTAs é outro grande desafio. Muitas vezes, capacitações pontuais são referidas como matriciamento, associação equivocada uma vez que esse é um processo contínuo que contempla itens como relação de interconsultas, visitas às RAS, supervisão, comunicação, capacitação continuada e capacitação para aconselhamento. O espaço para o aconselhamento dentro das capacitações acaba muitas vezes sendo referido como escasso, causando frustrações nos profissionais dos serviços matriciados pois se nota a sobrepujação de tecnologias duras em detrimento à tecnologias leves 1111 As tecnologias em saúde são classificadas em três categorias: tecnologia dura, relacionada a equipamentos tecnológicos, normas, rotinas e estruturas organizacionais; leve-dura, que compreende todos os saberes bem estruturados no processo de saúde; e a leve, que se refere às tecnologias de relações, de produção de comunicação, de acolhimento, de vínculos, de autonomização (Silva; Alvim; Figueiredo, 2008 ). (Rocha, 2016ROCHA, K. B. et al. Transversalizando a rede: o matriciamento na descentralização do aconselhamento e teste rápido para HIV, sífilis e hepatites. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 40, n. 109, p. 22-33, 2016. DOI: 10.1590/0103-1104201610902
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).

Como uma tecnologia leve, o aconselhamento (tanto quando realizado no próprio CTA quanto nas RAS) deve evitar postura diretiva e/ou protocolar, escapando da racionalidade científica e econômica e da perspectiva mercadológica. O aconselhamento-relação – em detrimento ao aconselhamento-instrução – ganha grande enfoque nesse sentido, visto que se alicerceia em meio a tecnologias leves, horizontalidade relacional, respeito a individualidades e ao protagonismo do paciente (Galindo; Francisco; Rios, 2013GALINDO, W. C. M.; FRANCISCO, A. L.; RIOS, L. F. Proposições para a formação de aconselhadores em HIV/Aids. Physis, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 741-761, 2013. DOI: 10.1590/S0103-73312013000300005
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). Em contraponto a essas indicações, o aconselhamento é obrigatório para testagem em 80,3% dos serviços, sendo que apenas 7,2% não o exigem para a entrega dos resultados – para entrega de preservativos, 70,7% dos serviços exigem procedimentos como aconselhamento e identificação.

Elementos de acolhimento foram transformados em verdadeiras tecnologias de coação e constrangimento, como a imposição da obrigatoriedade do aconselhamento – uma tecnologia leve que deveria primar pelo estabelecimento de vínculo com o usuário e corresponsabilização pelas decisões individuais – para acesso aos serviços de testagem e recolhimento de insumos preventivos. Apesar de um discurso que engloba métodos de prevenção estruturais e comportamentais, ainda impera a hegemonia de um discurso biomédico paternalista e opressor.

Tais posturas protocolares e impositivas contribuem com as iniquidades em saúde e para a perpetuação da demonização de sujeitos envoltos em práticas sexuais dissidentes, em que mais uma vez o poder biomédico impõe o que Foucault se referiu como disciplinarização dos corpos, sendo, em minúcia, a forma que os indivíduos displicentes que se negam a se adequar às normas sofrem com a descaracterização do sujeito como ser humano e cidadão dotado de direitos civis, refutando o próprio direito a existir (Sáez Del Álamo, 2007SÁEZ DEL ÁLAMO, J. El contexto sociopolítico de surgimiento de la teoría queer. De la crisis del sida a Foulcault. In: CÓRDOBA, D.; SÁEZ DEL ÁLAMO, J.; VIDARTE, P. Teoria Queer: Políticas Bolleras, Maricas, Trans, Mestizas. Madri: Egales, 2007. p. 67-76. ; Foucault, 1979FOUCAULT, M. Microfísica do poder. io de Janeiro: Graal, 1979. ).

Exclusão de minorias que compõe as populações-chave e o desfalecimento do SUS

Já na quarta década da epidemia do HIV/AIDS e mais de três décadas após a coalizão de grupos historicamente marginalizados para o enfrentamento da epidemia e do estigma social e sanitário, a contemplação desses indivíduos nas ações das autoridades de saúde se deu em âmbito normativo, mas nem sempre na prática. Gritantes disparidades socioeconômica-política-culturais ainda impedem ou dificultam o acesso aos serviços de saúde de alguns grupos que não apenas os HSH e a população negra.

Outros grupos, como transsexuais, travestis, trabalhadoras do sexo e a população carceraria, nem chegam a constar nos dados institucionais do Ministério da Saúde – leia-se boletins epidemiológicos. Isso expõe uma enorme contradição entre o que se vê nas diretrizes e nas normativas e a realidade dos serviços de saúde e da própria administração da pasta sanitária, que reconhece a vulnerabilidade de alguns grupos, mas insiste em não realizar análises e estudos institucionais mais aprofundados sobre a transmissão e prevalência do vírus em alguns segmentos sabidamente atingidos de maneira desproporcional e desigual.

Esse cenário vai de encontro com as proposições de Foucault ( 1979FOUCAULT, M. Microfísica do poder. io de Janeiro: Graal, 1979. ) sobre biopoder e o poder de disciplinarização das instituições – o Estado, a medicina, a religião, a escola, a família, a mídia – que retroalimentam a produção de corpos perversos e degenerados segundo as próprias verdades desses dispositivos. A vida e o acesso à saúde se tornam um privilégio para poucos, ao passo que corpos e vivências dissidentes são massiva e invisivelmente esmagados por essas seculares instituições produtoras de verdades amplamente aceitas, insidiosamente permeando e influenciando a vida de todos.

Como já discutido, a epidemia HIV/AIDS é apenas um desdobramento mais visível de mecanismos de controle que permitem que milhares de vidas sejam ceifadas todos os anos. Apesar de não ser completamente claro o grau de dispersão do vírus sobre algumas populações, entre as em que isso já é sabido, pouco ou nada é feito para se amenizar essa realidade. O conhecimento do real impacto da epidemia sobre as populações já analisadas é também questionável, ainda mais ao avaliarmos a morosidade na consolidação de dados oficiais institucionais – vide Gráfico 5 – que sugere que os reais cenários de novas infecções são uma incógnita subestimada.

A própria proposta da prevenção combinada, ao reconhecer que nenhum método de prevenção pode ser capaz de frear a epidemia quando empregado de modo isolado, admite o fracasso das estratégias que vêm se desenrolando de fato nos serviços de saúde e na retórica do Ministério da Saúde. Métodos de barreira, como o uso de preservativos, já não são mais suficientes para impedir a transmissão do HIV, principalmente com a questionável adesão entre os jovens (Gutierrez et al., 2019GUTIERREZ, E. B. et al. Fatores associados ao uso de preservativo em jovens – inquérito de base populacional. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 22, e190034, 2019. DOI: 10.1590/1980-549720190034
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). Parece completamente retrógrado e contraproducente insistir somente no discurso do uso de preservativos quando há outras profilaxias alternativas, como a PrEP – terapia altamente eficaz se corretamente administrada pelo usuário.

Ademais, as campanhas publicitárias se mostram cada vez menos dirigidas a populações-chave e nichos de interesse como os HSH, sendo essa uma tendência temporal crescente a partir do ano de 2013, ao passo que as estratégias de prevenção combinada dirigidas a todos os públicos passaram a ser priorizadas (Lermen et al., 2019). A mesma falta de direcionamento pode ser notada em relação à população negra – principalmente mulheres que sofrem com a vulnerabilidade interseccional gênero-raça –, que pode estar enfrentando desafios ainda maiores relacionados ao racismo institucional e a dificuldade histórica de acesso aos serviços de saúde, sobretudo em comunidade socioeconomicamente vulneráveis (Santos, 2016SANTOS, N. J. S. Mulher e negra: dupla vulnerabilidade às DST/HIV/aids. Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 25, n. 3, p. 602-618, 2016. DOI: 10.1590/S0104-129020162627
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; Lermen et al., 2019; Silva et al., 2020SILVA, N. M. et al. Acesso da população negra a serviços de saúde: revisão integrativa. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 73, n. 4, e20180834, 2020. DOI: 10.1590/0034-7167-2018-0834
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).

O subfinanciamento do SUS e consequente enfraquecimento de toda a rede de atenção voltada à prevenção e tratamento de IST é também uma preocupante realidade, particularmente após a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos (Brasil, 2016aBRASIL. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2016a. ; Menezes; Moretti; Reis, 2019MENEZES, A. P. R; MORETTI, B.; REIS, A. A. C. O futuro do SUS: impactos das reformas neoliberais na saúde pública – austeridade versus universalidade. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 43, n. spe5, p. 58-70, 2019. DOI: 10.1590/0103-11042019S505
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). Nesse cenário de escassez de recursos financeiros, a descentralização das RAS se mostra imprescindível para a concretização de ações que consigam atingir um público maior e mais diverso através da APS – que deve combater seus algozes como a falta de confidencialidade na testagem diagnóstica de IST –, muitas vezes o único nível de atenção acessível ao usuário.

Por último, ressalta-se que desdobramentos da crise sanitária causada pela pandemia do covid-19 acabaram atingindo também os estoques de antirretrovirais empregados para o tratamento do HIV/AIDS, expondo fragilidades da administração sanitária federal e o descaso e desdém de governantes, que vêm sistematicamente criticando e ameaçando políticas e estratégias de combate ao HIV/AIDS –que um dia foram tão vanguardistas e promissoras a ponto de serem referência em âmbito internacional.

Considerações finais

Os queer e desconstrucionistas de entendimentos profundamente violentos e o contexto no qual se formularam foram imprescindivelmente marcantes e decisivos para as conquistas alcançadas por grupos historicamente marginalizados e estigmatizados, ensejando a criação de estratégias e políticas a nível mundial para o combate da epidemia do HIV/AIDS que não os invisibilizasse em teoria, mas prezassem pela equidade no tratamento e prevenção do vírus.

Na contemporaneidade, os movimentos queer ou, como nomeia Leandro Colling ( 2015COLLING, L. Que os outros sejam o normal: tensões entre movimento LGBT e ativismo queer. Salvador: EDUFBA, 2015. ), movimentos de dissidência sexual e de gênero, têm produzido tensões nos entendimentos sociais sobre as sexualidades e os gêneros que escapam da heteronormatividade, bem como fissuras no modo de as pessoas soropositivas se relacionarem com o HIV/AIDS. Mesmo que tais tensões não tenham sido aqui examinadas, vale destacar que entendemos não só como necessário, mas também como imperativo que as políticas públicas levem em consideração as miradas dos e das sujeitas que vivem com HIV/AIDS em suas elaborações, prezando pela autonomia individual, desprezada pelas atuais políticas de saúde brasileiras.

Os indivíduos que figuram como população-chave nos fundamentos de estratégias preventivas permanecem no exílio da memória em ações dos serviços de saúde ou encontram dificuldades para seu acesso, grandes contradições que podem estar contribuindo para o crescente aumento no número de novas infecções pelo HIV/AIDS entre os segmentos demográficos mais suscetíveis e vulneráveis socioeconômica-política-culturalmente.

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    » https://doi.org/10.1590/S0103-73312013000300003

  • 1
    Os DSS são condicionados pelos fatores intrínsecos a vida e ao trabalho dos sujeitos que influenciam nos problemas de saúde e fatores de risco, possuindo grande potencial preditivo sanitário e epidemiológico, revelando-se como uma proficiente ferramenta para o combate da epidemia HIV/AIDS e para o estabelecimento de segmentos populacionais de interesse para ações de promoção e prevenção em saúde (Buss; Pellegrini, 2007).
  • 2
    Os chamados “grupos de risco” ainda se constituem como uma sombra, tanto no que concerne ao entendimento amplo da população sobre as pessoas homossexuais, como, ainda, na visão do Estado e de suas políticas. No entanto, devido sobretudo ao labor militante de grupos vinculados aos Direitos Humanos e influentes pesquisadores, como José Ricardo Ayres e Vera Paiva, a partir da década de 1980 a expressão “grupo de risco” vem paulatinamente sendo substituída pelo conceito de vulnerabilidade (Ayres, 1996AYRES, J. R. O jovem que buscamos e o encontro que queremos ser: a vulnerabilidade como eixo de avaliação de ações preventivas do abuso de drogas, DST e AIDS entre crianças e adolescentes. In: TOZZI, D. A. et al (Org.). Papel da educação na ação preventiva ao abuso de drogas e as DST/AIDS. n. 29. São Paulo: Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), 1996. p. 15-24. ; Paiva, 1998PAIVA, V. Vulnerabilidade, vulneradolescentes. Interface, Botucatu, v. 1, p. 133-136, 1998. DOI: 10.1590/S1414-32831998000200011
    https://doi.org/10.1590/S1414-3283199800...
    ; Paiva et al, 1998PAIVA, V. et al. AIDS, Vulnerability and Gender. Women’s Health Collection, Santiago, v. 3, p. 34-38, 1998. ; Ayres, 1999AYRES, J. R. et al. Vulnerabilidade e prevenção em tempos de Aids. In: BARBOSA, R. M.; PARKER, R. (Org.). Sexualidades pelo avesso: direitos, identidades e poder. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999. ). Para um maior aprofundamento quanto a essa questão, ver Carmo e Guizardi ( 2018CARMO, M. E.; GUIZARDI, F. L. O conceito de vulnerabilidade e seus sentidos para as políticas públicas de saúde e assistência social. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 34, n. 3, e00101417, 2018. DOI: 10.1590/0102-311X00101417
    https://doi.org/10.1590/0102-311X0010141...
    ).
  • 3
    Necropolíticas envolvem complexos macroprocessos sociais e políticos com o poder de ditar a morte (ou não) de determinados corpos, indivíduos e grupos (Mbembe, 2018MBEMBE, A. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção e política da morte. São Paulo: n-1 edições, 2018. ).
  • 4
    A relação sexual anal é uma prática comum na população de homens que fazem sexo com homens. Em relações sexuais entre sorodiscordantes, aponta-se que a relação anal receptiva desprotegida é uma via mais suscetível para trasmissão do HIV em comparação estatística com a relação anal insertiva e a relação oral sem ejaculação na cavidade oral (Hallal et al, 2015HALLAL, R. C. et al. Estratégias de prevenção da transmissão do HIV para casais sorodiscordantes. Revista Brasileira de Epidemiologia, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 169-182, 2015. DOI: 10.1590/1809-4503201500050013
    https://doi.org/10.1590/1809-45032015000...
    ).
  • 5
    No que tange as iniquidades mercadológicas, frisa-se a crítica ao monopólio de poderosas indústrias farmacêuticas em tratamentos para o HIV/AIDS, restringindo o acesso a terapia medicamentosa a um seleto grupo de pessoas com alto poder aquisitivo.
  • 6
    Campanha instituída pela Lei nº 13.504/2017 (Brasil, 2017bBRASIL. Lei Federal nº 13.504, de 7 de novembro de 2017. Institui a campanha nacional de prevenção ao HIV/AIDS e outras infecções sexualmente transmissíveis, denominada Dezembro Vermelho. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2017b. ), que marca uma grande mobilização em torno da prevenção, da assistência e da proteção dos direitos das pessoas que vivem com HIV/AIDS.
  • 7
    As abordagens biomédicas focam na redução do risco à exposição e no impedimento da transmissão entre sorodiscordantes; as comportamentais enfocam o oferecimento de um amplo conjunto de informações e conhecimentos para evitar ou gerir diferentes graus de risco de exposição; e as estruturais buscam alterar macroprocessos socioeconômico-político-culturais e estruturas centrais que criam ou potencializam vulnerabilidades em determinados segmentos sociais (Brasil, 2017aBRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes para organização do CTA no âmbito da Prevenção Combinada e nas Redes De Atenção À Saúde. Brasília, DF: Departamento de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, 2017a. ).
  • 8
    O Apoio Matricial em saúde é uma ferramenta de gestão do cuidado em saúde que visa oferecer suporte assistencial e suporte técnico-pedagógico à equipes de referência (Campos; Domitti, 2007CAMPOS, G. W. de S.; DOMITTI, A. C. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 399-407, 2007. DOI: 10.1590/S0102-311X2007000200016
    https://doi.org/10.1590/S0102-311X200700...
    ).
  • 9
    As RAS partem do princípio da ordenação do cuidado em redes divididas hierarquicamente por níveis de complexidade e vigem a organização atual do SUS, dividindo-se em atenção básica (Atenção Primária) e atenção de média (Atenção Secundária) e alta complexidade (Atenção Terciária à Saúde) (Brasil, 2017dBRASIL. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.436 de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2017d. ).
  • 10
    Outros recursos preconizados pela Prevenção Combinada são: a PEP; o uso regular de preservativos; o diagnóstico oportuno e tratamento adequado de IST; a redução de danos; o gerenciamento de vulnerabilidades; a supressão da replicação viral pelo tratamento antirretroviral; e imunizações (Brasil, 2022dBRASIL. Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das Infecções Sexualmente Transmissíveis, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, Secretaria de Vigilância em Saúde, Ministério da Saúde. Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pré-exposição (PrEP) de risco à infecção pelo HIV. Brasília, DF: Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para profilaxia pré-exposição (PrEP) de risco à infecção pelo HIV, 2022d. ).
  • 11
    As tecnologias em saúde são classificadas em três categorias: tecnologia dura, relacionada a equipamentos tecnológicos, normas, rotinas e estruturas organizacionais; leve-dura, que compreende todos os saberes bem estruturados no processo de saúde; e a leve, que se refere às tecnologias de relações, de produção de comunicação, de acolhimento, de vínculos, de autonomização (Silva; Alvim; Figueiredo, 2008SILVA, D. C.; ALVIM, N. A. T.; FIGUEIREDO, P. A. Tecnologias leves em saúde e sua relação com o cuidado de enfermagem hospitalar. Escola Anna Nery, Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 291-298, 2008. DOI: 10.1590/S1414-81452008000200014
    https://doi.org/10.1590/S1414-8145200800...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Dez 2022
  • Aceito
    02 Fev 2024
  • Revisado
    13 Maio 2024
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br