Resumo
Diante das evidências científicas acerca dos malefícios à saúde do consumo de alimentos ultraprocessados, a regulação dos ambientes alimentares vem sendo priorizada como forma de promover uma alimentação adequada e saudável. Nesse contexto, foi proposto o Projeto de Lei 4198/2021 na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, para proibir o comércio de ultraprocessados nas escolas do estado. Na segunda sessão em plenário da proposição, houve ampla utilização de retóricas conservadoras pelos deputados contrários. Neste presente ensaio foram classificados esses posicionamentos, encontrando-se pontos comuns entre eles, à luz da análise da tramitação legislativa. Ao realizar essa categorização, foi possível identificar três bases argumentativas exploradas: a defesa da liberdade de comércio; o direito à “pátria família”, de primazia da família na educação infantojuvenil; e a responsabilização individual da obesidade. Tais retóricas foram analisadas em conjunto com suas contraposições, presentes nas conclusões da literatura especializada. Para além da pluralidade de ideias do debate legislativo, foi possível identificar como a discussão do PL 4198/21 foi permeada pela reprodução de desinformação e violência. Desse modo, o escrutínio das retóricas conservadoras utilizadas e a compreensão do contexto dessa discussão são contribuições aqui propostas para a consolidação do repertório de defesa da saúde de crianças e adolescentes.
Palavras-chave:
Ambientes Alimentares; Alimentos Ultraprocessados; Alimentação Adequada E Saudável; Retóricas Conservadoras; Conservadorismo
Introdução
No dia 10 de maio de 2022, o Projeto de Lei (PL) nº 4.198/2021 foi à discussão na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ). A iniciativa prevê a regulação da alimentação escolar no estado e estava em segunda votação, com aprovação entre os deputados estaduais no primeiro turno. O debate foi acalorado na tribuna, gerando uma comoção que deixou evidente o desconhecimento científico sobre o tema, bem como o uso de retóricas conservadoras em oposição a políticas garantidoras de ambientes alimentares saudáveis para crianças e adolescentes.
O projeto determina a proibição da “utilização e comercialização de alimentos ultraprocessados nas cantinas e demais locais de venda de produtos e alimentos nas escolas públicas e privadas do Estado do Rio de Janeiro” (art. 1º, do P L nº 4.198/2021). Restringe, portanto, a venda de produtos considerados prejudiciais à saúde no espaço escolar, o que gerou uma reação de parlamentares em prol da liberdade comercial e de consumo.
Acerca da legislação voltada ao público infantojuvenil, a primazia da alimentação e da nutrição adequada no início da vida se associa, em seu caráter biológico, à especial proteção dessas pessoas. Isso tendo em vista que após a Segunda Guerra Mundial, ocorreu um desenvolvimento global sobre a temática, com a construção da Convenção Internacional dos Direitos da Criança em 1959, a partir da qual o direito internacional passou a entender as crianças e adolescentes como sujeitos de direito (Brasil, 2020BRASIL. Projeto BRA/11/008. Análise da publicidade e práticas comerciais destinadas às crianças e adolescentes e suas limitações pelo ordenamento jurídico brasileiro e no direito comparado. Brasília, DF, Portal da Câmara dos Deputados, 2020. ).
Por sua vez, a Constituição Federal de 1988 garante em seu artigo 227 a proteção integral aos infantes, determinando à família, à sociedade e ao Estado o dever de cuidar desses vulneráveis para se cumprir os direitos estabelecidos em lei. Rege também o ordenamento o princípio do “melhor interesse do menor”, segundo o qual todo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deve ser interpretado para a proteção do incapaz, preservando a sua autonomia progressiva e garantindo o seu desenvolvimento saudável (Brasil, 2020BRASIL. Projeto BRA/11/008. Análise da publicidade e práticas comerciais destinadas às crianças e adolescentes e suas limitações pelo ordenamento jurídico brasileiro e no direito comparado. Brasília, DF, Portal da Câmara dos Deputados, 2020. , p. 43).
Desse modo, se existem evidências científicas já incorporadas na legislação nacional sobre os impactos negativos do consumo de alimentos ultraprocessados na saúde de crianças e adolescentes, é dever do Estado e da sociedade fazer valer o direito à saúde e garantir as devidas regulações. Como o ambiente escolar é reconhecido como cenário estratégico para a promoção da alimentação adequada e saudável, o PL nº 4198/2021 se revela como um potente instrumento normativo para a incidência pública diante do crescimento da obesidade e doenças crônicas.
Ressalta-se que a discussão ocorreu em um contexto de tramitação de diversas iniciativas com perspectiva de limitar o acesso a alimentos ultraprocessados por crianças e adolescentes, tanto na ALERJ quanto em outras casas parlamentares do estado. Afinal, diante da publicação do Guia Alimentar para a População Brasileira (Brasil, 2014BRASIL. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014. ), – que lançou luz para os impactos negativos do processamento de alimentos na saúde humana – profissionais e ativistas se encontram em uma longa caminhada para a proteção da saúde de crianças e adolescentes por meio da regulamentação da oferta desses alimentos nocivos. A reação ao projeto parte, portanto, de um enfrentamento ao avanço normativo em curso, e representa o desenvolvimento dos argumentos de oposição às medidas de promoção da segurança alimentar e nutricional.
Para construir esta análise, foi realizado um estudo sobre os pronunciamentos feitos na referida sessão. Com a observação e categorização das posições apresentadas , em conjunto com a observação da tramitação legislativa, observa-se um movimento na literatura dedicado a analisar os debates sobre regulamentação de alimentos em discussões no Legislativo (Vogeler et al, 2021VOGELER, C. S. et al. Agri‐food technology politics: Exploring policy narratives in the European Parliament. European Policy Analysis, Hoboken, v. 7, n. S2, p. 324-343, 2021. DOI: 10.1002/epa2.1114
https://doi.org/10.1002/epa2.1114... ; Leite, 2013LEITE, F. de A. A notícia e o discurso: o caso da regulamentação da publicidade de alimentos infantis ultraprocessados no Brasil. 2013. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. ; Triche; Grisa, 2015TRICHES, R. M.; GRISA, C. Entre mudanças e conservadorismos: uma análise dos programas de aquisição de alimentos (PAA e PNAE) a partir da retórica da intransigência. Nera, Presidente Prudente, n. 26, n. 18, p. 10-27, 2015. DOI: 10.47946/rnera.v0i26.3569
https://doi.org/10.47946/rnera.v0i26.356... ). Vale destacar que o escrutínio das retóricas de parlamentares em plenário se trata de um olhar sobre o Estado e seus representantes, cujas posições podem se tornar regras com o poder de submeter os cidadãos (Bourdieu, 2014BOURDIEU, P. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. ). Isso significa que, ainda que todo discurso gere efeitos, o debate legislativo apresenta um caráter de poder institucional que torna tais posições ainda mais relevantes e potencialmente normativas. Além disso, os parlamentares se encontram sob caráter de fé pública, segundo a qual se presume a veracidade e legalidade das alegações proferidas. Desse modo, compreender as argumentações utilizadas é fundamental para se realizar um contraponto que consolide políticas promotoras de saúde voltadas ao público infantojuvenil, sendo esse o objetivo do presente texto.
O Projeto de Lei nº 4.198/2021
O PL nº 4.198/2021 apresenta, como principal objetivo, a proibição da comercialização e utilização de produtos ultraprocessados nas cantinas das escolas do Rio de Janeiro. A proposta utiliza a definição de alimentos ultraprocessados do Guia Alimentar Para a População Brasileira (Brasil, 2014BRASIL. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014. ) e traz um rol de quais produtos seriam restritos. Além disso, faz referência à valorização da cultura alimentar local e práticas produtivas ambientalmente sustentáveis, estabelecendo a priorização da oferta de espécies da estação e de produção local ou regional (preferencialmente originárias de produção orgânica e agroecológica). Limita também a atuação da indústria dentro das escolas, proibindo a realização de propaganda, patrocínio ou promoção por parte de setores que comercializam ultraprocessados.
Os produtos ultraprocessados são formulações industriais de substâncias extraídas ou derivadas de alimentos, com pouco ou nenhum alimento inteiro em sua composição, e em que tipicamente se adicionam flavorizantes, corantes, emulsificantes e demais químicos que modificam os seus atributos sensoriais. Os ingredientes e os procedimentos utilizados visam criar produtos de baixo custo, hiperpalatáveis e convenientes (Brasil, 2014BRASIL. Guia alimentar para a população brasileira. 2. ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2014. ; MONTEIRO et al., 2019MONTEIRO, C. A. et al. Ultra-processed foods, diet quality, and health using the NOVA classification system. Rome: FAO, 2019. ). Tal denominação tem como origem a classificação NOVA, criada em 2009 por cientistas brasileiros, que divide os alimentos em quatro grupos, segundo o grau de processamento a que são submetidos: alimentos in natura ou minimamente processados; ingredientes culinários; alimentos processados; e alimentos ultraprocessados. Desde então, a classificação foi sendo aprimorada, e é atualmente amplamente aceita na comunidade científica global, tendo sido endossada por diversos organismos e instituições nacionais e internacionais (NUPENS-USP, 2021 NUPENS USP. A classificação NOVA. Nupens USP, São Paulo, 2021. Disponível em: https://www.fsp.usp.br/nupens/a-classificacao-nova/ . Acesso em: 4 jul. 2023.
https://www.fsp.usp.br/nupens/a-classifi... ).
Uma vasta produção científica evidenciou que alimentos ultraprocessados possuem, em conjunto: maior densidade energética; mais açúcar livre e gorduras não saudáveis; e menos fibras, proteínas e micronutrientes do que alimentos não ultraprocessados, e que sua aquisição ou consumo é sistematicamente associado à deterioração da qualidade nutricional da alimentação (Marron-Ponce et al., 2019MARRÓN-PONCE, J. A. et al. Associations between Consumption of Ultra-Processed Foods and Intake of Nutrients Related to Chronic Non-Communicable Diseases in Mexico. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, Amsterdam, v. 119, n. 11, p. 1852-1865, 2019. DOI: 10.1016/j.jand.2019.04.020
https://doi.org/10.1016/j.jand.2019.04.0... ; Louzada et al., 2018). Padrões alimentares baseados em ultraprocessados se associam significativamente a desfechos negativos de saúde, como obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão e outras doenças cardiovasculares, crescimento ósseo, cânceres em geral, asma em crianças, disfunções renais e mortes prematuras (Neri et al., 2022NERI, D. et al. Ultraprocessed food consumption and dietary nutrient profiles associated with obesity: A multicountry study of children and adolescents. Obesity Reviews: An Official Journal of the International Association for the Study of Obesity, Oxford, v. 23, Suppl. 1, e13387, 2022. DOI: 10.1111/obr.13387
https://doi.org/10.1111/obr.13387... ).
No entanto, cabe destacar que o consumo desses alimentos tem crescido exponencialmente em todo o mundo, gerando um cenário extremamente preocupante. No Brasil, pesquisas de aquisição de gêneros alimentícios para o consumo domiciliar, realizadas nas áreas metropolitanas entre 1987-1988 e 2008-2009 (Martins et al., 2013MARTINS, A. P. B. et al. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Revista De Saúde Pública, São Paulo, v. 47, n. 4, p. 656-665, 2013. DOI: 10.1590/S0034-8910.2013047004968
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20130... ), e no país como um todo entre 2002-2003 e 2017-2018 (IBGE, 2020), apontam elevação na participação desses produtos e redução concomitante dos alimentos in natura ou minimamente processados na dieta dos brasileiros e brasileiras. Ademais, , a venda mundial desses itens aumentou em 43,7% entre os anos de 2000 e 2013, e no mesmo período, ocorreu no Brasil o aumento de 30,6% na venda a varejo per capita (OPAS, 2018 OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde. Alimentos e bebidas ultraprocessados na América Latina: tendências, efeito na obesidade e implicações para políticas públicas. Brasília, DF, OPAS, 2018. Disponível em: https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/34918/9789275718643-por.pdf?sequence=5&isAllowed=y . Acesso em: 24 mar. 2023.
https://iris.paho.org/bitstream/handle/1... ).
Nesse contexto, é notório adotar que uma alimentação saudável não é meramente questão de escolha individual, uma vez que a disponibilidade de alimentos e estabelecimentos nos espaços nos quais os sujeitos se encontram influenciam diretamente suas escolhas (Turner et al, 2018TURNER, C. et al. Concepts and critical perspectives for food environment research: A global framework with implications for action in low- and middle-income countries. Global Food Security, Amsterdam, v. 18, p. 93-101, 2018. DOI: 10.1016/j.gfs.2018.08.003
https://doi.org/10.1016/j.gfs.2018.08.00... ). Assim, estar inserido em um ambiente no qual predomina a oferta de ultraprocessados é um fator importante para o consumo de tais alimentos, o que faz com que intervenções ambientais e políticas públicas sejam estratégias imensamente promissoras para a melhoria da saúde de toda a população (Pineda et al, 2023PINEDA, E. et al. Association of the retail food environment, BMI, dietary patterns, and socioeconomic position in urban areas of Mexico. PLOS Global Public Health, California, v. 3, n. 2, e0001069, 2023. DOI: 10.1371/journal.pgph.0001069
https://doi.org/10.1371/journal.pgph.000... ).
A tramitação do Projeto de Lei nº 4198/2021
Existe no estado do Rio de Janeiro a Lei nº 4.508/2005, que proíbe a comercialização e a distribuição de alimentos que contribuem para a obesidade infantil nas cantinas escolares. Apesar da relevância dessa norma, sua redação está ultrapassada, pois desde a publicação muito se avançou no debate sobre o processamento de alimentos. Destarte, o PL nº 4.198/2021 foi prejudicado em sua tramitação por tratar do mesmo tema que a lei em vigor. Para tentar salvar a proposta, a Comissão de Constituição e Justiça emitiu um parecer transformando o PL nº 4.198/2021 em um projeto de alteração da Lei nº 4.508/2005.
Ele foi a Plenário em discussão da primeira votação e recebeu 39 emendas, retornando às comissões da Assembleia Legislativa. A maioria delas eram de autoria de deputados que defendem a primazia da liberdade de comércio e consumo, e objetivavam diminuir o alcance da propositura, com a supressão de artigos importantes ou alteração completa do seu conteúdo. O parecer da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) sobre as emendas foi de rejeição da maioria delas e união do texto original do PL nº 4.198/2021 com o texto da Lei nº 4.805/2005, transformando-o em PL 4198A/2021.
Cabe assinalar que, em paralelo à discussão na Assembleia Legislativa, também estava em debate na Câmara de Vereadores da capital fluminense uma iniciativa que visava a regulação da alimentação escolar com a restrição dos alimentos ultraprocessados, o PL nº 1.662/2019. Essa proposição municipal sofreu interferência explícita da indústria, que enviou um documento assinado pela Associação Brasileira da Industria de alimentos (ABIA) e por outras seis organizações. O seu conteúdo é de relativização da classificação do processamento de alimentos, cuja formulação está consolidada no campo da nutrição e da saúde, além da contrariedade na regulação do acesso a esse tipo de produto no ambiente escolar.
Muitos dos argumentos desenvolvidos no referido documento da indústria foram identificados nas falas dos deputados durante a discussão do P L 4198/2024, ficando nítido como a influência de representantes comerciais, com foco no lucro de determinados agentes privados, é um dos pontos de tensão do avanço legislativo em torno da promoção da alimentação adequada e saudável. No Brasil, a indústria de alimentos utiliza diversas estratégias para se apoderar dessa pauta no debate público.
Retóricas utilizadas na segunda discussão do Projeto de Lei nº 4.198/2021
Na discussão do PL nº 4.198A/2021, ocorrida na sessão do dia 10 de maio de 2022, foi possível notar a prevalência de posições específicas de oposição à iniciativa: (1) a defesa da “liberdade”, em contraposição à interferência do Estado na vida da população; (2) o direito à “pátria família”, afirmando-se o poder da família sobre a criação dos filhos acima do poder do Estado; (3) e o reforço do estigma, tratando a obesidade com uma questão de comportamento individual e de cunho moral. Em paralelo, o debate foi perpassado por elementos de desconhecimento da temática.
Quanto à construção dos argumentos de oposição ao projeto, importa assinalar como os deputados operam em uma lógica de reprodução de retóricas conservadoras. Essas são compreendidas como a defesa de visões de mundo que se opõem a mudanças, uma vez que a sociedade já funciona de determinada forma e assim supostamente deve permanecer. Como analisado por Hirschman ( 1992HIRSCHMAN, A. A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. ), as posições conservadoras se desenvolvem em oposição ao progressismo na ação social, afirmando por meio de suas retóricas que a mudança não é confiável ou válida. O autor conclui que essa postura se contrapõe aos avanços sociais, encarando-os como perversidade de modos de vida, futilidade sobre determinadas pautas ou ameaça a situações estabelecidas. Trata-se, portanto, de uma reação às transformações, sendo as retóricas conservadoras encaradas analiticamente pelo seu aspecto relacional. No debate em questão, diversas vezes os parlamentares afirmavam que no passado não havia restrição aos alimentos ultraprocessados e que não haveria sentido em incidir sobre o assunto – mesmo diante dos argumentos científicos sobre os seus riscos.
O argumento da “liberdade”
A livre iniciativa, por meio da liberdade de comércio, em contraposição à interferência do Estado no cotidiano da população, foi um dos argumentos mais utilizado pelos parlamentares contrários ao PL nº 4.198A/2021. É o caso da afirmação do deputado Alexandre Freitas, de que “Precisamos deixar de achar que o Estado tem a função essencial na vida das pessoas. O Estado mais atrapalha do que ajuda” 11As citações dos deputados federais são referentes à sessão do dia 10 de maio de 2022 e foram retiradas do endereço eletrônico da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ). Disponível em: alerjln1.alerj.rj.gov.br/taqalerj.nsf/66fc0a5f95422d0783257fee005df964?OpenForm&ParentUNID=6BC3FF3ED4808CD70325883E004274B3. Acesso em: 3 jul.2023. . O mesmo parlamentar interveio novamente no debate, aprofundando a visão apresentada:
Agora, não tem cabimento querermos restringir produtos lícitos dentro de escolas. É um absurdo isso. É impressionante que em pleno século XXI discutamos esse tipo de pauta, com o Estado querendo interferir na livre iniciativa, na autodeterminação das pessoas e até mesmo naquilo que elas querem comer . (Freitas, fala do dia 10 de maio de 2022 na ALERJ)
O deputado Rodrigo Amorim apresentava posição semelhante: “O que essa turma – repito – insiste em fazer é sempre que vê uma brecha, uma oportunidade para tornar o Estado mais paquiderme, para fazer com que o Estado interfira mais ainda na vida das pessoas vem e faz um discurso fácil e barato” 1 .
No mesmo sentido, em conjunto com o tema sobre a liberdade dos pais na criação dos seus filhos, o deputado Fillipe Poubel defendia:
O Estado não pode intervir na criação do meu filho; o dinheiro é meu e eu dou para o meu filho consumir o que quiser. O dinheiro é meu. A Deputada está aqui até debochando da minha fala e está com uma bala na mão. E você está pregando que as crianças não consumam bala. Essa é uma hipocrisia, é isso o que eu estou falando . (Poubel, fala do dia 10 de maio de 2022 na ALERJ)
Sobre o argumento da liberdade, importa destacar a consolidação de um consenso na jurisprudência e na doutrina jurídica de que qualquer restrição infraconstitucional a direitos fundamentais deve passar pelo teste de proporcionalidade, uma vez que as garantias constitucionais podem entrar em conflito e nenhum direito é absoluto (Silva, 2012SILVA, V. A. da. A constitucionalidade da restrição da publicidade de alimentos e de bebidas não alcoólicas voltada ao público infantil (Parecer). São Paulo: Instituto Alana, 2012. ). Isso significa que quando duas previsões se contrapõem, como é o caso do embate entre a liberdade individual e de comércio e o direito à saúde e à alimentação, será analisado a adequação da medida restritiva adotada, sua necessidade e o sopesamento dos direitos envolvidos, o que implica em um exame comparativo entre os graus de restrição e de realização desses direitos.
Para isso, a proporcionalidade é dividida em três fases: a adequação; a necessidade; e a proporcionalidade em sentido estrito. Uma restrição legal é válida se for adequada para fomentar os objetivos perseguidos pela norma; é necessária se a realização do objetivo não puder ser promovida, com a mesma eficiência, por meio de outro ato; e é proporcional, em sentido estrito, se o grau de realização do direito a ser fomentado justificar a restrição ao direito atingido (Silva, 2012SILVA, V. A. da. A constitucionalidade da restrição da publicidade de alimentos e de bebidas não alcoólicas voltada ao público infantil (Parecer). São Paulo: Instituto Alana, 2012. ).
Sobre as limitações a direitos constitucionais como forma de garantir direitos considerados proporcionalmente mais relevantes, existem muitos casos na realidade nacional. Alguns exemplos de restrições mais extremas seriam: a pena de morte nos casos de guerra, que se contrapõe ao direito fundamental da vida; qualquer pena de reclusão, que elimina a liberdade de ir e vir do condenado; ou mesmo a desapropriação de um imóvel nos casos previstos por lei, que elimina o direito à propriedade. Em todos esses casos, a restrição de um direito individual é justificada pela aplicação da regra da proporcionalidade, tendo em vista que isso está associado à ideia de que o nível de proteção a um direito não é definido em abstrato e de forma absoluta, mas de forma relativa ao caso concreto (Silva, 2012SILVA, V. A. da. A constitucionalidade da restrição da publicidade de alimentos e de bebidas não alcoólicas voltada ao público infantil (Parecer). São Paulo: Instituto Alana, 2012. ).
Diante disso, resta a reflexão de que o direito à vida, à saúde e à alimentação, todos fundamentais, bem como a proteção aos direitos da criança como absoluta prioridade, resguardam mais garantias constitucionais do que a liberdade de comércio irrestrita nos espaços escolares, tornando premente a atualização normativa de modo a promover a saúde de crianças, adolescentes e da população como um todo.
O argumento da “pátria família”
Além do argumento da liberdade do consumo e do comércio, os parlamentares abordaram igualmente o direito dos pais em determinarem a criação dos seus filhos. Na discussão, o deputado estadual Rodrigo Amorim enquadrou como o direito à “pátria família”: “Ora, Sr. Presidente, é direito dos pais definirem o que o filho vai comer, de que vai se alimentar, onde vai estudar, qual religião vai crer. Faz parte da influência familitária e da pátria família, do direito à regulação, à direção da vida dos filhos” (Amorim, 10/5/2022 1 ).
O mesmo parlamentar também afirmou, em outro momento da discussão, que “Eles estão preocupados em interferir na propriedade privada, no direito dos pais sobre os filhos” 1 . Apesar da fala do deputado Rodrigo Amorim ser mais taxativa na reivindicação do direito ao pátrio poder, outros parlamentares emitiram o mesmo conteúdo de que o Estado não poderia intervir na educação dos filhos, que supostamente caberia apenas aos pais da criança. É o caso do deputado Alexandre Freitas: “Cabe aos pais educarem seus filhos. A minha filha, por exemplo, não come açúcar. Mas eu nunca vou advogar para que não vendam doces nas escolas. Isso foi uma educação que eu quis dar. É responsabilidade de cada um” (Freitas, 10/5/2022 1 ).
Silva ( 2012SILVA, V. A. da. A constitucionalidade da restrição da publicidade de alimentos e de bebidas não alcoólicas voltada ao público infantil (Parecer). São Paulo: Instituto Alana, 2012. ) afirma que o paternalismo é um argumento recorrente utilizado nos temas de restrição comercial voltada a crianças e adolescentes, na ideia de que “é função do pai e da mãe de uma criança educá-la e controlar o que essa criança irá consumir ou como ela irá se alimentar” (Silva, 2012SILVA, V. A. da. A constitucionalidade da restrição da publicidade de alimentos e de bebidas não alcoólicas voltada ao público infantil (Parecer). São Paulo: Instituto Alana, 2012. , p. 3). Essa justificativa se baseia na ideia da autonomia familiar em contraposição ao paternalismo estatal. No entanto, a educação de crianças e adolescentes está prevista igualmente como atribuição do Estado, nos artigos 205 e 208 da Constituição.
A isso se soma outro ponto: o de que as famílias não detêm o controle sobre as crianças durante o turno escolar, porque justamente nesse momento elas estão fora da sua interferência. Desse modo, a rede de educação, que não conta com a atenção desses responsáveis para o controle do consumo das crianças, reforça ainda mais a necessidade de uma regulamentação que garanta o direito à alimentação adequada e saudável. Silva ( 2012SILVA, V. A. da. A constitucionalidade da restrição da publicidade de alimentos e de bebidas não alcoólicas voltada ao público infantil (Parecer). São Paulo: Instituto Alana, 2012. , p. 10) chama ainda a atenção para o fato de que, com a inserção das mulheres no mercado de trabalho nas últimas décadas, cada vez mais as crianças ficam horas fora do controle familiar. Enquanto em 1976, 29% das mulheres estavam trabalhando ou procurando emprego, em 2010 esse número saltou para 46,2% (Quirino, 2012QUIRINO, R. Trabalho da mulher no Brasil nos últimos 40 anos. Revista Tecnologia e Sociedade, Curitiba, v. 8, n. 15, p. 90-102, 2012. DOI: 10.3895/rts.v8n15.2596
https://doi.org/10.3895/rts.v8n15.2596... ) e, em 2019, era 54,5%. As mulheres passaram a exercer, de forma crescente, uma dupla jornada de trabalho, cuja sobrecarga pode se associar com a busca por alimentos prontos para o consumo e esse tipo de comportamento é uma das dimensões do ambiente alimentar e da conveniência (Turner et al, 2018TURNER, C. et al. Concepts and critical perspectives for food environment research: A global framework with implications for action in low- and middle-income countries. Global Food Security, Amsterdam, v. 18, p. 93-101, 2018. DOI: 10.1016/j.gfs.2018.08.003
https://doi.org/10.1016/j.gfs.2018.08.00... ). Diante desse quadro, a necessidade de reforçar o cuidado público com a alimentação de crianças e adolescentes se torna ainda mais premente, pois a ideia de que as famílias controlam o que ocorre na vida dos seus filhos não é real.
Ainda sobre a “pátria família”, importa salientar que o artigo 1.634 do Código Civil prevê que cabe aos pais gerir a educação dos filhos. No entanto, essa previsão visa a proteção das crianças e dos adolescentes, seguindo os princípios da proteção integral e do melhor interesse do menor. Desse modo, o parecer realizado pela Secretaria Nacional do Consumidor (SENACON) afirma que o poder familiar é prescrito em nosso ordenamento no sentido do que é melhor para a sociedade como um todo, mas especialmente como garantidor de direitos para o indivíduo em fase de desenvolvimento (Brasil, 2020BRASIL. Projeto BRA/11/008. Análise da publicidade e práticas comerciais destinadas às crianças e adolescentes e suas limitações pelo ordenamento jurídico brasileiro e no direito comparado. Brasília, DF, Portal da Câmara dos Deputados, 2020. ). E apesar da previsão da educação como integrante do poder familiar, isso não contradiz a prescrição de que a educação das crianças e dos adolescentes é dever do Estado, conforme o artigo 205 da Constituição Federal: “sendo a educação dever do Estado e da família, promovida e incentivada com a colaboração da sociedade” (Brasil, 2020BRASIL. Projeto BRA/11/008. Análise da publicidade e práticas comerciais destinadas às crianças e adolescentes e suas limitações pelo ordenamento jurídico brasileiro e no direito comparado. Brasília, DF, Portal da Câmara dos Deputados, 2020. , p. 167).
Ainda sobre o tema do dever público da educação de crianças e adolescentes, o Código de Defesa do Consumidor garante aos consumidores o direito básico à educação para o consumo, incluindo nisso a educação formal (Brasil, 2020BRASIL. Projeto BRA/11/008. Análise da publicidade e práticas comerciais destinadas às crianças e adolescentes e suas limitações pelo ordenamento jurídico brasileiro e no direito comparado. Brasília, DF, Portal da Câmara dos Deputados, 2020. , p. 170). Desse modo, além da proteção direta da saúde no espaço escolar, a regulação desses ambientes cumpre também um caráter educativo de ensino sobre os malefícios dos alimentos ultraprocessados.
O “Exercício do poder familiar” (Sessão II, do Código Civil, Lei nº 10.406/2002) não se trata, afinal, de um cheque em branco para a criação dos filhos, mas sim de uma obrigação dos pais em prover a esses indivíduos a garantia dos seus direitos. São nos ambientes domésticos que, desafortunadamente, muitas arbitrariedades são cometidas contra crianças e adolescentes, sendo a prescrição de todo o ordenamento voltada para a sua proteção. Como afirma o parecer do SENACON, o “Estado determina regras em relação ao exercício do poder familiar justamente para garantir aos infantes o pleno exercício dos direitos fundamentais à vida, saúde, liberdade e outros tantos elencados na Carta Magna” (Brasil, 2020BRASIL. Projeto BRA/11/008. Análise da publicidade e práticas comerciais destinadas às crianças e adolescentes e suas limitações pelo ordenamento jurídico brasileiro e no direito comparado. Brasília, DF, Portal da Câmara dos Deputados, 2020. , p. 164).
O argumento do “problema individual” e reforço do estigma
A discussão sobre a regulamentação da alimentação escolar foi entrecortada por argumentos com desqualificações baseadas em uma ideia corporal normativa e carregadas de moralismo em torno da obesidade. É o caso do pronunciamento do deputado Rodrigo Amorim:
Agora, eles que neste momento estão tão preocupados com a obesidade, há um Vereador do partido dele, em Niterói, que é uma verdadeira aberração da natureza, que é um belzebu – aliás, é um boizebu, porque com aquele corpinho não é belzebu, aquele corpinho é corpo de boi – que criou uma palavra. Disse agora que será candidato a deputrava. Ou seja, destruindo o nosso vernáculo, a política. Eles que têm um Vereador que se veste de Minnie no Carnaval, que parece um porco humano de tão obeso que é, eles não se preocupam . (Amorim, fala do dia 10 de maio de 2022 na ALERJ)
Por sua vez, o deputado Alexandre Freitas declarou: “Assim como tem Deputados e Deputados que preferem ser obesos ou não, seja por uma condição de saúde, porque não buscam tratamento, ou, então, porque não buscam atividade física, é problema de cada um. Eu não estou nem aí” (Freitas, fala do dia 10 de maio de 2022 na ALERJ).
Apesar dos parlamentares afirmarem a questão da obesidade como um problema individual, as pesquisas sobre a temática vão no sentido oposto, demonstrando a forte carga social do problema. Nesse ínterim, a literatura especializada define “ambiente alimentar” como o conjunto de aspectos físicos por meio dos quais se estabelece a disponibilidade, a qualidade e a promoção dos alimentos: pela esfera econômica, envolvendo os custos de acesso; pela esfera política, por meio de políticas públicas que promovam o acesso; e pela esfera sociocultural, definindo normas, costumes e comportamentos que influenciam o padrão de consumo. Esses ambientes alimentares constituem os espaços e as condições em que as pessoas vivem, estudam, trabalham e transitam, e que proporcionam oportunidades e condições de acesso a alimentos (Kumanyika, 2013KUMANYIKA, S. INFORMAS (International Network for Food and Obesity/non-communicable diseases Research, Monitoring and Action Support): summary and future directions. Obesity Review, Oxford, v. 14, Suppl. 1, p. 157-164, 2013. DOI: 10.1111/obr.12084. PMID: 24074219
https://doi.org/10.1111/obr.12084.... ).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) recomendam que os governos assumam a responsabilidade pelo desenvolvimento de ambientes alimentares equitativos, seguros, saudáveis e sustentáveis como forma de prevenção à obesidade e às doenças crônicas não transmissíveis. O entendimento internacional se baseia nas conclusões sobre a influência desses ambientes para o aumento da obesidade e em como a promoção de políticas públicas são as melhores estratégias para lidar com a problemática (Swinburn, 2019SWINBURN, B. A. et al. The global syndemic of obesity, undernutrition, and climate change: the Lancet Commission report. The Lancet, London, v. 393, n. 10173, p. 791-846, 2019. DOI: 10.1016/S0140-6736(18)32822-8
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(18)32... ).
No entanto, ao contrário das recomendações científicas sobre o tema, ao debater a legislação com esse foco os parlamentares recusavam uma intervenção estatal na alimentação de crianças e adolescentes e culpabilizavam pessoas com obesidade, como se essa condição fosse fruto de uma moralidade degradada. Essa visão é explicitamente estigmatizante sobre o problema social do “excesso” de peso e suas decorrências, retirando-se o contexto e as condições dos indivíduos e a responsabilidade pública na promoção da alimentação adequada e saudável.
Acerca do estigma, Goffman ( 1988GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988. ) afirma que sua origem vem da Grécia Antiga, como sinais corporais para evidenciar um status moral depreciado sobre quem os apresentava. Esses sinais eram feitos com cortes ou fogo no corpo para representar que se tratava de uma pessoa escravizada, criminosa ou traidora, alguém que deveria ser evitado. Desse modo, em todos os exemplos de estigma (inclusive na origem do termo) “encontram-se as mesmas características sociológicas: um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que pode se impor à atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus” (Goffman, 1988GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988. , p. 14).
Nessa direção, o estigma da obesidade retrata uma construção social que desvaloriza e atribui valores pejorativos (estereótipos) aos sujeitos com corpo gordo, gerando processos de marginalização. A estigmatização relacionada ao peso corporal se enraíza em um conjunto de ideias que encaram a obesidade como um reflexo das qualidades morais do indivíduo, e que tem como base a suposição refutada cientificamente de que o peso corporal é resultado da falta de disciplina e responsabilidade (Rubino et al., 2020RUBINO, F. et al. Joint international consensus statement for ending stigma of obesity. Nature Medicine, New York, v. 26, n. 4, p. 485-497, 2020. DOI: 10.1038/s41591-020-0803-x
https://doi.org/10.1038/s41591-020-0803-... ).
Vivenciar o estigma de peso aumenta a probabilidade do desenvolvimento de comportamentos alimentares não saudáveis, como compulsão alimentar e engajamento em mecanismos não saudáveis de controle do peso corporal, além de níveis mais baixos de atividades físicas (Roberts; Polfuss, 2022ROBERTS, K. J.; POLFUSS, M. L. Weight stigma in children and adolescents: recommendations for practice and policy. Nursing, Pennsylvania, v. 52, n. 6, p. 17-24, 2022. DOI: 10.1097/01.NURSE.0000829904.57766.58
https://doi.org/10.1097/01.NURSE.0000829... ). Ademais, a estigmatização foi documentada como um fator de risco significativo para depressão e baixa autoestima, constituindo um motivo pelo qual as pessoas afirmam evitar buscar serviços de saúde, pois frequentemente vivenciam situações de constrangimento e violências e não receberem cuidados em saúde adequados (Alberga et al., 2019ALBERGA, A. S. et al. Weight bias and health care utilization: a scoping review. Primary health care research & development, Cambridge, v. 20, 2019, e116. DOI: 10.1017/S1463423619000227
https://doi.org/10.1017/S146342361900022... ). Desse modo, a responsabilização individual e a discriminação baseada nessa ideia não contribuem para solucionar a questão e ainda apresentam o potencial de agravá-la.
Nota-se, portanto, como os pronunciamentos na discussão do PL nº 4.198A/2021 vão na contramão dos acúmulos científicos sobre tratar a obesidade enquanto questão de saúde pública. A responsabilização individual dessa condição e a sua discriminação são formas de reprodução de violências e um agravante para a saúde dessas pessoas.
O desconhecimento do tema e a experiência particular como parâmetro
Também havia em meio à discussão a demonstração de diversos pontos de desconhecimento científico sobre o tema da alimentação adequada e saudável, em conjunto com a generalização das experiências individuais. Seguem alguns trechos em que esse tipo de ausência de informação foi demonstrado:
E agora eu vejo Deputado querer contar historinha da carochinha dizendo que tem preocupação com a saúde das crianças. Não sabe nem dizer o que é produto ultraprocessado. Não sabe nem o que condiz com essa categoria . (Alexandre Freitas, fala do dia 10 de maio de 2022 na ALERJ)
Deputado Rodrigo Amorim, obrigado pelo aparte, gostaria de entrar rapidamente no tema da obesidade infantil, é um tema sério, importante, inclusive tenho uma posição até contrária, acho que temos que debater, sim, essa questão de alimentos nas escolas. Eu tive obesidade, é uma doença incurável, então, posso dizer que ainda tenho essa doença que começou na minha infância . (Deputado Alexandre Knoploch, fala do dia 10 de maio de 2022 na ALERJ)
Não têm nem o cuidado de lerem o Projeto, porque quando falam de alimentos ultraprocessados, eles impedem, por exemplo, de seja entregue leite para as crianças, leite é um alimento ultraprocessado; eles impedem que o iogurte seja oferecido às crianças, o iogurte é um alimento ultraprocessado . (Rodrigo Amorim, fala do dia 10 de maio de 2022 na ALERJ)
Acerca dos argumentos dos parlamentares, Silva ( 2012SILVA, V. A. da. A constitucionalidade da restrição da publicidade de alimentos e de bebidas não alcoólicas voltada ao público infantil (Parecer). São Paulo: Instituto Alana, 2012. , p. 8) destaca a frequente impossibilidade de generalização de vivências individuais, visto que aquilo que não afeta uma pessoa pode afetar outras, ainda mais no que se refere à alimentação, cujas condições sociais e econômicas são centrais. Como pontos de atenção para as mudanças nas últimas décadas, foi demonstrado que, entre 1990 e 2019, a má nutrição se revelou como um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de doenças da população (Murray, 2020MURRAY, C. J. L. et al. Global burden of 87 risk factors in 204 countries and territories, 1990–2019: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2019. The Lancet, London, v. 396, n. 10258, p. 1223-1249, 2020. DOI: 10.1016/S0140-6736(20)30752-2
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30... ). No Brasil, estima-se que quase 30% do aumento da obesidade entre 2002 e 2009 ocorreu devido ao consumo desses alimentos (Louzada et al, 2022LOUZADA, M. L. et al. Changes in obesity prevalence attributable to ultra-processed food consumption in Brazil between 2002 and 2009. International Journal of Public Health, Lausanne, v. 67, e1604103, 2022. DOI: 10.3389/ijph.2022.1604103
https://doi.org/10.3389/ijph.2022.160410... ).
O quadro é ainda mais complexo se sobre as crianças e adolescentes, que permanecem por, no mínimo, um terço do dia no ambiente escolar por em torno de duzentos dias do ano. Em geral, os estudantes consomem de uma a duas refeições durante o horário escolar, o que corresponde de 30% a 50% de sua ingestão diária. Ou seja, a qualidade dos alimentos disponíveis nesses espaços pode influenciar de maneira significativa a saúde infantojuvenil (Stallings et al, 2007STALLINGS, V. A. et al. Nutrition Standards for Foods in Schools: Leading the Way Toward Healthier Youth. Washington, DC: The National Academies Press, 2007. ). Como mencionado acima, a entrada das mulheres no mercado de trabalho, somada à ausência de divisão mais igualitária dos afazeres domésticos entre gêneros, transformou as relações familiares e de criação dos filhos. Essas mudanças implicam em um menor controle sobre o cotidiano de crianças e adolescentes, e reforçam a necessidade da regulação da alimentação escolar de modo a garantir o direito à saúde e à alimentação desse público, previstos pela Constituição Federal nos artigos 6º, 196 e 227, e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente no artigo 4º.
Além dessas normas basilares, ainda cabe citar a Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, que prescreve que “a segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente […]” (artigo 3º da Lei nº 11.346/2006).
Os pronunciamentos que evidenciam o desconhecimento do tema por parte dos legisladores reforçam a necessidade de campanhas informativas e de sensibilização. No entanto, é importante assinalar como a ignorância sobre determinados assuntos pode ser fruto não apenas da falta de acesso a dados, mas da adoção de posições conservadoras, no sentido do que Hirschman ( 1992HIRSCHMAN, A. A retórica da intransigência: perversidade, futilidade, ameaça. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. ) classifica como a resistência a mudanças no meio social e o apego à tradição. Cabe assinalar, ainda, que a discussão travada na Assembleia Legislativa em 2022 ocorria em um contexto de pandemia do coronavírus, na qual o negacionismo científico foi um marcador do posicionamento de representantes conservadores em todo o país (Silva, 2021SILVA, H. M. The Brazilian Scientific Denialism Through the American Journal of Medicine. The American Journal of Medicine, Amsterdam, v. 134, n. 4, p. 415-416, 2021. DOI: 10.1016/j.amjmed.2021.01.003
https://doi.org/10.1016/j.amjmed.2021.01... ).
Considerações finais
A regulamentação da alimentação escolar é uma agenda que urge nas políticas públicas brasileiras, de modo a garantir os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Afinal, o acesso a alimentos adequados e saudáveis é um direito de toda a população, e especialmente do público infantojuvenil, conforme previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional. A promoção dessas garantias se vincula diretamente à restrição dos alimentos ultraprocessados e ao fomento para consumo dos alimentos in natura e minimamente processados. Entretanto, apesar da premente necessidade de normas e medidas que garantam a promoção da saúde e da nutrição, é possível notar uma enorme resistência a essa regulação.
O debate legislativo na segunda discussão do PL nº 4.198/2021 é um caso emblemático da barreira criada por alguns agentes estatais à atualização do ordenamento jurídico para a proteção da rede de educação. Na sessão em que a iniciativa foi a plenário, diversos parlamentares se pronunciaram contra a restrição dos alimentos ultraprocessados no ambiente escolar. Os argumentos se baseavam em retóricas conservadoras e refletiam igualmente um profundo desconhecimento sobre o tema da alimentação e da nutrição.
Na ocasião, foi apresentado o argumento da liberdade individual e da livre iniciativa como pilares intransponíveis, que sustentariam a impossibilidade de regular a oferta de alimentos nas escolas. No entanto, conforme discutido nesse texto, nenhum direito é absoluto, pois uma vez que ocorra a incompatibilidade entre diferentes previsões constitucionais, é necessário aferir a proporcionalidade dos direitos protegidos de modo a preservar ao máximo as garantias do ordenamento nacional, sendo a alimentação, a saúde, e a proteção de crianças e adolescentes pilares da construção das políticas públicas brasileiras. Outra retórica utilizada foi a da “pátria família”, segundo a qual caberia aos pais o controle da criação dos filhos, sem possibilidade de interferência estatal. Não obstante, como apresentado, é determinado pela legislação nacional que a educação infantil e demais direitos desse público também cabem ao poder público, e a primazia do ordenamento é a garantia dos direitos desses sujeitos em fase de desenvolvimento. E sobre o argumento da responsabilidade individual, utilizado por parlamentares em conjunto com o reforço de estigmas, é uma ideia que não corresponde à realidade, uma vez que os ambientes alimentares nos quais as pessoas estão inseridas constituem um fator de extrema relevância para o que irão consumir e a estigmatização é um fator agravante para a saúde populacional.
O desconhecimento sobre os malefícios do consumo de alimentos ultraprocessados se revelou como uma tônica predominante no debate legislativo. Isso reforça a necessidade de campanhas informativas e de sensibilização. No entanto, o negacionismo científico também integra a consolidação de um campo conservador no país, tônica exacerbada durante a pandemia da covid-19 (Silva, 2021SILVA, H. M. The Brazilian Scientific Denialism Through the American Journal of Medicine. The American Journal of Medicine, Amsterdam, v. 134, n. 4, p. 415-416, 2021. DOI: 10.1016/j.amjmed.2021.01.003
https://doi.org/10.1016/j.amjmed.2021.01... ). Portanto, além do papel necessário da difusão científica de modo a se avançar em agendas fundamentais, é importante compreender o quanto o apego a tradições e a recusa em encarar evidências que modifiquem modos de vida é também parte da posição política de representantes públicos.
Por fim, o contexto no qual ocorreu a discussão do PL nº 4.198/2021 é um elemento central na análise dos posicionamentos apresentados. Afinal, ao mesmo tempo em que a iniciativa estava em discussão na ALERJ, tramitava na Câmara da capital do estado uma proposta semelhante, o PL nº 1662/2019, assim como o PL nº 95/2022 no município vizinho de Niterói. Essa possibilidade de avanço legislativo em diferentes Casas Parlamentares locais pode ter sido um elemento de exacerbação das posições contrárias. Além disso, no caso da cidade do Rio de Janeiro, a interferência da indústria de alimentos para evitar as respectivas regulações foi explícita. Assim, importa observar como a discussão analisada ocorreu em um contexto de tentativa de adequação normativa aos achados da comunidade científica em diversos níveis, ensejando reações diversas de setores que se sentiram ameaçados por tais mudanças.
Apesar da saúde ser um direito constitucional, ainda existem diversas barreiras para sua promoção. Um dos obstáculos encontrados diz respeito aos interesses comerciais que envolvem a indústria alimentícia. Outro ponto é a falta de informação científica como subsídio para parlamentares e governantes. Entretanto, apesar do confronto de argumentos constituir a pluralidade de ideias que convivem na contemporaneidade, as declarações apresentadas ao longo da discussão do PL nº 4.198/2021 vão além de divergências, configurando em reprodução de violências e desinformação. Dessa forma, compreender as retóricas conservadoras utilizadas por aqueles que se opõem ao desenvolvimento das políticas públicas para promoção da alimentação adequada e saudável é fundamental para avançar nas adequações necessárias nas legislações vigentes que visam promover as garantias constitucionais e a proteção de crianças e adolescentes.
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- 1As citações dos deputados federais são referentes à sessão do dia 10 de maio de 2022 e foram retiradas do endereço eletrônico da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ). Disponível em: alerjln1.alerj.rj.gov.br/taqalerj.nsf/66fc0a5f95422d0783257fee005df964?OpenForm&ParentUNID=6BC3FF3ED4808CD70325883E004274B3. Acesso em: 3 jul.2023.
Datas de Publicação
- Publicação nesta coleção
28 Out 2024 - Data do Fascículo
2024
Histórico
- Recebido
13 Jul 2023 - Aceito
02 Maio 2024 - Revisado
13 Maio 2024