Fluxo de internação por Covid-19 nas regiões de saúde do Brasil

Everton Nunes da Silva Fernando Ramalho Gameleira Soares Gustavo Saraiva Frio Aimê Oliveira Fabrício Vieira Cavalcante Natália Regina Alves Vaz Martins Klébya Hellen Dantas de Oliveira Leonor Maria Pacheco Santos Sobre os autores

RESUMO

Objetivou-se investigar os fluxos de internações por Covid-19 nas 450 regiões e 117 macrorregiões de saúde brasileiras, de março a outubro de 2020. Realizou-se estudo descritivo, compreendendo todas as internações por Covid-19 registradas no Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe entre a 8ª e a 44ª semanas epidemiológicas de 2020. Identificaram-se 397.830 internações por Covid-19 no Brasil. A evasão foi de 11,9% dos residentes nas regiões de saúde e de 6,8% nas macrorregiões; padrão que se manteve no período de pico das internações por Covid-19. Houve, em média, 17,6% de evasão dos residentes das regiões de saúde do Nordeste e de 8,8% das do Sul. A evasão foi mais acentuada nas regiões de saúde com até 100 mil/hab. (36,9%), a qual foi 7 vezes maior que a verificada naquelas com mais de 2 milhões/habitantes (5,2%). O indicador de eficácia migratória negativo (-0,39) indicou predomínio da evasão. Das 450 regiões de saúde brasileiras, 117 (39,3%) apresentaram coeficiente de eficácia migratória entre-1 e-0,75; e 113 (25,1%), entre-0,75 e-0,25. Os resultados indicam que a regionalização do sistema de saúde mostrou-se adequada na organização do atendimento no território, porém, as longas distâncias percorridas ainda são preocupantes.

PALAVRAS-CHAVE
Covid-19; Regionalização da saúde; Hospitalização; Movimentação e deslocamento de pacientes

Introdução

A Covid-19 tem desafiado os sistemas de saúde mundialmente, os quais precisaram reorganizar os serviços de saúde para o enfrentamento da pandemia11 Legido-Quigley H, Asgari N, Teo YY, et al. Are high-performing health systems resilient against the COVID-19 epidemic? Lancet. 2020 [acesso em 2020 jun 2]; 395(10227):848-50. Disponível: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0140673620305511
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
,22 Lal A, Erondu NA, Heymann DL, et al. Fragmented health s ystems in COVID-19: rectifying the misalignment between global health security and universal health coverage. Lancet. 2021 [acesso em 2020 jun 2]; 397(10268):61-7. Disponível em: https://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0140673620322285
https://linkinghub.elsevier.com/retrieve...
. Dada a sua alta transmissibilidade, potencialmente agravada pelo aparecimento de novas variantes, e ausência de tratamentos específicos, a Covid-19 se alastrou rapidamente entre os países de alta, média e baixa renda. Estados Unidos, Índia e Brasil são os países com maior número de casos e mortes por Covid-19. Entretanto, embora tenha consequências negativas em todo o mundo, nos países em desenvolvimento, a Covid-19 tem maior chance de aumentar as iniquidades em saúde, incluindo falhas no acesso à saúde e aumento do fluxo de pacientes para tratamento de saúde33 World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19) pandemic. Geneva: World Health Organization. 2021 [acesso em 2020 jun 2]. Disponível em: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019?gclid=CjwKCAjwndCKBhAkEiwAgSDKQVETSJHiHNq4PWWCiIjwXAlwjGmifOsRm2gbSBgZbf4RRGotE1xd2hoCTcoQAvD_BwE
https://www.who.int/emergencies/diseases...
.

No Brasil, apesar da transmissão do vírus Sars-CoV-2 ter rapidamente atingido todas as regiões, isso ocorreu em diferentes proporções44 Araújo JL, Oliveira KKD, Freitas RJM. Organização da assistência hospitalar de referência para COVID-19: Relato de experiência. Brazilian J Dev. 2020 [acesso em 2020 jun 2]; 6(5):29326-39. Disponível em https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/10334
https://www.brazilianjournals.com/index....
,55 Fundação Oswaldo Cruz. Plano de Contingência da Fiocruz Diante da Pandemia da Doença pelo SARS-CoV-2 (COVID-19). Vol. 1.3. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020. [acesso em 2020 jun 2]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/documento/plano-de-contingencia-da-fiocruz-para-pandemia-de-Covid-19-versao-13
https://portal.fiocruz.br/documento/plan...
. As desigualdades regionais que incluem, além de diferenças socioeconômicas, uma desigual distribuição dos recursos e oferta dos serviços de saúde - afora alterar o fluxo de pacientes - têm impacto no bem-estar, morbidade e mortalidade pela doença44 Araújo JL, Oliveira KKD, Freitas RJM. Organização da assistência hospitalar de referência para COVID-19: Relato de experiência. Brazilian J Dev. 2020 [acesso em 2020 jun 2]; 6(5):29326-39. Disponível em https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/10334
https://www.brazilianjournals.com/index....
,55 Fundação Oswaldo Cruz. Plano de Contingência da Fiocruz Diante da Pandemia da Doença pelo SARS-CoV-2 (COVID-19). Vol. 1.3. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020. [acesso em 2020 jun 2]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/documento/plano-de-contingencia-da-fiocruz-para-pandemia-de-Covid-19-versao-13
https://portal.fiocruz.br/documento/plan...
.

O processo de interiorização da Covid-19 ao atingir os municípios de pequeno porte, os quais estão menos estruturados em termos de oferta de serviços de saúde de média e alta complexidade, desafia a capacidade de gestão municipal66 Portela MC, Pereira CCA, Andrade CLT, et al. As regiões de saúde e a capacidade instalada de leitos de UTI e alguns equipamentos para o enfrentamento dos casos graves de Covid-19: Nota Técnica 2. 2020. [acesso em 2020 jun 2]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/42249
https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict...
. Um estudo apontou que 90,4% dos municípios brasileiros não dispunham de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para adultos, 59,3% não dispunham de respiradores/ventiladores, 51,9% não possuíam monitores de eletrocardiograma (ECG), 39,6% não contavam com desfibriladores, 71,0% não registravam bombas de infusão e 84,6% não tinham tomógrafos registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) em fevereiro de 202066 Portela MC, Pereira CCA, Andrade CLT, et al. As regiões de saúde e a capacidade instalada de leitos de UTI e alguns equipamentos para o enfrentamento dos casos graves de Covid-19: Nota Técnica 2. 2020. [acesso em 2020 jun 2]. Disponível em: https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/42249
https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict...
. Assim, embora uma pequena parcela de pacientes com Covid-19 evolua para quadros graves da doença, estes podem necessitar de hospitalização e cuidados intensivos em UTI77 Wu Z, McGoogan JM. Characteristics of and Important Lessons From the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China. JAMA. 2020 [acesso em 2020 jun 2]; 7;323(13):1239. Disponível em: https://jamanetwork.com/journals/jama/fullarticle/2762130
https://jamanetwork.com/journals/jama/fu...
. Dessa forma, é esperado encontrar fluxos de internação entre municípios e dentro das regiões de saúde.

Nesse contexto, é importante analisar os fluxos de internações por Covid-19 no âmbito das regiões de saúde, visto que a maioria dos municípios não possui oferta de serviços especializados para os casos mais graves da doença. As regiões de saúde podem ser entendidas como uma estratégia para otimizar a gestão dos serviços de saúde, a racionalização de recursos e o aporte institucional para a criação de redes de atenção em saúde88 Xavier DR, Oliveira RAD, Barcellos C, et al. As Regiões de Saúde no Brasil segundo internações: método para apoio na regionalização de saúde. Cad. Saúde Pública. 2019 [acesso em 2020 jun 2]; 35(supl2). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2019000805003&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. A organização regionalizada dos serviços de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS) define os fluxos de pacientes no território, tanto no nível das regiões como no nível das macrorregiões de saúde, e depende, entre outros, da oferta de transporte e da capacidade dos municípios de referência99 Scarpin CT, Steiner MTA, Dias GJC, et al. Otimização no serviço de saúde no estado do Paraná: fluxo de pacientes e novas configurações hierárquicas. Gest. Prod. 2008 [acesso em 2020 jun 2]; 15(2):275-90. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-530X2008000200006&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,1010 Brasil. Ministério da saúde. Resolução nº 1, de 29 de setembro de 2011. Estabelece diretrizes gerais para a instituição de Regiões de Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos do Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Brasília, DF: Saúde Legis - Sistema de Legislação da Saúde; 2011.
.

O objetivo deste estudo foi de investigar os fluxos de internações por Covid-19 nas 450 regiões e 117 macrorregiões de saúde brasileiras no período de março a outubro de 2020. Avaliaram-se: i) a proporção de internações de residentes dentro da sua região de saúde e da sua macrorregião de saúde, estratificada pelo período de maior estresse do sistema de saúde; ii) os fluxos de pacientes que buscaram internações por Covid-19 entre as regiões de saúde, mapeando as regiões e macrorregiões que apresentaram processo migratório de evasão/invasão de internações por Covid-19.

Material e métodos

Foi realizado um estudo descritivo dos fluxos de internações por Covid-19 nas regiões de saúde, levando em consideração diferentes recortes (regiões e macrorregiões de saúde). A unidade de análise foi a região de saúde, contemplando todas as 450 regiões e as 117 macrorregiões de saúde brasileiras.

As macrorregiões foram definidas com base na Resolução CIT nº 37/2018, que estabeleceu o parâmetro mínimo de 500 mil habitantes para os estados do Norte e de 700 mil habitantes para os demais estados.

O número de internações por Covid-19 foi obtido por meio do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe), do Ministério da Saúde do Brasil. O Sivep-Gripe foi criado inicialmente para o monitoramento do vírus influenza no País, a partir de uma rede de vigilância sentinela da síndrome gripal, e adaptado em 2020 para orientar o Sistema Nacional de Vigilância em Saúde para a circulação simultânea do novo coronavírus. A partir da Nota Técnica nº 20/2020-SAPS/GAB/SAPS/MS e da Portaria Sesab nº 233, de 19 de junho de 2021, todo caso de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) hospitalizado ou óbito por SRAG, ainda que não hospitalizado, mas que se enquadre na definição de caso, deve ser obrigatoriamente notificado no Sivep-Gripe, em até 24 horas, pelas unidades cadastradas (hospitais, Unidades de Pronto Atendimento - UPA, Serviço de atendimento Médico de Urgência - Samu, Serviço de Verificação de Óbito - SVO). Nesse banco, não foi possível distinguir quais dados se referem ao setor público ou privado. Foram considerados, para a amostra deste estudo, apenas indivíduos nos quais a classificação final do caso foi de SRAG-Covid-19, confirmada após o resultado positivo de teste molecular RT-PCR para o vírus Sars-CoV-21111 Niquini RP, Lana RM, Pacheco AG, et al. SRAG por COVID-19 no Brasil: descrição e comparação de características demográficas e comorbidades com SRAG por influenza e com a população geral. Cad. Saúde Pública. 2020 [acesso em 2021 jun 21]; 36(7):1-12. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/Zgn3W4jYm6nZpCNt98K6Sdv/?format=pdf&lang=pt
https://www.scielo.br/j/csp/a/Zgn3W4jYm6...
.

O estudo compreendeu todas as internações por Covid-19 registradas no Sivep-Gripe de 1º de março a 29 de outubro de 2020, que equivalem às notificações realizadas entre a 8ª e a 44ª semanas epidemiológicas. Esse período foi selecionado devido à disponibilidade de dados até a realização deste estudo.

Para estimar a capacidade de atendimento das regiões de saúde em prover internações por Covid-19 aos seus residentes, foi calculada a proporção obtida pela divisão do somatório de todas as internações pela doença realizadas pelos residentes dentro da sua respectiva região de saúde pelo somatório de todas as internações por Covid-19 realizadas pelos residentes daquela região de saúde. Essa proporção foi calculada em dois períodos distintos. O primeiro período refere-se ao pico das internações por Covid-19 na região de saúde, definido como a semana epidemiológica com maior número de internações pela doença, acrescida das semanas epidemiológicas anterior e posterior. Esse período representa a situação em que o sistema hospitalar seria mais demandado pela população atendida. O segundo período refere-se às demais semanas epidemiológicas, excluindo-se o período de pico das internações por Covid-19.

Para identificar os fluxos de internações pela doença, foram cruzados os dados de origem dos pacientes (região de saúde de residência) com os dados do local da realização das internações (região de saúde de atendimento). Com o cruzamento das internações por Covid-19, também foi possível identificar o indicador de eficácia migratória, que leva em consideração a evasão e invasão de pacientes. Segundo Rocha1212 Rocha JSY, Monteiro RA, Moreira ML. Hospitalization flow in the public and private systems in the state of Sao Paulo, Brazil. Rev Saude Publica. 2015 [acesso em 2020 jun 2]; (49). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102015000100258&lng=en&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, quanto maior a evasão de pacientes, menor seria a capacidade de assistir local ou regionalmente a população; e quanto maior a invasão de pacientes, maior o poder de atração exercido pelas condições de oferta de assistência1212 Rocha JSY, Monteiro RA, Moreira ML. Hospitalization flow in the public and private systems in the state of Sao Paulo, Brazil. Rev Saude Publica. 2015 [acesso em 2020 jun 2]; (49). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102015000100258&lng=en&tlng=en
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. O Indicador de Eficácia Migratória (IEM) foi obtido pela fórmula abaixo:

IEM=(I-E)/(E+I)

Em que ‘I’ é a invasão, definida como a entrada de pacientes de outras regiões de saúde; ‘E’ é a evasão, definida com a saída de pacientes para outras regiões de saúde; ‘I - E’ é a migração líquida (entradas menos saídas de pacientes em uma região de saúde); ‘E + I’ é a migração bruta (entradas mais saídas de pacientes em uma região de saúde). O indicador assume valores entre 1 e-1 inclusive. Valores próximos de 1 indicam alta atração migratória, enquanto valores próximos de-1 indicam alta repulsão migratória.

Também foi calculada a distância média percorrida pelos pacientes para internações realizadas fora das regiões de saúde e entre municípios dentro da própria região. Esta foi calculada no software QGIS com base na distância euclidiana em metros entre as coordenadas das sedes dos municípios de residência e de internação do fluxo, utilizando uma projeção policônica com o sistema de referência geodésico Sirgas 2000. As coordenadas das sedes municipais foram obtidas no estudo ‘Cadastro de Localidades Selecionadas 2010’ do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essa informação fornece uma medida de trajeto percorrido pelos pacientes, a qual foi estratificada por porte populacional da região de saúde (até 100 mil habitantes; entre 100 mil e 200 mil habitantes; entre 200 mil e 500 mil habitantes; entre 500 mil e 1 milhão de habitantes; de 1 milhão a 2 milhões de habitantes; e acima de 2 milhões de habitantes) e região geográfica (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul).

Análise estatística

Os dados foram tabulados para cada uma das 450 regiões de saúde e das 117 macrorregiões de saúde. Inicialmente, foram apresentadas as frequências absolutas e relativas de internação por Covid-19. Em seguida, foram calculados os percentuais médios de evasão nas regiões de saúde, para Brasil e suas cinco regiões geográficas, estratificando segundo períodos de maior e menor demanda de internações e segundo o porte populacional das regiões de saúde. O deslocamento foi representado pelas distâncias médias e graficamente por meio de mapas, incluindo os fluxos entre regiões e macrorregiões de saúde. Da mesma forma, a eficiência migratória nesses recortes territoriais foi apresentada por meio de mapas. Para a análise dos dados, foi utilizado o software Stata, versão 14. Para a elaboração dos mapas, foi utilizado o software QGIS, versão 3.12.

Aspectos éticos

Foram utilizados exclusivamente dados secundários, de acesso público e não identificados. Dessa forma, não foi necessária a submissão do estudo ao sistema CEP/Conep.

Resultados

No período de março a outubro de 2020, foram registradas no Brasil 397.830 internações por Covid-19, sendo: 33.399 no Norte (8,4%, taxa de 17,9 internações por 10 mil hab.); 37.626 no Centro-Oeste (9,4%, taxa de 22,8 internações por 10 mil hab.); 45.187 no Sul (11,4%, taxa de 15 internações por 10 mil hab.); 81.121 no Nordeste (20,4%, taxa de 14,1 internações por 10 mil hab.); e 200.497 no Sudeste (50,4%, taxa de 22,5 internações por 10 mil hab.).

Apenas 11,9% dos residentes saíram de suas regiões de saúde para conseguir internação por Covid-19. Entretanto, estratificando a análise por regiões geográficas, o Nordeste destaca-se como a região com maior evasão de pacientes, onde se observou 17,6%, o dobro do percentual verificado na região Sul. Identificaram-se também variações em termos de porte populacional das regiões de saúde, com o percentual médio de evasão de 36,9% naquelas regiões de saúde com população de até 100 mil habitantes e 5,2% naquelas com população acima de 2 milhões de habitantes. Essa relação inversa entre porte populacional e percentual de evasão se mantém de forma geral, mesmo estratificando os dados pelas regiões geográficas brasileiras (tabela 1).

Tabela 1
Percentual de evasão de residentes da região de saúde para internação por Covid-19, segundo região geográfica, intensidade de demanda por internação e porte populacional da região de saúde de residência do paciente, entre março e outubro de 2020

As diferenças no percentual de evasão das regiões de saúde mostraram-se pouco sensíveis em relação aos períodos com maior ou menor demanda por internações, não sendo possível identificar um padrão evidente nas variações entre esses períodos quando avaliados por região geográfica e porte populacional. No entanto, as regiões geográficas apresentaram, com exceção do Sudeste, um pequeno incremento da evasão quando se analisou o período de maior demanda (tabela 1).

As distâncias percorridas pelos pacientes nas 47.476 internações por Covid-19 registradas fora da região de saúde de residência, somadas, perfazem um total de 5,9 milhões de quilômetros, o que representa uma média de 229 km por deslocamento. Esse indicador, contudo, apresenta grande heterogeneidade, pois reúne deslocamentos médios que vão desde 60 km no Sudeste até 409 km no Norte. Embora o maior número de internações por Covid-19 tenha sido encontrado na região Sudeste (45%), e os maiores deslocamentos médios, na região Norte, seguido pela região Centro-Oeste (182,8 km), foi o Nordeste que apresentou o maior somatório de deslocamentos, mais de 1,9 milhão de km, uma vez que, além de apresentar deslocamento médio relevante (135,4 km), teve o segundo maior volume de internações de residentes por Covid-19 (30%).

Os estados do Norte e do Centro-Oeste são aqueles que apresentaram maiores médias de deslocamento para fora das regiões de saúde (acima de 300 km), sendo os principais, por ordem decrescente: Acre (922,1 km), Mato Grosso (489,2 km), Amazonas (484,2 km), Roraima (471,8 km), Mato Grosso do Sul (466,3 km), Rondônia (459,9 km), Pará (411 km) e Amapá (315 km) (figura 1A).

Figura 1
Distância média de deslocamento para internação por Covid-19 realizada fora da região de saúde (A) e dentro de cada região de saúde (B) no Brasil de março a outubro de 2020

De maneira geral, houve menor deslocamento médio para internação por Covid-19 dentro das regiões de saúde (28,2 km). Apenas alguns poucos estados apresentam médias de deslocamentos acima de 100 km, são eles: Amazonas (134,4 km), Rondônia (122,9 km), Roraima (117,1 km), Acre (108,2 km) e Mato Grosso do Sul (103,7 km). É possível perceber na figura 1B que o Sudeste, tanto em relação aos deslocamentos para fora das regiões de saúde quanto entre os municípios dentro das regiões de saúde, apresentou menores deslocamentos médios. No deslocamento interno à região de saúde, registrou-se no Sudeste uma média ligeiramente superior a 20 km.

As figuras 2A to 2B evidenciam os fluxos mais intensos de evasão de pacientes para internações por Covid-19 no Brasil, partindo das regiões e macrorregiões de saúde, entre março e outubro de 2020. Foi nítida a centralidade exercida pelas regiões de saúde dos municípios das capitais estaduais, figurando, na maioria das vezes, como a região de destino mais frequente dos fluxos de evasão para internação nas escalas das unidades da federação. Algumas regiões de saúde também extrapolam os limites estaduais, como é o caso da região de saúde do município de São Paulo, que exerce influência sobre todas as capitais brasileiras, sendo o destino mais frequente da evasão de muitas delas (figura 2A). As capitais do Norte e do Centro-Oeste centralizam fluxos de regiões que estão a grandes distâncias, como se observa mais nitidamente nos fluxos em direção às regiões de saúde de Manaus, Belém e Cuiabá.

Figura 2
Fluxo mais intenso de evasão de pacientes para internação por Covid-19 entre as regiões de saúde (A) e as macrorregiões de saúde (B) brasileiras de março a outubro de 2020

Os fluxos entre macrorregiões de saúde, embora partam de um volume significativamente menor de deslocamentos (representando apenas 6,8% das internações dos seus residentes), reforçam a centralidade das capitais estaduais, e do movimento de várias capitais em direção a São Paulo quando os pacientes precisam se deslocar para alguma outra macrorregião (figura 2B).

Em contraste a esses grandes deslocamentos, verificou-se, em vários estados, a presença de polos de atração de fluxo de pacientes, além das capitais. Entre os 52 municípios ‘polo’ idenficados, 23 situavam-se na região Sudeste (13 em Minas Gerais e 10 em São Paulo), seguido de 15 no Nordeste (presentes em oito dos nove estados), 9 no Sul (em todos os três estados), 3 no Norte e 2 no Centro-Oeste. A maioria desses municípios classificava-se como Muito Alto (12%) e Alto (67%) pelo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), indicando que, provavelmente, são municípios mais desenvolvidos que os seus vizinhos. Analisando o porte populacional, comparado com os demais municípios nas suas respectivas macrorregiões de saúde, 75% dos municípios eram os mais populosos da sua macrorregião de saúde, atuando como polos para migração de pacientes.

As regiões de saúde localizadas no Norte, especialmente em Manaus, Macapá e Belém, e nas capitais litorâneas de São Luiz, Fortaleza, Recife, Maceió, Rio de Janeiro, além do estado de São Paulo, atingiram o período crítico para internações por Covid-19 ainda em maio de 2020. Enquanto isso, regiões de saúde dos estados de Mato Grosso do Sul, de Goiás e de parte do interior da Bahia e de Minas Gerais apresentaram picos mais tardios de internações por Covid-19. Em geral, as regiões de saúde distribuídas nas capitais do Sul tiveram seus momentos mais críticos de internação em julho (figura 3).

Figura 3
Temporalidade de período crítico de internação por Covid-19 no Brasil, de acordo com a região de saúde, entre março e outubro de 2020

Os dados de migração bruta para internação por Covid-19, considerando o deslocamento entre as macrorregiões, dão destaque em magnitude àquelas das Regiões Metropolitanas de São Paulo, Goiânia, Distrito Federal e entorno, Salvador, Recife e Fortaleza, todas com total de migração bruta acima de 800 deslocamentos. A região Sul, apesar de indicar maior eficácia migratória média entre as macrorregiões de saúde, apresenta baixa migração bruta entre elas. Grande parte das macrorregiões de saúde que tiveram uma quantidade maior de migração bruta de pacientes coincide com áreas nas quais se verifica o predomínio de movimentos de invasão em relação à evasão, e se dão mais claramente nas capitais dos estados ou em importantes cidades do interior. Destacam-se movimentos migratórios com predomínio de evasão, mais relevantes em termos quantitativos, nas macrorregiões contíguas àquelas das capitais (figura 4 A).

Figura 4
Eficácia migratória para internação por Covid-19 no Brasil por macrorregião de saúde (A) e por região de saúde (B) entre março e outubro de 2020

O cálculo da eficácia migratória para as regiões de saúde resulta em um valor médio nacional de-0,39. Valores negativos indicam um predomínio dos processos de evasão, ou seja, há mais regiões de saúde em que os residentes tiveram de procurar internação por Covid-19 fora de sua região de residência. Vale ressaltar também que os deslocamentos entre regiões de saúde se dão ainda sobre uma base de migração bruta mais elevada do que a verificada entre as macrorregiões de saúde. Entretanto, observou-se uma heterogeneidade de resultados dentro das Unidades Federativas. A região Sul, mesmo figurando como a região geográfica que apresenta maior média de eficácia migratória de regiões de saúde para internação por Covid-19, ainda assim, apresenta valor menor que zero para o indicador (-0,17). Ou seja, apesar do predomínio de invasão ou regiões com eficácia próxima de zero no Sul, há várias regiões de saúde com pessoas evadindo-se. As outras regiões geográficas mostram maior número de regiões de saúde com predomínio de evasão. No Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste, a maior parte das regiões de saúde possui eficácia migratória negativa (evasão). A região Nordeste é a que apresenta a menor média do valor de eficácia migratória entre as regiões de saúde (-0,52), seguida das regiões Centro-Oeste (-0,46), Norte (-0,45) e Sudeste (-0,33) (figura 4B). O Sudeste é a região com maior heterogeneidade, com diversas regiões com evasão e outras tantas com invasão. É importante destacar que a maior parte das regiões de alta eficácia migratória (0,75 - 1) é rodeada de regiões de baixa eficácia migratória (-1 --0,75), indicando que seja possível destino dos pacientes das regiões vizinhas.

Discussão

Os resultados do estudo revelaram um baixo percentual de evasão para internação por Covid-19 nas regiões de saúde brasileiras (11,9%) e nas macrorregiões (6,8%) de saúde brasileiras, e demonstraram a centralidade exercida pelas capitais estaduais. Além disso, foram observadas variações de fluxos nas regiões geográficas e em termos de porte populacional das regiões de saúde e macrorregiões de saúde. Entretanto, o período de pico das internações por Covid-19 pareceu não influenciar os padrões de fluxo de internação dos pacientes, embora tenha divergido entre as regiões brasileiras.

O recorte da região de saúde permitiu analisar a capacidade de cooperação entre os municípios de uma mesma região de saúde, dados os desafios enfrentados em nível municipal em termos da oferta de equipamentos e leitos1313 Portela MC, Pereira CCA, Andrade CLT, et al. Nota Técnica 2: As regiões de saúde e a capacidade instalada de leitos de UTI e alguns equipamentos para o enfrentamento dos casos graves de Covid-19. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2020. [acesso em 2020 jun 2]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/nt_2_portela_et_al_regioes_de_saude_e_a_capacidade_instalada_de_leitos_de_uti_e_equipamentos_na_Covid-19.pdf
https://portal.fiocruz.br/sites/portal.f...
. Historicamente, a descentralização do SUS para os entes subnacionais priorizou o movimento de municipalização da saúde até o ano de 2000, no qual os municípios ganhavam protagonismo na provisão e organização dos serviços de saúde1414 Viana ALD’Á, Bousquat A, Melo GA, et al. Regionalization and Health Networks. Ciênc. Saúde Colet. 2018; 23(6):1791-8.. No entanto, a baixa cooperação interfederativa e as escassas experiências de redes de atenção à saúde reforçaram a fragmentação do cuidado da saúde, comprometendo a implementação dos princípios da universalidade e da integralidade do SUS1515 Ribeiro JM, Moreira MR, Ouverney AM, et al. Políticas de saúde e lacunas federativas no Brasil: uma análise da capacidade regional de provisão de serviços. Ciênc. Saúde Colet. 2017 [acesso em 2021 out 21]; 22(4):1031-44. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017002401031&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. Parte desse contexto é consequência da forma de financiamento da saúde pública, valendo-se de pagamento por procedimento e de incentivos financeiros para o desenvolvimento de políticas específicas, sem, necessariamente, integrar uma rede de atenção à saúde1616 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília, DF: Organização Pan-Americana da Saúde; 2011. [acesso em 2021 out 21]. Disponível em: https://www.paho.org/bra/dmdocuments/Redes_Atencao_Saude_Eugenio_2ed.PDF
https://www.paho.org/bra/dmdocuments/Red...
. Por exemplo, a lógica dos repasses federais para a média e a alta complexidade ainda se mantém associada ao histórico de produção e adesão a programas e incentivos federais, causando competição entre os entes subnacionais pelo recurso financeiro em detrimento do cooperativismo1515 Ribeiro JM, Moreira MR, Ouverney AM, et al. Políticas de saúde e lacunas federativas no Brasil: uma análise da capacidade regional de provisão de serviços. Ciênc. Saúde Colet. 2017 [acesso em 2021 out 21]; 22(4):1031-44. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017002401031&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. A partir das Normas Operacionais de Assistência à Saúde (Noas), publicadas em 2001 e 20021717 Brasil. Ministério da saúde. Portaria nº 95, de 26 de janeiro de 2001: Norma Operacional da Assistência à Saúde / SUS NOAS-SUS 01/2001. Brasília, DF: Saúde Legis - Sistema de Legislação da Saúde; 2001., a regionalização da saúde ganhou espaço, bem como a organização das redes de atenção à saúde, que foram reguladas pela Portaria GM/MS nº 4.279/20101818 Brasil. Ministério da saúde. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Brasília, DF: Saúde Legis - Sistema de Legislação da Saúde; 2010. [acesso em 2021 out 21]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
. No ano seguinte, o Decreto nº 7.508/20111919 Brasil. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providencias. Brasília, DF: Diário Oficial da União. 28 Jun 2011. [acesso em 2021 out 21]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7508.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
estabeleceu critérios mínimos de oferta de ações e serviços de saúde para serem instituídas as regiões de saúde, devendo conter pelo menos: i) atenção primária; ii) urgência e emergência; iii) atenção psicossocial; iv) atenção ambulatorial especializada e hospitalar; e v) vigilância em saúde. Todos esses cuidados têm uma interface direta com o enfrentamento da Covid-19 no contexto brasileiro.

Em relação ao baixo percentual de evasão para internação por Covid-19 nas regiões de saúde brasileiras, neste estudo, em média, 88,1% dos residentes foram atendidos nas suas regiões de saúde no período de março a outubro de 2020. Dados de 2016 mostraram um percentual de evasão de 33% das internações realizadas no SUS em um universo de mais de 11 milhões de internações88 Xavier DR, Oliveira RAD, Barcellos C, et al. As Regiões de Saúde no Brasil segundo internações: método para apoio na regionalização de saúde. Cad. Saúde Pública. 2019 [acesso em 2020 jun 2]; 35(supl2). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2019000805003&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. Assim, há um possível avanço na resolutividade das redes de serviços nas regiões de saúde ao longo do tempo e para as internações por Covid-19.

No entanto, os resultados deste estudo mostraram que enquanto no Nordeste foi observado, em média, 17,6% de evasão dos residentes das regiões de saúde, esse percentual foi de 8,8% nas regiões de saúde do Sul. Quando os residentes tiveram que procurar internações por Covid-19 em outras regiões de saúde, o deslocamento médio foi de 229 km, sendo essa distância média menor no Sudeste (60 km) e maior no Norte (409 km).

O acesso geográfico ao tratamento de qualquer doença é de extrema importância, visto que a agilidade e o tempo adequado de atendimento minimizam as possíveis manifestações clínicas indesejadas pela doença. Em um estudo ecológico que aborda os fluxos origem-destino das internações de pacientes oncológicos conduzido por Oliveira2020 Oliveira EXG, Melo ECP, Pinheiro RS, et al. Acesso à assistência oncológica: mapeamento dos fluxos origem-destino das internações e dos atendimentos ambulatoriais. O caso do câncer de mama. Cad. Saúde Pública. 2011 [acesso em 2020 jun 2]; 27(2):317-26. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2011000200013&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, foi evidenciado que uma das causas dos fluxos de internações são o acesso geográfico de oferta do tratamento e as barreiras na organização das redes de saúde à luz dos serviços de referência e contrarreferência de tratamento de doenças. Somado a isso, de acordo com Xavier88 Xavier DR, Oliveira RAD, Barcellos C, et al. As Regiões de Saúde no Brasil segundo internações: método para apoio na regionalização de saúde. Cad. Saúde Pública. 2019 [acesso em 2020 jun 2]; 35(supl2). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2019000805003&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
em seu estudo sobre regionalização segundo internações, as questões relacionadas com o deslocamento de pacientes em busca de tratamentos estão intrinsicamente ligadas a composição do espaço geográfico, suas redes de transporte e as relações interpessoais entre as comunidades desses municípios.

Nesse estudo, o indicador de eficácia migratória negativo (-0,39), indicando predomínio da evasão, foi, provavelmente, influenciado pelas regiões de saúde menos populosas (79,1% das regiões de saúde têm menos de 500 mil/hab.), as quais são mais frequentes no território brasileiro. Das 450 regiões de saúde brasileiras, 117 (39,3%) apresentaram coeficiente de eficácia migratória entre-1 e-0,75, e 113 (25,1%), entre-0,75 e-0,25. A evasão foi mais acentuada nas regiões de saúde com até 100 mil/hab. (36,9%), a qual foi 7 vezes maior que a verificada nas regiões de saúde com mais de 2 milhões/hab. (5,2%). No caso dos municípios de pequeno porte populacional e de baixo desenvolvimento econômico, é provável que os desafios para ofertar cuidados de saúde de qualidade e em tempo oportuno à população residente foram acentuados, dadas as restrições orçamentárias e a falta de escala para serviços de média e alta complexidade.

Ademais, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) têm reforçado o papel da regionalização no seu guia orientador para o enfrentamento da pandemia de Covid-19 na rede de atenção à saúde2121 Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde; Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Guia Orientador para o enfrentamento da pandemia Covid-19 na Rede de Atenção à Saúde. Brasília, DF: Conass; 2020. [acesso em 2020 jun 2]. Disponível em: https://www.conass.org.br/wp-content/uploads/2020/05/Instrumento-Orientador-Conass-Conasems.pdf
https://www.conass.org.br/wp-content/upl...
. Entre as ações recomendadas com foco na regionalização da saúde, podem-se citar: i) a constituição de uma rede solidária para a aquisição de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), respiradores e outros insumos necessários; ii) a identificação de leitos de retaguarda já em funcionamento no âmbito da região de saúde; iii) o levantamento da ampliação de leitos conforme a necessidade de cada região de saúde.

A regionalização da saúde é um avanço advindo do processo de formulação do SUS que proporciona o fortalecimento do princípio da universalidade por meio da descentralização do acesso aos serviços de saúde local, mas nota-se um estrangulamento do SUS quanto a sua capacidade de resposta em relação ao fortalecimento da integralidade e equidade na assistência2222 Mendes Á, Louvison M. O debate da regionalização em tempos de turbulência no SUS. Saúde e Soc. 2015 [acesso em 2021 out 21]; 24(2):393-402. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-12902015000200393&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, o que fortalece a regionalização como um mecanismo de organização dos fluxos de atendimento como estratégia para a melhoria da capacidade instalada dos serviços com consequente diminuição da dependência de outros locais para internação2323 Gerhardt TE, Pinto JM, Riquinho DL, et al. Utilização de serviços de saúde de atenção básica em municípios da metade sul do Rio Grande do Sul: análise baseada em sistemas de informação. Ciênc. Saúde Colet. 2011 [acesso em 2020 jun 2]; 16(supl1):1221-32. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232011000700054&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. Com isso, é preciso compreender que o processo de regionalização da saúde no Brasil ainda está inacabado, e que a ausência de um ente legal instituído em nível regional no SUS, com arcabouço legal constituído, com poder para o planejamento e a operacionalização das redes de atenção à saúde de forma integrada regionalmente, compromete esse processo2424 Rabello LEFS. SUS: o espaço da gestão inovada e dos consensos interfederativos - aspectos jurídicos, administrativos e financeiros. Ciênc. Saúde Colet. 2009 [acesso em 2020 jun 2]; 14(3):983-983. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232009000300034&lng=pt&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
,2525 Goya N, Andrade LOM. O Sistema Único de Saúde e o desafio da gestão regionalizada e contratualizada. Rev Bras em Promoção da Saúde. 2018 [acesso em 2020 jun 2]; 21;31(4). Disponível em: http://periodicos.unifor.br/RBPS/article/view/8773
http://periodicos.unifor.br/RBPS/article...
.

O sistema de saúde deve desempenhar suas funções para além do contexto da pandemia, com a expansão de UTI e leitos hospitalares, sendo capaz ainda de reorganizar os fluxos na rede de atendimento a fim de promover a ampliação do acesso e capacidade de resposta às demandas usuais e de urgência e emergência2626 World Health Organization. Operational considerations for case management of COVID-19 in health facility and community: interim guidance, 19 March 2020. Geneva: World Health Organization; 2020. [acesso em 2020 jun 2]. Disponível em: https://apps.who.int/iris/handle/10665/331492
https://apps.who.int/iris/handle/10665/3...
. Embora haja outros fatores relevantes, os resultados sobre a evasão de pacientes apresentados nesse estudo, especialmente em regiões de saúde com pequeno porte populacional, apontam para a necessidade de ampliação na oferta de serviços hospitalares, leitos e profissionais nas diferentes regiões de saúde. A regionalização da saúde, associada às dimensões continentais do Brasil, faz com que muitos pacientes percorram longas distâncias em busca de internação, situação desfavorável em função da pandemia e da rápida evolução da doença2727 Noronha KVMS, Guedes GR, Turra CM, et al. Pandemia por COVID-19 no Brasil: análise da demanda e da oferta de leitos hospitalares e equipamentos de ventilação assistida segundo diferentes cenários. Cad. Saúde Pública. 2020 [acesso em 2020 jun 2]; 36(6). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2020000605004&tlng=pt
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
.

Limitações

O uso de dados secundários pode estar sujeito a problemas na notificação dos casos. Os dados representam o período de março a outubro de 2020 (antes da segunda onda epidemiológica da Covid-19 no Brasil), e é possível que os fluxos de internação ocorram de maneira distinta em outros períodos da pandemia. Também não foi possível estimar, a partir dos dados, a demanda reprimida de internação não realizada, ou seja, um baixo percentual de evasão não necessariamente traduz uma elevada capacidade em atender às demandas da região de saúde. Ademais, não foi possível distinguir os fluxos de internação do setor público e privado, visto que essa distinção não está disponível no banco de dados do sistema de informação em saúde usado neste estudo. Por fim, é importante frisar que foi utilizada a distância euclidiana a partir dos centroides municipais para quantificar os fluxos entre as regiões de saúde. Essa medida pode ter subestimado a distância real percorrida pelos pacientes.

Implicação dos resultados para as políticas de saúde

A análise dos fluxos de internação por Covid-19 nas regiões de saúde pode indicar a necessidade de reorganização das regiões de saúde para que sejam capazes de cumprir seus objetivos, com vistas a garantir o acesso resolutivo da rede de atenção, em tempo oportuno e com qualidade, efetivando o processo de descentralização das ações e serviços de saúde, com o uso racional dos recursos, de modo a reduzir as desigualdades locais e regionais.

  • Suporte financeiro: Chamada Pública MCTI/CNPq/CT-Saúde/MS/SCTIE/Decit Nº 07/2020
  • *
    Orcid (Open Researcher and Contributor ID).

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    25 Maio 2021
  • Aceito
    06 Out 2021
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde RJ - Brazil
E-mail: revista@saudeemdebate.org.br