População ribeirinha amazônica em tempos de pandemia de Covid-19: reflexões sobre os desafios enfrentados por Agentes Comunitários de Saúde (ACS)11Os dados da pesquisa foram obtidos através do Programa de Ações Emergenciais – Paem-Rios, que foi um projeto da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).

Amazon riverine populations during the Covid-19 pandemic: reflections on the challenges faced by community health workers

Líbia Daniele Oliveira Jaty Geísa Cordeiro dos Santos Ane Karoline da Rocha Ferreira Gomes João Paulo Soares de Cortes Marina Smidt Celere Meschede Teógenes Luiz Silva da Costa Sobre os autores

Resumo

O objetivo deste estudo consistiu em refletir sobre os desafios que se impuseram frente à atuação dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) durante a pandemia do Covid-19 no cenário de comunidades ribeirinhas amazônidas. Objetivou-se, ainda, verificar quais ações foram realizadas pelos ACS, visando dirimir a propagação do vírus. Trata-se de uma pesquisa descritiva qualitativa, em que os dados foram coletados a partir de um questionário fechado semiestruturado. Para análise dos dados, utilizamos o software Iramuteq, com análises de Classificação Hierárquica Descendente e árvore de similitude, obtivemos sete classes que foram analisadas e agrupadas em: (1) providências tomadas e falta de testes; (2) descrença na pandemia, o medo e falta de valorização; (3) falta de materiais de apoio; e (4) orientações da covid-19 e não cumprimento das medidas de segurança, por parte dos comunitários. Verificou-se ainda que as Políticas Públicas, visando a melhoria do trabalho dos ACS dentro do território amazônico, são de fundamental importância, visto que os desafios diários no território ficaram ainda mais evidentes durante a pandemia. Dessa maneira, é notável a necessidade da revisão e reformulação das políticas públicas existentes na atenção básica, para que sejam contempladas as especificidades espaciais das áreas amazônicas.

Palavras-chaves:
Agentes Comunitários de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Covid-19

Abstract

This study aimed to reflect on the challenges community health workers (CHW) faced during the COVID-19 pandemic regarding Amazonian riverside communities. It aimed to find what actions CHW took to prevent the spread of the virus. This qualitative descriptive study collected its data by a semi-structured closed questionnaire that was applied to CHW. To analyze the data, this study used Iramuteq, with descending hierarchical classification and similarity tree analyses, which obtained seven classes that were analyzed and grouped into: (1) Taken measures and lack of testing, (2) Disbelief in the pandemic, fear, and lack of appreciation, (3) Lack of support materials, and (4) Guidance from COVID-19 and non-compliance with safety measures by community members. This study found that public policies to improve the work of CHW in the Amazon are of fundamental importance since the pandemic further evinced the daily local challenges, thus notably necessitating the review and reformulation of existing public policies in primary care so they consider the spatial specificities of Amazonian areas.

Keywords:
Community Health Workers; Primary Health Care; COVID-19

Introdução

Em 20 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o estado de pandemia ocasionada pelo Sars-Cov-2, agente etiológico da covid-19, um vírus extremamente contagioso que acomete principalmente o sistema respiratório (Guimarães et al., 2020GUIMARÃES, A. S. M. et al. Atuação da equipe multiprofissional em saúde, no cenário da pandemia por Covid 19. Revista Health Residencies Journal, Brasília, DF, v. 1, n. 2, 2020. DOI: 10.51723/hrj.v1i2.37
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).

Para atender as demandas de saúde durante a pandemia, o processo de trabalho precisou ser significativamente readequado devido às restrições logísticas e espaço-temporais instaladas, entre elas, novas formas de desenvolvimento de atividades que foram introduzidas desde a Atenção Primária à Saúde (APS) até os hospitais. No contexto da APS, as mudanças provocadas pela pandemia na rotina de trabalho dos profissionais comprometeram, em muitos momentos, a abrangência das equipes da Estratégia de Saúde da Família (ESF) no território, o vínculo com os usuários da comunidade, especialmente no contexto das visitas domiciliares, nos fluxos assistenciais e nas interrelações entre os membros da equipe, dificultando, a realização de reuniões presenciais para o planejamento das atividades (Maciel et al., 2020MACIEL, F. B. M. et al. Agente comunitário de saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de pandemia de Covid-19. Revista Ciência e Saúde Coletiva, Salvador, v. 25, n. suppl. 2, p. 4185-4193, 2020. DOI: 10.1590/1413-812320202510.2.28102020
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).

Frente às mudanças ocorridas devido a pandemia, o Ministério da Saúde brasileiro lançou algumas estratégias voltadas para o teleatendimento, entre elas recomendações sobre prevenção, identificação de casos suspeitos, estratificação de gravidade da doença, bem como o manejo terapêutico e isolamento domiciliar dos casos leves (Brasil, 2020a BRASIL. Protocolo de manejo clínico do coronavírus (Covid-19) na atenção primária à saúde. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2020a. Disponível em: https://www.unasus.gov.br/especial/covid19/pdf/37 . Acesso em: 14 jul. 2020.
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). Nesse contexto, os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que atuaram em diferentes territórios em tempos de pandemia covid-19, respeitando as medidas sanitárias de prevenção, realizaram visitas domiciliares com o intuito de informar, fazer busca ativa de casos e realizar o acompanhamento dos acometidos pela covid-19 (Brasil, 2020b BRASIL. Orientações gerais sobre a atuação do ACS frente à pandemia de COVID-19 e os registros a serem realizados no e-SUS APS. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2020b. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/covid-19/publicacoes-tecnicas/recomendacoes/orientacoes-gerais-sobre-a-atuacao-do-acs-frente-a-pandemia-de-covid-19-e-os-registros-a-serem-realizados-no-e-sus-aps/view . Acesso em: 18 jul. 2020.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
; Vieira-Meyer, 2021VIEIRA-MEYER, A. P. G. F. et al. Violência e vulnerabilidade no território do agente comunitário de saúde: implicações no enfrentamento da COVID-19. Ciência & Saúde Coletiva, v. 26, n. 2, p. 657-666, 2021. DOI: 10.1590/1413-81232021262.29922020
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). Além disso, no território, as demandas de trabalho do ACS deixaram de ser somente quanto às necessidades de saúde pré-existentes e passaram a incluir o novo contexto emergente instalado e, por isso, implicaram aquisição de saberes, aperfeiçoamento de práticas e utilização de novas ferramentas, como as tecnologias de informação e comunicação e as mídias sociais (Maciel et al., 2020MACIEL, F. B. M. et al. Agente comunitário de saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de pandemia de Covid-19. Revista Ciência e Saúde Coletiva, Salvador, v. 25, n. suppl. 2, p. 4185-4193, 2020. DOI: 10.1590/1413-812320202510.2.28102020
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).

O ACS foi um profissional de fundamental importância na APS para o enfrentamento da covid-19, por possuir como atributos do seu trabalho a competência cultural local e a orientação comunitária (Bentes, 2020BENTES, R. N. A covid-19 no Brasil e as atribuições dos Agentes Comunitários de Saúde: desafios e problemáticas enfrentados no cenário nacional de pandemia. Hygeia: Revista Brasileira de Geografia Médica e da Saúde, Uberlândia, p. 175-182, 2020. DOI: 10.14393/Hygeia0054404
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). Na região Amazônica, por exemplo, as populações ribeirinhas vivem em áreas cercadas por floresta e água e a locomoção é feita em grande parte pelos rios, que também foram o principal meio de acesso dos profissionais ao território.

Segundo Cortes, Harayama e Stoll ( 2022CORTES, J. P. S.; HARAYAMA, R. M.; STOLL, E. Das capitais às comunidades tradicionais. Fases de interiorização da Covid-19 na Amazônia brasileira. Revista franco-brasileira de geografia, São Paulo, n. 56, p. 2-16, 2022. DOI: 10.4000/confins.48303
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), na Amazônia o rio é a rua das populações ribeirinhas e, no contexto da pandemia, é importante refletir sobre o curso que o vírus Sars-Cov-2 fez pelos rios da floresta. Destaca-se o papel da embarcação fluvial denominada Abaré I, a primeira Unidade Básica de Saúde Fluvial (UBSF) do Brasil, que atende a população de rios do Baixo Tapajós, Santarém, Pará e Abaré II (também conhecido como abarezinho), uma embarcação menor, sob gestão da Secretaria municipal de saúde (Semsa), que atende principalmente as comunidades situadas na Resex (Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns) e desempenhou um papel importante durante a pandemia de covid-19 por sua tripulação constituir uma equipe multiprofissional mínima da ESF, responsável por atender comunidades ribeirinhas da região oeste do Pará (Silva et al., 2021SILVA, L. A. N. et al. Abaré I: Atenção Básica em contextos ribeirinhos na região oeste do Pará. Saúde em Redes, Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 161-174, 2021 ).

Diante do exposto, o objetivo deste trabalho é refletir acerca dos principais desafios enfrentados pelos ACS em comunidades ribeirinhas da região oeste do Pará – município de Santarém, Pará e Amazônia brasileira – durante a pandemia de covid-19, bem como verificar que ações foram tomadas por estes profissionais para dirimir a propagação do vírus.

Método

Tipo de estudo e local

Trata-se de uma pesquisa descritiva qualitativa que, segundo Minayo et al ( 2002MINAYO, M. C. S. et al. (Org.). Pesquisa Social: Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2002. ), é baseada em um universo de significados, em que seus resultados não são obtidos por meio de dados quantitativos ou numéricos, mas se preocupa em explicar o sentido das coisas, envolvendo sentimentos, crenças, valores, entre outros, que não podem ser obtidos através de variáveis.

A pesquisa foi realizada em oito comunidades ribeirinhas que têm como centro urbano mais próximo o município de Santarém, oeste paraense, na mesorregião do Baixo Amazonas ( Figura 1 ). Santarém está localizado na margem dos Rios Amazonas e Tapajós, e formou-se a partir do agrupamento de diversas comunidades tradicionais (Cardoso, Gomes e Oliveira, 2016 CARDOSO, A. C. D.; GOMES, T. V.; OLIVEIRA, K. D. Espaços públicos e diversidade em Santarém (PA). In: COLÓQUIO QUAPÁ-SEL, 9., 2016, Salvador. Anais… Salvador: Quapá. p. 1-17. Disponivel em: http://quapa.fau.usp.br/wordpress/wp-content/uploads/2016/08/ESPA%C3%87OS-P%C3%9ABLICOS-E-DIVERSIDADE-EM-SANTAR%C3%89M-PA.pdf . Acesso em 20 ago. 2023
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). Essa é uma região inserida dentro do contexto Amazônico e que tem como principais rios o Tapajós, Amazonas e Arapiuns, os quais são importantes para o transporte, a pesca, a agricultura de subsistência e, muitas vezes, servem como fonte de água para consumo humano. As comunidades ficam a uma distância aproximada que varia entre 4 e 12 horas de barco da cidade citada. As comunidades entrevistadas foram; Alto Mentai, Boim, Curi, Costa do Aritapera, Enseada do Aritapera, Paissandu, São Pedro e Surucuá.

Figura 1 .
Localização da área de estudos e comunidades deste estudo e particularidades (rodovias, hospital, outras comunidades, área urbana e hidrografia)

Aspectos éticos

Esta pesquisa teve a anuência da Secretária Municipal de Saúde local e foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Pará (Ufopa).

Participantes do estudo e coleta de dados

Participaram da pesquisa oito ACS vinculados à Secretaria Municipal de Saúde (Semsa). A coleta de dados foi realizada por meio de questionários, com perguntas abertas, aplicados por meio do aplicativo de mensagem WhatsApp, devido à situação emergencial sanitária instalada (inclusive com suspensão total da circulação de pessoas e mercadorias) no momento da realização da pesquisa.

Os questionários foram enviados em forma de documento. Contudo, os participantes optaram por responder de acordo com a disponibilidade e facilidade de uso do app, através de ligações, áudios ou mensagem textual. O questionário utilizado para coleta contou com 10 perguntas, sendo nove abertas e uma de múltipla escolha, referentes às dificuldades encontradas, práticas utilizadas em cada área de atuação e especificidades do atendimento em função dos equipamentos disponíveis em cada comunidade. Após a coleta de dados, as entrevistas foram transcritas em forma de documento, possibilitando assim a análise.

Análise dos dados

Foi utilizado o software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (Iramuteq) para tratamento inicial dos dados. O Iramuteq é um programa livre que está apoiado no software R e faz processamento e análises estatísticas de textos, possibilitando os seguintes tipos de análises: pesquisa de especificidades de grupos, classificação hierárquica descendente, análise de similitude e nuvem de palavras (Camargo; Justo, 2013CAMARGO, B. V.; JUSTO, A. M. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas psicologia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 2, p. 515-516, 2013. DOI: 10.9788/TP2013.2-16
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). A Análise Hierárquica Descendente (CHD) realiza a análise das raízes lexicais das palavras e exibe o conjunto de palavras estatisticamente relevantes, divididas por classes. Já a análise de similitude possibilita a identificação da relação entre as palavras de um corpus e a representação gráfica dessa relação (Oliveira; Souza, 2021OLIVEIRA, M. T. R.; SOUZA, F. M. Ações interventivas no processo de trabalho em rede nos serviços de atenção à saúde. [S. l.]: UMA-SUS, 2021. ). Utilizando o referido software, foi produzido um corpus textual, a partir do conjunto de texto das transcrições das respostas às perguntas contidas no questionário. Após a construção, o corpus foi submetido à CHD e à análise de similitude.

O software criou classes de palavras, aproximando-as a partir dos contextos das falas. Em seguida, sintetizou-as em quatro agrupamentos temáticos, sendo eles: (1) providências tomadas e falta de testes (classes 1 e 7), (2) descrença na pandemia, o medo e falta de valorização (classes 2 e 3), (3) falta de materiais de apoio (informativos e EPI – equipamento de proteção individual), (classe 4) e (4) orientações da covid-19 e o não cumprimento das medidas de segurança. É importante ressaltar que a decisão de fazer a análise por agrupamento de classes se deu pela percepção da proximidade das suas temáticas, a partir da análise de relações entre palavras e seus segmentos de textos.

Resultados e discussão

Desafios enfrentados durante o enfrentamento da Covid-19

Os resultados referentes aos desafios enfrentados pelos ACS estão sumarizados no dendrograma ( Figura 2 ) da CHD, com as partições e conteúdos relacionados de acordo com a análise realizada.

Figura 2 .
Desafios enfrentados na pandemia, segundo Agentes Comunitários de Saúde das comunidades

Agrupamento I. Providências tomadas para o enfrentamento à pandemia de covid -19 e falta de testes (classes 1 e 7)

Quando olhamos para o dendrograma na classe 1, a primeira palavra que aparece é Santarém, isso porque é o município referência em saúde mais próximo para as comunidades dos rios Tapajós e Arapiuns. Na classe 7, aparecem palavras relacionadas à tomada de decisões a partir do contato ou aparecimento de sintoma da covid-19, e é quase unânime que as providências tomadas nesse momento eram, na maioria dos casos, o encaminhamento para Santarém. Nas comunidades onde há Unidade Básica de Saúde (UBS), os agentes de saúde avaliavam os casos e encaminharam para a UBS, onde passavam por uma triagem com a equipe de enfermagem. Posteriormente, os casos graves eram encaminhados para Santarém e os casos leves faziam a quarentena em casa:

A gente orienta o paciente a ir até a unidade básica de saúde para ser notificado, receber os medicamentos adequados e ficar sendo monitorado. Em casos leves o paciente fica em casa, em casos mais graves são encaminhados para Santarém. (ACS 6)

Eles procuram a UBS para serem notificados. Eles tomam a medicação e quando o caso se agrava, encaminhamos para Santarém. (ACS 3)

A falta, ou insuficiência, de testes para covid-19 também foi um fator de encaminhamento para o polo de saúde.

Desse modo, ocorre um deslocamento da comunidade e, muito provavelmente, um agravamento do cenário de infecção e transmissibilidade do vírus para dentro da comunidade, como os ACS’ afirmaram: “ Não há testes, só quando tem em Santarém ”. (ACS 7)

Segundo Pereira e Oliveira ( 2013PEREIRA, I. C.; OLIVEIRA, M. A. C. O trabalho do agente comunitário na promoção da saúde: revisão integrativa da literatura. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, DF, v. 66, n. 3, p. 412-419, 2013. DOI: 10.1590/S0034-71672013000300017
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), a promoção da saúde é o principal objetivo das atividades desempenhadas pelo ACS, seja ela qual for, sua finalidade sempre será a busca pelo resultado da promoção em saúde. Porém, nem sempre é fácil conseguir chegar nas metas desejadas estando inserido em uma realidade diferente daquela em que a construção desses objetivos foi pensada.

Outras providências tomadas pelos ACS, em relação ao aparecimento de sintomas em algum dos comunitários, consistiram em orientar o isolamento domiciliar nos casos leves:

Ficar em casa, ficar em casa aguardando pelo menos os sete dias, aí depois, caso não passar os sintomas, procurar uma unidade de saúde para fazer os primeiros procedimentos . (ACS 02)

Primeiramente, o isolamento domiciliar e depois o encaminhamento para unidades de saúde . (ACS 03)

Ficar em casa de quarentena isolado, sem contato com ninguém e em seguida fazer o seu monitoramento e enviar para secretaria de saúde para ser acompanhado . (ACS 04)

No que tange às providências, bem como às medidas tomadas pelo ACS, há um destaque relevante em trazer essa discussão. Face às dificuldades relacionadas ao deslocamento dos comunitários, tanto para realização de teste como para tratamento até Santarém, um ACS utilizou outros recursos para que o paciente ficasse bem:

Logo no começo dos primeiros sintomas, encaminhávamos para Santarém para ver se comprovava a covid, só que a gente enfrentou muitas dificuldades nessas situações, porque lá no interior não teve um paciente que veio para Santarém para fazer o exame da covid. Só que pelos sintomas que apresentou nos pacientes, por exemplo, eu tive alguns comunitários que tiveram sintomas muito graves e eles não quiseram vir para Santarém, então foi uma dificuldade. A gente tentou manter eles por lá mesmo e a gente mandou fazer diversos chás, cumaru, alho, mangarataia. Foi feito um trabalhão com essas pessoas lá . (ACS 08)

Essa tomada de decisão é realizada pensando na melhora dos comunitários, pois como a maioria dos ACS mora nas comunidades onde trabalham, tornam-se assim conhecedores da realidade em que vivem, das suas crenças, medos, valores e linguagens, podendo oferecer um serviço humanizado a cada paciente.

Almeida et al. ( 2021ALMEIDA, P. F. et al. Contexto e organização da atenção primária à saúde em municípios rurais remotos no Norte de Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 37, n. 11, p. 2, 2021. DOI: 10.1590/0102-311X00255020
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) apontam que os desafios para prestação de serviço de saúde em áreas rurais se dão pelos seguintes fatores: alocação de recursos financeiros, composição da força de trabalho, fenômenos naturais e distância dos centros regionais de referência, causando inúmeras iniquidades em relação à atenção à saúde.

Agrupamento II. Descrença na pandemia/ Medo e falta de valorização (Classe 2 e 3)

Os ACS apontaram, enquanto importante desafio enfrentado no desempenho de suas funções, a desinformação das famílias acerca da gravidade da doença, ou de que ela não chegaria às comunidades por estarem distantes dos grandes municípios. Porém, o cenário encontrado por estes trabalhadores da saúde era grave, como foi perceptível nas falas dos próprios ACS entrevistados:

Com tudo o que está acontecendo ainda, que a gente está no meio dessa pandemia, a mídia mostra muitas mortes, e com tudo isso, as pessoas ainda não tem a consciência de levar a sério, alguns sim, mas, principalmente as pessoas que têm comércio, eles não levam a sério as orientações que a gente dá . (ACS 01)

Dizem que não tem medo, que é uma doença como as outras gripes. Eu trabalho na saúde pública, eu quero que as pessoas fiquem bem . (ACS 4)

Analisando as falas dos ACS acerca da incredulidade dos comunitários em relação à periculosidade da doença, apontamos que este fato pode ter acontecido por conta das diversas notícias falsas que circularam durante a pandemia. Tal rede de desinformação se disseminou até mesmo em áreas remotas que enfrentam dificuldade de acesso à rede mundial de computadores. A propagação de falsas notícias foi tão grande que acabou trazendo inúmeros prejuízos para a saúde pública. Tanto é que, até aos dias atuais ainda existem pessoas que não tomaram a vacina por acreditarem nelas (Mercedes et al., 2020MERCEDES. N. et al. Fake News no cenário da pandemia de covid-19. Cogitare Enfermagem, Curitiba, v. 25, 2020. DOI: 10.5380/ce.v25i0.72627
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).

Esse comportamento dos comunitários preocupava os ACS, pois se eles não acreditavam nas suas orientações, não as cumpririam:

Meu maior desafio é trabalhar e correr risco de ser contaminado, como eu já fui contaminada. Porque fazemos de tudo, deixamos nossas famílias e ainda tem pessoas que não acreditam e não dão importância no nosso trabalho. (ACS 03)

O risco de contaminação que nós corremos o tempo todo e as pessoas muitas vezes não reconhecem nosso trabalho (ACS 06).

Diante disso, os ACS se sentiam desvalorizados e desmotivados, principalmente pelos desafios enfrentados diariamente no seu trabalho. Isso, somado ao risco de se infectarem, assim como aos seus familiares, pois, como outros profissionais de saúde da linha de frente, o ACS está em constante exposição ao vírus em virtude do aumento de suas demandas de trabalho. Acresceram novas necessidades de saúde diante da situação de emergência, fazendo com que houvesse urgência em adquirir novas competências, como aquisição de saberes, por exemplo, para propagação da promoção em saúde (Maciel et al., 2020MACIEL, F. B. M. et al. Agente comunitário de saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de pandemia de Covid-19. Revista Ciência e Saúde Coletiva, Salvador, v. 25, n. suppl. 2, p. 4185-4193, 2020. DOI: 10.1590/1413-812320202510.2.28102020
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).

Em muitas comunidades, a densidade demográfica nem chega ao número de cadastro do que se preconiza para atuação do ACS, segundo a Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017, que implementa a ABS. Onde em áreas de grande dispersão territorial, áreas de risco e vulnerabilidade social, recomenda-se que, a cada comunidade com até 750 pessoas, haja cobertura por um ACS, de forma a incluir 100% da população e, quando esse número não é alcançado, haja cobertura de mais de uma comunidade pelo profissional, o que demanda um custo operacional bastante elevado, gera impactos na cobertura assistencial de qualidade e acarreta em sobrecarga para o ACS, conforme testemunha dois participantes: “ nossa área de abrangência é muito distante; é mais difícil, principalmente a região ribeirinha que é mais distante ”. (ACS 01)(AC 08)

Agrupamento III- Falta de materiais de apoio, materiais informativos e EPI. (classe 4)

Os ACS consideraram que os materiais de apoio disponibilizados pelos gestores na saúde não foram suficientes, especialmente os EPI usados para a prevenção da infecção pelo SARS-CoV-2 na pandemia, como: kits de higiene, álcool em gel, luvas e máscaras de proteção; assim como os que já eram usados anteriormente, como botas, toucas, capote ou avental descartável e protetor facial. Foi ainda considerada insuficiente a disponibilização de material informativo para ajudar nas ações de educação em saúde, que é uma das grandes atribuições do trabalho do ACS. Assim, os participantes inferem que existiu falta de materiais para prevenção e, como mostra a fala dos participantes, também não existiam materiais informativos para auxílio nas orientações:

Nesses kits anteriores que foram, foram até mais máscaras, mas agora, nesses últimos kits foram menos, álcool também, eram poucos então as famílias mesmo que se viram e compram sobre materiais informativos nós mesmos que tiramos do nosso bolso para mandar fazer, para a gente distribuir para as famílias, para incentivar as famílias, para orientar . (ACS 1)

Não houve e não há nenhum material informativo . (ACS 2)]

O que vem pouca são máscaras e o que mais a gente usa é o álcool também; Falta de apoio por parte dos nossos governantes, principalmente por falta de EPIs. (ACS 03)

Não temos nada disso, apenas orientação de nossa enfermeira responsável pela unidade. (ACS 06)

As máscaras vêm limitadas e o álcool em gel faz tempo que a gente não recebe. Aí, quando falta a gente vai na unidade quem e lá a gente pega. (ACS 07)

Recebemos kits de higiene, material informativo não. (ACS 08)

Destes testemunhos evidencia-se a insuficiência no apoio e incentivo às ações dos ACS, que são profissionais com os salários considerados baixos e, ainda, tiveram que tirar dinheiro de seus bolsos para realizar suas metas de orientação, muitas vezes apenas com a sua voz como instrumento de trabalho principal, afetando, assim, o seu rendimento no trabalho.

O ACS durante a pandemia, na retomada de algumas atividades, por ser atuante na prevenção e promoção da saúde, teve mudanças no seu trabalho, entre elas: a reorientação da atividade de apoio prestada por esse profissional às equipes de saúde, que inclui a visita domiciliar, coleta de dados e diagnóstico situacional (Maciel et al., 2020MACIEL, F. B. M. et al. Agente comunitário de saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de pandemia de Covid-19. Revista Ciência e Saúde Coletiva, Salvador, v. 25, n. suppl. 2, p. 4185-4193, 2020. DOI: 10.1590/1413-812320202510.2.28102020
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).

Podemos concluir que o ACS também é um profissional de saúde atuando na linha de frente. Em algumas comunidades, eles são a única e, dessa forma, principal referência de profissional de saúde. Em vista disso, a garantia de condições dignas de trabalho se torna indispensável.

Agrupamento IV- Orientações acerca da COVID-19/ Não cumprimento das medidas de segurança. (classe 5 e 6)

As orientações sobre os cuidados preventivos relativos à infecção pelo vírus que transmite a covid-19 foi, sem dúvida, uma das questões mais debatidas, ouvidas e repetidas durante a pandemia por uma boa quantidade de pessoas que se preocupava com a sua saúde das pessoas que as rodeiam. Nos jornais não se falava em outro tema além de covid-19.

Para os ACS não foi diferente, as orientações na maioria das comunidades tiveram seu início, juntamente com as notícias dos primeiros casos e da declaração da OMS de estado de pandemia mundial em março de 2020, como rederem os participantes:]

Assim que iniciou a pandemia, no mês de março de 2020 . (ACS 03)

A partir que surgiu a informação de casos no Brasil, no mês de março de 2020. (ACS 05).

No momento que surgiu os primeiros sintomas na região, em março. (ACS 08)

A orientação é uma das partes fundamentais do trabalho do ACS. Com foco na continuidade do cuidado e na longitudinalidade da atenção à saúde, se trabalha junto com a educação em saúde, que foi de grande importância nesse momento. Explicada por Maciel et al. ( 2020MACIEL, F. B. M. et al. Agente comunitário de saúde: reflexões sobre o processo de trabalho em saúde em tempos de pandemia de Covid-19. Revista Ciência e Saúde Coletiva, Salvador, v. 25, n. suppl. 2, p. 4185-4193, 2020. DOI: 10.1590/1413-812320202510.2.28102020
https://doi.org/10.1590/1413-81232020251...
, p. 4187) como orientação comunitária, sendo entendida “como a capacidade de unir competências epidemiológicas e clínicas a fim de fundamentar programas para melhor reconhecer as demandas emergentes em saúde da população adscrita”.

As principais medidas de prevenção e controle do vírus adotadas pelo Ministério da Saúde durante a pandemia foram as medidas de higiene e o isolamento social. A essa escolha de diminuição de contaminação foi dado o nome de etiqueta respiratória, que consiste em um conjunto de medidas para evitar um possível contágio de pessoas que compartilham o mesmo ambiente. Entre as ações da etiqueta respiratória, estão: cobrir nariz e boca com lenço de papel ou com o antebraço e manter uma distância mínima de cerca de 1 metro de qualquer pessoa quando tossir ou espirrar; evitar abraços, beijos e apertos de mãos; evitar aglomerações, principalmente em espaços fechados; e manter os ambientes limpos e bem ventilados (Brasil, 2021 BRASIL. Covid-19. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/coronavirus . Acesso em: 14 jul. 2020.
https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/...
).

Assim, os ACS relatam que enfrentaram grandes desafios na implementação da atenção básica nas comunidades, principalmente no que diz respeito ao respeito ao isolamento social:

Os comerciantes, os marreteiros que vem de outra comunidade para vender seus produtos na comunidade em que a gente trabalha, muitos entram e não usam máscaras e a gente tenta conversar, muitos aceitam e outros não. (ACS 01)

O que mais descumprem é o isolamento. (ACS 03)

O maior desafio é fazer com que as pessoas usem máscara . (ACS 04)

Infelizmente a maioria não obedece ao uso de máscara, distanciamento, aglomeração. (ACS 05)

A maioria não segue os protocolos de segurança. (ACS 06)

A gente orienta os comunitários e eles não estão nem aí e principalmente o não uso da máscara. (ACS 07)

Nem todos os comunitários usam a medida de prevenção. (ACS 08)

Observa-se bastante negligência relatada pelos participantes do estudo, o que parece justificar o elevado número de casos de covid-19 nas cidades pequenas e nos interiores da Amazônia. “No final de maio de 2020, a covid-19 registrava mais casos nos interiores do Amazonas e do Pará do que nas regiões metropolitanas de Manaus e Belém” (Muniz, 2021MUNIZ, E. S. A interiorização da covid-19 na Amazônia: reflexões sobre o passado e o presente da saúde pública. História, Ciências, Saúde, Manguinhos, v. 28, n. 3, p. 875-877, 2021. DOI: 10.1590/S0104-59702021005000007
https://doi.org/10.1590/S0104-5970202100...
, p. 877).

Contudo, os fatores que podem ter levado ao grande número de casos da doença são inúmeros. Alguns já discutimos durante este trabalho, como a disseminação de notícias falsas e o não seguimento das orientações de segurança indicadas pelo Ministério da Saúde. Porém, existem fatores que estão fora do alcance dos moradores das comunidades, como o fato de estarem mais expostos às desigualdades sociais, realçando a diferença quanto ao acesso à saúde, que é uma discussão antiga, mas que em tempos de pandemia se mostrou ainda mais pertinente frente às dificuldades enfrentadas pelo povo ribeirinho (Muniz, 2021MUNIZ, E. S. A interiorização da covid-19 na Amazônia: reflexões sobre o passado e o presente da saúde pública. História, Ciências, Saúde, Manguinhos, v. 28, n. 3, p. 875-877, 2021. DOI: 10.1590/S0104-59702021005000007
https://doi.org/10.1590/S0104-5970202100...
).

Ações realizadas para prevenção da propagação do vírus

A análise de similitude se ancora na teoria dos grafos e possibilita a identificação das ocorrências entre as palavras (Camargo; Justo, 2013CAMARGO, B. V.; JUSTO, A. M. IRAMUTEQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas psicologia, Ribeirão Preto, v. 21, n. 2, p. 515-516, 2013. DOI: 10.9788/TP2013.2-16
https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16...
). A Figura 3 consiste na análise de similitude que foi realizada com intuito de saber quais as ações em saúde realizadas.

Figura 3 .
Análise de semelhança das ações para evitar a propagação do vírus nas comunidades

A partir das análises da Figura 3 , nota-se a ocorrência de um leque semântico entre as palavras: “gente”, “orientação” “prevenção”, “sintomas” e “testes”. Após a análise genérica da árvore de similitudes, consideramos como ações realizadas para diminuir a propagação do vírus as orientações realizadas pelos ACS. Estes profissionais, desde o começo da pandemia, com ou sem material informativo, realizaram educação em saúde no seu território, bem como o diagnóstico situacional da comunidade em que trabalham. Outra ação foi a parte diagnóstica dos casos suspeitos, que inúmeras vezes foi realizada pelo ACS antes de encaminhar os pacientes para a UBS.

Dessa maneira, torna-se evidente que muitas vezes “os ACS atuam em várias frentes, da mediação do acesso às UBS à cobertura de falhas comunicacionais, mais frequentes nas zonas rurais” (Almeida et al., 2021ALMEIDA, P. F. et al. Contexto e organização da atenção primária à saúde em municípios rurais remotos no Norte de Minas Gerais, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 37, n. 11, p. 2, 2021. DOI: 10.1590/0102-311X00255020
https://doi.org/10.1590/0102-311X0025502...
, p. 17). Em comunidades onde não há UBS, o profissional faz muitas vezes trabalhos emergenciais, como aponta Lima et al. ( 2021LIMA, J. G. et al. O processo de trabalho dos agentes comunitários de saúde: contribuições para o cuidado em territórios rurais remotos na Amazônia, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 37, n. 8, 2021. DOI: 10.1590/0102-311X00247820
https://doi.org/10.1590/0102-311X0024782...
, p. 13) em sua pesquisa sobre o trabalho do ACS em áreas rurais. Os autores esclarecem que “uma das principais especificidades das UBS rurais foi uma razoável capacidade de procedimentos individuais e atendimentos de urgência”, e como podemos notar nas falas dos ACS participantes desta pesquisa:

Avaliar o paciente, observar seu estado clínico e, se necessário, encaminhar para a UBS . (ACS 05)

Sempre pesquiso, pra falar nas residências, mas é mais falado mesmo. (ACS 09)

E a gente mandou fazer diversos chás, cumaru, alho, mangarataia. Foi feito um trabalhão com essas pessoas lá . (ACS 06).

Eu trabalho muito mesmo com a parte da orientação (oral), como passam para nós ACS, a gente tem que trabalhar muito em cima de orientação. Então, nas minhas visitas, o que eu falo muito é sobre os cuidados na orientação, o que podemos fazer para se prevenir do covid-19 . (ACS 02)

Por fim, com os dados reunidos e apresentados nesta pesquisa, cabe dizer que enxergamos o ACS como um elo, como porta de entrada, e assim, este profissional esteve presente desde o mapeamento de casos suspeitos e encaminhamento de pacientes para a enfermagem, até o acompanhamento deles durante tratamento, cura e enfrentamento da pandemia. Dessa forma, tais profissionais foram de extrema importância no enfrentamento à pandemia promovida pela covid-19. Importa valorizar seu trabalho, bem como garantir melhores condições de vida.

Considerações finais

Este estudo propôs verificar quais foram os desafios enfrentados pelos ACS da região do rio Arapiuns, no estado do Pará, durante o enfrentamento à pandemia da covid- 19. Objetivou-se também identificar quais eram as ações realizadas pelos ACS para combater a disseminação do vírus, mediante o modo de vida dos ribeirinhos.

Evidenciou-se que um dos principais desafios para o ACS se refere ao que é enfrentado por este profissional de saúde para acessar as famílias nos domicílios rurais, que geralmente são distantes ou de difícil acesso. Diante das singularidades da zona rural, pensar em políticas públicas que melhorem o acesso e a acessibilidade aos serviços de saúde é de fundamental importância.

Mediante os resultados, identificou-se como esses profissionais foram negligenciados pela indisponibilização de equipamentos de proteção individual e insuficiência de materiais informativos para ajudar nas ações de saúde. Dessa forma, urge a necessidade de políticas públicas voltadas para capacitá-los e valorizá-los frente aos desafios enfrentados nos territórios.

As comunidades ribeirinhas têm desafios ainda maiores frente aos problemas de logística e acesso aos serviços de saúde, além das precárias condições de moradia. Diante do exposto, com o cenário pandêmico, ficaram evidentes as desigualdades na saúde. No entanto, o ACS foi o principal elo entre o serviço de saúde e a comunidade, mostrando-se fundamental e sendo considerado um profissional de linha de frente no combate à pandemia.

É importante ressaltar que, se tratando de atuação em áreas rurais, a extensão territorial do local de abrangência foi mais um importante desafio imposto aos profissionais de saúde no enfrentamento à pandemia, já que o SUS preconiza uma distribuição de ACS seguindo a lógica da distribuição populacional e leva menos em consideração as peculiaridades territoriais, como a extensão geográfica.

No que tange à aplicação das políticas públicas na Amazônia, percebe-se que há uma fragilidade, pois essas políticas são criadas a partir de modelos genéricos, não levando em consideração os inúmeros cenários específicos do nosso país, em especial, o cenário amazônico.

Frente ao que foi exposto, é notável a necessidade da revisão e reformulação das políticas públicas que já existem na atenção básica, para que as áreas amazônicas sejam contempladas de forma minimamente integral, baseadas em parâmetros que levem em consideração as especificidades espaciais da região. Tal necessidade se impõe para que o profissional de saúde que atua na atenção básica tenha segurança e condições adequadas de trabalho, fazendo com que a discussão acerca das grandes extensões territoriais passe a ser vista como uma real necessidade, e não como fator desafiador que implica no baixo desempenho dos profissionais, de modo a se reorganizar o serviço a oferecer estratégias inovadoras e reais para esses trabalhadores.

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  • 1
    Os dados da pesquisa foram obtidos através do Programa de Ações Emergenciais – Paem-Rios, que foi um projeto da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2023
  • Aceito
    23 Abr 2024
  • Revisado
    28 Maio 2024
Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Associação Paulista de Saúde Pública. SP - Brazil
E-mail: saudesoc@usp.br