Análise da organização da Atenção Básica no Espírito Santo: (des)velando cenários

Analysis of the organization of Primary Care in the state of Espírito Santo: (un)veiling scenarios

Ana Claudia Pinheiro Garcia Maria Angélica Carvalho Andrade Eliana Zandonade Thiago Nascimento do Prado Paula de Souza Silva Freitas João Paulo Cola Heletícia Scabelo Galavote Priscilla Caran Contarato Rita de Cássia Duarte Lima Sobre os autores

Resumos

O objetivo foi revelar aspectos da organização da Atenção Básica à Saúde nos 78 municípios do estado do Espírito Santo - Brasil, no contexto avaliativo do Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica, no período de junho a setembro de 2012. Foram analisados três eixos: 1. trabalho em saúde: evidenciou desprecarização das relações de trabalho; 2. processo de trabalho, planejamento e acolhimento: dispositivos operados satisfatoriamente; 3. estrutura, ambiência e acessibilidade: revelou dificuldades de utilização dos serviços pelos usuários devido à inadequação do ambiente. Constatamos avanços e desafios na ampliação do acesso e melhoria da qualidade neste contexto.

Atenção Primária à Saúde; Avaliação de serviços de saúde; Qualidade da assistência à saúde; Política de saúde


The aim was to reveal aspects of the organization of primary health care in the 78 counties in the state of Espírito Santo - Brazil, in the evaluative context of the National Program for Access and Quality Improvement in Primary Care in the period of June to September 2012. Three axes were analyzed: 1. working in health: has shown desregulation of labor relations; 2. work procedure, planning and reception: devices operated satisfactorily; 3. structure, ambiance and accessibility: revealed difficulties in utilization of services by users due to the unsuitability of the environment. We notice progress and challenges in the expanding of access and improvement of quality in this context.

Primary Health Care; Health services evaluation; Quality of health care; Health policy


Introdução

Para operacionalizar o Sistema Único de Saúde (SUS) é necessário ampliação do acesso e melhoria da qualidade da Atenção Básica (AB), visando diminuir as iniquidades com relação à prestação de serviços de saúde, de modo a considerar a prioridade do primeiro contato, a longitudinalidade, o cuidado integral, a coordenação das variadas ações e serviços indispensáveis na resolução das necessidades dos usuários, além da orientação comunitária, com enfoque na família, tendo competência cultural para estabelecer o diálogo e reconhecer as distintas necessidades dos diversos grupos populacionais (STARFIELD, 2002STARFIELD, B. (Org.). Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: UNESCO, 2002.).

No Brasil, a expansão da cobertura de serviços básicos de saúde para a população vem aumentando progressivamente, impulsionada pela forte indução político-financeira federal aos municípios que aderem ao modelo da Estratégia Saúde da Família (ESF). Para superar a fragmentação das ações e serviços de saúde, a ESF surge como uma solução abrangente e prioritária no que se refere à expansão, consolidação e qualificação da AB, essencial para promover mudanças no atual modelo de assistência à saúde do país e para o funcionamento adequado da rede de atenção à saúde do SUS.

Nesse cenário, são crescentes a necessidade e o interesse em avaliar e monitorar os resultados e impactos produzidos nas práticas de cuidado. Sendo assim, a utilização da avaliação vem se constituindo em importante estratégia do Estado na formulação e implementação de políticas de saúde e na qualificação das ações de cuidado à saúde dos indivíduos, da família e da comunidade, contribuindo para a consolidação do SUS.

No âmbito da ampliação do acesso e melhoria da qualidade dos serviços e programas de saúde, nos últimos anos destaca-se o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ-AB), que busca assegurar que este nível de atenção se configure como a porta de acesso preferencial para o sistema de saúde e que sua organização tenha potencial resolutivo para a maioria dos problemas e necessidades de saúde da população, com garantia de um padrão de qualidade comparável nacional, regional e localmente, de maneira a permitir maior transparência e efetividade das ações governamentais direcionadas à Atenção Básica em Saúde (BRASIL, 2011B______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde, 2011b. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/Pmaq/pmaq_manual_instrutivo.pdf>. Acesso em: 23 mar 2014.
http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/...
).

Diante desse contexto e tomando como base os resultados da terceira fase do PMAQ-AB, denominada Avaliação Externa, o objetivo deste estudo foi desvelar aspectos inerentes à organização da Atenção Básica nos 78 municípios do estado do Espírito Santo, Brasil.

Procedimentos metodológicos

Delineamento do estudo

Trata-se de um estudo transversal de abordagem descritiva, desenvolvido a partir dos dados secundários obtidos da base nacional do componente da Avaliação Externa do PMAQ-AB nas unidades de saúde do estado do Espírito Santo, no ano de 2012.

Cenário do estudo

De acordo com o censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o estado do Espírito Santo (ES) localiza-se na região Sudeste do Brasil e apresenta uma população de 3.514.952 habitantes com distribuição desigual entre os 78 municípios. Dessa população geral, 83,40% equivale à população urbana e 16,60% compreende a rural (IBGE, 2010INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo 2010: resultados gerais da amostra por áreas de ponderação. 2010. Disponível em: <http://http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/resultados_gerais_amostra_areas_ponderacao/default.shtm>. Acesso em: 23 mar. 2014.
http://http://www.ibge.gov.br/home/estat...
).

Dos 78 municípios do estado, somente 11,54% apresentam uma população maior que 100 mil habitantes, 2,56% entre 50 e 100 mil habitantes, 33,33% situam-se na faixa de 20 a 50 mil habitantes e 52,56% possuem menos de 20 mil habitantes (ESPÍRITO SANTO, 2013ESPÍRITO SANTO. Secretaria Estadual de Saúde. Notícias: Telessaúde no ES qualifica atendimento nas unidades de saúde. 2013. Disponível em: <http://www.es.gov.br:81/Lists/Notcias/DispForm.aspx?ID=163788>. Acesso em: 23 mar 2014.
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).

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no estado é de 0,80, ocupando a sétima posição no ranking nacional. Entretanto, exibe desigualdades regionais relevantes, incompatíveis com o atual padrão de desenvolvimento econômico do estado (ESPÍRITO SANTO, 2013ESPÍRITO SANTO. Secretaria Estadual de Saúde. Notícias: Telessaúde no ES qualifica atendimento nas unidades de saúde. 2013. Disponível em: <http://www.es.gov.br:81/Lists/Notcias/DispForm.aspx?ID=163788>. Acesso em: 23 mar 2014.
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).

O estado do Espírito Santo possui 785 Unidades Básicas de Saúde (UBS) em atividade e 152 em construção. O modelo tecnoassistencial que orienta esse nível de atenção é a Estratégia Saúde da Família, que em 2011 estava implantada em 75 municípios, totalizando 567 equipes com uma abrangência populacional de 51,64%. Nesse mesmo ano, apresentava quatro Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), 396 equipes de saúde bucal em 71 municípios e 10 Centros de Especialidades Odontológicas, localizados em nove municípios.

O estado, segundo seu Plano Diretor de Regionalização (PDR), reformulado em 2011, está dividido em quatro regiões de saúde: Norte, Central, Metropolitana e Sul, seguindo um padrão horizontal, diferente da verticalização presente no PDR anterior (ESPÍRITO SANTO, 2013ESPÍRITO SANTO. Secretaria Estadual de Saúde. Notícias: Telessaúde no ES qualifica atendimento nas unidades de saúde. 2013. Disponível em: <http://www.es.gov.br:81/Lists/Notcias/DispForm.aspx?ID=163788>. Acesso em: 23 mar 2014.
http://www.es.gov.br:81/Lists/Notcias/Di...
).

Coleta de dados

O período de coleta de dados ocorreu de junho a setembro de 2012. Para a obtenção das informações e avaliação da qualidade da Atenção Básica no estado, no que tange aos aspectos estruturais e às informações sobre o processo de trabalho da equipe e a organização do serviço, foram utilizados dois instrumentos de análise, a saber:

  • Instrumento I - Referente ao primeiro módulo de avaliação do PMAQ-AB. Tinha como objetivo avaliar as condições de infraestrutura, materiais, insumos e os medicamentos de todas as Unidades Básicas de Saúde. Nesse estudo, foram privilegiados aspectos referentes à infraestrutura física e ao quantitativo de profissionais. O preenchimento desse instrumento foi realizado a partir da observação dos entrevistadores do PMAQ-AB.

  • Instrumento II - Trata-se do segundo módulo do PMAQ-AB, com o intuito de obter informações sobre o processo de trabalho da equipe que aderiu ao PMAQ-AB e sobre a organização do serviço e da assistência aos usuários. Para tanto, foi realizada entrevista com um profissional de cada equipe da Atenção Básica e também a verificação de documentos na Unidade Básica de Saúde.

A coleta de dados contou com quatro equipes, composta cada uma por um supervisor de campo e quatro entrevistadores com diferentes graduações: enfermagem, nutrição, psicologia, serviço social, farmácia, odontologia e ciências sociais. Ressalta-se que todos foram previamente treinados e capacitados para realizar a coleta dos dados.

Em todos os municípios visitados houve o agendamento prévio das visitas. O tempo médio para aplicação dos instrumentos I e II foi de 30 a 180 minutos, respectivamente, tendo participado da Avaliação Externa do PMAQ-AB 321 equipes de saúde da família (56,6% do total de equipes implantadas no Espírito Santo (ES), em 2011).

Análise dos dados

O estudo compreende três eixos de análise: o primeiro tem como referência dados que permitiram caracterizar os trabalhadores da saúde na composição das equipes e alguns aspectos relacionados aos vínculos empregatícios dos entrevistados por meio do instrumento II. No segundo eixo, os dados abordados referem-se ao processo de trabalho, planejamento da equipe, territorialização e acolhimento. O terceiro eixo refere-se à estrutura, ambiência e acessibilidade. Para a análise dos dados utilizou-se a estatística descritiva com as variáveis descritas por meio das frequências absoluta e relativa.

As informações obtidas nos instrumentos de pesquisa deram origem a um banco de dados que foi armazenado no software Microsoft Excel e, posteriormente, transferido para o programa estatístico SPSS 20.0 para a realização dos cálculos.

Aspectos éticos

Todos os procedimentos éticos foram observados e o estudo obteve aprovação do comitê de ética em pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública, sob o parecer 32012, em 06/06/2012.

Resultados e discussão

No estado do Espírito Santo, das 816 entrevistas previstas no Módulo I, foram realizadas 773 (95,9%). Nesse módulo, as entrevistas não realizadas deveram-se ao fato de haver unidades desativadas, fechadas ou mesmo impossibilitadas de serem visitadas, dadas as condições climáticas desfavoráveis, no período da coleta dos dados. No Módulo II, alcançou-se 98,4%. Nesse caso, a não realização das entrevistas decorreu da ausência de profissionais aptos para responder o questionário.

Em relação aos tipos de unidades de saúde, conforme observado na tabela 1, 75,2% são Centros de saúde/Unidades Básicas de Saúde (UBS), 12,8% são postos avançados, 7,1% são postos de saúde e 4,9% trata-se de outros tipos de unidades. São consideradas Centro de Saúde/UBS as unidades que apresentam atendimento, programado ou não, de Atenção Básica prestada de forma permanente por profissional médico ou especialistas da área. Já no posto de saúde, a assistência prestada pode ser realizada por profissional de nível médio, com a presença do médico, de forma intermitente ou não. O posto avançado foi considerado, para a Avaliação Externa do PMAQ-AB, como o estabelecimento que apresenta uma estrutura mínima de funcionamento para prestar assistência à população, de forma ocasional ou regular, devendo estar vinculado a uma unidade maior (UBS ou posto de saúde). Ressalta-se que a maioria dos postos avançados está situada na zona rural (BRASIL, 2011B______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde, 2011b. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/Pmaq/pmaq_manual_instrutivo.pdf>. Acesso em: 23 mar 2014.
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). Observa-se, assim, que os dados apontam para a sedimentação da implementação do modelo assistencial vinculado às Unidades Básicas de Saúde.

Tabela 1
Distribuição da frequência dos tipos de unidades de saúde na amostra

Trabalhadores da saúde

Uma das diretrizes da Política Nacional da Atenção Básica é o trabalho multiprofissional, interdisciplinar e em equipe. Esse nível de assistência tem um modelo tecnoassistencial orientado pela Estratégia Saúde da Família, cuja equipe mínima deve ser composta de médico, enfermeiro, técnico de enfermagem ou auxiliar de enfermagem, agente comunitário de saúde e equipe de saúde bucal (BRASIL; UFRGS, 2012). No que se refere ao percentual de profissionais existentes nas equipes mínimas dos municípios capixabas, observa-se na tabela 2 que 29,9% das unidades não apresentavam médico, 19,0% não possuíam enfermeiro e 40,9% não contavam com cirurgião dentista. Nota-se ainda que 34,0% não possuíam técnicos de enfermagem e 58,1% não dispunham de auxiliares de enfermagem. Esse percentual aumenta para 89,9% quando o profissional é técnico de saúde bucal e para 48,8% para os auxiliares de saúde bucal.

Tabela 2
Distribuição do número de profissionais existentes nas unidades de saúde avaliadas nos 78 municípios do estado do Espírito Santo

Quanto ao percentual de agentes comunitários de saúde, 12,2% das unidades não incorporavam esse profissional. Ainda que não apresentados na tabela 2, observou-se também que 34,8% possuíam de um a cinco agentes, 42,8% contavam com seis a 10 agentes e 10,2% possuíam mais de 10 agentes.

Observa-se, assim, uma carência de profissionais no ES que, além de sobrecarregar o trabalho daqueles que atuam nas equipes, pode comprometer o trabalho desenvolvido na AB, com impacto de aumento da demanda nos hospitais e serviços de diagnósticos, assim como as redes municipais de urgência e emergência, devido à baixa resolutividade da AB.

Em relação à incorporação de outros profissionais à equipe mínima da ESF, conforme tabela 2, 76,7% não havia médico especialista, 91,8% não dispunham de psicólogo, 91,8% não tinham fisioterapeuta, 90,8% não possuíam nutricionista e 90,6% não contavam com assistente social.

Nota-se, no panorama apresentado, que além de dificuldades na organização da equipe mínima da ESF, ainda há um desafio maior na composição dos NASF, que objetivam apoiar o trabalho na Atenção Básica, conforme prevê a Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011 (BRASIL, 2011A______. Ministério da Saúde, Portaria Nº 2.488, de 21 de outubro de 2011. Brasília: Ministério da Saúde, 2011a. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saude-legis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html>. Acesso em: 23 mar. 2014.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saude-legi...
).

Cabe ressaltar que a multiprofissionalidade representa um avanço na conformação das equipes da ESF. Contudo, a incorporação das várias profissões só se constitui efetivamente em avanço e mudança de paradigma se os profissionais dialogarem entre si em busca dos projetos terapêuticos que melhor atendam às necessidades do usuário. Caso contrário, o caráter multiprofissional servirá para manter ou acentuar a fragmentação do cuidado. Para proporcionar a integralidade na atenção à saúde, é necessário romper com o isolamento dos núcleos de competência profissional, pois, sozinhos, não conseguem responder às necessidades de saúde da população (ALMEIDA; MISHIMA, 2001ALMEIDA, M. C. P; MISHIMA, S. M. O desafio do trabalho em equipe na atenção à Saúde da Família: construindo "novas autonomias" no trabalho. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 5, n. 3, p. 151-153, 2001.).

O estudo aponta, ainda, que 88% dos profissionais indicados pela equipe para responder ao Módulo II da Avaliação Externa do PMAQ-AB eram enfermeiros, dos quais 84% eram também os seus respectivos coordenadores. Do total de entrevistados, conforme tabela 3, 26.8% atuavam havia menos de um ano na unidade de saúde, 61% de um a cinco anos e os demais (15,6%) estavam na unidade havia mais de cinco anos. Cabe salientar que um dos critérios para a indicação do profissional era atuar na equipe por pelo menos seis meses.

Tabela 3
Distribuição do tempo de atuação na equipe e o tipo de vínculo dos respondentes do Módulo II da Avaliação Externa do PMAQ-AB

Considerando-se o tempo de atuação de no mínimo um ano como um índice de fixação, pode-se afirmar que, de modo geral, nos municípios capixabas tem-se conseguido fixar os enfermeiros na Atenção Básica. Vale ressaltar que um estudo de caso realizado no interior do Rio Grande do Sul aponta para uma baixa rotatividade dos profissionais em ESF (ZANETTI , 2010ZANETTI, T. G. et al. Perfil socioprofissional e formação de profissionais de equipes de saúde da família: um estudo de caso. Revista Ciência, Cuidado e Saúde, Maringá, v. 9, n. 3, p. 448-455, 2010.).

Ainda assim, destaca-se que a não permanência de parte desses profissionais compromete o vínculo com a comunidade, a continuidade das ações desenvolvidas nas Unidades e a qualidade da assistência. Além disso, mudanças constantes de trabalhadores na equipe acarretam sobrecarga do trabalho para os que permanecem e exige o treinamento de novos profissionais, aumentando custos, riscos de acidentes e descontinuidade no cuidado.

No que tange ao vínculo empregatício, de acordo com a tabela 3, 48,0% dos entrevistados era público estatutário, 13,7% possuíam contratos temporários com a administração pública, regidos por legislação especial (municipal/estadual/federal), enquanto 22,4% eram contratados via CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Cabe ressaltar que, embora não conste na tabela 3, o estudo constatou que a forma de ingresso de 49,2% dos entrevistados foi via concurso público e somente 25% dos trabalhadores estavam vinculados a um plano de cargos, carreiras e salários.

Os dados sinalizam um considerável esforço da gestão municipal para desprecarizar as relações de trabalho, embora ainda chame atenção a existência de vínculos temporários e relações desprotegidas de trabalho em alguns municípios. Segundo Flegele (2010FLEGELE, D. S. et al. Trabalhadores de saúde e os dilemas das relações de trabalho na estratégia saúde da família. Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde, Vitória, v. 12, n. 2, p.5-11, 2010.), a desregulamentação das relações de trabalho, assim como a irregularidade dos vínculos, tem sido responsável por importantes alterações no modo como vem se estruturando a força de trabalho no SUS, principalmente na ESF, prejudicando a relação dos trabalhadores com o sistema e seus usuários, comprometendo a qualidade e a continuidade das ações e serviços ofertados à população.

Giovanella (2010GIOVANELLA, L. et al. Potencialidades e obstáculos para a consolidação da Estratégia Saúde da Família em grandes centros urbanos. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 34, n. 85, p. 248-264, 2010.) afirma, em um estudo realizado em quatro grandes centros urbanos, que há uma preocupação dos gestores em substituir os quadros terceirizados em todas as categorias profissionais, a partir da realização de concursos públicos. Tal estratégia, segundo a autora, vem contribuindo para a existência de vínculos trabalhistas mais estáveis, impactando positivamente na fixação dos profissionais na Estratégia Saúde da Família e contemplando a perspectiva de melhoria de desempenho das ações de saúde.

Processos de trabalho, planejamento, territorialização e acolhimento

Em relação ao planejamento das equipes, descrito na tabela 4, observou-se que em 96,9% havia realização de reuniões da equipe; 91,3% realizavam atividade de autoavaliação, sendo que 83,8% das equipes faziam monitoramento e análise dos indicadores e de informações de saúde. Das equipes pesquisadas, 76,9% estabeleciam plano de ação. Outro dado importante foi a constatação de que 87,9% afirmaram ter realizado nos últimos 12 meses alguma atividade de planejamento de suas ações.

Tabela 4
Distribuição da frequência das variáveis de planejamento da equipe, territorialização e acolhimento

Esses achados indicam que o planejamento tem sido utilizado como importante ferramenta de gestão pelas equipes, tendo impacto de diversas ordens, inclusive para a definição dos territórios vivos que sustentam a organização dos diversos e complexos processos de trabalho que conformam o trabalho das equipes na AB.

Cabe destacar que o planejamento é sempre uma ação futura, ferramenta de poder, retratando propósitos e interesses em disputa. É visto por Testa (1992)TESTA, M. (Org.). Pensar saúde. Porto Alegre: Artes Médica, 1992. a partir de duas vertentes que não se excluem, ou seja, serve como ferramenta decisória, podendo ser também utilizado como instrumento ideológico de dominação, em que o trabalhador é capturado, aprisionado pelos atos normativos, prescritivos, em que muitas vezes é impossibilitado de intervir, manifestar desejos, opinar e ser parte das ações e metas planejadas. Ao mesmo tempo pode servir também como balizador da subjetividade, da criatividade, da participação, da autonomia e emancipação, estando aberto a mudanças propositivas e libertadoras.

Ao apresentar o postulado de coerência como uma das possibilidades de estratégia ao planejamento, Testa (1992)TESTA, M. (Org.). Pensar saúde. Porto Alegre: Artes Médica, 1992. incorpora a categoria "poder cotidiano, que implica o poder societário, que por sua vez expressa o que fazer e o como fazer cotidiano" (P. 118) e nessa perspectiva indica que tipos de poder podem ser acessados e produzidos na micropolítica do trabalho. Nesse sentido, existe, segundo Matus (1996MATUS, C. (Org.). Adeus, senhor presidente governantes e governados. São Paulo: Fundap. 1996.), o reconhecimento de que todo ator em situação planeja e disputa projetos e recursos de poder.

Por conseguinte, Testa (1992)MATUS, C. (Org.). Adeus, senhor presidente governantes e governados. São Paulo: Fundap. 1996., no que se refere à saúde, afirma que nesse setor se lida simultaneamente com o que denominou como: "poder técnico, poder administrativo e poder político" (P. 118), sendo que cada um deles pode se interconectar, afastar-se e aproximar-se, estando relacionado à "capacidade de um individuo, grupo social e instituição" (P. 118) de estabelecer essas relações.

Na tabela 4, no que concerne à territorialização, destaca-se que em 15,3% das UBS existia sinalização de redes sociais e em apenas 16,5% havia sinalização das áreas de risco. Quanto à existência de sinalização de grupos de agravos com destaque para a diabetes, hipertensão e saúde mental, dentre outros, havia referência desse fator em 40,5% das UBS. Em 76,9% existia sinalização das microáreas do território. Os dados apontam ainda que 39,6% consideravam que a gestão leva em conta em suas ações os critérios de risco e vulnerabilidade para a definição de responsabilidade da equipe. Esses dados, de certa forma, podem despotencializar e fragilizar muitas das ações apontadas na tabela 4, uma vez que a abrangência da sinalização dos territórios constitui uma das evidências diretamente associadas à qualidade da AB, podendo impactar o planejamento e a gestão.

Maciel (2012)MACIEL, E. L. N. et al. Territorialização em saúde e liberdade individual: desafios a consolidação do SUS. In: TANACKA, M. et al. (Org.). Questões a ambientais em saúde coletiva. Cuiabá: EDUMT, 2012. p. 39-56. nos adverte que a Estratégia Saúde da Família, modelo que precisa ter a capilaridade de reorientar o modelo assistencial na Atenção Básica, traz para o centro do debate o problema da territorialização em saúde na busca de uma organização do sistema que seja capaz de dar conta, de forma coerente e eficaz, dos preceitos constitucionais garantidores de universalidade, integralidade e equidade na atenção à saúde.

No caso da saúde, a territorialização continua a ser um dos grandes desafios dos formuladores e executores da política no sentido de garantir o direito à saúde a todos. O território em saúde não é apenas a área de abrangência dos serviços de saúde, mas os espaços de poder que se estabelecem e definem a sua configuração. Na prática, isso constitui um dificultador, já que toda a organização do serviço precisa submeter-se aos princípios de doutrina e de organização do SUS.

A construção da identidade de um território está associada ao modo como foi produzida sua história e, mais importante, representa uma instância de poder. Assim sendo, será nele que vão se expressar e exercer os poderes de atuação tanto do Estado, por meio de políticas sociais, quanto das necessidades, demandas e interesses de diferentes agências e dos cidadãos que de diversos modos o habitam.

Nesse sentido, o espaço-território no setor saúde tem sido o locusprivilegiado em que se constroem a interação população-serviço, particularmente no nível local, ou seja, no município, espaço onde as disputas, interesses e desejos estão em constante tensão na definição de quem, para que e para quem se definem territórios e modelos assistenciais na saúde.

Identificou-se ainda, em 97% das unidades, a existência de organização do processo de trabalho e de serviço. Em 95% havia construção de agenda de trabalho semanal, quinzenal ou mensal e em 86% da amostra eram utilizadas informações do SIAB (Sistema de Informação da Atenção Básica). O SIAB surge como uma importante ferramenta de orientação do planejamento e avaliação das ações na APS, com a indicação de prioridades na atenção à saúde e delineamento de novos rumos no processo de organização do trabalho em saúde. A construção da agenda programática segue uma determinação do Ministério da Saúde e busca organizar a assistência em áreas consideradas prioritárias no atendimento à população, como, por exemplo, a saúde da criança e do idoso. Pode, ainda, configurar uma garantia do atendimento desses grupos de especial interesse e ao mesmo tempo representar um entrave na atenção às demandas espontâneas, reconhecidas no escopo do acolhimento, já que na agenda tradicional das equipes não há flexibilidade para o atendimento das demandas não definidas ou, então, pré-estabelecidas pela gestão dos serviços.

Observa-se, de forma geral, que o trabalho das equipes requer certo grau de liberdade, gerando uma reflexão sobre a pertinência da organização do trabalho de forma vertical e cristalizada em instrumentos pouco reflexivos, no que se refere às necessidades de saúde dos usuários e o saber-fazer dos trabalhadores que operam o cuidado.

Nesse sentido, Peduzzi (1998PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: a interface entre trabalho e interação. 1998, 254 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva). - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, 1998.) aponta que "o trabalho em saúde configura-se como trabalho reflexivo, destinado à prevenção, manutenção ou restauração de algo imprescindível ao conjunto da sociedade" (P. 83). Como trabalho reflexivo, ele é dotado de incertezas, não podendo, portanto, ser totalmente definido a priori e nem se submeter a critérios inflexíveis de produção (PEDUZZI, 1998PEDUZZI, M. Equipe multiprofissional de saúde: a interface entre trabalho e interação. 1998, 254 f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva). - Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas, 1998., P. 83). A autora defende ainda, que

é preciso pensar e propor formas de organização do trabalho que tenham um impacto na qualidade da assistência e, ao mesmo tempo, considerem a possibilidade de realização de um trabalho interdisciplinar, criativo e integrador da riqueza da diversidade das formações que conformam o trabalho dos profissionais da saúde.

No que tange ao acolhimento, embora a universalização da atenção à saúde esteja constitucionalmente assegurada e a expansão da ESF tenha em muito contribuído para esta finalidade, as barreiras organizacionais ao acesso aos serviços da rede básica ainda são um problema central para a consolidação do SUS no país. Nesse sentido, destaca-se o acolhimento como dispositivo ético-político para ampliar o acesso aos serviços de saúde; como estruturante do processo de trabalho centrado nas demandas e necessidades de saúde; como potencial instituinte de novas formas de produzir o cuidado; como espaço de integração da voz do usuário na construção de projetos terapêuticos e como integração dos profissionais e seus saberes na busca de cuidar da população que assistem, numa perspectiva do trabalho multiprofissional e interdisciplinar que valoriza a sensibilidade e o equilíbrio. Nesse sentido, como forma de compreender o trabalho multiprofissional e interdisciplinar e diante da complexidade do enfrentamento, no mundo real, das necessidades em saúde serem reconhecidas e cuidadas, Ceccim (2006)CECCIM, R.B. Equipe de saúde: perspectiva entre-disciplinar na produção dos atos terapêuticos. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R.A. (Org.). Cuidado: as fronteiras da integralidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Uerj: Abrasco, 2006. p. 259-278. defende a "entre-disciplinaridade" (P. 260), na qual a prática terapêutica emerge da conversação e da transformação permanente de si, dos entornos e do trabalho.

Segundo Tesser, Poli Neto e Campos (2010)TESSER, C. D.; POLI NETO, P.; CAMPOS, G. W. S. Acolhimento e (des)medicalização social: um desafio para as equipes de saúde da família. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 15, supl. 3, p. 3615-3624, 2010., o acolhimento envolve um interesse, uma postura ética e de cuidado, uma abertura humana, empática e respeitosa ao usuário, mas ao mesmo tempo implica a avaliação de riscos e vulnerabilidades. Nessa perspectiva, os autores afirmam que o acolhimento envolve um sentido ético individual e coletivo, assumido como fundamental para orientar a postura do profissional e questões de organização e prática do trabalho. Assim, no âmbito da efetivação das diretrizes operacionais da ESF, o acolhimento revela o modelo assistencial da instituição, pois corresponde ao primeiro enfrentamento entre as demandas e necessidades de saúde trazidas pelos usuários e às possibilidades ofertadas pelo serviço de saúde.

Dessa forma, de acordo com os resultados desta pesquisa, esse dispositivo vem sendo operacionalizado satisfatoriamente. É assim que, segundo os respondentes, conforme tabela 4, o acolhimento está implantado em 81% das unidades de saúde. Embora seja um percentual elevado, a realidade do dia-a-dia observada na AB nos alerta para a necessidade de se (re)pensar os sentidos atribuídos e os vários formatos de acolhimento que têm sido experienciados pelos usuários e profissionais de saúde, pois, muitas vezes, a noção de acolhimento tem sido limitada a uma atitude profissional de bondade e favor; ou ainda se traduz em recepção administrativa, ambiente confortável e ação de triagem.

Segundo Teixeira (2003TEIXEIRA, R. R. O acolhimento num serviço entendido como uma rede de conversações. In: PINHEIRO, R.; MATTOS, R. A. (Org.). Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2003. p. 89-111.), existe um esvaziamento ou empobrecimento do sentido mais amplo do que seja acolhimento por parte dos profissionais, que focalizam apenas um dos aspectos do acolhimento, isto é, enquanto dispositivo técnico assistencial de organização do processo de trabalho. De uma forma geral, os profissionais tendem a conceber o acolhimento, enquanto dispositivo organizacional tradicional dos serviços de saúde, sem considerar o usuário como um ator a ser atendido e respeitado em suas demandas e necessidades. Nessa perspectiva, o acolhimento é compreendido como uma primeira etapa de organização do processo de trabalho na AB, no que diz respeito ao acesso ou recepção dos usuários, relacionado muitas vezes à classificação de risco, entendida por sua vez como triagem, e trazendo a ideia de uma seleção, escolha de quem vai ou não ser atendido de acordo com algum critério preestabelecido. Essa concepção de acolhimento restringe-se a uma categoria profissional responsável em impor barreiras ou limitações ao atendimento, em um determinado tempo e espaço físico, o que não atende às propostas do SUS para o acolhimento como um modo de operar os processos de trabalho em saúde. Além de distanciamentos técnicos e conceituais, bem como limitações estruturais, as práticas de acolhimento na Atenção Básica revelaram sofrimento profissional (DAL PAI; LAUTERT, 2011DAL PAI, D.; LAUTERT, L. Sofrimento no trabalho de enfermagem: reflexos do "discurso vazio" no acolhimento com classificação de risco. Esc. Anna Nery, Rio de Janeiro, v. 15, n. 3, p. 524-530, 2011.) e contextos permeados por conflitos éticos, evidenciando situações de exclusão e negação do direito à saúde, distanciando-se dos princípios da universalidade no acesso, da integralidade na atenção e da garantia do direito à saúde.

Ao se refletir sobre o acolhimento na Atenção Básica à Saúde, afirma-se que o maior desafio dos profissionais da estratégia da saúde da família é concretizar, na prática cotidiana, uma reversão do sentido do acolhimento restrito a simples pronto atendimento e experimentar o acolhimento como estratégia de organização, de forma participativa e sustentável, que garanta o enfrentamento dos eventos inesperados e o atendimento à demanda espontânea, atentando para a possibilidade de construção de relações mais dialógicas que possam facilitar a produção de vínculos e o exercício de corresponsabilização pelo cuidado.

Estrutura, ambiência e acessibilidade

O Ministério da Saúde adota o conceito de ambiência de forma ampla como um espaço social, profissional e de relações interpessoais que possibilitem atenção de forma resolutiva, humana e acolhedora. Para isso, apresenta três eixos norteadores: a confortabilidade, a produção de subjetividades e o processo de trabalho. O primeiro eixo valoriza elementos do ambiente, tais como: iluminação (intensidade, qualidade e incidência), cor, som (ruídos, música, gritos), cheiro, forma e privacidade. Salas limpas, arejadas, com boa iluminação e pintadas com cores alegres, assim como banheiros e locais acessíveis a portadores de necessidades especiais, podem proporcionar aos usuários e trabalhadores maior conforto e bem-estar. O segundo eixo trabalha com a ambiência como um processo para reflexão de práticas e saberes desenvolvidos no espaço para mudança de ambientes por meio das ações, em que as UBS devem ser pensadas para promover encontros entre os trabalhadores e entre estes com a população usuária. Já o último eixo utiliza o espaço como uma ferramenta facilitadora do processo de trabalho que visa otimizar recursos e promover um atendimento humanizado, resolutivo e acolhedor.

A tabela 5 apresenta os percentuais das características estruturais, de ambiência e de acessibilidade da unidade de saúde.

Tabela 5
Distribuição da frequência dos indicadores de estrutura, ambiência e acessibilidade a pessoas com deficiência e idosos nas unidades de saúde da amostra

Ao analisar os dados apresentados na tabela 5, observa-se que 89,7% das unidades possuíam recepção, 81,9% dispunham de banheiro para os funcionários, 70,1% possuíam janelas ou ventilação indireta, 61,6% eram claras e aproveitavam a luz natural, o que demonstra uma boa adequação dos ambientes nesses quesitos acima de 60%. Entretanto, 46,2% das unidades apresentavam mofo próximo às pias, vasos sanitários e tanques, 14,5% apresentavam cheiro de esgoto e somente 8,4% das unidades apresentavam sanitário adaptado para pessoas com deficiência, indicando que existem muitos quesitos do eixo confortabilidade que precisam ser melhorados nas unidades. Esses dados apresentam ainda indicadores insatisfatórios referentes às questões do ambiente, visando à melhoria dos processos de trabalho. Identificou-se que salas com possibilidade de promover maior privacidade aos usuários, ou mesmo que possibilitem reuniões e atividades educativas, apresentam um percentual abaixo de 37%. Pode-se citar sala de acolhimento (13,8%), sala de reunião/atividades educativas (27,2%) e sala de procedimentos (36,2%).

Observou-se, ainda, que 52% das unidades possuíam geladeira exclusiva para vacina, 54% contavam com computadores e 31% com impressoras. Percebeu-se também que 31% das equipes tinham acesso à internet, contudo, somente 2,7% utilizavam o Telessaúde. Verifica-se, assim, um percentual baixo de utilização do Telessaúde, ainda que se trate de uma moderna tecnologia da informação e comunicação a distância capaz de promover a interação entre profissionais de saúde, ou entre estes e os usuários nos diversos níveis de atenção, para ampliação e melhoria da qualidade dos serviços prestados na AB, além de possibilitar capacitação profissional, acesso aos recursos de radiodiagnósticos e teleconsultorias (BRASIL, 2012BRASIL. Ministério da Saúde; UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS). Manual de Telessaúde para Atenção Básica/Atenção Primária à Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.). No Espírito Santo, o Telessaúde foi implantado em fevereiro de 2012, em 44 municípios, com serviço de teleconsultoria e webconferência, com o objetivo de tornar o atendimento nas Unidades Básicas mais resolutivo.

Os dados de indicadores de acessibilidade (tabela 5) mostram que 40,1% das unidades possuíam rampa de acesso, 25,9% tinham porta e corredor de entrada adaptados para cadeira de rodas e 7,9% apresentavam corrimão, 6,9% das unidades dispunham de totem externo adequado com sinalização da unidade, 4,8% tinham sinalização realizada por meio de textos, desenhos, cores ou figuras (visual) que indicam os ambientes e os serviços ofertados pela unidade de saúde. Observou-se ainda que em 0,1% das unidades eram utilizados os símbolos internacionais para pessoas com deficiência física, visual e auditiva com cores ou figuras que indicam os ambientes da unidade de saúde.

Esses dados apontam para as limitações e dificuldades enfrentadas pelos usuários no uso dos serviços em decorrência da precariedade e inadequação de estruturas, como: rampas, totens, sinalizações, entre outras, rompendo com os direitos fundamentais do acesso aos serviços de saúde, garantidos pela Constituição Federal.

Embora não apresentados em tabela/figura, os dados referentes ao horário de funcionamento da unidade de saúde demonstram que: em 90% havia atendimento em dois turnos, 8% em um turno e somente 2% em três turnos. Das unidades estudadas, 100% funcionavam pela manhã, 92% funcionavam à tarde, e somente 3% funcionavam à noite. Verificou-se, ainda, que 93% funcionavam até cinco dias por semana e 85% tinham carga horária semanal de oito horas diárias ou mais. Quanto ao funcionamento em horários alternativos, somente 12% das unidades funcionavam no fim de semana e 57% no horário de almoço.

A organização das ações no escopo da AB se fundamenta, principalmente, nas determinações da gestão em saúde, entendida como a gestão formal institucionalizada, o que pode configurar um engessamento do trabalho das equipes no sentido da inventividade e possibilidade de reinvenção por parte dos atores operantes diretos do trabalho no âmbito destes serviços. Assim, o funcionamento dessas unidades em horários alternativos pode representar a ampliação do acesso aos usuários impedidos de comparecer ao serviço em horário comercial e que poderiam se beneficiar de um atendimento em horários flexíveis, em especial, o atendimento à população masculina que com frequência se refere à incompatibilidade de horários como o fator determinante para a não procura por serviços de saúde nessas unidades.

Lima (2014, P. 95LIMA, E. F. A. Avaliação da qualidade da estratégia saúde da família. 2014. 228 f. Tese (Doutorado em Enfermagem). - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.) aponta que o acesso é um dos elementos primordiais para a avaliação da qualidade dos serviços de saúde, sendo gerador de satisfação ou insatisfação do usuário com a atenção ofertada pelo serviço. O acesso pode ser expresso pela ampliação e frequência na utilização dos serviços ofertados ou os que vão se incorporando em função à demanda dos usuários, por necessidades epidemiológicas, por novas realidades instituídas nos territórios e suas necessidades de saúde, sendo muitas vezes a simples entrada e não a trajetória no serviço percebida como facilidade pelos usuários (SCHWARTZ , 2010SCHWARTZ, T. D. et.al. Estratégia Saúde da Família: avaliando o acesso ao SUS a partir da percepção dos usuários da Unidade de Saúde de Resistência, na Região de São Pedro, no município de Vitória/ES. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de janeiro, v.15, n. 4, 2010, p. 2145-54.).

É ainda Lima (2014LIMA, E. F. A. Avaliação da qualidade da estratégia saúde da família. 2014. 228 f. Tese (Doutorado em Enfermagem). - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.) que nos adverte que alguns autores como: Starfield (2002STARFIELD, B. (Org.). Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologias. Brasília: UNESCO, 2002.), Brasil (2011B)______. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica: manual instrutivo. Brasília: Ministério da Saúde, 2011b. Disponível em: <http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/Pmaq/pmaq_manual_instrutivo.pdf>. Acesso em: 23 mar 2014.
http://189.28.128.100/dab/docs/sistemas/...
e Travassos e Martins (2004)TRAVASSOS, C; MARTINS, M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúdeCad Saúde Publica, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 190-198, 2004., têm considerado a acessibilidade como a adequação entre a oferta e a demanda de serviços e inclui a disponibilidade, acessibilidade geográfica, comodidade ou acesso sócio-organizacional, bem como possibilidade de pagamento, acessibilidade financeira e aceitabilidade. Nesse contexto, afirma a autora que a acessibilidade está diretamente atrelada ao acesso e diz respeito às características dos serviços e dos recursos de saúde que facilitam ou limitam seu uso e da forma como ocorre ou não o acolhimento.

Tendo em vista a amplitude do conceito de acessibilidade, já apontada por alguns autores (LIMA, 2014LIMA, E. F. A. Avaliação da qualidade da estratégia saúde da família. 2014. 228 f. Tese (Doutorado em Enfermagem). - Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.; SCHWARTZ , 2010SCHWARTZ, T. D. et.al. Estratégia Saúde da Família: avaliando o acesso ao SUS a partir da percepção dos usuários da Unidade de Saúde de Resistência, na Região de São Pedro, no município de Vitória/ES. Ciência & Saúde Coletiva. Rio de janeiro, v.15, n. 4, 2010, p. 2145-54.; TRAVASSOS; MARTINS, 2004TRAVASSOS, C; MARTINS, M. Uma revisão sobre os conceitos de acesso e utilização de serviços de saúdeCad Saúde Publica, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 190-198, 2004.), é importante destacar o recorte desta pesquisa, realçando apenas os aspectos relacionados às características arquitetônicas que facilitam o acesso de pessoas com deficiência e idosos.

Conclusão

A realização deste estudo permitiu constatar avanços e desafios com relação à ampliação do acesso e melhoria da qualidade da Atenção Básica no estado do Espírito Santo, no contexto avaliativo do PMAQ-AB.

Quanto à caracterização dos trabalhadores da saúde no que diz respeito à composição das equipes e aos aspectos relacionados aos vínculos empregatícios, no primeiro eixo de análise, os dados apontam avanços no que tange à fixação dos profissionais e à desprecarização das relações de trabalho na AB no estado. Porém, retomando os objetivos deste estudo, esta pesquisa aponta para a necessidade de maiores investimentos na incorporação de médicos, uma vez que 29,9% das UBS não contavam com esses profissionais, bem como de médicos especialistas e de outros profissionais na AB.

Nesse sentido, destaca-se a importância da proposta do apoio matricial, por meio dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, em que estas equipes buscam agregar conhecimentos e aumentar a capacidade operacional das equipes locais na resolução dos problemas de saúde. Importante ressaltar a existência de apenas quatro NASF no Espírito Santo, em 2011, o que deve ser considerado como um importante dificultador para a inclusão de outros trabalhadores na ESF. Nesse contexto, o estudo também oferece importantes subsídios para os gestores dos serviços de saúde que pretendem implementar e/ou qualificar o desenvolvimento de equipes multiprofissionais e valorizar os trabalhadores por meio do Plano de Cargos Carreiras e Salários.

A análise feita no segundo eixo também aponta para a realização de práticas de planejamento, organização dos processos de trabalho, territorialização e acolhimento. Os achados dessa investigação evidenciam que tais propostas vêm se difundindo na prática institucional e sua operacionalização assinala a centralidade dos sujeitos nas ações de planejamento das equipes de saúde. Porém, novos estudos são necessários para melhor avaliar a dimensão do planejamento desenvolvido nessas instituições de saúde e verificar se o mesmo ainda permanece focado em aspectos do modelo biomédico, com tendências normativas, sem considerar suficientemente critérios de risco e vulnerabilidade e sem a utilização adequada de instrumentos preconizados para o seu desenvolvimento.

Considerando-se a complexidade envolvida na prática do acolhimento no cotidiano das instituições de saúde, o desenvolvimento desse processo pode revelar contradições e distanciamentos entre as intenções de uma prática e sua real aplicação nas situações concretas diárias. Nesse sentido, sugerem-se estudos futuros para um aprofundamento na temática do acolhimento.

Além disso, é preciso aprofundar a análise de metodologias e modelos básicos de instrumentos de programação e avaliação, que traduzam as diretrizes da ESF, com capacidade de adequação às peculiaridades e necessidades locais em cada território. Também é necessário, futuramente, avaliar de forma mais ampla o planejamento de ações nas equipes com relação à fragmentação, descontinuidade e respeito aos limites de competência dos profissionais na gestão da saúde da população em seus territórios de abrangência. Estes resultados apontam também para a importância de análises culturais no que tange ao planejamento participativo.

Em relação ao terceiro eixo, os dados evidenciaram desafios a serem superados, principalmente no que tange aos elementos estruturais que dificultam o acesso funcional, ou seja, o acesso propriamente dito aos serviços de saúdes, especialmente com relação às pessoas com deficiência e idosos. Além disso, destacaram-se indicadores insatisfatórios referentes às questões do ambiente, expondo a necessidade de maiores investimentos em infraestrutura, a fim de suplantar importantes questões afetas à vigilância em saúde e a biossegurança, essenciais para avaliação da qualidade dos serviços de saúde.

Por fim, é oportuno ressaltar a necessidade de estudos que busquem ouvir os usuários para melhor avaliar a ampliação do acesso e a melhoria da qualidade da Atenção Básica, por meio de análise da adequação do espaço físico, da disponibilidade de insumos e equipamentos, do número suficiente de profissionais nas equipes e da estruturação e regulação da rede de referência e contrarreferência.

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  • Suporte financeiro: não houve

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2014

Histórico

  • Recebido
    Abr 2013
  • Aceito
    Jul 2014
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